Mostrando postagens com marcador Fraternidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Fraternidade. Mostrar todas as postagens

17 novembro 2025

Monitor Mercantil: A República foi só um golpe?

O jornal carioca Monitor Mercantil publicou no dia 17.11.2025 um artigo de nossa autoria, em que celebramos a Proclamação da República, por meio da crítica à noção difundida atualmente de que esse importante evento histórico foi apenas mais um golpe.

Reproduzimos abaixo o texto.

A publicação original está disponível aqui: https://monitormercantil.com.br/a-republica-foi-mesmo-so-mais-um-golpe/.

*   *   *

A República foi mesmo só mais um golpe?

Em face do desprezo à república e da ideia de que foi apenas um golpe, não é de estranhar a crise política e social que vivemos Por Gustavo Biscaia

Constituição da República Federativa do Brasil (Foto: Rodrigo Viana/Senado Federal)

Em diversas colunas anteriores escrevemos a respeito do conceito de república, bem como da importância de recuperarmos a experiência histórica da república no Brasil. Esses esforços não são exercícios academicistas nem a satisfação de vaidade pessoal; bem ao contrário, eles correspondem à necessária e urgente reafirmação de conceitos e práticas que condensam os mais generosos e realistas traços, projetos e aspirações sociais e políticas das sociedades contemporâneas.

No Brasil – mas, bem vistas as coisas, também no mundo de um modo geral – a manutenção do mito monarquista, a que se vincula de maneira íntima a também mistificada proposta do parlamentarismo, prejudica a noção de república. A tudo isso se soma a desinformação ao mesmo tempo liberal e marxista, que, com objetivos opostos, coincidem na afirmação reducionista de que o republicanismo seria apenas formalismo jurídico (e burguês), sem caráter social, quando não com caráter antissocial.

Como estamos justamente no período da Proclamação da República no Brasil, todas essas concepções ressurgem de maneira avassaladora. A grande síntese dessa degradação geral da utopia republicana é a afirmação atualmente reiterada urbi et orbi de que a Proclamação, no amanhecer de 15 de novembro de 1889, teria sido meramente um golpe militar.

Argumentar os graves erros dessa afirmação não é algo fácil nem, nos dias atuais, muito agradável; mas a autonomia intelectual e moral exige, precisamente, dizer com clareza o que, em determinado momento, não se deseja ouvir, mesmo (ou principalmente) quando quem não quer ouvir são “intelectuais”, bem-pensantes e/ou progressistas. Em outras palavras, bem aqueles que deveriam ser os mais sensíveis e simpáticos ao republicanismo.

O ideal republicano, seja como antimonarquia, seja como espaço de liberdades cívicas e sociais, já era manifestado no Brasil desde o século 18, a partir dos poderosos exemplos da independência dos Estados Unidos (1776-1781) e da Revolução Francesa (1789-1799), mas entrando no século 19, também com a independência de toda a América Espanhola (1808-1829) e, por fim, com a brutal Guerra contra o Paraguai (1864-1870).

A República no Brasil foi proposta pelo grande Tiradentes – cuja celebração, aliás, foi feita desde o início tanto pela independência nacional quanto pela república –; depois pela gloriosa Confederação do Equador (1817) e pelos amplos experimentos envolvidos na Revolução Farroupilha (1835-1845), com a República do Piratini e a República Juliana.

Se tudo isso não fosse pouco – e não é, na medida em que envolveu amplas camadas sociais, das elites aos pobres e aos escravos, de Norte a Sul do país – em termos institucionais o Patriarca da Independência, José Bonifácio, preferia a república à monarquia, mas manteve o regime de castas para manter a unidade territorial e, de maneira reveladora, porque o país somente se manteria uno se fosse com base na escravidão – e a escravidão exigia a monarquia. Além disso, no período regencial (1831-1840) vivemos uma experiência republicana verdadeira e legítima, ainda que tumultuada.

O grande marco do republicanismo brasileiro, todavia, foi a guerra contra o Paraguai, que evidenciou o atraso nacional, representado em particular pela escravidão, pelo imperialismo e, claro, pela própria monarquia. Após décadas de imperialismo e intervencionismo brasileiro na região do Prata, a guerra evidenciou o quanto a monarquia desrespeitava as demais nações; além disso, o sacrifício heroico e voluntário dos soldados paraguaios – que lutavam por sua própria pátria – chocou cada vez mais os brasileiros, que morriam para manter uma sociedade escravista, de castas, mantenedora ativa do atraso.

Não foi por acaso que, quando a guerra terminou, reiniciou-se o republicanismo brasileiro, com a fundação, em 1870, do Partido Republicano, em Itu. Em 2017, em homenagem a esse acontecimento, durante alguns dias o município de Itu foi tornado capital temporária do Brasil, assim como atualmente ocorre com Belém do Pará.

Para além das propostas e tentativas republicanas, é importante pura e simplesmente afirmar o crescente passivo social e político da monarquia. Nesse sentido, não podemos minimizar nem a guerra contra o Paraguai, nem a escravidão, nem o atraso geral do país.

A guerra foi realmente traumática, impondo sacrifícios a toda a população; o regime que, a partir do imperialismo, patrocinou e causou a guerra, merecidamente foi criticado. A partir do exemplo cidadão dos paraguaios, da pressão internacional e do desenvolvimento moral e político interno, a escravidão tornou-se cada vez mais intolerável.

Esses fardos sociais e políticos eram mantidos em conjunto e ao custo de um centralismo político brutal; uma política violentamente excludente e corrupta; uma economia atrasada. Tudo isso coroado por uma eventual sucessora do trono que era agressivamente teológica e cujo consorte era um príncipe estrangeiro. E por um imperador que fingia que nada disso ocorria ou que apoiava ativamente esses problemas, mas que, ao mesmo tempo, passava seu tempo escrevendo cartas para os sábios europeus e em caríssimas, longas e inúteis viagens internacionais.

Os dois lados da questão – a centenária campanha republicana e o pesado e crescente passivo da monarquia – sempre foram negadas pelos monarquistas brasileiros, sejam os antigos, sejam os recentes; sejam os explícitos, como Eduardo Prado, Oliveira Vianna ou José Murilo de Carvalho, sejam os disfarçados, como Lília Schwarcz ou Carlos Fico.

Em diferentes graus e com variadas ênfases, os meios adotados por esses autores são simples e conhecidos:

  1. negação da realidade histórica e/ou das virtudes morais e políticas da república;
  2. mistificação da monarquia por meio da omissão de todos os problemas indicados acima.

Para que não reste dúvida: desde o século 18 até a Proclamação da República (e mesmo além), o republicanismo foi proposto de maneira sincera e generosa, como a necessária condição para o desenvolvimento brasileiro, com liberdades civis, políticas e sociais.

A campanha republicana, paralelamente à campanha abolicionista, ganhou as ruas e as massas, sendo celebrada na cultura popular (modinhas, literatura, músicas, poemas, contos etc.): em outras palavras, muito longe da mistificação monarquista, o povo não estava alheio nem assistiu como uma besta à Proclamação.

Opondo-se à opressão e ao autoritarismo monárquico (colonial ou nacional), o que se desejava com a utopia republicana, era – para usar termos atuais – ampliar a esfera pública e o espaço da cidadania no país.

Aliás, é importante notar que, como prova tanto da sincera proposta de cidadania dos republicanos quanto da negação crítica dos (cripto)monarquistas, houve políticos e intelectuais que propuseram que o próprio imperador acabasse com a monarquia, proclamasse a república e candidatasse-se a presidente.

Essa proposta era a dos positivistas (Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes à frente), para que o imperador realizasse ele mesmo a necessária transição do regime; entretanto, como é ao mesmo tempo conveniente, fácil e hipócrita ridicularizar a única proposta que conjugaria a mudança de regime com a alteração pacífica de status quo, a sugestão feita com ampla publicidade e durante anos pelos positivistas é atualmente ignorada ou desprezada pelos historiadores (marxistas, liberais e/ou [cripto]monarquistas), que também criticam o suposto caráter golpista da república.

Como se vê, nesse jogo retórico não há qualquer opção em favor da república e a única opção “boa” seria a permanência da monarquia, com o autoritarismo centralizador, a política excludente e de castas com religião oficial de Estado, o atraso social e econômico, o imperialismo externo.

Todas as afirmações acima se baseiam em ampla literatura histórica, sociológica, artística etc. e deixam claro que, pura e simplesmente, é falsa a afirmação corrente de que a Proclamação da República teria sido meramente uma quartelada realizada por oficiais autoritários e sedentos do poder civil, contra uma população alienada.

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, teve amplo apoio social (civil e militar, das elites às massas, do Norte ao Sul do país), correspondendo tanto a necessidades coletivas urgentes como a anseios profundos: foi um movimento legítimo e em favor das mais generosas, livres e fraternas utopias políticas.

Em face do desprezo que intelectuais, meios de comunicação e políticos votam hoje à república, não é de estranhar a crise política e social que vivemos e que opõe a ordem ao progresso. Já argumentamos várias vezes: recuperar esses ideais republicanos é uma necessidade atual urgente.


Gustavo Biscaia de Lacerda é doutor em Sociologia Política e sociólogo da UFPR.

11 novembro 2025

Monitor Mercantil: Ainda a Operação Contenção

No dia 10 de novembro de 2025, o jornal carioca Monitor Mercantil publicou o nosso artigo intitulado "Ainda a Operação Contenção: reflexões sobre a cidadania".

O original pode ser lido aqui: https://monitormercantil.com.br/ainda-a-operacao-contencao-reflexoes-sobre-a-cidadania/.

Reproduzimos abaixo o texto.

Vale notar que o texto abaixo é uma versão muito resumida da prédica positiva de 28 de Descartes de 171 (4.11.2025), disponível aqui e aqui.

*   *   *

Retirada de corpos na Operação Contenção (foto de Tomaz Silva, ABr)

Ainda a Operação Contenção: reflexões sobre a cidadania

Fascistas são retrógrados e totalmente contrários aos hábitos modernos: uma análise sociológica da Operação Contenção. Por Gustavo Biscaia de Lacerda.


Embora já se tenham passado duas semanas após a escandalosa Operação Contenção, realizada em favelas da Zona Norte do Rio de Janeiro em 28/10/2025, cremos que podemos ainda a comentar. Na verdade, mais que podemos, cremos que devemos comentá-la, tal a barbárie ali cometida. Além disso, embora tenhamos boas notícias desde então (pensamos no início da 30ª Conferência sobre o Clima da Organização das Nações Unidas, em Belém do Pará), o fato é que se passaram apenas duas semanas e não podemos perder de vista os graves problemas envolvidos no episódio.

O que desejamos aqui é refletir um pouco sobre o tipo de polícia de que precisamos, a partir de considerações históricas, sociológicas e filosóficas. É claro que serão apenas indicações muito gerais.

Antes de mais nada, é importante reafirmarmos: a Operação Contenção foi escandalosa em si mesma, e a afirmação subsequente do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, de que ela, “com exceção da morte dos quatro policiais, foi um sucesso”, é igualmente escandalosa.

A justificativa oficial da operação, que mobilizou um efetivo policial de 2.500 homens, foi a execução de mandados de prisão de vários líderes do Comando Vermelho; com isso, nominalmente se desejava estrangular a liderança da organização e impedir que ela avançasse sobre territórios de favelas nos complexos do Alemão e da Penha.

A “contenção” da operação consistia em evitar que o Comando Vermelho avançasse sobre territórios controlados por milícias (ou seja, por policiais corruptos). Os mandados não foram executados, os líderes buscados fugiram, e 117 civis foram executados, além de quatro policiais.

Argumentou-se depois que muitos dos civis mortos eram criminosos com ficha na polícia e/ou mandados de prisão; entretanto, não apenas o objetivo da Operação Contenção não era ir atrás desses peixes pequenos, como, de qualquer maneira, a polícia não pode agir tendo em vista a execução da população que supostamente deveria proteger.

Assim, falar que muitos dos assassinados eram criminosos é uma forma cruel de evitar a conclusão evidente: a Operação foi um fracasso retumbante e, mais uma vez, afirmou-se o princípio de que, no Brasil, os pobres e favelados são culpados mesmo que se prove o contrário, sujeitos à pena de morte com execução sumária.

(Para os pobres e favelados vale a máxima do deputado-delegado Sivuca, “bandido bom é bandido morto”; os criminosos ricos que atuam nas avenidas Faria Lima e Rio Branco não são “bandidos”, não são julgados, não são presos e muito menos são executados.)

Dito isso, vale a pena refletirmos sobre porque consideramos a Operação Contenção uma barbárie. O melhor nesse caso (como em muitos outros) é retomarmos as reflexões históricas de Augusto Comte, o fundador da Sociologia.

Comte contrapunha a sociabilidade moderna à sociabilidade antiga. A “sociabilidade” são as formas como as pessoas se relacionam entre si e aos objetivos gerais das sociedades. Os “antigos” são principalmente os antigos gregos e romanos, além de outros povos em situações sociológicas semelhantes; já os “modernos” somos inicialmente os ocidentais e, a partir disso, os povos influenciados pelos hábitos desenvolvidos depois da Idade Média.

A sociabilidade antiga baseava-se na guerra, ou seja, na violência sistemática; os critérios de distinção social em tais sociedades eram militares (honra, coragem, força física); a conquista política e territorial tinha primazia sobre a produção econômica sistemática, que, não por acaso, era considerada como atividade subalterna e/ou degradante. A simplicidade das atividades militares tornava muito fácil a avaliação dos méritos individuais; o caráter militar dessa sociabilidade implica sempre que uma pátria dominará as demais, seja por meio de dominação direta, seja por meio de hegemonia (e hegemonia militar, em particular).

Já a sociabilidade moderna é pacífica e industrial, baseada em relações fraternas, na liberdade e na dignidade humana. Como as operações sociais são complicadas e exigem a intermediação de inúmeros agentes e procedimentos, a avaliação dos méritos individuais é muito mais difícil; os méritos individuais e coletivos são mais variados mas também menos definidos. A riqueza é produzida de maneira compartilhada, seja entre indivíduos e classes, seja entre países; isso implica responsabilidade e confiança mútuas, da mesma forma que exige pátrias pequenas.

Até a modernidade, a ordem civil era mantida pelos exércitos, que tinham uma atuação dupla (interna e externa); mas como os exércitos servem para matar e destruir, sua atividade interna era (como é) sempre violenta. Em contraposição, a polícia é uma instituição moderna, dedicada à manutenção da ordem civil; em clara contraposição aos exércitos, a polícia não emprega prioritariamente a violência em suas atividades.

De maneira ideal e sintomática, a noção de polícia cidadã (e não violenta) foi proposta pelo primeiro-ministro inglês Robert Peel, em 1829, quando ele criou a Scotland Yard. Assim, a polícia foi criada como consequência da mudança das sociabilidades, claramente no sentido de que a atuação da polícia não pode ser militaresca, mas deve ser cidadã.

A polícia cidadã tem que atuar pautada pelo respeito à dignidade humana e às liberdades, pela preservação da vida e do patrimônio. Além disso, mantendo um caráter social, a polícia cidadã deve zelar, proteger e buscar a prosperidade, em particular do proletariado. Evidentemente, o caráter cidadão da polícia implica que as ações violentas devem ser substituídas pelas chamadas “ações de inteligência”, sendo que as penalidades devem concentrar-se em aspectos educativos.

Ações como a Operação Contenção são entendidas como bárbaras porque são retrógradas, que aplicam hoje parâmetros arcaicos e ultrapassados, que devem permanecer na lata do lixo ou no museu da história. Os antigos (na verdade, até depois da Idade Média) consideravam que chacinas eram terríveis, mas, apesar de tudo, eram fatos da vida: para chorar e lamentar, mas inescapáveis.

Ora, exatamente porque a sociabilidade moderna desenvolveu-se e aprofundou-se é que consideramos que as chacinas são bárbaras e totalmente inaceitáveis. A Operação Contenção foi exemplar: ela representou o exato oposto de todos os parâmetros da polícia cidadã.

A celebração da chacina da Operação Contenção, da parte do governador Cláudio Castro e de muitos outros políticos, evidencia o quanto eles e os fascistas são retrógrados e totalmente contrários aos verdadeiros hábitos modernos.

Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo da UFPR e doutor em Sociologia Política.

21 agosto 2025

Teixeira Mendes: Exortação à Fraternidade





Igreja e Apostolado Positivista do Brasil

 

O Amor por princípio e a Ordem por base;

O Progresso por fim.

 

Viver para outrem.                              Viver às claras.

 

Exortação à Fraternidade

Aos pés de Augusto Comte, ajoelhado junto ao leito fúnebre de Clotilde

 

(Ensaio de uma paráfrase positivista do Capítulo XVI, Livro I, da Imitação de Tomás de Kempis, segundo a tradução em verso de Corneille: Como se deve sofrer os defeitos de outrem)

 

Conciliante de fato, inflexível em princípio.

Augusto Comte.       

Gradualmente expurgado por ti (Clotilde) de todo azedume, e espontaneamente confirmado, na minha regeneração, mediante o exemplo contínuo de tua imortal irmã (Sofia Bliaux)...

Augusto Comte – 11ª Santa Clotilde.

 

[Transcrição de trechos do opúsculo n. 316 da Igreja Positivista do Brasil – 5 de abril de 1911.]

 


Exortação à Fraternidade

Aos pés de Augusto Comte, ajoelhado junto ao leito fúnebre de Clotilde

 

(Ensaio de uma paráfrase positivista do Capítulo XVI, Livro I, da Imitação de Tomás de Kempis, segundo a tradução em verso de Corneille: Como se deve sofrer os defeitos de outrem)

 

Conciliante de fato, inflexível em princípio.

Augusto Comte.       

Gradualmente expurgado por ti (Clotilde) de todo azedume, e espontaneamente confirmado, na minha regeneração, mediante o exemplo contínuo de tua imortal irmã (Sofia Bliaux)...

Augusto Comte – 11ª Santa Clotilde.

 

I. Em todos e em ti mesmo, aceita com humildade

            Tudo o que não possas emendar;

Até que enfim o Espaço, a Terra, e a Humanidade,

Com as suas leis fatais e doce potestade,

            Hajam, acaso, um dia de o mudar.

 

Para provar-te a força inda melhor, derreia

            Por ventura teus ombros essa cruz;

Teu mérito assim melhor se patenteia;

            E, si, nas provações, teu ânimo fraqueia,

            Seu peso a quase nada se reduz.

 

À nossa humilde Deusa, orar, porém, fervente

            Deves, nesse tenaz impedimento;

A fim que o seu Amor o coração te isente

Das tuas aflições, de todo, ou te sustente,

            Tornando mais suave o sofrimento.

 

II. Se, por conselhos teus, uma alma esclarecida,

            Na sua resistência persevera,

Entrega à Providência endireitar-lhe a vida,

E não te obstines mais, em porfiada lida,

            Perseguindo-a, a mostrar-lhe a senda vera.

 

A santa evolução por nada se transvia:

            Apesar das erronias do Presente,

Que te punge ou surpreende a pobre fantasia,

O homem só se agita, e a Humanidade o guia,

            Do mal tirando o bem frequentemente.

 

Sofre sem murmurar dos outros mesmo extremos

            Defeitos com que possas deparar;

E cuida com que, também, de fato, todos temos

Os nossos que, a seu turno, a tolerar os vemos

            Inda com mais indômito pesar.

 

Se o Altruísmo teu encontra óbice tanto

            Sempre, em ti mesmo, ao seu melhor desvelo,

Como querer d’alguém o portentoso encanto

De agir a teu sabor, por tudo, e em tudo quanto

            Lhe haja d’exigir o teu anelo?

 

Não é trata-lo, pois, sem mínima equidade,

            Querer que outrem seja o mais perfeito,

E não quereres tu fugir de uma maldade,

A fim que o exemplo teu, com mais facilidade,

            Ajude-o a conseguir tamanho efeito?

 

III. Queremos cada qual sujeito à disciplina,

            Sofrendo a necessária correção;

Revolta-nos, porém, se alguém nos examina,

E à conduta nossa o seu valor assina,

            Realçando qualquer imperfeição.

 

Exprobramos aos mais o quanto d’indulgência

            Consigo têm e o que se dão de gozos;

E é ofensa atroz não ter-se a complacência

De nada recusar, com suma deferência,

            Aos nossos movimentos caprichosos.

 

Estatutos prendendo em rigoroso laço

            Severamente aos outros desejamos;

E, seja de quem for, o mais ligeiro traço,

Ao nosso bel-prazer, criando um embaraço

            D’império absoluto, a mal levamos.

 

Onde se esconde, pois, o férvido Altruísmo,

            Que Viver para outrem nos sugere?

E como então sentir que, ou seja no heroísmo,

Ou na dedicação comum, ou no ascetismo,

            Prazer algum não há que os seus supere.

 

No Mundo, a imperfeição por toda parte abunda,

            A jerarquia eterna acompanhando,

Que, sob a mais grosseira, a lei mais nobre funda;

Somente a paciência, em méritos fecunda

            Essa ordem fatal vai mitigando.

 

IV. É pois na sujeição qu’ensina a Humanidade

            O aperfeiçoamento basear-se;

Não há beleza inteira, ou íntegra bondade;

Assim é dever nosso e nossa felicidade

            Uns aos outros o fardo aliviar-se.

 

Ninguém é sem senão, ninguém é sem fraqueza;

            Ninguém sem precisar d’algum amparo;

Ninguém tem de ciência, em si, assaz riqueza;

Ninguém é forte assaz com a própria fortaleza.

            Para não sentir faltar-lhe apoio caro.

 

Urge pois entre-amar-se, urge pois entre-instruir-se

            Urge pois, em tudo, entre-auxiliar-se;

Urge entre-prestar-se o olhar a dirigir-se;

Urge entre-estender-se a mão conduzir-se;

            Urge um ao outro dar co quem curar-se.

 

Quanto maior a dor, mais fácil prova of’rece

            Até que ponto fora alguém perfeito;

E os golpes mais cruéis que uma alma então padece

Não são que a fazem fraca; apenas se conhece

            Assim o que ela vale com efeito.

 

R. Teixeira Mendes.

 

Rio, 11 de Arquimedes de 57/123 (5de Abril de 1911). 


20 novembro 2024

Hernani Gomes da Costa: celebração da bandeira nacional republicana

No dia 16 de Frederico de 170 (19.11.2024) tivemos a honra e a felicidade termos, na prédica positiva, a celebração da bandeira nacional republicana feita por nosso amigo e correligionário Hernani Gomes da Costa.

A prédica foi transmitida exclusivamente no canal Positivismo e está disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=UZpGsgrUYwA.



23 outubro 2024

O Positivismo é eurocêntrico? Parte 2

No dia 16 de Descartes de 170 (22.10.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em particular sua décima terceira conferência, dedicada à evolução histórica do Ocidente.

Na parte do sermão apresentamos reflexões adicionais sobre se o Positivismo é ou não "eurocêntrico" (e a resposta é claramente negativa).


Os tempos da prédica foram os seguintes:

00 min 00 s - início da prédica
01 min 35 s - exortações iniciais
07 min 43 s - efemérides
21 min 41 s - leitura comentada do Catecismo Positivista
59 min 39 s - sermão: "O Positivismo é etnocêntrico?", parte 2
01 h 25  min 35 s - concepções de Comte que nos afastam do "eurocentrismo"
02 h 01 min 49 s - exortações finais
02 h 05 min 19 s - invocação final

As anotações que serviram de basea para a exposição oram encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *


Prédica positiva

(16.Descartes.170/22.10.2024) 

1.       Invocação inicial

2.       Exortações iniciais

2.1.1. Sejamos altruístas!

2.1.2. Façamos orações!

2.1.3. Façamos o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides

3.1.     Dia 18 de Descartes (24.10): transformação de Júlio de Castilhos (1903)

3.2.    Dia 21 de Descartes (27.10): segundo turno das eleições municipais

3.2.1. Em face das eleições, é importante lembrar os manifestos A bandeira nacional republicana não é fascista (outubro de 2022) e Programa republicano mínimo (agosto de 2024)

4.       Leitura comentada do Catecismo positivista

4.1.    Leitura da décima terceira conferência, dedicada à tríplice transição ocidental e ao duplo movimento moderno

4.2.    Esse capítulo é importante por questões históricas gerais, porque indica como o Positivismo é cada vez mais possível e necessário e porque – considerando o tema do sermão – não faz sentido e não é justo xingar o Positivismo de “eurocêntrico”

5.       Sermão: o Positivismo é eurocêntrico? Parte 2

5.1.    No sermão de três semanas atrás (do dia 23 de Shakespeare de 170 (1.10.2024)) abordamos o eurocentrismo e a crítica de que o Positivismo seria “eurocêntrico”

5.1.1. Como indicamos nessa prédica, simplesmente não faz sentido criticar o Positivismo como sendo eurocêntrico

5.1.2. Como o tema é amplo, importante e como exige diversas reflexões, alguns aspectos que abordamos então ficaram ou um tanto confusos ou incompletos: é para corrigir e complementar a exposição inicial que retomamos agora o tema do eurocentrismo

5.1.2.1.             A presente retomada não será tão demorada quanto a exposição original

5.2.    Em primeiro lugar, devemos perceber que a expressão “eurocentrismo” e as críticas feitas a ele apresentam inúmeros sentidos, nem sempre explícitos

5.2.1. A conjugação implícita de vários sentidos nem sempre é evidente e os elementos que indicaremos nem sempre estão todos eles presentes

5.2.1.1.             Só tivemos clareza desses diversos sentidos após a prédica do dia 23 de Shakespeare, ao refletirmos sobre nossa exposição

5.2.1.2.             É essa pluralidade de sentidos da expressão “eurocêntrico” que justifica os vários comentários – positivos e negativos – que fizemos a seu respeito na prédica anterior

5.2.1.3.             Evidentemente, a polissemia por si só não é problemática; entretanto, a conjugação desses vários sentidos implícitos gera confusões, não necessariamente casuais

5.2.2. As concepções e os juízos são os seguintes:

5.2.2.1.             Crítica ao imperialismo/colonialismo europeu/ocidental

5.2.2.2.             Crítica à saudade colonial européia/ocidental

5.2.2.3.             Exigência de respeito e de dignidade para com outros países, povos e civilizações não ocidentais

5.2.2.4.             Exigência de valorização das histórias e das concepções não européias/ocidentais

5.2.2.5.             Crítica ampliada ao Ocidente a partir da crítica ao eurocentrismo; trata-se de u’a metonímia em que, a partir da crítica da Europa, escorrega-se para a crítica conjunta e, nesse caso, mais central contra o Ocidente e, em particular, contra os Estados Unidos

5.2.2.6.             Afirmação de que as concepções e os valores europeus/ocidentais são sempre e necessariamente particularistas

5.2.2.7.             Afirmação de que as concepções e os valores europeus/ocidentais são sempre e necessariamente opressores, expoliadores, alienadores etc.

5.2.2.8.             Afirmação de que as práticas e as instituições criadas, mantidas e apoiadas pela Europa/Ocidente são sempre e necessariamente opressoras, expoliadoras, alienadoras etc.

5.2.2.9.             Afirmação de que a mera valorização de concepções, práticas e valores não européias/ocidentais bastará para criar uma ordem internacional justa

5.2.2.10.          Afirmação de que uma ordem internacional justa requer necessariamente o combate a concepções, valores e práticas europeus/ocidentais

5.2.2.11.          Afirmação de que valores, práticas e concepções não europeus/ocidentais não são opressivas, expoliadoras, alienadoras, particularistas etc.

5.3.    Esses 11 sentidos têm diferentes avaliações pelo Positivismo (pelo menos, da maneira como eu entendo o Positivismo)

5.3.1. Os primeiro quatro sentidos – de n. 5.2.2.1 a 5.2.2.4 – são plenamente assimiláveis pelo Positivismo

5.3.2. O quinto sentido (n. 5.2.2.5) é aceitável, embora essa metonímia misture coisas que de verdade não dá para misturar

5.3.3. Os outros seis sentidos (n. 5.2.2.6 a 5.2.2.11) são no mínimo problemáticos e no máximo errados, injustos, hipócritas e propostos com má-fé

5.3.3.1.             Aquilo que é produzido no Ocidente não é necessariamente ruim e/ou injusto; na verdade, as concepções e as instituições mais universalistas até hoje foram produzidas justamente no Ocidente – o que não significa que o Ocidente não tenha cometido erros

5.3.3.2.             Aquilo que é produzido fora do Ocidente não é necessariamente bom e/ou justo, nem suas concepções e instituições são necessariamente universalistas, pacíficas, tolerantes etc.

5.4.    Além do que observamos na prédica de 23 de Shakespeare (1.10), é necessário afirmarmos ou reafirmarmos o seguinte:

5.4.1. Afirma-se que o Positivismo seria eurocêntrico porque ele reconhece a primazia da Europa/Ocidente no desenvolvimento humano

5.4.2. Todavia, essa primazia não é uma questão de gosto, mas uma questão de fato: foi o Ocidente que se adiantou no desenvolvimento humano, o que cumpre tanto reconhecer e entender quanto tirar daí as conseqüências morais, intelectuais e práticas, especialmente em termos de deveres autoimpostos ao Ocidente (especialmente em termos de respeito para com outras civilizações)

5.4.3. O desenvolvimento humano em que o Ocidente tomou a primazia consiste no desenvolvimento da positividade, ou seja: relativismo, síntese subjetiva, primado do altruísmo, separação entre os dois poderes (temporal e espiritual – grosseiramente, a “laicidade do Estado”), fraternidade universal, pacifismo, estados de dimensões reduzidas, atividade cooperativa e construtiva, primazia da Humanidade sobre as famílias e as pátrias (além das classes e das civilizações)

5.4.3.1.             Trata-se então de difundir os resultados principais do desenvolvimento humano, respeitando e aproveitando as particularidades locais, começando pelo próprio Ocidente

5.4.4. É importante notar que a crítica ao eurocentrismo (e, na verdade, o próprio conceito de “eurocentrismo”) só é possível porque a Europa perdeu a primazia no desenvolvimento humano; como se diz, a Europa “perdeu o bonde da história”

5.4.4.1.             Essa perda da primazia pela Europa ocorreu após a II Guerra dos 30 Anos (1914-1945), em que (1) os Estados Unidos (e, durante várias décadas, também a União Soviética) assumiram essa primazia e (2) as antigas colônias européias desenvolveram (ou melhor, retoma(ra)m) cada vez maior autonomia em seus destinos

5.4.5. Enfim, nesse sentido, critica-se e xinga-se o Positivismo de “eurocêntrico” porque ele desenvolveu-se e criou a noção de Humanidade em um determinado lugar e em um determinado momento da história

5.4.5.1.             Ora, a noção de Humanidade teria que ser elaborada em algum lugar e em algum momento: criticar esse fato é ao mesmo tempo irracional, imoral e profundamente injusto

5.5.    A principal elaboração do Positivismo, que é a de Humanidade, tem características específicas que devem ser levadas em cerrada consideração para entender-se que o Positivismo não é “eurocêntrico”:

5.5.1. Antes de mais nada, é necessário ter claro que, pura e simplesmente, as sociedades humanas são dinâmicas, ou seja, que elas modificam-se ao longo do tempo

5.5.1.1.             De maneira associada à noção de que as sociedades são dinâmicas, é importante ter clareza de que tais mudanças desenvolvem-se conforme as leis dos três estados

5.5.1.2.             São três leis dos três estados: intelectual (teologia-metafísica-positividade, ou absolutismo-relativismo); prática (guerra de conquista-guerra de defesa-pacifismo construtivo); afetiva (âmbito máximo de afetividade limitado à família, depois à pátria, depois à Humanidade)

5.5.1.3.             As diferentes sociedades têm diferentes ritmos de mudanças; tais diferentes ritmos têm que ser respeitados

5.5.1.3.1.                   De modo geral as sociedades mudam devagar; o Ocidente é um caso específico, em que as mudanças são mais aceleradas e, mais do que isso, desejadas

5.5.1.3.2.                   É porque o Ocidente busca conscientemente as mudanças que ele assumiu a primazia do desenvolvimento humano

5.5.1.3.2.1.  Ao mesmo tempo em que resultou na primazia do desenvolvimento humano, o elevado ritmo de desenvolvimento do Ocidente estimula os rompimentos históricos sistemáticos e o desprezo à continuidade histórica, resultando em anarquia e também em esforços retrógrados – defeitos que são estendidos a outras sociedades

5.5.1.3.2.2.  Em outras palavras, a própria primazia do Ocidente expô-lo a graves e profundos problemas

5.5.1.4.             Os diferentes ritmos de mudança não podem dissimular o fato de que todas as sociedades mudam, ou seja, inversamente, são errados a noção e o projeto de que as sociedades devem ser mantidas intocadas e imutáveis

5.5.1.4.1.                   Vale lembrar que as críticas ao eurocentrismo com freqüência adotam dois pesos e duas medidas:

5.5.1.4.1.1.  Por um lado, consideram que o Ocidente é infinitamente plástico, ou seja, que pode e deve ser modificado sem cessar (e sem respeitar as leis sociológicas e morais)

5.5.1.4.1.2.  Por outro lado, consideram que tudo o que é não ocidental não pode e não deve modificar-se, seja porque são impassíveis de modificações, seja porque são bons, corretos, justos da maneira como existem atualmente

5.5.1.4.2.                   A aplicação de dois pesos e duas medidas é um procedimento incoerente do ponto de vista intelectual e hipócrita do ponto de vista moral

5.5.2. A noção de Humanidade implica também as de fraternidade universal e de unidade humana

5.5.2.1.             Só se pode levar a sério a crítica ao eurocentrismo se levar-se a sério a fraternidade universal e a unidade humana; caso não se respeite de verdade essas concepções, a crítica ao eurocentrismo é apenas a afirmação casuística de outros etnocentrismos

5.5.2.2.             A fraternidade universal fundamenta-se na unidade humana

5.5.2.3.             A noção de unidade humana tem que ser levada realmente a sério; ela implica que existe apenas um ser humano, ou, por outra, existe apenas uma única natureza humana, que, portanto, segue as mesmas leis e, daí, desenvolve-se da mesma forma

5.5.2.3.1.                   Se existe apenas uma única natureza humana, que segue as mesmas leis, o desenvolvimento humano é em termos gerais um único

5.5.2.3.2.                   Esse desenvolvimento único (1) foi evidenciado a partir do desenvolvimento realizado no Ocidente, (2) ao mesmo tempo em que o comportamento de outras sociedades não possa nem deva ser desprezado, desvalorizado, desconsiderado

5.5.2.3.3.                   Esse desenvolvimento humano (que em termos gerais é) único conduz à fraternidade universal, conforme as leis dos três estados e desde que essas leis sejam respeitadas

5.5.2.4.             A única forma de obter-se a fraternidade universal é aplicando de verdade os resultados gerais do desenvolvimento humano, que, por sua vez, foi sintetizado na noção de Humanidade

5.5.2.4.1.                   Mais uma vez: os resultados gerais do desenvolvimento humano são estes: o desenvolvimento da positividade, ou seja: relativismo, síntese subjetiva, primado do altruísmo, separação entre os dois poderes (temporal e espiritual – grosseiramente, a “laicidade do Estado”), fraternidade universal, pacifismo, estados de dimensões reduzidas, atividade cooperativa e construtiva, primazia da Humanidade sobre as famílias e as pátrias (além das classes e das civilizações)

5.5.2.4.2.                   Qualquer outra solução é parcial, provisória e altamente instável, resultando em guerras, conflitos, violência, miséria

5.5.2.5.             Esses resultados têm que ser aplicados para garantir-se de verdade a justiça e a paz internacionais; a disseminação e a aplicação desses resultados baseia-se no fato de que as sociedades são mutáveis

5.5.3. Não é aceitável criticar essas concepções porque elas tiveram que surgir em algum lugar e em algum momento; esse tipo de argumentação é apenas uma forma de evitar as mudanças (tanto fora quanto dentro do Ocidente) e de manter tensões internacionais e etnocentrismos em disputa

5.6.    Sem esgotar o tema, podemos indicar pelo menos as seguintes concepções de Augusto Comte que nos afastam diretamente do “eurocentrismo”:

5.6.1. Como indicamos na prédica do dia 23 de Shakespeare, Augusto Comte comentava, o bom senso indica e as cobranças políticas atuais reforçam: não há porque as demais civilizações reproduzirem a marcha própria ao Ocidente:

5.6.1.1.             Essa reprodução seria mera imitação (servil), desperdiçaria recursos e tempo e produziria imensos sofrimento e conflitos

5.6.1.2.             A expansão do Positivismo deve conjugar os principais resultados do desenvolvimento humano com as particularidades locais

5.6.1.3.             Essa conjugação significa que as outras civilizações devem respeitar suas histórias e empregar seus recursos sociais, morais e intelectuais para aplicarem o Positivismo

5.6.2. Assim, Augusto Comte previa transições escalonadas das outras civilizações rumo à sociocracia

5.6.2.1.             Essas transições foram previstas para serem desenvolvidas em um volume excepcional, a ser escrito em 1862

5.6.2.1.1.                   Essa previsão foi apresentada no cap. 5 do volume IV da Política positiva, de 1854

5.6.2.1.2.                   Mas como Augusto Comte faleceu em 1857, esse volume excepcional não pôde ser escrito

5.6.2.2.             De qualquer maneira, nesse cap. 5 do vol. IV da Política Augusto Comte realiza uma apreciação preliminar, em detalhes, de países e civilizações para indicar quais os aspectos positivos e negativos para essas transições escalonadas

5.6.2.3.             O escalonamento era previsto conforme a proximidade intelectual e social com o Ocidente (Política, cap. V, p. 481-521)

5.6.2.4.             Evidentemente, há vários princípios morais, políticos e filosóficos orientando essas relações:

5.6.2.4.1.                   Como já indicamos várias vezes, as relações ocidentais com outros povos têm que se pautar estritamente pelo pacifismo, pelo respeito à dignidade dos povos e das culturas e pelo aproveitamento das características positivas de cada povo e cultura

5.6.2.4.2.                   Uma conseqüência imediata disso é a rejeição do colonialismo e do imperialismo (ocidentais, em particular), além do desprezo pela escravidão moderna

5.6.2.5.             O escalonamento considerava o desenvolvimento religioso

5.6.2.5.1.                   Países ocidentais (Itália, Espanha, Inglaterra, Alemanha) e respectivas antigas colônias européias nas Américas

5.6.2.5.2.                   Povos monoteístas (Turquia, Rússia, Pérsia)

5.6.2.5.3.                   Povos politeístas (Índia, China, Japão)

5.6.2.5.4.                   Povos fetichistas (África, Américas, Oceania)

5.6.3. Além disso, Augusto Comte afirmava que todos devemos adotar os bons hábitos, usos, costumes e concepções de outras civilizações

5.6.3.1.             Entre os hábitos que devem ser adotados por todas as civilizações (e, claro, em particular pelo Ocidente), ele indicava pelo menos o seguinte:

5.6.3.1.1.                   Incorporação do fetichismo ao Positivismo

5.6.3.1.2.                   Incorporação de hábitos muçulmanos: restrição ao consumo de álcool; esmolas; orientação das igrejas para Paris

5.6.4. A partir da noção de Humanidade e, antes, da de unidade humana, Augusto Comte previa uma verdadeira unificação moral e intelectual da Humanidade, que apresentaria, como sinais e como condições, o seguinte:

5.6.4.1.             Constantinopla como capital da Terra

5.6.4.2.             Superação da oposição/divisão entre Ocidente e Oriente em face da Humanidade

5.6.4.3.             Adoção de uma língua comum a toda a Humanidade (o italiano)

5.7.    Entre muitas e muitas ações dos vários positivistas que afirmam e confirmam que não somos “eurocêntricos”, podemos citar as seguintes:

5.7.1. Apoio aos movimentos de independência nacional, em prol das pequenas nações

5.7.2. Elogios constantes ao fetichismo (e, por extensão, aos povos da África, das Américas e da Oceania), além das teocracias (e, por extensão, da Índia, da China e do Japão)

5.7.3. Exortação de Augusto Comte para saída dos franceses da Argélia

5.7.4. Richard Congreve: manifesto, escrito por orientação de Augusto Comte, contra a política inglesa na África (Gibraltar) e na Índia; organização de um volume sobre a política externa inglesa à luz do Positivismo, com textos de Congreve, Harrison, Beesly, Pember, Bridges e Dix-Hutton, sobre as relações com o Ocidente, a França, o domínio sobre os mares, a Índia, a China, o Japão e os povos não “civilizados”

5.7.5. Positivistas franceses: defesa dos povos árabes e/ou muçulmanos (em particular da Turquia)

5.7.5.1.             Observações de Augusto Comte (cap. 5 do vol. IV da Política) no sentido de que a Turquia é plenamente assimilável à sociocracia, em virtude de seu passado romano, das íntimas relações com a Grécia e suas prolongadas relações com o Ocidente desde as Cruzadas

5.7.6. Dr. Robinet: defesa dos africanos, contra o imperialismo alemão de Bismarck

5.7.7. Positivistas brasileiros: defesa dos africanos (participação na campanha abolicionista), defesa dos índios (Rondon, Moisés Westphalen e toda uma ampla gama de positivistas indigenistas); posicionamento da IPB, via Miguel Lemos, contra o projeto de escravização dos chineses no Brasil

6.       Exortações finais

7.       Invocação final