19 novembro 2007

Condorcet Rezende: "Monarquia e república"

MONARQUIA E REPÚBLICA
Condorcet Rezende

Passados 118 anos da Proclamação da República, é natural que muitos já tenham esquecido as razões que levaram ao 15 de novembro de 1889.
Como nosso tempo é limitado, vamos destacar apenas alguns aspectos políticos para que entendamos o porquê da nossa República.
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A Carta de Lei Imperial de 25 de Março de 1824 ( conhecida como a Constituição Monárquica de 1824, outorgada por D.Pedro I) tinha o seguinte “ Introito”:
“Dom Pedro Primeiro, Por Graça de Deos, e Unanime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brazil....”
Em Nome da Santíssima Trindade:
Decreta:
Título 1º
Art. 1º - O IMPERIO do Brazil é a associação Política de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se oponha à sua Independência.
Art. 2º - O seu território é dividido em Províncias na fórma em que actualmente se acha, as quais poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado
Art. 3º O seu Governo é Monarchico, Hereditário, Constitucional, e Representativo.
Art. 4º A Dynastia Imperante é a doSenhor Dom Pedro I, actual Imperador, e Defensor Perpétuo do Brazil.
Art. 5º - A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior de Templo.
[...]
Art. 99 - A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.
[...]
Art. 179. V – Ninguém póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Pública.
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Proclamada a República em 15 de novembro de 1889, promulgou-se a primeira constituição republicana em 24 de fevereiro de 1891, com o seguinte intróito:
Nós, os Representantes do Povo Brazileiro, reunidos em Congresso Constituinte,para organizar um regimen livre e democratico, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil
Art. 1º A Nação Brazileira adota como fórma de governo, sob o regime representativo, a Republica Federativa proclamada em 15 de novembro de 1889, e constitui-se,por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil.
[...]
– Da Responsabilidade do Presidente
Art. 53. – O presidente dos Estados Unidos do Brazil será submetido a processo e a julgamento,depois que a Camara declarar procedente a acusação, perante o Supremo Tribunal Federal, nos crimes communs, e, nos de responsabilidade, perante o Senado.
§ único: Decretada a procedência da acusação, ficará o Presidente suspenso de suas funções.
[...]
Declaração de Direitos
Art.72 –
§ 2º A República não admite privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.
§ 3º Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para tal fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.
§ 5º os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não offendam a moral pública e as lei.
§ 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
§ 7º Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção official, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.
§ 12º Em qualquer assumpto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa, ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que commeter nos casos e na fórma que a lei determinar. Não é permitido o anonymato
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Destacam-se, assim, algumas diferenças fundamentais entre os dois sistemas: enquanto a Monarquia se funda no “direito divino do rei”, cuja pessoa é “inviolável, sagrada e irresponsável” (“The King can do no wrong”), a República funda-se no poder do povo e o Presidente pode ser processado por crimes comuns e de responsabilidade. Todos nós lembramos do impeachment de Fernando Collor
Na nossa Monarquia, a Religião Católica era a religião oficial, do Estado, não sendo permitida às demais confissões que tivessem templos; seu culto só era possível no recesso do lar. Na nossa República não há religião oficial; todas as confissões têm liberdade de exercer o seu culto em público. Não há subvenção do poder público a qualquer Igreja. O ensino nas escolas públicas é laico, isto é, sem orientação para qualquer crença religiosa. Daí ser absolutamente contra a regra republicana as repartições públicas brasileiras estamparem em suas paredes qualquer tipo de símbolo religioso, prática que se vem difundindo sem que haja uma reação das autoridades competentes.
Aliás, em matéria de violação das práticas republicanas, já temos, desde os idos do Estado Novo, a praxe que então se instalou de colocar a foto do Presidente da República nas repartições públicas. Isso é procedimento típico de Monarquia ou dos regimes totalitários É preciso encetar-se uma campanha contra esses tipo de coisa: nem símbolos religiosos, nem fotos de presidentes. Basta a Bandeira Nacional, acompanhada da do respectivo estado ou município.
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Os movimentos político-sociais não eclodem abruptamente, da noite para o dia. A insatisfação da sociedade com as instituições políticas vai ganhando corpo com o passar do tempo, até chegar ao momento em que se tornam insopitáveis.
Muitos observadores políticos é que não se dão conta de que, muitas vezes, abaixo da superfície aparentemente tranqüila, há grande agitação na sub-superfície.
Há notável exemplo histórico desse fato: há 218 anos, o rei Luís XVI de França, anotando seu diário no dia 14 de julho, escrevia “Nada de novo”. E, no entanto, amotinados desde o dia 12 pelas notícias veiculadas por Camille Desmoulins de que a Corte preparara forte reação contra a liberdade, nesse mesmo dia 14, o povo e a guarda francesa, irmanados, tomaram de assalto a velha fortaleza da Bastilha, onde se encarceravam presos de toda espécie. Não admira nesse Rei a miopia política, pois fora ele quem, ao ter ciência dos graves distúrbios da tomada da Bastilha, perguntara ao Duque de Liancourt se aquilo era um motim. Ao que lhe respondeu Liancourt: “Não Sire, é uma revolução”. Essa revolução, tinha-a visto caminhar, um ano antes, aquele formidável e inesquecível Danton, que no dia 10 de agosto tornou-se o coveiro da monarquia milenar, cujo trono fora paulatinamente solapado pelos filósofos da enciclopédia.
Só por má fé ou desconhecimento da história pode-se afirmar que aquele clataclisma que abalou o mundo ocidental e fez com que outras nações tanto do continente europeu, quanto de outros continentes, desejassem seguir caminho idêntico, surgiu inopinadamente, como uma surpresa para o provo francês.
Por vezes, lemos em relação à Proclamação da República Brasileira afirmações semelhantes, como se nosso povo tivesse sido tomado de surpresa na manhã do dia 15 de novembro de 1889, quando, na realidade, de há muito, vinha a sociedade brasileira, por suas diversas classes, manifestando-se contra o regime monárquico e, com os olhos voltados para a Independência norte- americana e mais especialmente para a Revolução Francesa, buscava nesses dois movimentos inspiração para alterar o regime político que até então predominara no Brasil.
Desde 1870 já havia ocorrido um choque de autoridades eclesiásticas com membros do governo monárquico, que ficou conhecido como a Questão Religiosa; da mesma forma, ocorreu a Questão Militar, quando oficiais do Exército foram presos por haverem manifestado opiniões políticas pela imprensa.
As alegações de que o General Deodoro era até amigo do Imperador – como espécie de prova de que o velho general teria sido tomado de surpresa e quase fora obrigado a por-se à frente das tropas-- são absolutamente irrelevantes, na medida em que não se fez o movimento político-militar contra a pessoa do Imperador, mas contra o regime que ele encarnava. Tanto assim que a transformação política ocorreu sem derramamento de sangue. Nem a Família Imperial, nem a Igreja Católica teve seus bens confiscados, sobretudo pela reação que os constituintes positivistas opuseram a tal absurdo.
Da mesma forma, costuma-se dar ênfase especial à influência que os positivistas teriam tido na ocasião. Sem dúvida, muitas das figuras mais eminentes que participaram dos acontecimentos de 15 de novembro de 1889 eram positivistas, mas o movimento contava, de há muito tempo, com o apoio do Partido Republicano que não era integrado apenas, nem principalmente, por positivistas. Da mesma forma, as classes econômicas e as forças militares, especialmente o Exército, já vinham de há muito mostrando-se insatisfeitas com os rumos que nossa pátria tomava. Se foi grande a influência de Benjamin Constant naquele episódio, deveu-se sobretudo à sua inegável liderança junto à jovem oficialidade do Exército. Não foi por ser positivista que o “Fundador da República” gozou de tanto prestígio político naquele episódio, mas pelas suas qualidades de caráter e de liderança. Aliás, isso fica demonstrado pela discordância que ocorreu, depois de proclamada a República entre o pensamento de Benjamin Constant e o do Apostolado Positivista do Brasil, ao tempo dirigido por Miguel Lemos e Teixeira Mendes (este o idealizador de nossa bandeira). Enquanto desejava o Apostolado que a República se configurasse, desde logo, nos moldes recomendados por Augusto Comte em meados do século XIX, com um Poder Executivo Forte, a quem caberiam as funções executiva e legislativa, mas com obrigação de submeter seus atos ao crivo da população; em que haveria uma assembléia incumbida de controlar as contas do governante e um Poder Judiciário. Esse regime foi adotado na primeira constituição republicana do Rio Grande do Sul por Júlio de Castilhos, que elaborou para aquele Estado uma constituição modelar, que levou o Estado a um grande desenvolvimento econômico e social. Num parênteses, é interessante notar que a atual Governadora do Rio Grande do Sul, Yedda Cruzios, declarou que pretende submeter seus projetos à apreciação pública antes de mandá-los ao Legislativo, o que não deixa de ser uma aproximação do procedimento que Julio de Castilhos adotou durante o tempo em que exerceu a Presidência (então assim chamada) daquele Estado. Benjamin Constant entendia que era necessário, primeiramente, implantar-se a República, para, depois, pensar-se na adoção dos preceitos aconselhados pelo genial filósofo francês, para os países que integravam o que ele chamava a República Ocidental (que muito se assemelham aos que vieram a integrar a União Européia). De fato, do ponto de vista político, houve tentativas de reversão do processo, sobretudo por parte da Marinha de Guerra, surgindo então a figura exponencial de Floriano Peixoto, denominado o “Consolidador da República”. Três figuras, portanto, se destacaram no episódio: O Marechal Deodoro da Fonseca, que, por seu prestigio junto às forças militares, foi convidado a participar como o “ Proclamador da República”; Benjamin Constant, que pelos anos de catequese dos alunos da Escola Militar e pelo seu prestígio junto à oficialidade dele fizeram o Fundador da República, e Floriano Peixoto que, pela sua bravura e decisão, abortou ou derrotou movimentos que pretendiam desestabilizar o novo regime, recebendo então título de “Consolidador da Republica”.
Se a influência positivista se fez notar nos primórdios da República, foi, principalmente, na época da elaboração de nossa primeira constituição republicana, em que tomaram parte grandes figuras políticas adeptas do Positivismo, tais como: Júlio de Castilhos, Demétrio Ribeiro, Silva Jardim, Quintino Bocayuva e outros, que propugnaram porque se incluíssem no texto constitucional, sobretudo, as regras relativas à mais ampla liberdade espiritual (liberdade de culto, liberdade de imprensa, liberdade de crítica, liberdade de ensino, liberdade profissinal), absoluta separação entre as igrejas e o Estado, ensino laico nas escolas públicas, cemitérios administrados pela autoridade municipal e abertos a todas as confissões religiosas.
A idealização do pavilhão nacional por Teixeira Mendes foi fundamental, para que ostentássemos uma bandeira que tem por fundamento uma representação de nossa história: o passado (representado pelas cores verde e amarela, da Casa de Orléans e Bragança), o presente (pela representação simbólica do céu da noite de 15 de novembro de 1889) e o futuro (com o lema positivista para o progresso político: Ordem e Progresso). Outros modelos foram apresentados, quase todos imitando bandeiras de outros países, sobretudo a bandeira norte-americana, em que as faixas vermelhas e brancas seriam substituídas por faixas verdes e amarelas.
De há muito sentimos que nossa coletividade vem perdendo o senso do autêntico e saudável civismo. Já quase não se comemoram datas importantes de nossa história, tais como o 22 de abril (descoberta do Brasil), 21 de abril (sacrifício de Tiradentes, o Patrono da Nação Brasileira), o 13 de maio (abolição da escravatura), o 7 de setembro (Independência do Brasil), o 15 de novembro ( Proclamação da República) e o 19 de novembro (Dia da Bandeira). É auspicioso que o Rotary Club continue a prestigiar essas datas, sob pena de um dia ficarmos totalmente sem a “ memória nacional”.
Da mesma forma que o Brasil se libertou do jugo Português, tornando-se nação independente a partir de 7 de setembro de 1822, avançamos também em 15 de novembro de 1889, proclamando a República, que punha o poder nas mãos de nosso povo e não na pessoa de um indivíduo sobre o qual não poderíamos exercer qualquer controle: nem quanto às suas qualidades pessoais, nem quanto a seus atos.
Para que continuemos na senda do progresso é preciso voltar à pureza do texto de 1891 no que diz respeito às concepções fundamentais relativas à liberdade ( em sua mais ampla extensão), à absoluta separação do Estado e das igrejas, ao ensino gratuito e laico nas escolas públicas, à retirada de signos religiosos ou fotos que agridem os princípios republicanos de respeito para com todas as crenças e de não incensar lideranças carismáticas.
Muito obrigado.
Breves palavras alusivas ao 15 de novembro, proferidas no Rotary Club do Rio de Janeiro em 14 de novembro de 2007.

23 maio 2007

Positivismo como eurocentrismo

Há alguns dias, em um fórum de discussões humanistas, surgiu a afirmação, de caráter acusatório, de que o Positivismo é “eurocêntrico” e, portanto, não poderia ser um verdadeiro humanismo nem uma verdadeira religião da “humanidade” (pois seria restrito à Europa)[1]. Essa afirmação é falaciosa – como veremos abaixo.

Todo humanismo, aliás como toda filosofia, é “impregnado” pelo ambiente em que é formulado, mesmo que afirme ou que pretenda a universalidade. Os humanismos formulados na Índia são “hinducêntricos”; os humanismos feitos na América Latina são “latino-americanocêntricos” e assim por diante. Não reconhecer isso revela simplesmente desconhecimento da história das idéias e da amplitude dos humanismos.

Por outro lado, ao considerar que o Positivismo é “eurocêntrico”, deve-se reconsiderar a ciência que, supostamente, pratica-se, assim como as posições céticas, atéias ou agnósticas, pois todas elas são “eurocêntricas” (nem adianta citarem-se os Estados Unidos, pois eles fazem parte da civilização ocidental, isto é, da civilização originada na Europa).

Essa “crítica” lembra muito o que os pós-modernos e os multiculturalistas falam dos céticos, dos humanistas e de todos aqueles que são contra o primado da teologia e da metafísica na vida dos seres humanos; para essas pessoas, os humanismos são discursos discriminatórios, eurocêntricos (ou “ocidentocêntricos”), burgueses, machistas e brancos que lançam mão de um apelo à universalidade para afirmar a supremacia da burguesia branca masculina ocidental. Com isso, os pós-modernos e os multiculturalistas afirmam a validade teórica e científica de todas as formulações absolutas e “questionam” (isto é, rejeitam) o relativismo ocidental. Os criacionistas são alguns que se aproveitam disso, de braços dados com os radicais islâmicos e com aqueles que, por exemplo, querem implantar a xaria (a lei tradicional islâmica) no Canadá.

Por outro lado, o Positivismo não é um “culto ao eurocentrismo”, mas exatamente ao contrário: ele é um culto a toda a Humanidade. O Positivismo celebra toda a Humanidade, isto é, todos os povos, de todas as épocas e de todos os lugares. Aliás, na época do neocolonialismo europeu e do início das violências nacionalistas, o Positivismo afirmava o seu humanismo radical, afirmando a ética universal como único princípio de conduta válido para o ser humano tomado como indivíduo, como integrante de uma família, de um país e de uma civilização. A fraternidade universal, esclarecida pela positividade, é o objetivo supremo do Positivismo. É assim que os Positivistas procuram conhecer, respeitar e valorizar ativamente todas as culturas; é por esse motivo que celebramos as civilizações não-ocidentais: chineses, hindus, islâmicos, japoneses, as várias culturas africanas etc., lendo suas literaturas e seus livros sagrados. (Para não perder o hábito: basta ler Comte para confirmar essas posições e perspectivas.)

Algumas referências bibliográficas de acesso relativamente fácil ilustram essas questões. No volume organizado por Hélgio Trindade, Positivismo – teoria e prática, publicado há alguns anos pela editora da UFRS, encontrará um interessante artigo de Abdelwahbab Bouhdiba, em que o autor, de origem tunisiana, afirma a importância de Comte para a afirmação das identidades nacionais africanas, na medida em que o fundador do Positivismo sempre foi, claramente, contra o colonialismo: ele punha-se desde a primeira metade do século XIX contra a colonização francesa da Argélia. (Como sabemos, a Argélia tornou-se independente apenas no final dos anos 1950, após uma sangrenta guerra suja.)

O humanismo positivista também se manifestou em várias outras ocasiões. Durante a Grande Guerra, isto é, durante a I Guerra Mundial, os positivistas conclamavam todos os povos à harmonia e ao entendimento mútuo, afirmando a fraternidade universal.

Após a II Guerra Mundial, o positivista Paulo Berredo Carneiro foi o idealizador e criador de nada menos que a Unesco, isto é, do órgão das Nações Unidas que busca a fraternidade universal por meio de um humanismo universal, laico e positivo. Depois de criada a Unesco, Paulo Carneiro foi o embaixador brasileiro no órgão por décadas. (Veja-se: Ciência, política e relações internacionais, organizado por Marcos Chor Maio (Rio de Janeiro, Unesco-Fiocruz, 2004); disponível aqui).

Assim, mais uma vez as perguntas: como assim o Positivismo é um “culto ao eurocentrismo”? Como assim ele não é um humanismo? Como é possível que preconceitos tão superficiais (poderiam ser profundos – não faria diferença: são preconceitos) persistam? E como é possível que se possa afirmar o humanismo brandindo tais preconceitos?



[1] Mensagem n. 5013, de 19 de maio de 2007, do fórum Curitibacetica, hospedado no Yahoo! Grupos. Este texto funde as respostas que formulei, postadas como as mensagens de n. 5015 e 5016, de 20 de maio de 2007, do mesmo fórum.

15 abril 2007

Mais um pouco sobre o "empiricismo" de Augusto Comte

MAIS UM POUCO SOBRE O "EMPIRICISMO" DE COMTE[1]

Um dos mitos mais difundidos a respeito do Positivismo, ao menos a respeito do pensamento comtiano, é o relativo ao empirismo. As citações nesse sentido são abundantes e cansativas e talvez a origem desse mito ligue-se à influência de uma versão norte-americana das idéias do Círculo de Viena; em todo caso, o fato é que se relaciona as versões mais radicais possíveis de empirismo ao nome de Augusto Comte e à sua doutrina positivista, quase como se fossem sinônimas.

Os esforços para desfazer esse mito têm que ser constantes; de modo geral, os críticos do “empirismo positivista” adotam uma postura quase irracionalista e – algo que não é tão estranhável – anti-“empirista” (no sentido de rejeitarem as evidências factuais e prenderem-se dogmaticamente ao discurso previamente ouvido).

Pois bem: a citação abaixo desmente cabalmente o mito do hiperempirismo comtiano. A origem do texto abaixo é a condensação da obra de Comte Cours de philosophie positive (depois renomeado para Système de philosophie positive), publicado em seis volumes entre 1830 e 1842. A condensação é da lavra da pensadora inglesa Harriet Martineau, que passou os seis volumes iniciais para apenas dois – com a aprovação a posteriori do próprio autor, que a recomendava no lugar de seus próprios livros (devido à menor extensão da versão condensada)[2]. O contexto da citação é a apresentação dos métodos específicos da ciência social, indicando, em particular, a importância da observação, o mais direta possível, dos fenômenos sociais; após criticar aqueles que supõem ser impossível uma observação da realidade social, Augusto Comte critica aqueles que misturam meras observações diversas com “ciência”; após a citação abaixo, o autor afirma a importância de estudar-se a história das sociedades como meio de observação e estende essa observação à eleição da “filiação histórica” (o que chamaríamos hoje, grosso modo, simplesmente de “método histórico) como método fundamental da Sociologia, cujas conseqüências teóricas e metodológicas serão importantes não apenas para a nova ciência como para as demais.

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“The next great hindrance to the use of observation is the empiricism which is introduced into it by those who, in the name of impartiality, would interdict the use of any theory whatever. No logical dogma could be more thoroughly irreconcilable with the spirit of the positive philosophy, or with its special character in regard to the study of social phenomena, than this. No real observation of any kind of phenomena is possible, except in as far as it is first directed, and finally interpreted, by some theory: and it was this logical need which, in the infancy of human reason, occasioned the rise of theological philosophy, as we shall see in the course of our historical survey. The positive philosophy does not dissolve this obligation, but, on the contrary, extends and fulfils it more and more, the furthur the relations of phenomena are multiplied and perfected by it. Hence it is clear that, scientifically speaking, all isolated, empirical observatin is idle, and even radically uncertain; that science can use only those observations which are connected, at least hypothetically, with some law; that it is such a connection which makes the chief difference between scientific and popular observation, embracing the same facts, but contemplating them from differents points of view: and that observations empirically conducted can at most supply provisional materials, which must usually undergo an ulterior revision. The rational method of observation becomes more necessary in proportion to the complexity of the phenomena, amidst which the observer would not know what he ought to look at in the facts before his eyes, but for the guidance of a preparatory theory; and thus it is that by the connection of foregoing facts we learn to see the facts that follow. This is indisputed with regard to astronomical, physical, and chemical research, and in every branch of biological study, in which good observation of its highly complex phenomena is still very rare, precisely because its positive theories are very imperfect. Carrying on the analogy, it is evident that in the corresponding divisions, statical and dynamical, of social science, there is more need than anywhere else of theories which shall scientifically connect the facts that are happening with those those that have happened: and the more we reflect, the more distinctly we shall see that in proportion as known facts are mutually connected, we shall be better able, not only to estimate, but to perceive, those which are yet unexplored. I am not blind to the vast difficulty which this requisition imposes on the institution of positive sociology – obliging us to create at once, so to speak, observations and laws, on account of their indispensable connection, placing us in a sort of vicious circle, from which we can issue only by employing in the first instance materials which are badly elaborated, and doctrines which are ill-conceived. How I may succeed in a task so difficult and delicate, we shall see at its close; but, however that may be, it is clear that it is the absence of any positive theory which at present renders social observations so vague and incoherent. There can never be any lack of facts; for in this case even more than in others, it is the commonest sort of facts that are most important, whatever the collectors of secret anecdotes may think; but, though we are steeped to the lips in them, we can make no use of them, nor even be aware of them, for want to be speculative guidance in examining them. The statical observation of a crowd of phenomena cannot take place without some notion, however elementary, of the laws of social interconnection: and dynamical facts could have no fixed direction if they were not attached, at least by a provisional hypothesis, to the laws of social development. The positive philosophy is very far from discouraging historical or any erudition; but the precious night-watchings, now so lost in the laborious acquisition of a conscientious but barren learning, may be available by it for the constitution of true social science, and the increased honour of the earnest minds that are devoted to it. The new philosophy will supply fresh and nobler subjects, unhoped-for insight, a loftier aim, and therefore, a higher scientific dignity. It will discard none but aimless labours, without principle, and without character; as in Physics, there is no room for compilations of empirical observations; and at the same time, philosophy will render justice to the zeal of students of a past generation, who, destitute of the favourable guidance which we, of this day, enjoy, followed up their laborious historical researches with an instinctive perserverance, and in spite of the superficial disdain of the philosophers of the time. No doubt, the same danger attends research here as elsewhere: the danger that, from the continuous use of scientific theories, the observer may sometimes pervert facts, by erroneously supposing them to verify some ill-grounded speculative prejudices of his own. But we have the same guard here as elsewhere – in the further extension of the science: and the case would not be improved by a recurrence to empirical methods, which would be merely leaving theories that may be misappliedbut can always be rectified, for imaginary notions which cannot be substantiated at all. Our feeble reason may often fail in the application of positive theories; but at least they transfer us from the domain of imagination to that of reality, and expose us infinitely less than any other kind of doctrine to the danger of seeing in facts that which is not.

Is is now clear that social science requires, more than any other, the subordination of Observation to the statical and dynamical laws of phenomena. No social fact can have any scientific meaning till it is connected with some other social fact; without which connection it remains a mere anecdote, involving no rational utility. This condition so far increases the immediate difficulty that good observers will be rare at first, though more abundant than ever as the science expands: and here we meet with another confirmation of what I said at the outset of this volume – that the formation of social theories should be confined only to the best organized minds, prepared by the most rational training. Explored by such minds, according to rational views of coexistence and succession, social phenomena no doubt admit of much more varied and extensive means of investigation than phenomena of less complexity. In this view, it is not only the immediate inspection or direct description of events that affords useful means of positive exploration; but the consideration of apparently insignificant custums, the appreciation of various kinds of monuments, the analysis and comparison of languages, and a multitude of other resources. In short, a mind suitably trained becomes able by exercise to convert almost all impressions from the events of life into sociological indications, when once the connection of all indications with the leading ideas of the science is understood. This is a facility afforded by the mutual relation of the various aspects of society, which may partly compensate for the difficulty caused by that mutual connection: if it renders observation more difficult, it affords more means for its prosecution” (COMTE, 1893, p. 80-83).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
COMTE, A. 1893. The Positive Philosophy of Auguste Comte. Condensed by Harriet Martineau. V. II. 3rd ed. London: K. Paul.




[1] Agradeço ao amigo e correligionário Ângelo Torres pela indicação deste material, com o fito de auxiliar-me em minhas pesquisas de doutorado.
[2] Isso também justifica o fato, à primeira vista estranhável, de que a citação seja em inglês, ao invés de em francês.

07 abril 2007

Anotações sobre o "Discurso..." - II

Comentários sobre a parte I do "Discurso sobre o espírito positivo" (a partir da divisão estabelecida por Paul Arbousse-Bastide, na edição da editora Martins Fontes).

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Esse livrinho é a introdução ao Curso filosófico de Astronomia popular, que Augusto Comte lecionou durante quase 20 anos para o proletariado parisiense (embora, conforme assinalaram o próprio Comte e alguns de seus discípulos proletários, em sua assistência houvesse grande número de idosos e de desocupados). O curioso é que essa introdução filosófica progressivamente aumentou de tamanho, a cada ano que passava, assumindo mais e mais lições, indicando não apenas o caráter do “espírito positivo” mas do próprio Positivismo e do seu programa filosófico e político. Em 1848, Augusto Comte decidiu encerrar o curso de Astronomia e dedicar-se apenas à exposição da nova doutrina; o Discurso sobre o espírito positivo tornou-se, em 1851, a introdução geral ao Sistema de política positiva, chamado Discurso sobre o conjunto do Positivismo.

A edição que sugeri é a da Martins Fontes, anotada por Paul Arbousse-Bastide, sociólogo francês que, se não era positivista, era “positivófilo”. É de Arbousse-Bastide a divisão geral do livro em três seções, em que nos baseamos para fazer este estudo[1].

- A obra é rica e densa; cada palavra tem um significado específico, que deve ser compreendido no contexto do pensamento de Comte; de modo geral, ele usava muitos adjetivos, que qualificavam a realidade a que ele referia-se, ao invés de apenas a descrever. Uma crítica muito usual, portanto, já não faz sentido: o Positivismo não se limita a colecionar fatos e descrições, de maneira seca e estéril, mas avalia e julga o conhecimento e a realidade. Não bastassem as expressas indicações de Comte nessa obra (em que, por exemplo, critica a imperfeição da realidade – que, por sinal, é o que permite e justifica a intervenção humana, racional, na realidade), os inúmeros adjetivos por ele empregados deveriam desfazer esse estúpido preconceito.

- Muito se fala que o Positivismo quer conhecer toda a realidade em todos os seus aspectos: esse tipo de crítica fácil, por exemplo, é comum nas Ciências Sociais e é uma das principais objeções de Max Weber a Comte[2]. Todavia, essa objeção é tola, quando não má-intencionada. Em primeiro lugar, porque Comte reconhece que os nossos conhecimentos são sempre relativos à realidade humana (p. 15-16); em seguida, porque, como o conhecimento é sempre humano, tem as limitações impostas pelo ser humano e nada garante que conheçamos “tudo” – aliás, “[...] a maior parte talvez deva nos escapar totalmente” (p. 16); finalmente, embora devamos procurar representações da realidade cada vez mais acuradas, essas representações variam de acordo com as necessidades e as possibilidades humanas (p. 17).

- No Discurso torna-se claro como a lei dos três estados não é apenas a negação da teologia e a apologia da ciência – uma combinação de ateísmo, materialismo e cientificismo, portanto – mas a afirmação de uma síntese filosófica geral, humanista e de caráter histórico. Esse humanismo revela-se de diversas formas: centralidade das preocupações humanas, critérios “humanistas” para disciplinar e regrar a ciência; respeito geral ao ser humano (em si e em contraposição à teologia).

- A busca de leis é o procedimento científico por excelência e, assim, é o que distingue a ciência da teologia. Os limites das leis naturais são os limites do próprio conhecimento científico; reconhecê-lo não é a fraqueza da ciência, mas sua força, na medida em que aceita (e, antes, reconhece) seus limites.

A busca das leis naturais é a garantia contra a teologia; negá-las é permitir, historicamente, a teologia. A afirmação das leis naturais, portanto, não deve ser vista, em Comte, de maneira instrumental, mas de modo filosófico, com seu valor para a unidade “espiritual” humana (individual e coletiva).

Além disso, a busca de leis naturais rejeita a mera coleção de fatos: o Positivismo não é um “empirismo”, no sentido grosseiro que se dá a essa palavra atualmente! Veja-se a seguinte passagem: “[...] a pura erudição, [segundo a qual] os conhecimentos reais, mas incoerentes, consistem em fatos e não em leis, evidentemente não poderia bastar para dirigir a nossa atividade” (p. 30).

Uma citação longa que resolve de vez essa falsa polêmica: “Desde que a subordinação constante da imaginação à observação foi unanimemente reconhecida como a primeira condição fundamental de toda sã especulação científica, uma viciosa interpretação levou muitas vezes a abusar muito deste grande princípio lógico para fazer a ciência real degenerar numa espécie de estéril acumulação de fatos incoerentes, que não poderiam oferecer outro mérito essencial além da exatidão parcial. Importa, pois, perceber bem que o verdadeiro espírito positivo no fundo não está menos afastado do empirismo do que do misticismo; é entre estas duas aberrações, igualmente funestas, que ele deve sempre caminhar. A necessidade de tal reserva contínua, tão difícil como importante, bastaria, aliás, para verificar, em conformidade com as nossas explicações iniciais, quanto a verdadeira positividade deve ser maduramente preparada, de maneira a não poder de modo algum convir ao estado nascente da Humanidade. É nas leis dos fenômenos que consiste realmente a ciência, à qual os fatos propriamente ditos, por mais exatos e numerosos que possam ser, nunca fornecem senão materiais indispensáveis. [...] A verdadeira ciência, muito longe de ser formada por simples observações, tende sempre a prescindir, tanto quanto possível, da exploração direta, substituindo-a por essa previsão racional que constitui, sob todos os aspectos, o principal caráter do espírito positivo [...]” (p. 18).

- Uma certa oposição entre “humanismo” e “cientificismo”, estranhamente tradicional (e própria a católicos, protestantes e os “críticos”), nega o valor da ciência e dos estudos da natureza para o ser humano. Subjacente a essa desvalorização está a crença de que a ciência degrada o ser humano, que, por outro lado, deve ser “convenientemente valorizado”[3]. Essa dicotomia, para o Positivismo, é falsa, pois pode apenas haver humanismo de base científica: como valorizar o ser humano se não se o conhece, se não se sabe como ele é, como foi e como poderá ser?[4]

- O Positivismo pretende constituir uma síntese filosófica, ou seja, um sistema coerente de idéias e valores, que sistematize, além dos resultados intelectuais, também as condutas afetivas e práticas do ser humano. Essa é uma conseqüência direta da lei dos três estados: as sínteses filosóficas são, sucessivamente, teológica, metafísica e deve ser, agora, positiva. Por quê uma síntese? Aliás, para que uma síntese? Porque o ser humano precisa de coerência em sua vida, em seus valores; precisa de harmonia interna e externa: seus valores têm que ser compatíveis entre si e ele deve estar em harmonia com seus semelhantes: é nesse sentido preciso que o Positivismo é uma religião, pois religa cada ser humano: primeiro a si mesmo e depois aos demais. “Essa tendência espontânea para constituir diretamente uma inteira harmonia entre a vida especulativa e a vida ativa deve ser finalmente encarada como o mais feliz privilégio do espírito positivo” (p. 32).

- A síntese positivista é humana e subjetiva, isto é, ela é feita pelo próprio ser humano. Isso lhe permite ser homogênea no método, mas não lhe permite uma unicidade de teorias e de resultados, pois estes referem-se ao objeto, que não se reduz a um único (ou a uma única lei) (p. 25).

- Novamente: a síntese é subjetiva, isto é, feita pelo ser humano. Isso quer dizer, por um lado, que a síntese objetiva é impossível: não se obtém do exterior do ser humano nenhum princípio que lhe permita organizar seus conhecimentos e sua “visão de mundo”; por outro lado, isso quer dizer que é a partir das preocupações humanas que a síntese é constituída: não há nada de “objetivista” ou de “materialista” ou de “cientificista” ou de “antifilosófico” aí.

- A síntese humana é social, o que equivale a dizer, em termos de Positivismo, que é histórica. Deixando de lado questões sociológicas ou políticas, se somarmos a historicidade da síntese com a impossibilidade de uma única lei e com a subjetividade do conhecimento, o resultado é que as interpretações “objetivistas” do Positivismo caem por terra; ou, por outra, teríamos que o Positivismo também é “interpretativo”, na medida em que é subjetivo, histórico e social; o que ocorre é que esse interpretativismo é de fato científico, anti-irracionalista, antiteológico e antimetafísico[5].

- A defesa que Augusto Comte faz do espírito positivo, além disso, indica outro fator, menosprezado atualmente, seja pela Sociologia, seja pelos “Estudos sobre a ciência”: a ciência justifica-se por suas propriedades intelectuais, que, por si, são superiores às da teologia ou às da metafísica. Justificar o êxito ou a importância da ciência por seu caráter técnico ou econômico é ser, da maneira mais grosseira e idiota, materialista.

- Uma observação geral sobre a realidade ilustra bem como o Positivismo baseia seu humanismo na ciência: a realidade é imperfeita e pode ser melhorada. Apenas em uma tal realidade a ação humana seria possível; por outro lado, apenas o conhecimento dessa realidade, de suas leis e das possibilidades de intervenção humana nela é que permitem que essa ação tenha sucesso. Por outro lado, a ação humana exige esforço: o “otimismo providencialista” da teologia não leva a lugar algum (p. 34).

- Embora em uma discussão posterior a respeito da origem lógica e histórica do Positivismo (a partir da reação da realidade sobre a inteligência humana), indicarei aqui algumas considerações de Comte sobre as relações entre o método e a teoria – e suas histórias. Para Augusto Comte, não é possível separar o método da doutrina, de modo que somente se pode julgar um método por meio dos procedimentos efetivamente realizados – e, claro, em perspectiva, isto é, após um certo tempo e em comparação com outros métodos, aplicados a casos semelhantes. Tentar separar teoria e método, no fundo, é um procedimento do espírito absoluto, isto é, teológico ou metafísico (p. 47).

- Uma citação que, a despeito de longa, vale ser feita: [...] importa sobretudo bem reconhecer, a este respeito, que a relação fundamental entre a ciência e a arte não pôde até agora ser convenientemente concebida, mesmo pelos melhores espíritos, por conseqüência necessária da insuficiente extensão da filosofia natural, que ainda permanece alheia às pesquisas mais importantes e mais difíceis que envolvem diretamente a sociedade humana. De fato, a concepção racional da ação do homem sobre a natureza ficou assim essencialmente limitada ao mundo inorgânico, do que resultaria uma excitação científica por demais imperfeita. Quando esta imensa lacuna tiver sido suficientemente preenchida, como começa a ser hoje, poder-se-á perceber a importância fundamental desta grande destinação prática para estimular habitualmente, e muitas vezes até para melhor dirigir, as mais eminentes especulações, com a única condição normal de uma constante positividade. Pois a arte já não será então unicamente geométrica, mecânica ou química etc., mas também, e sobretudo, política e moral, devendo a principal ação exercida pela Humanidade consistir, em todos os aspectos, no melhoramente contínuo de sua própria natureza individual ou coletiva, entre os limites indicados, assim como em todos os outros casos, pelo conjunto das leis reais. Quando esta solidariedade espontânea da ciência com a arte puder ser convientemente organizada, não de pode duvidar de que, bem longe de tender a restringir de algum modo as sãs especulações filosóficas, ela lhes destinará, ao contrário, uma tarefa final muito superior a seu alcance efetivo. Isso se de antemão não se tiver reconhecido, como princípio geral, a impossibilidade de um dia tornar a arte puramente racional, isto é, de elevar as nossas previsões teóricas ao verdadeiro nível de nossas necessidades práticas. Mesmo nas artes mais simples e mais perfeitas, um desenvolvimento direto e espontâneo permanece constantemente indispensável, sem que as indicações científicas possam, em caso algum, supri-las completamente. Por mais satisfatórias, por exemplo, que se tenham tornado as nossas previsões astronômicas, sua precisão ainda é, e provavelmente semmpre será, inferior a nossas justas exigências práticas [...]” (p. 31-32).

- Augusto Comte desenvolve então uma série de considerações sobre o caráter da positividade em contraposição ao da teologia (p. 33-41), indicando o papel de transição que teve, aí, a metafísica. Essas indicações são importantes porque caracterizam, no fundo, o próprio Positivismo (indicando, em particular, sua relatividade).

- Nas páginas 41 a 45 Comte apresenta as características da palavra “positivo”, justificando-as: real, útil, certo, preciso, relativo e orgânico (em comparação com o Apelo aos conservadores, falta o sétimo sentido, o “simpático”).

O Positivismo mantém relações com o senso comum: na verdade, é a partir do senso comum que surge o Positivismo. Mas o que é esse senso comum, como eles relacionam-se? É o espírito de conhecimento da realidade, de preocupações práticas, de busca do que é real e útil, de estabelecimento de relações entre fenômenos que possa ser proveitoso para o ser humano; em termos mais diretos, é “ter os pés no chão”. “Têm, de ambas as partes, o mesmo ponto de partida experimental, o mesmo objetivo de ligar e de prever, a mesma preocupação contínua com a realidade, a mesma intenção final de utilidade. Toda a diferença essencial consiste na generalidade sistemática de um, proveniente de sua abstração necessária, oposta à incoerente especialidade do outro, sempre ocupado com o concreto. [...] Apesar de sua afinidade necessária, o bom senso propriamente dito deve permanecer preocupado sobretudo com a realidade e com a utilidade, ao passo que o espírito especialmente filosófico tende a apreciar mais a generalidade e a ligação, de sorte que a sua dupla reação cotidiana se torna igualmente favorável a ambos, consolidando-lhes as qualidades fundamentais que naturalmente se alterariam” (p. 45-46)[6]. Além disso, a origem do Positivismo no senso comum revela-se, ainda, por outro caminho, agora mais abstrato: é o da reação da “razão prática” sobre a “razão teórica” (p. 47).


[1] Da mesma forma, é de Arbousse-Bastide o estudo introdutório da edição, que apresenta em linhas gerais o Positivismo e o Discurso sobre o espírito positivo. Como esta leitura é do Discurso, deixei de lado o estudo introdutório.

[2] No caso específico de Weber, a leitura atenta de suas (poucas) críticas a Comte e suas várias críticas a Marx e ao que ele chamava de “positivismo” e de “cientificismo” revela que ele, Weber, não distinguia o conhecimento abstrato característico da ciência do conhecimento concreto das técnicas. É certo que Weber também tinha suas próprias abstrações – os tipos ideais – mas isso não muda o fato de que ele não entendeu os procedimentos científicos propostos por Augusto Comte – e até certo ponto porque não quis, para não ter que concordar com uma visão oposta à sua.

[3] Ressaltemos: essa valorização é de caráter metafísico, como se pode perceber em vários autores alemães.

[4] Dois comentários aí:

1. Embora o Positivismo afirme a indissociabilidade entre humanismo e ciência, é importante notar que nem toda prática científica propicia, ou permite, um humanismo: basta pensar nas ciências nazista e comunista.

2. A dicotomia entre ciência e humanismo, para Comte, é falsa, mas ele estabeleceu uma dicotomia, de caráter lógico e doutrinário, entre o homem e o mundo, entre os estudos cosmológicos e os estudos humanos (cf. Catecismo positivista).

[5] Se pensarmos em algumas escolas clássicas do interpretativismo, isto é, da Hermenêutica (Dilthey, Gadamer, Habermas), veremos que sobram teologia e metafísica nelas, para afirmarem-se “anticientíficas” e “filosóficas”. Esse tipo de “interpretação” das palavras “interpretação”, “filosofia”, “ciência” é que permitem que se afirme que o Positivismo não é filosófico ou que ele não realiza “interpretações”.

[6] Como se vê, Augusto Comte estabelece uma íntima relação entre o Positivismo e o senso comum, indicando que o Positivismo não surge como que por milagre na cabeça de iluminados ou por acidente na história humana; desde sempre ele está inscrito no ser humano, bastante apenas que haja tempo suficiente para que se desenvolva. Todavia, é importante notar que o bom senso é empírico, faltando-lhe espírito de conjunto e de sistema, faltando-lhe, em particular, a preocupação com a ligação entre os fenômenos gerais para tornar-se o Positivismo. Esse tipo de ressalva é importante por dois motivos: em primeiro lugar, porque já se afirmou vezes demais que o Positivismo é meramente um empirismo; em segundo lugar, e de maneira mais interessante, alguns autores do século XX (Bachelard; Bourdieu) insistiram na necessidade de ruptura com o senso comum para o procedimento científico; não vem ao caso estabelecer as possíveis relações entre o pensamento desses autores com o de Comte, mas é importante notar a visão positiva, isto é, generosa, que Comte tem do senso comum e que, ainda assim, há evidentes diferenças entre o senso comum e o procedimento científico (pelo que não se pode confundir um com o outro).

Anotações sobre o "Discurso sobre o espírito positivo"

Os comentários postados aqui integram as reflexões desenvolvidas no âmbito de um grupo de estudos chamado "Estudos comtianos", cujos trabalhos principiaram com o "Discurso sobre o espírito positivo". Como sempre, comentários e observações são bem-vindos.

* * *

I. PALAVRAS INICIAIS

Escrever ou falar sobre Augusto Comte nos dias de hoje é um problema; ou melhor, é um conjunto de problemas. O primeiro deles refere-se à definição da palavra “positivismo” – não no sentido que Augusto Comte dava à palavra (“real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático”, como se vê nas páginas iniciais do Apelo aos conservadores), mas em um sentido mais básico e ao mesmo tempo mais amplo: a qual positivismo referimo-nos quando falamos em Positivismo? Essa não é uma pergunta vã nem simples – mas, em todo caso, já tratamos dela em outras ocasiões e não nos ocuparemos dela neste momento.

Essa dificuldade inicial, todavia, pode fornecer uma boa indicação de quais os outros problemas relacionados à discussão atual sobre o Positivismo, que podem ser sintetizadas na seguinte questão: qual o sentido de estudar a obra de Comte nos dias de hoje? Para que serve o Positivismo? Novamente, essas questões não são vãs nem são simples de serem respondidas; mesmo para os positivistas ortodoxos – ainda os há! – às vezes elas são difíceis de responder.

Uma primeira forma de responder à questão acima é por meio da via histórica: estudar Augusto Comte é importante porque ele foi uma etapa fundamental no pensamento ocidental, consolidando a Filosofia da Ciência de sua época, afirmando a primazia da ciência sobre outras formas de conhecimento, fundando a Sociologia e, secundariamente, com algumas questões episódicas e anedóticas, como a Religião da Humanidade (de tão duradouros efeitos no Brasil). Nesse sentido, estudar Comte é tão importante quanto estudar, por exemplo, Aristóteles ou Tomás de Aquino ou Marx. No fundo, é uma forma degradante de justificar a importância de um pensador, percebendo-o apenas como uma peça de um museu de idéias – e peças de museus servem para serem vistas, às vezes citadas, mas não são de fato vitais para nossa reflexão (exceção feita, é claro, às obras artísticas).

A verdadeira questão que exige uma resposta é: de que forma Augusto Comte permite uma reflexão interessante, estimulante, criativa, inovadora sobre a realidade contemporânea? Ou, de maneira mais simples e mais direta: até que ponto Augusto Comte auxilia nossa compreensão de nossa sociedade?

Novamente, a resposta “histórica” permite uma primeira forma de encarar a questão acima: Comte faz parte da história da disciplina sociológica, das Ciências Sociais de modo geral, e refletir sobre suas idéias, seus métodos e suas doutrinas, com seus pontos positivos e seus limites, auxilia a reflexão sobre a sociedade e sobre a Sociologia. Porém, Raymond Aron incluiu o barão de Montesquieu entre os fundadores da Sociologia e podemos com legitimidade perguntar-nos até que ponto esse pensador iluminista colabora na nossa reflexão atual. Por outro lado, surge um outro problema, ao mesmo tempo teórico e metodológico: podemos simplesmente transpor para os dias contemporâneos as discussões de Montesquieu? A erudição é sempre uma razoável justificativa para estudarmos um pensador, mas, como argumentou no início de sua carreira Quentin Skinner (a partir da obra do filósofo idealista inglês Robin Collingwood), cada época tem suas próprias questões e suas respostas específicas. Assim como sentimos que o aristocrata do Ancien Régime é de um mundo diverso do nosso, uma dúvida semelhante pode surgir a respeito de Augusto Comte.

O problema que enfrentamos ao estudar Comte, portanto, não é simplesmente o de sermos eruditos em sua obra; não é simplesmente saber em que página, escrita em que ano, está tal ou qual citação, dita por vez primeira ou segunda. Esses problemas são fundamentais para a compreensão da lógica do pensamento comtiano, mas temos que fazer justiça a esse pensador e responder (tentar responder, pelo menos) com clareza e convicção a questão fundamental: afinal de contas, para que serve o estudo dos inúmeros volumes escritos por Comte, a maior parte dos quais em língua francesa, em edições raras e redigidas em estilo denso?

A obra de Comte serve para muitas coisas, muito além da mera erudição (que, aliás, em si era desprezada por ele) ou da história das idéias filosóficas. Talvez, em primeiro lugar, devamos indicar com clareza: o mundo de Comte não é o nosso (por exemplo, escrevo em um laptop, em um ambiente cercado por energia elétrica, ao passo que as reflexões do filósofo do Montpellier tinham lugar escritas com pena e à luz de velas), mas também não é radicalmente outro. Na verdade, se lermos com atenção sua obra ao invés de prestarmos atenção a aspectos que, embora em si sejam importantes, acabam sendo superficiais sob outros aspectos, podemos dizer com segurança que o nosso mundo é exatamente o dele: sociedade científica, industrial, tendente ao pacificismo, carente de orientação espiritual (“religiosa”); mesmo problemas supostamente atualíssimos como a globalização integram o escopo das reflexões comtianas. Mesmo – talvez acima de tudo – um dos problemas fundamentais do Positivismo, revelado pela fórmula “Ordem e Progresso”, continua atual, embora o campo da “Ordem” há muito tenha medo de apresentar-se e supostamente o “Progresso” seja o vitorioso. Questões referentes às relações entre os sentimentos, a inteligência e a conduta prática; problemas de regulação da inteligência e da ciência; o desenvolvimento das nações pobres face à riqueza das nações ricas; as relações entre as classes sociais e as culturas e as civilizações diversas: tudo isso está em Comte e está nas pautas atuais.

Os comentários acima são bastante sumários e exigem observações adicionais; a impressão que tenho é que há a necessidade de afirmarmos com maior clareza a importância de Comte, talvez mesmo sua atualidade. De qualquer forma, há uma série de discussões acadêmicas atuais que permitem avaliar até que ponto Augusto Comte “cabe” nos dias atuais – ou, talvez, até que ponto as modalidades de pensamento e de ação utilizadas e por ele propostas são atuais. Estudo presentemente duas grandes questões a respeito:

  1. metodologias e teorias de pesquisa em História das Idéias e, derivadamente, em Teoria Política historicamente informada (ora, não foi exatamente esse o projeto de Comte?!). Em particular, um autor cujas pesquisas são úteis nesse esforço é o francês Pierre Rosanvallon, com uma disciplina acadêmica denominada “História Conceitual (ou Filosófica) do Político” e que propõe que as discussões realizadas 100, 150 ou 200 anos atrás não podem ser jogadas fora – desperdiçadas, no fim – pois constituem propostas e idéias que importam para a nossa conjuntura histórica (claro, para a grande conjuntura histórica)[1].
  2. O papel dos “intelectuais” no século XXI. A figura do “intelectual” surgiu em 1898, com o panfleto J'accuse, de Émile Zola, e desde então tem passado por diversas vicissitudes e revisões (desde 2002 fala-se até em “o silêncio dos intelectuais”), mas não resta dúvida de que o Sacerdote da Humanidade ou o representante do poder Espiritual positivista deve ser um “intelectual”: alguém devotado às coisas do espírito que intervém politicamente, embora sem ocupar cargos políticos, de poder, e preferencialmente sem se filiar a partidos políticos[2].

Ambas as discussões são “acadêmicas”, mas procuram esclarecer a importância do pensamento de Comte, suas possibilidades e condições; em outras palavras, pode contribuir para a doutrina, em termos teóricos e práticos.

Por outro lado, esse trabalho não deixa de ser preliminar ao que realmente interessa. E o que interessa? A inserção do Positivismo nos debates acadêmicos e políticos de nosso tempo, do Brasil e do mundo. É importante ter claro o seguinte, a esse respeito: os vários conhecimentos que se exigem para essa inserção – da doutrina, dos movimentos positivistas, das discussões políticas e acadêmicas contemporâneas – são apenas preliminares e cabe aos positivistas definir como participarão de quais debates e de quais problemas, mobilizando quais recursos e usando quais argumentos. Em suma, não há como fugir da nossa responsabilidade pessoal em termos de criatividade e de percepção do que consideramos bom ou mal, justo ou injusto, certo ou errado, belo ou feio. Augusto Comte escreveu muito, dando orientações a respeito de um sem-número de questões, mas jamais quis que seus discípulos abrissem mão de suas próprias cabeças, de suas próprias capacidades de reflexão. A repetição mecânica das palavras de nosso Mestre, além de tornar incompreensíveis essas mesmas palavras (devido às mudanças de estilo, de questões e de palavras), pode apenas nos condenar à obsolescência política e intelectual (como, de fato, já o fez): para evitarmos e superarmos essa situação, temos que assumir nossas próprias criatividades e nossos “sensos críticos”[3].



[1] Outros autores, com suas respectivas metodologias, que podem ser úteis são Quentin Skinner e a Escola de Cambridge (ou o “Contextualismo Lingüístico”) e Koselleck e sua “História dos Conceitos”. Entre as abordagens mais recentes na História das Idéias (e que são aceitáveis e/ou utilizáveis) há uma quarta corrente, que é a de Mark Bevir e seu “Individualismo Procedimental” (ou “Intencionalismo Fraco”), mas cujo valor não sei ainda como avaliar. Finalmente, é importante destacar que cada uma delas tem seus pontos positivos e suas limitações; feitas as contas, o mais útil para meus propósitos é, de fato, Rosanvallon.

[2] Há uma grande literatura a respeito dos “intelectuais”, tanto no Brasil quanto no exterior, devido aos problemas políticos do século XX em cada país e em todos em conjunto. A expressão “silêncio dos intelectuais” ganhou notoriedade no Brasil a partir do criminoso silêncio da intelectualidade de esquerda a propósito dos chamados “desvios éticos” do governo Lula (2003-...), mas pode ser traçada desde antes, a respeito de conjunturas específicas. Essa discussão, se bem aproveitada, pode ser bastante proveitosa para o Positivismo.

[3] Caso essa ação inovadora não se realize, seremos os positivistas, no máximo, glosadores de Comte e exímios comentadores e comparadores de autores – com a inevitável e frustrante conclusão reiterada de que Comte é melhor que os outros, com quem se o compara. O exercício de comparação é importante, mas, como sabemos, é na melhor das hipóteses secundário e não tem grandes resultados teóricos ou práticos.

05 fevereiro 2007

O “verdadeiro” Marx e o individualismo: Augusto Comte como teórico do coletivismo totalitário

O artigo abaixo foi redigido como réplica a um texto anteriormente publicado na revista eletrônica Verinotio; em virtude disso, os editores dessa revista julgaram adequado publicar o meu texto, a fim de permitir-se o diálogo e a troca de idéias. Agradeço imensamente a honestidade e a correção dos editores da revista. A minha réplica pode ser lida aqui: http://www.verinotio.org/conteudo/0.6239758242145.pdf.

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Neste artigo comento o texto de Maria de Annunciação Madureira, “Elementos da filosofia de Augusto Comte” (MADUREIRA, 2005). O objetivo da autora é apresentar alguns elementos da filosofia e da proposta moral de Comte, indicando em particular a ênfase comtiana na coletividade, em oposição ao individualismo. Com essa exposição a autora pretende reunir elementos para demonstrar, seguindo uma sugestão de José Chasin (1999), que a ênfase no coletivismo geralmente atribuída a Marx e propalada pelos “marxismos vulgares” – cujo resultado histórico foram os vários “socialismos reais”, de triste memória – na verdade é comtiana, não marxista (ou melhor, marxiana); eis as palavras da autora: “Ao expor os elementos centrais da filosofia de Comte, o objetivo deste artigo é o contribuir para a elaboração da crítica às diversas vertentes do marxismo vulgar, esforço necessário que se soma ao conjunto de pesquisas que estão sendo desenvolvidas para se resgatar o pensamento marxiano” (MADUREIRA, 2005).

A exposição da filosofia de Augusto Comte que a autora faz é, em si, bastante tradicional e, por assim dizer, “conservadora”, recorrendo a uma literatura já antiga e de caráter introdutório (embora em alguns casos ilustre: Evaristo de Morais Filho, João Cruz Costa) para apresentar Comte. Nesse sentido, aliás, há inúmeras referências à no mínimo tendenciosa apresentação que J. A. Gionnotti fez de Comte para a coleção “Os pensadores”, em que usou e abusou do sofisma ad hominem, ou seja, em que procurou desmerecer a filosofia por meio de anedotas (narradas parcial e incompletamente) da vida do pensador. Os compromissos intelectuais da autora revelam-se com clareza na medida em que ela parafraseou esses sofismas ad hominem – assumindo-os para si. Óbvio ululante: sofismas (de qualquer tipo) são “argumentos”?

Por outro lado, a rarefação de textos da lavra do próprio Comte que a autora consultou, aliás, é extremamente reveladora das ambições do artigo (ou melhor: de suas limitações): novamente, apenas textos introdutórios do volume dedicado a Comte na coleção “Os pensadores”, além do Discurso sobre o espírito positivo. Essas limitações bibliográficas são aceitáveis para um estudante de graduação que tem que fazer um trabalho de final de semestre sobre Comte, mas, parece-me – de acordo com os critérios acadêmicos presentemente aceitos no Brasil e no mundo –, é inaceitável para uma pesquisadora, professora efetiva de universidade pública (da Universidade Estadual de Maringá) e, de acordo com as informações disponíveis em seu currículo lattes, doutoranda que já tem mais de 20 anos de vida acadêmica.

Todavia, o pior do texto – e o texto é ruim! – não é a apresentação de Comte em si, mas o móvel da autora ao escrever essa pequena obra-prima de desinformação: seu objetivo é demonstrar que a culpa pelas atrocidades que a União Soviética e o chamado “socialismo real” cometeram não é de Marx, mas de Comte, afirmando que a ética coletivista que nega o individualismo é comtiano e não marxista! Essa hipótese ultrapassa a ousadia e chega às raias do despropositado, do fora da realidade. Ou melhor: ela é contra a realidade 1) teórica e histórica, 2) do positivismo e do próprio marxismo.

Embora a autora considere a preocupação com o conhecimento algo de menor importância (“Marx se voltou não para a problemática do conhecimento – como, sob inspiração positivista, sua obra costuma ser divulgada” (MADUREIRA, 2005)), uma pequena avaliação epistemológica é necessária. Assim, a idéia de que é de Comte, e não de Marx, o coletivismo liberticida é caracteristicamente uma hipótese ad hoc formulada para salvar o paradigma marxista. Como diria Imre Lakatos (LAKATOS & MUSGRAVE, 1970), isso por si só é uma prova da degenerescência do paradigma – de que a substância da hipótese é uma comprovação cabal.

Essa “hipótese” transfere a responsabilidade de Marx – ou melhor, do marxismo – para Comte e o Positivismo[1]; como afinal não é possível negar os crimes perpetrados em nome do marxismo (nem, após 1989, afirmar sua relevância política), afirma-se que a responsabilidade – a culpa – é de outro; assim, a consciência permanece tranqüila e é possível continuar sendo quem ou que se é, sem maiores preocupações[2].

Mas deixemos de lado as questões epistemológicas e metodológicas e passemos diretamente às afirmações e interpretações da autora.

A autora está corretíssima ao afirmar que Comte instituiu uma ética do coletivismo em contraposição à do individualismo – antes a sociedade, depois os indivíduos – e que insistiu nisso a vida inteira. Melhor dizendo: para Comte, não se tratava de uma ética da “coletividade”, mas do “coletivo”; sem querer abusar das palavras nem recorrer a bizantinismos, é crucial notar que “ética da coletividade” não é o mesmo que “negação da individualidade”, “negação da subjetividade”, “negação do esforço e da responsabilidade pessoais”. O que Augusto Comte afirmava era a necessidade sociológica de adotar-se um padrão moral que guiasse as condutas individuais e coletivas por critérios sociais. Diga-se de passagem que é exatamente essa a concepção subjacente ao conceito de “altruísmo”, que foi aliás criado por Augusto Comte.

Como seria possível a Augusto Comte negar o espaço às individualidades ou “negar a subjetividade” (como afirma a autora) se a moral proposta por Comte exige a adesão voluntária dos indivíduos? Como seria possível negar as individualidades e as subjetividades se o que o Positivismo prega é a “sinergia”, isto é, o concurso dos indivíduos para o benefício coletivo? Como seriam possíveis as pungentes efusões íntimas de afeto de Augusto Comte por Clotilde de Vaux (sua “esposa subjetiva”) – tornadas “normais” na Religião da Humanidade – se não houvesse espaço para a individualidade e, de maneira mais crucial, para a subjetividade no Positivismo? Aliás – e tocando em um problema central para o marxismo –: como seria possível a existência da propriedade privada – que Augusto Comte afirmava como elemento da Estática Social – sem a existência de “indivíduos”?

Dessa forma, não é possível nem razoável afirmar que a “ética da coletividade” comtiana redundou, ou poderia redundar, em coletivismos liberticidas e/ou qualquer espécie de negação da “subjetividade”. Justificar o coletivismo comunista e as tiranias dele decorrentes fazendo referência a Comte é um disparate: para comprová-lo, bastaria a autora ter feito uma pesquisa bibliográfica um pouco melhor e chegaria sem dificuldade a vários autores: Aron (1999), Alain (1993), Jean Lacroix (2003) ou o portal eletrônico Auguste Comte et le Positivisme (http://membres.lycos.fr/clotilde/) (não citarei nem o próprio Comte (1890; 1899; 1946; 2000) nem Pierre Laffitte (1938) pois parece claro que a autora não teve a menor intenção de pesquisar mais a fundo o tema). Sobre as questões específicas a que estamos referindo-nos aqui, ela poderia tentar ler: a dissertação de mestrado de Ângelo Torres (1997), sobre o léxico comtiano, em particular o relativo ao conceito de “liberdade”; o livro do Arthur Lacerda (2003), a respeito do projeto republicano de Comte; a dissertação de mestrado e a tese de doutorado do Sérgio Tiski (2005; 2006), que tratam extensamente dos conceitos de Moral e de religião no pensamento comtiano – fazendo referência direta, portanto, aos “indivíduos” e às “subjetividades” – ou o meu artigo sobre a política em Comte (LACERDA, 2004). Mas, na verdade, o que a autora realmente deveria ter lido deveria ser o livro do Alfredo Severo dos Santos Pereira intitulado As falsas bases do comunismo, recentemente reeditado (PEREIRA, 2003), que trata exatamente do tema em (des)apreço, ou seja, de como o Positivismo comtiano é radicalmente contrário a qualquer conceito de coletividade que negue a responsabilidade individual e que afirme a “coletivização” da sociedade (percebida, aliás, como necessariamente liberticida)[3]. Mas, conforme depreendemos da retórica da autora, procurar esses livros seria preocupar-se em demasia com “o conhecimento” e muito pouco com “o homem”, com “a ontologia do ser social”!

Mas, por outro lado, surge a questão da responsabilidade do próprio Marx. Afinal de contas, ele foi ou não o responsável pelos crimes do comunismo? Afinal de contas, ele era ou não a favor do coletivismo e da coletivização dos meios de produção? Afinal de contas, ele era ou não contrário ao individualismo?

Na verdade, responsabilizar o autor de uma idéia pelas conseqüências práticas que essa idéia pode eventualmente ter não deixa de ser uma forma de irresponsabilidade política, ao afirmar que os indivíduos, quando agem, não o fazem porque quiseram agir daquela forma, mas porque foram guiados por algo semelhante a uma força ideológica superior a eles, que os torna meros títeres do destino.

Afirmar que Marx foi o responsável pelos crimes do comunismo é, em certo sentido, um exagero: quem praticou os crimes foram indivíduos que quiseram praticá-los. A questão é saber se o pensamento marxista favorece(u) esse tipo de prática – e a resposta é inequívoca: sim, o marxismo favorece, seja por motivos teóricos (com suas afirmações e suas negações), seja por motivos políticos (com as ações e as omissões de Marx e seus êmulos e epígonos).

Os crimes cometidos pelo comunismo foram justificados pelo messianismo marxista. Sobre esse messianismo já se escreveram rios de tinta: ele combina a dialética hegeliana (que, por si só, é metafísica e, assim, filosoficamente absoluta, isto é, anti-relativa) com o providencialismo judaico-cristão. Não podemos esquecer: seguindo a trilha teórica e metodológica de Hegel – não de Comte! –, Marx afirmava – desde o início de sua carreira, quando ainda era um “jovem hegeliano” e “preocupado com a ontologia” (e não com o “conhecimento”) – que o individualismo burguês é causa da alienação do “homem”, do “homem inteiro”, do “homem total”: para restituir-se o “homem”, o “homem inteiro”, o “homem total”, há que se acabar, imperiosamente, com esse vilão que é o individualismo. Depois, com o desenrolar de sua carreira, Marx abandonou o tom metafísico e adotou preocupações mais sociológicas (isto é, políticas, econômicas e propriamente sociológicas) e em inúmeras ocasiões afirmou-se contrário à propriedade privada e à venalidade do individualismo, percebido como caracteristicamente burguês e capitalista e, portanto, como inerente e irremediavelmente mal e desprezível; como solução para a desumanização e as desigualdades capitalistas, Marx estabeleceu que a meta fundamental da sociedade comunista seria a coletivização dos meios de produção, de modo que o homem poderia viver integralmente e por inteiro em uma sociedade em que todos seriam iguais (mesmo que à força). Por fim, é senso comum (ou seria “marxismo vulgar”?): Marx sempre afirmou a centralidade dos conflitos na “ontologia social”, com a luta de classes em primeiro lugar. Coletivização, repúdio dialético (i. e., metafísico e absoluto) ao individualismo, defesa radical do igualitarismo, luta de classes como necessidade política e sociológica: lê-se tudo isso em Marx – do “jovem Marx” ao “Marx maduro” –, mas não se lê nada disso em Augusto Comte – em lugar algum da obra de Comte.

Não deixa de ser curioso, para não dizer irônico, o fato de a autora referir-se a problemas pessoais de Comte – dificuldades familiares, conjugais, financeiras – para desmerecer sua filosofia, ao mesmo tempo em que não adota o mesmo padrão para Marx – que, sugere-se, é um gênio visionário e libertário, além de isento de máculas. Mas o comportamento de Marx, em certos momentos, não foi “problemático”: foi francamente execrável. À parte o fato de que, em termos familiares, ele burguesmente tinha uma amante e que fazia sexo à força (ou seja, praticava estupro) tanto com a esposa quanto com a amante, a verdade é que ele sempre adotou uma prática bismarckiana na vida política, uma Realpolitik informada pelo seu idealismo messiânico – não é coincidência o fato de que Marx & Engels tinham uma profunda admiração pelo Chanceler de Ferro. Aliás, como o destino da humanidade já está dialeticamente definido; como a moral corrente é burguesa e, portanto, hipócrita e “ideológica”; como a vida em sociedade é guerra; como a justiça está do lado da verdade e a verdade (dialética) está do lado dos proletários, não há porque não adotar um comportamento politicamente “realista”, de acordo com o qual os fins justificam os meios. Nesse sentido, como lembram os insuspeitos anarquistas, a prática de espalhar calúnias e mentiras pessoais sobre os inimigos, na esperança de que, mesmo que desmentidas, sempre ficará na lembrança coletiva um “resíduo”, não é de Goebbels, mas de Marx (SKIRDA et alii, 2001). Além disso, expurgos, golpes de força, golpes políticos: Bakunin (2001) já denunciava essas práticas de Marx e de seus seguidores no movimento operário do século XIX: como se vê, as práticas autoritárias ou totalitárias não eram estranhas ao marxismo mesmo em suas origens. É necessário possuir uma imaginação fértil e uma ousadia sem limites para atribuí-las a Comte e ser muito cândido (ou, no presente caso, cândida) para delas “inocentar” Marx. Detalhe: nenhuma dessas minhas afirmações é gratuita; basta ler um pouco: Aron (1980), Furet (1995), Courtois (1999); talvez mesmo Louis Dumont (1992; 1994; 1994; 2000), para entender o tal do “individualismo”.

Para concluir, duas observações.

A autora afirma querer “resgatar o pensamento” de Marx. Todavia, esse empreendimento intelectual e político tem sido realizado há décadas; na verdade, desde que o próprio Marx era vivo, há mais de um século, fala-se em resgatar o seu pensamento e, de fato, devemos parte da riqueza do marxismo exatamente aos insistentes e contínuos esforços dos mais diversos teóricos para o “resgate” do marxismo. Todavia, por mais variadas que sejam as diferenças entre esses teóricos que “resgatam” o pensamento marxista, algumas coisas permanecem constantes: a importância da luta de classes, o destaque ao proletariado, a dialética e... o coletivismo[4]. A insistência no coletivismo, mesmo após a falência do sistema comunista (ou soviético, se se preferir), é uma das características dos diversos marxismos e, nesse sentido, parece que também deve ser do “verdadeiro” marxismo. Por outro lado, bem ao contrário, a crítica do coletivismo e a defesa do individualismo pertence ao campo dos adversários, teóricos e práticos, do marxismo: são os liberais: Isaiah Berlin, Friedrich A. von Hayek, Ludwig von Mises, Frank Knight, Milton e Rose Friedman... podemos até incluir aí Raymond Aron e o brasileiro José Guilherme Merquior. Creio que nem os mais ousados teóricos da Terceira Via teriam coragem de filiar Marx, mesmo um “verdadeiro Marx”, no liberalismo!

Novamente: a autora deseja “resgatar o pensamento marxiano”. Mas na literatura da Teoria Política que trata do “resgate do pensamento dos autores” (SKINNER, 1972; BEVIR, 1994; 1997; 2002; SILVA, 2006) – a que a autora, aliás, não faz nenhuma referência – não há nenhuma sugestão ou orientação teórica ou metodológica no sentido de que “resgatar um autor” consiste em atribuir a outros autores aqueles traços que julgamos desagradáveis ou ruins no autor que “resgatamos”. Bem ao contrário: resgatar um autor implica reconhecer que esse autor deve ser entendido por inteiro, com suas “qualidades” e com seus “defeitos” – isto é, com aquilo que nós, pesquisadores posteriores, julgamos serem “qualidades” e “defeitos”. Em outras palavras, atribuir a Comte (a partir de uma interpretação canhestra do pensamento comtiano) traços do pensamento de Marx para, com um único movimento, tentar 1) livrar da tradição marxista a responsabilidade pelos crimes do comunismo e 2) “resgatar” o pensamento de Marx, não resulta nem em uma coisa nem em outra: apenas degrada o pensamento dos dois autores.

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[1] Claro que a referência a Comte, isto é, ao “Positivismo”, ajuda nessa transferência, pois, afora o preconceito generalizado de que goza essa palavra nos dias que correm (cf. Wacquant, 1996, p. 592-596), ninguém sabe direito a que corrente, ou escola, ou doutrina ela refere-se. Veja-se, por exemplo, a douta afirmação do brasilianista norte-americano Thomas Glick: “O positivismo não é uma filosofia estrito senso, mas é principalmente um conjunto de princípios gerais apropriados por indivíduos ou grupos para legitimar objetivos ideológicos intelectuais específicos ou políticos” (GLICK, 2003, p. 181). Em outras palavras, não existem escolas específicas, nas mais diversas áreas do conhecimento chamadas “Positivismo”, mas apenas diferentes formas de enganar o povo. Essa postura, que nega qualquer cidadania filosófica ou teórica a qualquer corrente chamada de “positivista”, é ela mesma ideológica, pois apenas produz confusão e diversionismo. Para apresentações de algumas modalidades de “Positivismo”, cf. Ayer (1959) e Giddens (1998, cap. 5).

[2] Convenhamos: “transferir para outros a responsabilidade pelos próprios atos, a fim de não lidar com a culpa” permite uma interpretação clínica – que, neste momento, seria oportuna.

[3] Precisamente esse foi um dos motivos que levou Augusto Comte a condenar os “comunismos” de sua época (que incluíam os autores do “socialismo utópico” mas em que, bem vistas as coisas, poderíamos sem dificuldade incluir o “socialismo científico”) (cf. COMTE, 1946; LACROIX, 2003, p. 28-29n.).

[4] Uma exceção a esse comentário seriam os marxistas adeptos da escolha racional (Jon Elster à frente). Todavia, é sabido que sua filiação ao marxismo é uma questão decididamente controversa e, de qualquer forma, é a exceção que confirma a regra.