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01 junho 2024

Fenômenos MAIS modificáveis são MENOS irresistíveis

Fenômenos mais modificáveis são menos irresistíveis

O trecho abaixo é notável em sua importância epistemológica e em sua aplicação pedagógica. Comentando as críticas sofridas pelas teorias de Gall e Spurtzheim sobre o cérebro e seu funcionamento, Augusto Comte nota que uma delas em particular, conquanto errada em si mesma, permitiu lançar luz sobre questões importantes – daí a conveniência de examinar tal crítica. Essa crítica afirma que a noção de leis naturais (e, mais particularmente, a noção de que os fenômenos cerebrais seguem, também, leis naturais) impede a liberdade humana e torna a educação irrelevante ou inútil.

Para responder a essa crítica, Augusto Comte observa que os fenômenos mais complicados (e mais específicos) são os mais modificáveis e, inversamente, que os mais simples (e mais gerais) são os menos modificáveis. Além disso, o fundador da Sociologia nota que o aumento da complicação e da especificidade implica um acréscimo contínuo de novas leis naturais específicas, cada qual com suas próprias variações: esse acúmulo paulatino de novas variações acarreta nos fenômenos mais complicados maiores graus de variação, ou, nos termos abaixo, menores graus de irresistibilidade, sem que isso acarrete, de qualquer maneira, a negação da noção de leis naturais próprias a cada fenômeno. No que se refere à educação, a menor irresistibilidade juntamente com as leis naturais específicas resultam em que há grande espaço para a educação, o que não significa, todavia, que leis e instituições possam, por si sós, pura e simplesmente fazer o que quiser com o ser humano, da mesma forma que não podem criar gênios.

Em termos epistemológicos, esse trecho é importantíssimo porque esclarece, mais uma vez, o que significa a expressão “maior complicação, maior modificabilidade”. Do ponto de vista pedagógico – mas também da política prática –, esse trecho é importantíssimo porque assenta que o ser humano não é infinitamente maleável nem que é maleável conforme vontades arbitrárias e caprichosas[1].

De modo geral o trecho é autoexplicativo. Convém notar, entretanto, que Augusto Comte critica a “ideologia francesa” e a “psicologia germânica”: no primeiro caso, a referência é à “Ideologia” e aos ideólogos, que se constituíram nos intelectuais franceses de maior nomeada após o Iluminismo e a Revolução Francesa; Comte considera em particular as obras de Étienne de Condillac e Claude-Adrien Helvétius. No que se refere à “psicologia”, eu não sei identificar por ora a quem ele referia-se especificamente. De qualquer maneira, tanto em um caso quanto no outro, para Comte as doutrinas ideológicas e psicológicas eram profundamente metafísicas, afirmando concepções degradadas da teologia, como a noção de “alma”, ou a de “eu” unitário[2]. Em contraposição a tais doutrinas, Augusto Comte elogia o estudo empírico do cérebro, com a busca da determinação tanto das funções cerebrais elementares quanto dos órgãos cerebrais específicos[3] – e, a partir daí, estabelecendo as bases positivas para o estudo e a compreensão da subjetividade do ser humano. Assim, o elogio que Augusto Comte faz à frenologia, a Gall e a Spurtzheim considera as importantes pesquisas empíricas de neuroanatomia e de neurofisiologia, que estabeleceram indiscutivelmente as bases realmente elementares do que se chama nos dias de hoje de “neurociência”; essas pesquisas têm valor por si sós, independentes das aplicações posteriores e/ou de exageros interpretativos, que Augusto Comte criticava ou que deixava de lado[4].

* * *

“Entre as inúmeras objeções que foram sucessivamente levantadas contra essa bela doutrina, considerada sempre unicamente nas suas disposições fundamentais, e continuando a eliminar toda especialização, só uma merece ser assinada aqui, tanto pela sua alta importância, como pela nova luz que a sua inteira resolução fez jorrar sobre o espírito da teoria. Consiste ela na pretensa irresistibilidade que juízes irrefletidos creram dever assim ser atribuída às ações humanas, e que é necessário examinar sumariamente do ponto de vista geral peculiar à filosofia positiva.

Só uma profunda ignorância do verdadeiro espírito da filosofia natural poderia fazer confundir, em princípio, a subordinação de acontecimentos quaisquer a leis invariáveis, com a irresistível consumação necessária deles. No conjunto do mundo real, orgânico ou inorgânico, é evidente, como já o estabeleci, que os fenômenos das diversas ordens são tanto menos modificáveis, e determinam tendências tanto mais irresistíveis, quanto mais simples e mais gerais são ao mesmo tempo eles. Sob este aspecto, os atos da gravidade, por serem relativos à mais geral e a mais simples de todas as leis naturais, são os únicos que possamos conceber como plenamente e necessariamente irresistíveis, pois que não podem jamais ser inteiramente suspensos; eles se fazem sempre sentir, de uma maneira qualquer, já por um movimento, já por uma pressão. Mas a medida que os fenômenos se complicam, a sua produção exigindo o concurso indispensável de um número sempre crescente de influências distintas e independentes, eles se tornam, só por isso, cada vez mais modificáveis, ou, em outros termos, a sua consumação se faz cada vez menos irresistível. Isso resulta das combinações cada vez mais variadas que comportam as diversas condições necessárias, cada uma das quais continua todavia a ser isoladamente sujeita às suas leis fundamentais, sem as quais a concepção geral da natureza ficaria nesse estado arbitrário e desordenado que a filosofia teológica é diretamente destinada a representar. É assim que os fenômenos físicos, e sobretudo os fenômenos químicos, comportam modificações continuamente mais profundas, e apresentam, por conseqüência, uma irresistibilidade sempre menor, como tive o cuidado de explicá-lo. Notamos igualmente que, em virtude da sua complicação e da sua especialidade superiores, os fenômenos fisiológicos são os mais modificáveis e os menos irresistíveis de todos, conquanto sempre submetidos, na sua consumação, a leis naturais invariáveis. Por uma conseqüência evidente da mesma noção filosófica, é claro que os fenômenos da vida animal, em razão da sua menor indispensabilidade e da sua inevitável intermitência, devem realmente ser encarados como mais modificáveis e menos irresistíveis ainda do que os da vida orgânica propriamente dita. Enfim, os fenômenos intelectuais e morais, que, pela sua natureza, são a um tempo mais complicados e mais especiais do que todos os outros fenômenos precedentes, devem evidentemente comportar mais importantes modificações e manifestar, portanto, uma irresistibilidade muito menor. Mas por isso cada uma das numerosas influências elementares que concorrem para eles não cessa de obedecer, no seu exercício espontâneo, a leis rigorosamente invariáveis, apesar do mais das vezes desconhecidas até ao presente. É o que Gall e Spurtzheim verificaram diretamente no caso atual, da maneira menos indubitável, por uma luminosa argumentação. Bastou-lhes, depois de ter lembrado que os atos reais dependem quase sempre da ação combinada de várias faculdades fundamentais, observar, em primeiro lugar, que o exercício pode desenvolver muito cada faculdade qualquer, como a inatividade tende a atrofiá-la; e, em segundo lugar, que as faculdade intelectuais diretamente destinada, pela sua natureza, a modificar a conduta geral do animal segundo as exigências variáveis da situação dele, podem alterar muito a influência prática de todas as outras faculdades. Em virtude desse pulo princípio, não pode haver verdadeira irresistibilidade, e por conseqüência irresponsabilidade necessária, conforme as indicações gerais da razão pública, senão nos casos de mania propriamente dita. Nestes a preponderância exagerada de uma faculdade determinada, proveniente da inflamação ou da hipertrofia do órgão correspondente, reduza de alguma sorte o organismo ao estado de simplicidade e de fatalidade da natureza inerte. É pois bem vãmente, e com leviandade bem superficial, que se acusou a fisiologia cerebral de menosprezar a alta influência da educação, e da legislação que constitui o prolongamento necessário desta, porque fixou judiciosamente os verdadeiros limites gerais de ambas. Por haver negado, contra a ideologia francesa, a possibilidade de converter, à vontade, mediante instituições convenientes, todo os homens em outros tantos Sócrates, Homeros, ou Arquimedes, e, contra a psicologia germânica, o império absoluto, muito mais absurdo ainda, que a energia do eu exerceria para transformar, ao seu sabor, a sua natureza moral, a doutrina frenológica foi representada como radicalmente destrutiva de toda liberdade razoável, e de todo aperfeiçoamento do homem por meio de uma educação bem concebida e sabiamente dirigida! É todavia evidente, só pela definição geral da educação, que essa incontestável perfectibilidade supõe necessariamente a existência fundamental de predisposições convenientes, e, demais, que cada uma delas é submetida a leis determinadas. Sem estas não se poderia conceber que se tornasse possível exercer sobre o conjunto das nossas disposições influência alguma verdadeiramente sistemática. De sorte que é precisamente, pelo contrário, à fisiologia cerebral que pertence exclusivamente a posição racional do problema filosófico da educação. Enfim, segundo uma última consideração mais especial, essa fisiologia erige em princípio incontestável que os homens são, de ordinário, essencialmente medíocres, tanto para o bem como para o mal, na sua dupla natureza afetiva e intelectual. Isto é, a fisiologia cerebral mostra que, afastando um pequeníssimo número de organizações excepcionais, cada um deles possui, em grau pouco pronunciado, todos os instintos, todos os sentimentos, e todas as aptidões elementares, sem que a maioria das vezes faculdade alguma seja, em si mesma, altamente preponderante. É portanto claro que o mais vasto campo acha-se assim diretamente aberto à educação para modificar, quase em todos os sentidos, organismos tão flexíveis; embora, quanto ao grau, o seu desenvolvimento deva sempre ficar nesse estado pouco assinalada que basta plenamente para a boa harmonia social, como o explicarei mais tarde”.

(Augusto Comte, Sistema de filosofia positiva, v. 3, lição 45, p. 808-813, apud Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 14-17; itálicos de Teixeira Mendes. Esse trecho pode ser lido no original aqui: https://archive.org/details/bub_gb_i-cx5K6kWVMC/page/807/mode/2up?view=theater.)



[1] Uma aplicação política imediata dessas reflexões pedagógicas é no sentido de pôr por terra a noção pós-moderna e identitária, ao mesmo tempo vulgar, falsa e errada, tão comum nos dias atuais, segundo a qual “tudo é social”, no sentido de que tudo seria “socialmente construído”, ou seja, de que tudo seria passível de manipulação (e destruição) intencional e caprichosa.

[2] Mesmo hoje, essa noção metafísica continua exercendo profunda influência entre inúmeros pensadores, em virtude de sua filiação com a teologia. As doutrinas psicológicas, especialmente as de origem alemã (a psicanálise à frente), também são profundamente metafísicas, embora com freqüência devido a outros motivos.

[3] A noção de que o cérebro na verdade é um aparelho e não um órgão unitário, era bastante clara para Comte, a partir das pesquisas precisamente de Gall e Spurtzheim.

[4] Entre as aplicações posteriores e/ou os exageros que A. Comte criticava ou deixava de lado estão a “craniometria”, a busca (e a suposta determinação) do “órgão do roubo”, do “órgão do assassinato” etc. (Cf. Augusto Comte, Sistema de filosofia positiva, v. 3, lição 45, p. 797-798, apud Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 9, nota de rodapé. Disponível na postagem “Instintos e genética não são fatalidades” (https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2024/05/instintos-e-genetica-nao-sao-fatalidades.html).)

18 abril 2015

Augusto Comte: Ciências Sociais modificando as Ciências Naturais

No trecho abaixo, em vez de sugerir qualquer cientificismo ou materialismo, Augusto Comte é extremamente explícito a respeito da influência que as ciências superiores (Sociologia e Moral) devem ter sobre as inferiores (Matemática, Astronomia, Física, Química e até a Biologia), seja sistematizando-as, seja impondo o espírito de conjunto, seja, portanto, mudando algumas concepções.

Na época em que foi escrito esse texto - 1848 -, para Comte a "ciência final" era ainda apenas a Sociologia; mas, nos dois anos seguintes, ele acrescentou uma outra ciência positiva fundamental, a Moral, responsável pelo estudo do que chamaríamos hoje de "psicologia". É claro que, mesmo com essa inclusão teórica posterior, o sentido da passagem abaixo não muda em nada.

Por fim, é importante realçar que a idéia de que as Ciências Sociais devem exercer uma atividade teórica modificadora sobre as Ciências Naturais não é nova: é da primeira metade do século XIX. E mais: essa idéia pertence ao próprio pai do Positivismo - que, aliás, foi também o pai da Sociologia, da Moral Positiva e, portanto, da História da Ciência. Diga-se de passagem que esse trecho põe por terra a metade de todos os manuais de Epistemologia das Ciências Humanas.

Eis o trecho:

La série générale [des sciences positives abstraites] constitui ainsi le résumé le plus concis des plus vastes méditations abstraites; et, réciproquement, toutes les saines études spéciales aboutissent à autant de développements partiels de cette hiérarchie universelle. Quoique chaque partie exige des inductions distinctes, chacune reçoit de la précédente une influence déductive, qui restera toujours aussi indispensable à sa constitution dogmatique qu'elle le fut d'abord à son essor historique. Toutes les études préliminaires préparent ainsi la science finale, laquelle désormais réagira sans cesse sur leur culture systématique, pour y faire enfim prévaloir le véritable esprit d'ensemble, toujours lié au vrai sentiment social.

(Auguste Comte, "Discours préliminaire – première partie: esprit fondamental du Positivisme", in: Système de politique positive, v. 1, 1851, p. 44-45. É possível contextualizar esse trecho no conjunto do livro consultando-os aqui.)

14 abril 2015

Charge de 1871: "Um jovem positivista"

Abaixo uma charge publicada na revista Punch, Londres, n. 61, de 30 de dezembro de 1871, p. 269. O título é "Um jovem positivista" ("A young positivist"). Obtive-a a partir do portal Positivists (mais exatamente, aqui), que, por sua vez, obtivera-a por meio do Google Books.

O autor do desenho é George du Marier, um desenhista britânico de origem francesa. (Para uma pequena biografia sua, ver aqui; para uma galeria de suas ilustrações, ver aqui.)

A piada é muito engraçada; uma tradução livre seria a seguinte:

Pároco: Que é um milagre?
Garoto: Num sei.
Pároco: Bem, se o Sol estivesse a brilhar no meio da noite, você diria que se trata do quê?
Garoto: Da Lua.
Pároco: Mas se tivessem-lhe dito que era o Sol, o que você diria que é?
Garoto: Uma mentira.
Pároco: Eu não conto mentiras. Suponha que eu tivesse-lhe dito que era o Sol; o que você diria então?
Garoto: Que você não estava sóbrio!




Conforme o portal Positivists informa, após a publicação original dessa charge, o diálogo foi republicado várias vezes ao longo dos anos, em inúmeros periódicos ao redor do mundo - mas sem a ilustração e também sem a referência à Epistemologia positivista. 

Eis as outras publicações que o portal Positivists identificou, entre 1872 e 1899, dos Estados Unidos à Nova Zelândia e à Austrália, passando pela Inglaterra:


  • [Sem título] na seção "Novidades e fofocas" (“News and Gossip”) de Morning Chronicle, Halifax, Nova Scotia, 26 de janeiro de 1872, p. 2. Google
  • Indianapolis People, Indiana, domingo, 28 de janeiro de 1872, p. 7. Archive
  • New Albany Weekly Ledger, quarta-feira, 31 de janeiro de 1872, p. 2Archive
  • Matéria “London Punch contains this account of ‘A Young Positivist'”, The St. Cloud journal, St. Cloud, Minnesota, 8 de fevereiro de 1872, p.1Archive
  • “Parson to a young lad” em Mariposa Gazette, California, v. 17, n. 40, 29 de março de 1872. California Digital Newspaper Collection
  • Frederick Locker, “What is a Miracle”, em Patchwork, London: Smith, Elder, 1879. p. 67.Forgotten Books
  • “A Clergyman, interrogating a Sunday-School class of Boys, said”, na seção “Omnium-Gatherum” de Waikato Times, Nova Zelândia, v. XLII, n. 3.433, 30 de junho de 1894, p. 4. Archive
  • “The Young Idea” em The West Australian Sunday Times, Perth (Austrália), domingo, 1º de outubro de 1899. National Library of Australia

23 janeiro 2013

Objetividade e subjetividade, análise e síntese, absolutismo e relativismo


A despeito de ser extremamente denso e exigir a compreensão preliminar de toda a filosofia da história, da ciência e da religião de Comte, o trecho abaixo é notável e esclarecedor, com sua avaliação das relações entre as sínteses absoluta e relativa – a primeira característica da teologia e da metafísica, a segunda, do Positivismo –, assim como das relações entre a subjetividade relativa (de caráter sintético) e a objetividade científica (de caráter analítico).
Augusto Comte indica que a teologia e a metafísica, ambas absolutas e buscando as causas, tiveram sua importância histórica, mas suas sínteses eram subjetivas, embora afirmassem-se objetivas. A passagem para a síntese relativa implica o abandono da pesquisa das causas e a busca das leis naturais; ao mesmo tempo, deve-se abandonar qualquer esperança de síntese objetiva, assumindo-se que a síntese é necessariamente subjetiva.
Com isso, a relação entre subjetividade e objetividade – e, daí, entre síntese e análise – muda. O desenvolvimento da objetividade científica foi necessário para mostrar o quanto a busca do absoluto é infrutífera; mas essa própria objetividade – que é sempre analítica – deve ser sempre subordinada à subjetividade relativa, de caráter sintético: essa subordinação consiste no fornecimento dos materiais intelectuais a serem coordenados pela síntese relativa.

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“Mieux on médite sur la marche primitive de notre intelligence, plus on reconnaît qu'elle n'exigeait d'autre rectification radicale que de substituer l'étude des lois à la recherche des causes. Son vice fondamental, d'ailleurs inévitable et même indispensable, ne consistait point dans son caractère subjectif, mais dans sa nature absolue. La longue coexistence de ces deux attributs n'a point empêché la subjectivité de manifester ses hautes propriétés, intellectuelles et surtout morales. Toute synthèse doit être subjective, puisque l'objectivité reste toujours analytique. Mais la prépondérance de la subjectivité est encore plus indispensable à la subordination fondamentale de l'esprit envers le cœur. Cette double nécessité, qui jusqu'ici prévalut sans être aperçue, a été confusément sentie par les principaux métaphysiciens modernes, depuis l'avortement décisif des nombreuses tentatives de systématisation objective. Ainsi poussés vers l'unité subjective, ils ne l'ont manquée que pour l'avoir restreinte à l'homme individuel, au lieu de la fonder sur l'humanité.
La subjectivité initiale n'avait donc besoin que de devenir relative; mais cette transformation radicale a exigé tout le préambule objective accompli graduellement depuis Thalès jusqu'à Bichat. Car il fallait pour cela faire universellement prévaloir l'étude des lois naturelles, qui ne pouvait commencer qu'envers les moindres phénomènes, d'où elle s'est ensuite étendue lentement aux plus éminents. L'achèvement de cette immense préparation conduit maintenant à fonder la vraie subjectivité, en substituant la sociologie à la théologie. Ainsi rendue relative, la prépondérance du véritable point de vue humain devient beaucoup plus directe, et même plus complète que lorsqu'elle présidait implicitement au régime absolu. Cette transformation définitive est encore plus salutaire au cœur qu'à l'esprit, d'après l'harmonie durable qu'elle institue entre eux. L'objectivité, qui ne put rien systématiser, prend enfin son office caractéristique, de fournir partout les matériaux des constructions réservées à la subjectivité” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 581-582).

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Tradução para o português:

"Mais se medita sobre a marcha primitiva de nossa inteligência, mais se reconhece que ela não exigiria outra retificação radical senão a de substituir pelo estudo das leis a pesquisa das causas. Seu vício fundamental, aliás inevitável e mesmo indispensável, não consistiu de maneira nenhuma em seu caráter subjetivo, mas em sua natureza absoluta. A longa coexistência desses dois atributos não impediu de modo nenhum a subjetividade de manifestar suas altas propriedades, intelectuais e sobretudo morais. Toda síntese deve ser subjetiva, pois a objetividade permanece sempre analítica. Mas a preponderância da subjetividade é ainda mais indispensável à subordinação fundamental do espírito ao coração. Essa dupla necessidade, que até aqui prevaleceu sem ser percebida, foi confusamente sentida pelos principais metafísicos modernos, depois do abortamento decisivo de numerosas tentativas de sistematização objetiva. Assim impelidos em direção à unidade subjetiva, eles não falharam senão em restringi-la ao homem individual, em vez de fundá-la sobre a Humanidade.

A subjetividade inicial, então, não tinha necessidade senão de tornar-se relativa; mas essa transformação radical exigiu todo o preâmbulo objetivo realizado gradualmente após Tales [de Mileto] até [Xavier] Bichat. Afinal, era necessário para isso fazer prevalecer universalmente o estudo das leis naturais, que não poderia começar senão a respeito dos menores fenômenos, de que ela lentamente se estendeu em seguida aos mais eminentes. A conclusão dessa imensa preparação conduz agora a fundar a verdadeira subjetividade, ao substituir pela Sociologia a teologia. Assim tornada relativa, a preponderância do verdadeiro ponto vista humano torna-se bastante mais direto e mesmo mais completo que quando ele presidia implicitamente o regime absoluto. Essa transformação definitiva é ainda mais salutar ao coração que ao espírito, segundo a harmonia durável que ela institui entre eles. A objetividade, não pode nada sistematizar, assume afinal seu ofício característico, de fornecer por toda parte os materiais das construções reservadas à subjetividade" (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 581-582).

16 janeiro 2013

Nível de dedução, secura afetiva e orgulho


No trecho abaixo Comte afirma que os diferentes graus de abstração (ou, de modo equivalente, os graus de indução) de cada ciência têm diferentes conseqüências morais para os respectivos cientistas. Em particular, Comte chama a atenção para o fato de que, ao ser principalmente uma atividade intelectual, a ciência estimula a secura do coração, isto é, estimula os cientistas a tornarem-se frios e/ou anti-sociais.
Mas, mais do que isso, quanto maior o grau de dedução aplicado, mais o orgulho é estimulado: afinal de contas, como na dedução o indivíduo trabalha isoladamente, cria-se a impressão de que os resultados obtidos têm origem estritamente individual, sem o concurso prévio ou concomitante de outras pessoas (e habilidades). Por outro lado, a indução exige a coleta de dados empíricos, o que lhe confere um certo caráter coletivo – o que acarreta um certo nível de sociabilização. A Química, ao aproximar-se mais da Sociologia e da Moral, além de conter um grande elemento de indução, está relativamente menos sujeita a esses vícios que a Matemática, a Astronomia e a Física.
Desse modo, o trecho abaixo mais uma vez evidencia o quanto é errado afirmar que o Positivismo (e Comte) é “intelectualista”, “academicista”, “objetivista” – ou, em variações próprias às Ciências Humanas e Sociais, “anti-reflexivo”, “anti-subjetivista”, “anti-compreensivo” e outras tolices semelhantes.

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“Outre la sécheresse inhérente à toute occupation où le cœur a trop peu de part, les travaux scientifiques tendent spécialement à développer l’orgueil, en disposant à une appréciation exagérée du mérite individuel. Ce double danger naturel ne peut être assez contenu que par une vraie discipline religieuse, qui fasse toujours prévaloir dignement l’esprit d’ensemble et le sentiment social. Il s’étend et s’aggrave de plus en plus dans l’anarchie atuelle. Mais, en déployant ces ravages moraux, le régime académique manifeste aussi leur inégale influence sur les diverses classes de savants, qui s’en trouvent d’autant moins affectés que leurs études se rapprochent davantage du but nécessaire de l’évolution positive. Or cette incontestable différence, déjà sensible entre les divers sciences cosmologiques, tient à la fois aux méthodes et aux doctrines. D’abord, les études supérieures font mieux sentir que les inférieures la destination finalement sociale de toutes nos saines spéculations, et même le seul point de vue vraiment universel que comportent nos conceptions positives. Mais, par une réaction plus cachée, leur propre caractère logique restreint davantage ces dangers moraux, en faisant prévaloir graduellement l’induction sur la déduction. En effet, c’est surtout celle-ci que excite l’orgueil scientifique, par des conceptions que chaque esprit croit tirées de lui-même, sans apprécier le concours extérieur. Au contraire, l’induction rappelle toujours une source objective, et même une certaine coopération sociale. C’est principalement dans les études déductives que règne aujourd’hui l’usage, non moins irrationnel qu’immoral, d’enseigner chaque science sans aucune indication historique, comme si celui que l’expose l’avait entièrement créée. Tous ces vices de la culture académique seront essentiellement rectifiés par le régime encyclopédique. Mais l’état le plus normal permettra néanmoins de sentir toujours que les dangers moraux du travail scientifique tiennent davantage à la déduction qu’à l’induction. Quoique cette différence naturelle se manifeste déjà quand on aborde la cosmologie terrestre, elle se trouve aujourd’hui trop dissimulée, en physique, par les usurpations algébriques. C’était donc envers la chimie que je devais en indiquer l’appréciation générale, rendue maintenant si sensible d’après l’irrationnelle dispersion des travaux scientifiques” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 532-534).

Induzir para deduzir - e limitações das deduções


O trecho abaixo expõe uma avaliação preliminar da Química, comparando-a à Física em termos de avanços metodológicos. O resultado parece desabonador para a Química, pois não há grandes avanços (isto é, novidades), mas, mutatis mutandis, apenas desenvolvimentos e aperfeiçoamentos do que se fez na Física.
Entretanto, a passagem da Física à Química indica o verdadeiro caráter da dedução e da indução: somente se induz para melhor deduzir. Entretanto, deve-se fazer duas observações importantes: por um lado, o excesso de deduções obscurece as origens indutivas da ciência; por outro lado, a dedução na Química já está separada da que ocorria inicialmente na Matemática, ou seja, já se percebem (ou deve-se perceber) as limitações de tais deduções.

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“L’importance réelle de cette étude, inversement à la précédente, est moins logique que scientifique. Car la méthode positive n’y fait aucun nouveau pas général, et se borne à y développer davantage les différents procédés inductifs constitués par la physique. Seulement, la complication supérieure des spéculations chimiques y fait mieux ressortir la nature et la destination de l’induction, en laissant une moindre influence à la déduction, alors dégagée irrévocablement de ses formes mathématiques initiales. Dans ce passage de la physique à la chimie, l’esprit sent avec plus d’évidence que la logique pleinement positive doit être moins déductive qu’inductive. Car on n’induit jamais que pour déduire ; tandis que la déduction prolongée fait souvent méconnaître l’induction d’où elle émane toujours” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 532).

Exagerada importância filosófica da Física


O trecho abaixo é bastante interessante, pois Augusto Comte afirma que a Física não tem a importância filosófica que se atribui – ou atribuía – a ela. Citações anteriores e subseqüentes, aliás, indicam que para Comte outras ciências são filosoficamente mais estimulantes e importantes, a exemplo da Astronomia e da Química.
Qual a origem da exagerada aptidão filosófica da Física? Para Comte, ela reside em uma coincidência temporal: a Física começou a desenvolver-se ao mesmo tempo em que se desenvolviam as perspectivas de conjunto, levando-se a considerar-se a íntima relação entre ambas.

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“Son importance dogmatique ne saurait pourtant rester exactement au niveau de son office historique. Car, elle a influé sur l’ensemble de la préparation moderne au delà de sa vraie portée encyclopédique. J’ai déjà expliqué la marche nécessaire qui plaça son essor distinct après celui de toutes les autres sciences préliminaires. Dès lors, il dut coïncider avec la première ébauche des vraies vues encyclopédiques, qui, auparavant impossibles, fautes de bases suffisantes, purent ainsi surgir à travers la culture dispersive. Cette coïncidence mal appréciée fit nécessairement attribuer à la physique plus d’aptitude philosophique que n’en comporte une telle science. L’état normal de la philosophie naturelle ne saurait conserver aucune trace de ce grand incident historique, dû seulement à une situation exceptionnelle” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 531-532).

Busca das causas e persistência do absoluto na Física


É interessante notar que a prática científica não está isenta de absoluto e, portanto, de teologia e/ou de metafísica. Para Augusto Comte, isso é péssimo, pois deturpa o espírito positivo e dificulta não apenas a compreensão da ciência como, de modo mais importante, dificulta a compreensão da realidade. Evidentemente, tal situação é perfeitamente passível de correção, por meio da adoção do relativismo e da perspectiva humana e histórica (logo, subjetiva).
Em outros trechos Comte indicou a permanência dos hábitos mentais absolutistas na Matemática; na citação abaixo ele refere-se à Física.

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“De vaines protestations habituelles, mal empruntées à Bacon, semblent y indiquer une sérieuse renonciation à la recherche des causes, pour vouer la science à la seule découverte des lois. Mais ce langage, même sincère, n’y sert, le plus souvent, qu’à dissimuler une irrationnelle tendance aux notions absolues. L’anarchie ne saurait jamais suffire ni durer, en science guère plus qu’ailleurs. Quels que soient ses désirs d’émancipation totale, l’esprit moderne reviendra, sous de nouvelles formes, au régime métaphysique, tant qu’il n’aura point accepté la nouvelle discipline philosophique qui surgit aujourd’hui de toute l’évolution positive” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 521).

Limitação da ciência como espelho do mundo


A respeito da teoria corpuscular, deve-se notar que as teorias têm um caráter lógico (da mesma forma que a noção de inércia, na Mecânica); atribuir muita realidade a tais noções é exagerar a capacidade de representação das teorias, o que as desnatura.
Esse trecho, nesse sentido, tem um certo caráter histórico, isto é, de história das idéias científicas e físicas. Isso é interessante, mas estritamente limitado. Mais útil é observar que, para Comte, as idéias e as hipóteses não refletem perfeitamente a realidade externa, nem o poder fazer. Em outras palavras, Comte reconhece com todas as letras as limitações da imagem da ciência como um espelho do mundo exterior.

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“C’est aussi à cette science qu’appartient surtout la théorie corpusculaire ou atomistique, que achève de fonder sa propre constitution logique, où elle convient autant que l’inertie en mécanique. Notre tendance à douer d’une existence objective nos constructions subjectives dénature encore l’une et l’autre conception, en y supposant une exacte représentation de la réalité extérieure. Quoique la saine philosophie dissipe cette illusion primitive, elle conserve, en les rectifiant, de précieuses institutions logiques, qui en sont, au fond, indépendantes.
L’intime structure des substances réelles nous demeure nécessarairement inconnue. Mais, en étudiant leurs propriétés, nous sommes rationnellement autorisés à introduire envers elle toutes les hypothèses qui pourront faciliter nos pensées, pourvu que ces artifices soient toujours conformes à la nature des phénomènes correspondants. [...] Mais une telle appréciation philosophique, en expliquant la légitimité relative de l’hypothèse atomistique, interdit aussi son extension absolue, et indique même les limites de son usage normal” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 520).

Indução e dedução na Física


Do ponto de vista da teoria da ciência e da teoria do conhecimento, o trecho abaixo é bastante importante. Sua intenção é avaliar a relação da Física com os métodos gerais da indução e da dedução; inversamente, ele indica o quanto a indução foi desenvolvida pela Física e quais os limites que a dedução – mas também a indução – apresentam. Evidentemente, o trecho abaixo deve ser lido em cotejo com trechos anteriores (sobre as ciências prévias: Matemática e Astronomia), bem como com trechos posteriores (sobre as ciências seguintes: Química, Biologia e, nos volumes seguintes do Sistema de política positiva, Sociologia e Moral).
Os resultados a chega A. Comte com seu exame histórico e teórico da Física são os seguintes. A Física é a ciência que mais e melhor desenvolve bastante a indução, seja porque ela é a ciência que primeiro realiza experiências, seja porque as ciências posteriores são muito complicadas e dificultam as generalizações.
O espírito positivo é mais indutivo que dedutivo, ou seja, é necessário submeter os raciocínios às observações; assim, quanto mais distante da metafísica, mais indutivo é o raciocínio. Todavia, convém notar que a pura indução conduz ao “empiricismo”, que é um erro lógico e teórico.

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“Son efficacité logique correspond à cette importance scientifique. On lui doit surtout l’essor décisif du véritable esprit d’induction, ensuite développé et completé par tout le reste de la philosophie positive. Quoiqu’il naisse d’abord en astronomie, et déjà même en mathématique, ces deux sciences sont trop simples pour en caractériser assez la nature et la destination. D’un autre côté, les sciences suivantes sont tellement compliquées, qu’il n’y pourrait être nettement apprécié, si la physique ne l’avait préalablement élaboré. Elle seule offre le juste degré de difficulté qui convient à la saine manifestation de la logique inductive. Quoique la déduction y conserve beaucoup d’efficacité, déjà elle cesse là de prévaloir, parce que l’institution des vrais principes commence alors à devenir plus embarrassante que le développement des justes conséquences.
Pour mieux sentir combien la physique concourt ainsi à l’élaboration fondamentale de la méthode positive, il faut reconnaître que le véritable esprit philosophique est beaucoup plus caractérisé par l’induction que par la déduction. Celle-ci, d’après son uniformité nécessaire, s’adapte indifféremment à tout régime intellectuel. Elle était déjà très-active sous le règne de la métaphysique. Si la science où elle prévaut le plus constitue pourtant le vrai berceau de la positivité, c’est uniquement parce que l’extrême simplicité des phénomènes mathématiques permet d’y établir sans effort des principes solides. Une induction facile, et souvent inaperçue, réduit alors presque tout le travail logique au seul enchaînement des consequénces. Quoique les autres sciences fassent nécessairement un grand usage de la déduction, la complication graduelle des phénomènes y détermine une prépondérance croissante de l’induction. Celle-ci manifeste mieux le principal caractère de l’esprit positif, la subordination normale du raisonnement à l’observation. On peut même dire que, à mesure que nos théories quelconques s’éloignent davantage de l’état métaphysique, l’induction y remplace de plus en plus la déduction, qui d’abord y régnait souverainement. La raison moderne est donc caractérisée surtout par la construction de la logique inductive, à peine entrevue dans l’antiquité. D’après sa nature plus objective, cette méthode exige une longue suite d’élaborations spéciales, où l’essor de chacun de ses modes essentiels ressort de l’étude des phénomèmes correspondants. Toutefois, sa prépondérance exagérée deviendrait bientôt pernicieuse, en consacrant le pur empirisme, tendance ordinaire des règles inductives que sont abstraitement conçues. Mais le vrai régime positif écarte naturellement ce danger, par cela même qu’il ne sépare jamais la logique de la science. Car, en n’étudiant chaque partie de la méthode inductive qu’avec les doctrines qui l’ont spécialement suscitée, on sent aussitôt que son usage doit toujours être conforme aux notions fondamentales que cette science reçoit de la précédente. À mesure que le phénomènes se compliquent, ces dogmes préalables acquièrent naturellement plus de poids logique, parce que les antécédents se multiplient. Quoiqu’ils ne suffisent jamais aux solutions effectives, ils y fournissent toujours des indications générales, qui servent à diriger convenablement les inductions spéciales. Ainsi, par sa constitution encyclopédique, la vraie culture positive évite également les deux écueils opposés, le mysticisme et l’empirisme, entre lesquels flotte nécessairement toute étude où la déduction et l’induction ne sont pas sagement combinées” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 516-518).

08 janeiro 2013

Astronomia e fenômenos que escapam à previsão estimulando a sabedoria e o amor


O longo trecho abaixo continua apresentando elementos da extensa e interessante avaliação que A. Comte fez das qualidades lógicas, sociais e morais da Astronomia.
Mas estes parágrafos apresentam uma observação fundamental: a idéia de que muitos fenômenos e acontecimentos podem ocorrer (e de fato ocorrem) além das previsões das leis científicas – o exemplo dado é o do choque de um cometa no planeta Terra. Com essa observação, fica novamente patente que, para Comte, embora só possamos regular a vida humana por meio das previsões científicas (feitas, por sua vez, por meio das leis naturais), não é possível prever todos os acontecimentos reais – e é justamente por tais motivos que a sabedoria humana (moral, intelectual, prática) deve sempre ser valorizada.
Comte nota que, em seu conjunto, a Astronomia favorece o relativismo e elimina o absoluto, embora inicialmente dê a impressão contrária. Mais do que isso: a Astronomia apresenta uma série de importantes conseqüências morais, não apenas em virtude de seus métodos e suas teorias, mas também ao relevar ao ser humano a situação cósmica da Terra. Eis algumas dessas conseqüências: a regulação do sentimento de esperança; a evidência da resistência do meio à ação humana; a necessidade de o ser humano buscar em si mesmo os meios para superar as adversidades; o descartar o excesso de previsões e considerar as possibilidades de eventos imprevisíveis (como o possível choque de cometa na Terra); o evitar o terror imobilizante frente às adversidades. Como todos os seres humanos estão igualmente submetidos a esses fenômenos e possibilidades, o cuidado com os demais e o “viver para outrem” evidencia-se como lei moral suprema.
Por fim: as observações abaixo reiteram a concepção de ciência de Comte, bem como a posição que, para ele, a inteligência ocupa na ordem humana. Nada de “cientificismo”, de “intelectualismo”, de “torre de marfim” ou distância da realidade prática; nada de concepção asséptica da ciência; bem ao contrário, preocupação com o bem comum, com o desenvolvimento das idéias para regular a conduta prática e os sentimentos.

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“Ainsi, toute l’astronomie concourt naturellement à constituer l’esprit relatif dans le domaine qui, par as simplicité et son indépendance, paraissait le moins l’admettre. Envers les phénomènes qui concernent l’homme, on n’a jamais pu méconnaître entièrement les variations intérieures qui n’y permettent pas l’absolu. Mais cet attribut semblait devoir appartenir toujours aux événements où nous ne sommes que spectateurs. Or, l’astronomie l’élimine spontanément dans l’étude même de ceux qui sont inaccessibles à toute modification humaine. Cette constitution décisive de la rélativité, au début de l’initiation systématique, doit puissamment influer sur son extension immédiate aux phénomènes plus compliqués, avant que leur propre appréciation l’y ait directement établie.
Pour mieux sentir une telle tendance astronomique, il faut aussi l’envisager sous l’aspect moral. Car la véritable science céleste étend finalement la relativité de nos idées à nos espérances, et par suite à tous nos sentiments. En manifestant les diverses conditions planétaires, elle dissipe la sécurité absolue qui nous représentait comme exemptes de perturbations quelconques. La stabilité essentielle, tant célébrée envers la terre, par les géomètres modernes, ne se rapporte qu’aux changements graduels dus aux gravitations secondaires, qui, en effet, ne peuvent y produire que des oscillations presque indifférentes. Mais, outre la résistance du milieu, qu’on y néglige toujours, il faut surtout considérer les changements brusques, qui ne comportent pas de prévision réelle, et contre lesquels nous ne possédons aucune garantie scientifique. Rien ne peut, par exemple, démontrer, quoi qu’on ait dit, que notre planète est à l’abri de tout choc cométaire. En achevant ainsi d’apprécier notre vraie condition astronomique, on constitue mieux l’énergie et la dignité du caractère humain, qui doit trouver en lui-même sa principale ressource contre l’ensemble de nos misères. Sans nous préoccuper de vaines terreurs, nous tendons alors à écarter davantage un excès de prévoyance et de présomption, qui altère beaucoup notre véritable bonheur, privé et public. Les affections bienveillantes, dont il dépend surtout, acquièrent ainsi plus de prix encore que lorsque chacun se confie trop aux garanties extérieures. Quand même la terre devrait être bientôt bouleversée par un choc céleste, vivre pour autrui, subordonner la personnalité à la sociabilité, ne cesseraient pas de constituer jusqu’au bout le bien et le devoir suprêmes. Les vrais philosophes sentiront toujours, comme les francs prolétaires, que de telles pensées tendent plutôt à consolider notre bonheur réel, chez ceux du moins qui savent en utiliser l’aptitude morale” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 506-507).

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Tradução para o português:

"Assim, toda a Astronomia concorre naturalmente para constituir o espírito relativo no domínio que, devido à sua simplicidade e sua independência, pareceria admiti-lo menos. Em relação aos fenômenos que concernem ao homem, não se pôde nunca desconhecer inteiramente as variações interiores que não não permitem o absoluto. Mas esse atributo pareceria dever pertencer sempre aos eventos em que não somos senão expectadores. Ora, a Astronomia elimina-o espontaneamente no estudo mesmo desses que são inacessíveis a toda modificação humana. Essa constituição decisiva da relatividade, no início da iniciação sistemática, devia influenciar poderosamente sobre sua extensão aos fenômenos mais complicados, antes que sua própria apreciação tenha sido diretamente estabelecida.


Para melhor sentir uma tal tendência astronômica, é necessário também a observar sob o aspecto moral. Afinal, a verdadeira ciência celeste estende finalmente a relatividade de nossas idéias às nossas esperanças e, em conseqüência, a todos os nossos sentimentos. Ao manifestar as diversas condições planetárias, ela dissipa a segurança absoluta que nos representava como isentos de perturbações quaisquer. A estabilidade essencial, tanto celebrada em relação à Terra, pelos geômetras modernos, não se refere senão às mudanças graduais devidas às gravitações secundárias, que, com efeito, não podem produzir senão oscilações quase indiferentes. Mas, além da resistência do meio, que se negligencia sempre, é necessário sobretudo considerar as mudanças bruscas, que não comportam previsão real e contra as quais não possuímos nenhuma garantia científica. Nada pode, por exemplo, demonstrar – o que quer que tenha sido dito – que nosso planeta está ao abrigo de todo choque cometário. Ao concluir assim a apreciação de nossa verdadeira condição astronômica, constitui-se melhor a energia e a dignidade do caráter humano, que deve encontrar em si mesmo seu principal recurso contra o conjunto de nossas misérias. Sem nos preocuparmos com vãos terrores, tendemos então a descartar mais um excesso de previsão e de presunção, que altera bastante nossa verdadeira felicidade, privada e pública. Os afetos da benquerença, de que ela depende sobretudo, adquirem assim mais valor ainda que quando cada um confia demais nas garantias exteriores. Quando mesmo a Terra devesse ser logo perturbada por um choque celeste, viver para outrem, subordinar a personalidade à sociabilidade, não cessariam de constituir até o fim o bem e o dever supremos. Os verdadeiros filósofos sentirão sempre, como os francos proletários, que tais pensamentos tendem antes a consolidar nossa felicidade real, entre aqueles que ao menos sabem utilizar a sua aptidão moral" (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 506-507). 

Conseqüências lógicas, sociais, políticas e morais da Astronomia


Na passagem abaixo Comte indica que a Astronomia fornece a primeira base para a disciplina moral, ao apresentar espetáculos exteriores com uma ordem regular e permanente. Entretanto, por si só a Astronomia conduz ao fatalismo, o que deve ser evitado e combatido. Ainda assim, a ordem astronômica permite que se combata o orgulho e as divagações da razão “pura”, de caráter metafísico: afinal, a ordem é imutável e ninguém pode furtar-se à sua influência, por mais imperfeita que ela seja. Comte indica que a ausência de leis, ou seja, de ordem, é um delírio metafísico; caso pudéssemos construir toda a ordem, não nos submeteríamos a ordem alguma: essa é base da vontade absoluta, cujas derivações políticas consistem nas concepções de que a realidade social é infinitamente plástica e infinitamente sujeita à manipulação humana movida pela pura “vontade” (individual ou coletiva).
Assim, o trecho abaixo evidencia que a Sociologia nomotética de Comte não afasta, de maneira alguma, uma abordagem “compreensiva”, conforme estreitamente defendido por Weber. Da mesma forma, Comte indica os fatores sociais que levaram ao desenvolvimento histórico da ciência (no caso, da Astronomia) e, inversamente, quais as conseqüências que tal desenvolvimento acarretou para a sociedade. (Convém notar que essa importância histórica e social é um dos motivos por que Comte apresenta a Astronomia como uma ciência à parte; outro motivo é a fundação da observação sistemática, com a conseqüência da fundação da indução e da elaboração de hipóteses e de teorias.)
Indo além, Comte indica da mesma forma as conseqüências morais que o desenvolvimento da Astronomia (ou, por outra, o desenvolvimento da observação celeste) têm para a moralidade humana: ela institui a noção de regularidade externa que se impõe a todos. Como indicado acima, essa noção, caso levada muito adiante, conduz ao fatalismo, isto é, à noção de que não há possibilidade alguma de modificação e/ou de intervenção humana: no caso da Astronomia isso é verdade, mas não o é para as demais ciências.

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“L’immuabilité d’un tel ordre constitue la première base systématique de la religion finale, pour régler et rallier, non-seulement nos opinions et nos actions, mais aussi nos affections elles-mêmes. Sans méconnaître sés imperfections réelles, c’est par lui que nous commencerons toujours à sentir le besoin d’une nécessité extérieure, comme condition fondamentale de toute discipline humaine. Ce premier apprentissage de la soumission offre pourtant un grave danger, tant qu’il se borne aux phénomènes immodifiables, où la résignation dégénère en fatalisme. Mais cette tendance initiale, qui troubla beaucoup l’évolution originale, devient aisément évitable dans une éducation systématique, qui subordonne toutes les études préliminaires à des vues d’ensemble sur leur nature et leur destination. Un tel inconvénient n’altérera point, même au début, la salutaire influence, autant morale que mentale, propre au sentiment continu de cette inflexibilité extérieure, sans laquelle rien ne pourrait contenir les discordances de notre orgueil et les divagations de notre raison.

On doit quelquefois regretter que cet ordre immodifiable soit si imparfait. Mais aucun homme sage ne saurait souhaiter d’en être affranchi ; puisque notre conduite manquerait aussitôt de but comme de règle. Le vœu de cette vagabonde indépendance résulta toujours du délire de l’orgueil métaphysique. Nos propres imperfections de tous genres ne nous destinent qu’à modifier, dans ses dispositions secondaires, un ordre éxterieur dont les lois essentielles sont inaccessibles à notre intervention quelconque. Là même où nous pouvons le plus, l’initiative ne nous appartient jamais, et nos efforts ne deviennent efficaces qu’en s’adaptant à cette nécessité inflexible, qu’il faut d’abord connaître pour la respecter toujours. S’il nous était donné de construire librement l’ordre total, nous deviendrions aussitôt incapables d’aucune vraie discipline, personelle ou sociale.

Mais, quelle que soit l’intime réalité d’une telle appréciation, elle est trop contraire à nos tendances primitives pour avoir jamais pu surgir assez, si tous les phénomènes, quoique réglés, eussent été vraiment modifiables. On sent aujourd’hui cette impossibilité par les grandes difficultés qu’éprouve l’admission des lois naturelles envers les événements, surtout sociaux, que leur complication nous permet de modifier beaucoup. Leur vraie notion ne peut prévaloir qu’en y appliquant convenablement la conviction préalable résultée des lois, plus simples et moins flexibles, relatives aux phénomènes plus généraux. Cette succession conduit, de proche en proche, à fonder le sentiment de l’ordre réel sur l’étude des événements qui ne comportent aucune modification volontaire. L’astronomie fournira donc toujours la première base objective de notre sagesse systématique” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 504-505).

Impossibilidade de separação entre fato e valor


A passagem abaixo é de uma importância radical. Tratando ainda das considerações preliminares sobre a Astronomia, Comte indica que toda observação (empírica) é necessariamente pautada por uma série de considerações teóricas: as teorias guiam as observações e estabelecem os vínculos, constituindo as hipóteses.
Essa idéia foi exposta com clareza meridiana nos Opúsculos de filosofia social (publicados entre 1819 e 1828, com tradução brasileira de 1972, publicada pela USP e pela editora Globo, de Porto Alegre) e também no Sistema de filosofia positiva (1830-1842). Mas no cap. I do v. II do Sistema de política positiva, publicado em 1852 e dedicado à teoria da religião, Comte reafirma essa idéia, indicando que não é possível determinar as porções em que a subjetividade e a objetividade combinam-se para a elaboração de qualquer idéia e para a realização de qualquer investigação empírica: o que há é uma variação entre objetividade e subjetividade, dependendo da atividade mental específica.
Na filosofia das ciências proposta por A. Comte, aliás, a subjetividade que opera na produção de teorias e na observação de fatos não é somente "intelectual"; ela também é afetiva e moral. Em outras palavras, as variações entre objetividade e subjetividade dizem respeito não apenas à formulação de hipóteses como à influência sofrida pelos seres humanos pelos seus sentimentos e por seus valores ao elaborarem suas afirmações quaisquer. Em outras palavras: para Comte não há "separação radical entre fato e valor".
Essas indicações são importantes porque põem por terra, de maneira cabal, o mito segundo o qual o “positivismo” e Comte são “objetivistas”, “empiricistas”, “colecionadores de fatos”, “inimigos das teorias e das hipóteses” e por aí vai, conforme difundido não apenas por especialistas em Epistemologia, História e Filosofia das Ciências como também por praticantes das Ciências Humanas e Naturais.


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“Il n’existe aucune séparation absolue entre observer et raisonner. Nulle observation ne peut, ni ne doit, être purement objective. En tant que phénomène humain, cette première opération mentale est en même temps subjective, dans un cas quelconque, à un degré proportionnel à sa complication. L’observation astronomique manifeste clairement cette nécessité générale. Toutes nos spéculations, même géométriques, s’y rapportent à des phénomènes qui ne sauraient être immédiatement explorés. On n’y peut proprement voir que des directions, simultanées ou successives, d’après lesquelles l’esprit doit construire la forme ou le mouvement que l’œil n’a pu embrasser. Le mélange nécessaire et constant entre l’inspection et la prévision ne saurait ailleurs devenir aussi intime ni aussi évident, puisqu’il affecte ici jusqu’aux opérations élémentaires.

C’est de là que résulte la seconde propriété logique de l’astronomie, son aptitude spontanée à caractériser la saine institution des hypothèses scientifiques. En aucun autre cas on ne peut aussi bien sentir à la fois le besoin et la nature de ce puissant procédé, qui devra toujours être d’abord apprécié à cette source, afin de devenir sagement applicable partout ailleurs. Dés le début, dogmatique ou historique, de la véritable astronomie, la simple ébauche géométrique du mouvement diurne resterait impossible sans une hipothèse  abstraite que l’on compare au spectacle concret, pour lier les positions célestes. L’esprit sent là clairement, ce qui ailleurs demeure longtemps équivoque, que le domaine normal de l’hipothèse coïncide essentiellement avec celui de l’observation, dont elle est partout destinée à remplir les lacunes nécessaires. Aucune discussion phillosophique ne devint jamais indispensable pour établir, en astronomie, que les hypothèses légitimes, comme les observations elles-mêmes, concernent seulement les faits et les lois, mais non les causes. Cette précieuse conviction logique se développe spontanément pendant tout le cours des études célestes, tant mécaniques que géométriques. Mais une telle sagesse ne témoigne aucune supériorité philosophique chez les astronomes, qui furent presque toujours dominés par les préjugés contemporains sur la vaine recherche des causes. Elle est entièrement due aux difficultés spéciales qui ont concentré leurs principaux efforts scientifiques vers l’appréciation des faits et des lois, même quand leur esprit était le plus préocuppé de tentatives chimériques” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 500-501).

07 janeiro 2013

Teoria inicial das hipóteses e das abstrações


Ainda ao tratar da Astronomia, Augusto Comte indica que é essa ciência que ensina efetivamente ao ser humano a elaborar hipóteses e, portanto, a abstrair (o que equivale a elaborar tipos ideais da realidade).

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“L’abstraction est tellement facile, en géométrie, qu’elle s’y accomplit spontanément, sans exiger aucun effort systématique qui puisse assez caractériser ses conditions générales. Elle y respose sur la double institution de l’espace universel et des types réguliers, que les moindres intelligences ébauchent à leur insu. La difficulté augmente beaucoup, en mécanique, au sujet de l’inertie et des lois phisiques que la supposent. Aussi l’éducation systématique y pourra déjà placer un premier apprentissage de ce grand procédé logique. Mais le développement astronomique en fut historiquement très-antérieur, et ne cessera jamais de convenir le mieux à son appréciation dogmatique.
Ici, l’abstraction consiste surtout à écarter d’abord les irrégularités secondaires qui empêcheraient de saisir la loi principale, à laquelle on s’efforce ensuite de rattacher les moindres circonstances du phénomène. Ce besoin se manifeste dès le début des théories astronomiques, au sujet des perturbations subjectives, dues à l’interposition de notre milieu fluide ou à l’agitation inaperçue de notre observatoire excentrique. L’impossibilité d’en tenir compte avec des instruments trop grossiers conduisit involontairement les anciens à instituer sans effort cette abstraction initiale. Mais, dans nos études dogmatiques, la réflexion philosophique devient indispensable pour ne point y introduire trop tôt une précision inopportune, qui empêcherait d’y saisir aucune loi. La règle élémentaire du mouvement diurne deviendrait elle-même incompatible avec une exploration trop précise, où elle se trouverait dissimulée par les modifications dues à la seule réfraction. Une pareille nécessité s’est fait sentir aux modernes, pour la fondation de la mécanique céleste. Car, sa loi fondamentale n’aurait jamais pu être découverte, si Képler et Newton n’avaient point écarté d’abord les perturbations objectives, que leurs sucesseurs ont rattachées aux gravitations secondaires. Dans ce cas, c’est sciemment que l’abstraction fut instituée, à titre de condition logique ; de manière à caractériser nettement ce précepte fondamental, destiné surtout aux parties supérieures de la philosophie positive” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 501-502).

Astronomia fundando a arte da observação e, daí, a indução sistemática


Ao apreciar a Astronomia, Comte indica que ela apresenta uma série de grandes qualidades intelectuais; ao comentar cada uma dessas qualidades, apresenta elementos de sua epistemologia. As passagens abaixo indicam que a Astronomia fundou a arte da observação e, com isso, as induções sistemáticas; com isso, aliás, é possível combater-se os exageros metafísicos dos geômetras a respeito das deduções. Embora a Matemática tenha estabelecido as bases da ciência com a teoria das leis (ou seja, das relações constantes de sucessão ou de coexistência), é a Astronomia que dá o impulso propriamente científico com as observações (ou seja, com as induções).

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“Considérons d’abord l’astronomie, qui, logiquement réductible à une sorte de mathématique concrète, mérite scientifiquement de conserver toujours une place distincte dans le système general des études préliminaires. [...]
[...] Des corps que notre vision peut seule explorer de loin ne comporteront jamais d’études vraiment positives qu’envers l’étendue et le mouvement, qui constituent, à notre régard, leur unique existence réelle. Mais les difficultés radicales que présente alors l’exacte appréciation d’une telle existence procurent à l’astronomie une éminente aptitude logique. [...]
D’abord, on doit à l’astronomie le premier essor systématique de l’art d’observer, et, par suite, de la véritable induction. Ni l’un ni l’autre ne pouvaient être assez caractérisés dans la géométrie abstraite, où des formes pleinement accessibles permettent une exploration spontanée à la vue assistée du toucher. Les observations et les inductions y sont si faciles que l’esprit quasi métaphysique de presque tous les géomètres les y laisse inaperçues, en y exagérant la prépondérance naturelle des déductions. En astronomie, la difficulté est trop prononcée pour comporter ces illusions sophistiques. Non-seulement le besoin de l’observation matérielle y devient irrécusable ; mais on y distingue aussi l’élaboration intellectuelle qui l’accompagne toujours, et qui ailleurs ne saurait autant ressortir” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 498-500).