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05 abril 2023

Comentários sobre o academicismo e o cientificismo

No dia 10 de Aristóteles de 169 (4 de abril de 2023) fizemos nossa prédica positiva. Nessa ocasião, demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em particular em sua "Sexta conferência", dedicada ao conjunto do dogma. Na seqüência fizemos algumas considerações sobre o cientificismo e o academicismo.

Entre cada uma das duas partes principais da prédica, lembramos as datas de nascimento e de transformação de Clotilde de Vaux, cofundadora da Religião da Humanidade, que nasceu em 3 de abril de 1831 e transformou-se em 5 de abril de 1846 - esta última data, aliás, integra o calendário oficial de celebrações públicas da Igreja Positivista do Brasil. 



Depois comentamos algumas observações da feminista estadunidense Christina Nehring em seu livro Em defesa do amor: a autora, embora partidária da metafísica feminista, apresenta algumas (mas somente algumas) opiniões que são extremamente próximas da Religião da Humanidade - isso para não dizermos que essas algumas opiniões são, de fato, plenamente positivistas: (1) o amor não obnubila a razão, mas, ao contrário, aumenta a agudeza de nossas percepções e evidencia as possibilidades e o melhor dos seres amados; (2) os homens importam para as mulheres, não como seres opressores, violentos etc., mas como parceiros, amigos, objetos do amor, sujeitos do amor etc. Esses comentários são tão mais notáveis quanto foram feitos por uma adepta da metafísica feminista, indicando, ao mesmo tempo, devido à necessidade de essas afirmações serem feitas e devido ao caráter "escandaloso" delas, o quanto o feminismo de modo geral está afastado da positividade.

A prédica está disponível nos canais Apostolado Positivista (aqui: acesse.one/Academicismo) e Positivismo (aqui: encr.pw/Cientificismo); o sermão sobre academicismo e cientificismo está disponível a partir de 55' 54".

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Comentários sobre o academicismo e o cientificismo
 

-        À primeira vista, pode parecer estranho ou irônico que o Positivismo aborde o academicismo e o cientificismo

o   Essa estranheza ou ironia deve-se ao fato de que, justamente de acordo com os parâmetros estabelecidos pelos próprios academicismo e cientificismo, o Positivismo seria extremamente ou seria por definição academicista e/ou cientificista

o   Assim, para limpar o terreno e deixar clara a posição do Positivismo a respeito: o academicismo e o cientificismo são vícios intelectuais e institucionais, de orientação metafísica e que correspondem a hábitos contrários ao que o Positivismo estabelece ou recomenda

o   Convém notar que as palavras “cientificismo” e “academicismo” são relativamente recentes, tendo sido elaboradas, com objetivos críticos, após a morte de Augusto Comte; ou seja, ele próprio não as empregou, embora os conceitos estejam meio ou menos subjacentes a inúmeras passagens do fundador do Positivismo

-        Tratando inicialmente do cientificismo: podemos defini-lo a parti do Positivismo como sendo a tendência da ciência a constituir-se de maneira absoluta e, portanto, metafísica

o   É importante lembrarmos alguns aspectos:

§  Ao longo de sua constituição, a ciência sempre reconheceu e buscou o relativo, ao buscar as leis naturais (e, assim, rejeitando na prática, quando não na teoria, a metafísica e o absoluto)

§  A tendência absolutista (e metafísica) da ciência não tem nada a ver com afirmações como a de que a ciência seria, sempre e de qualquer maneira, metafísica, porque teria “pressupostos filosóficos” ou porque muitos de seus conceitos teriam origem teológico-metafísica

·         Afirmações desse tipo servem apenas para conscientemente confundir, misturar e, a partir disso, legitimar a metafísica

o   A ciência adota metas absolutas quando passa a considerar-se um objetivo por si só e para si mesma, independentemente de quaisquer outras considerações morais, intelectuais e práticas

§  De maneira bastante direta, essa tendência pode ser vista quando os cientistas afirmam que o desenvolvimento infinito da ciência é, por si só, um objetivo aceitável, bom, correto

§  Em outras palavras, isso se dá quando a ciência rejeita limites intelectuais e mesmo morais à sua atividade

o   Uma outra possibilidade de a ciência constituir-se de maneira absoluta é quando ela francamente estabelece para si própria a investigação do absoluto: por exemplo, a origem do universo

o   Ainda outra possibilidade de a ciência tornar-se absoluta é quando ela estabelece, implícita ou explicitamente, que seus procedimentos são os únicos aceitáveis

§  Isso não se refere à necessidade de bases empíricas para qualquer afirmação; não se refere às relações entre fatos e conceitos; não se refere ao relativismo

§  Isso se refere, sim, à rejeição da concepção de que a ciência, em si mesma, por mais importante que ela seja, é apenas uma etapa prévia – de caráter essencialmente intelectualista, analítico, parcial e especializante – para uma elaboração filosófica superior e posterior – que abrange o conjunto da existência humana, de caráter sintético, globalizante e generalizante

§  Essa necessária elaboração de síntese filosófica posterior à atividade científica coordena os vários resultados científicos entre si e que os situa no conjunto da existência humana, em particular subordinando a inteligência às necessidades humanas e, daí, subordinando duplamente a ciência a tais necessidades (subordina como integrante da inteligência e subordina ainda mais como atividade analítica, parcial e especializante)

§  Em outras palavras, quando os cientistas e os filósofos da ciência rejeitam a síntese positiva subjetiva e relativa, que se constitui na Religião da Humanidade, eles são plenamente cientificistas

·         O cientificismo, então, não está no que corresponde ao que é próprio e legítimo na ciência (como nas críticas que os teológicos e os metafísicos fazem à ciência e para quem qualquer afirmação da ciência é “cientificista”); o cientificismo está nos desvios daquilo que é próprio e legítimo à ciência

o   Como um importante caso particular da situação anterior, uma outra forma de cientificismo é quando se considera que, apesar dos inúmeros e graves defeitos lógicos e morais da teologia e da metafísica ao longo da história, elas não teriam desempenhado nenhuma função efetiva no desenvolvimento humano, como etapas necessárias desse desenvolvimento, mesmo no sentido da constituição da ciência

o   Um outro caso particular da situação anterior é quando os cientistas e os filósofos da ciência afirmam o reducionismo

§  O reducionismo consiste na negação da autonomia de ciências superiores e o “imperialismo” de ciências inferiores sobre elas

§  Exemplos: o algebrismo (tudo reduz-se aos números ou ao movimento dos corpos), o “astronomismo” (no caso da astrologia), o “fisicalismo”, o “quimicismo”, o biologicismo, o sociologismo, o economicismo; inversamente, há também o psicologismo (que, todavia, basicamente não é uma forma de reducionismo)

o   Quais os motivos que explicam a acusação – infundada e injusta, como vemos – de que o Positivismo seria cientificista? Sugerimos três ou quatro possibilidades, não necessariamente excludentes entre si:

§  A busca de um bode expiatório e/ou de um álibi para os hábitos cientificistas de outras correntes e grupos, em que se atribui aos outros os próprios defeitos

§  A ignorância generalizada e/ou os preconceitos contra o Positivismo

§  A má-fé e a desinformação, ou seja, a imputação intencional de características sabidamente erradas ao Positivismo

§  A rejeição da aplicação à ciência dos parâmetros morais e intelectuais próprios à síntese subjetiva e relativa

-        Tratando do academicismo: podemos defini-lo a partir do Positivismo como sendo a tendência a considerar que somente na academia, isto é, nas universidades, é possível ser inteligente, produzir ciência e, de modo geral, produzir conhecimento

o   Inversamente, o academicismo estabelece que qualquer produção intelectual que se desenvolva fora das universidades não tem valor intelectual

§  O academicismo chega a tal ponto que muitas vezes nem mesmo instituições de pesquisa que não sejam “universidades” são respeitadas

o   Em virtude disso, o academicismo considera que, se alguém não possui um diploma, não tem valor intelectual

§  Em outras palavras, inversamente, o academicismo estabelece que o valor intelectual de alguém está vinculado à posse de algum(ns) pedaço(s) de papel

o   Mas é necessário termos clareza a respeito de um aspecto central: o vício moral-intelectual-institucional do academicismo é muito diferente da valorização da instrução e da busca de conhecimentos teóricos e práticos

§  Em outras palavras, ao criticarmos o academicismo, não criticamos os esforços coletivos e individuais em prol do esclarecimento e do conhecimento

o   Uma outra manifestação do academicismo é julgar que, se algum corpo doutrinário não foi elaborado nas universidades, ou não foi ensinado nas universidades, ele não tem existência efetiva e/ou ele não tem valor

§  Por exemplo: como a Sociologia foi fundada por Augusto Comte fora das universidades e ela só passou a ser ensinada a partir dos anos 1890, com uma outra geração de pensadores, não positivistas e estreitamente vinculados a universidades, a Sociologia só teria surgido a partir dos anos 1890

§  Ou, inversamente: como Augusto Comte elaborou suas reflexões fora das universidades, a sua Sociologia não seria científica, não seria uma “verdadeira Sociologia”

o   Essas concepções são aplicadas atualmente, mas é claro que sempre foram autoaplicadas pelo e ao público universitário

§  Além da aplicação à realidade atual, essas concepções também são ampliadas e exageradas para considerar que as universidades em geral, desde sempre, foram sempre bastiões do conhecimento verdadeiro

-        A partir das definições acima, parece claro que, embora cada um dos conceitos sejam independentes um do outro, eles costumam andar juntos

o   O academicismo, dependendo da sua versão (ou dos seus exageros), pode ser cientificista ou não: ele pode fingir que as universidades durante séculos não foram bastiões conservadores ou retrógrados da metafísica e da teologia

-        Para concluir: vale reforçar que o Positivismo é anticientificista e antiacademicista

o   A concepção de ciência do Positivismo valoriza a ciência, mas reconhece e estabelece limites a ela e, ao coordenar a existência humana, estabelece que a ciência ocupa uma posição necessariamente limitada e subordinada

§  Para usar conceitos atuais: o Positivismo tem uma concepção reflexiva, profunda e densa da ciência e do conhecimento humano; dessa forma, sua concepção da ciência não é simplista e não a considera todo-poderosa

o   Como vemos, o Positivismo é antiacademicista por si só, mas o anticientificismo do Positivismo reforça o antiacademicismo

§  O antiacademicismo também se vincula a um respeito pela sabedoria popular


24 maio 2021

Positivismo, uma oportunidade desperdiçada no Brasil

O período de maior atividade da Igreja Positivista do Brasil ocorreu entre 1881 (ano de sua fundação) e 1927 (ano de morte de Teixeira Mendes); nesse quase meio século, as propostas do Positivismo incluíram uma quantidade enorme de temas: política trabalhista, política indigenista, defesa da liberdade de pensamento, liberdade profissional, paz na América do Sul e na Europa, abolição da escravidão e incorporação do proletariado, fim da monarquia, proclamação e organização da República; combate ao racismo e à discriminação; proposta de uma liga ecumênica em favor da Humanidade; história do Brasil, história da Europa; teoria neurológica, teoria das ciências, teoria social, teoria política; história de Augusto Comte – e muitos, muitos outros assuntos. Em bem mais de 600 publicações – algumas delas com duas ou três páginas, muitas com centenas de páginas –, eles realizaram efetivamente a proposta comtiana, ou melhor, positivista de constituição de um novo poder Espiritual.

O Positivismo obteve grande sucesso no Brasil porque era uma filosofia e uma política que prometia e realizava a modernização (política, intelectual, social, institucional) do país; na conjuntura específica do século XIX, o Positivismo afirmava a importância intelectual e prática da ciência, bem como a afirmava a República e o fim da escravidão; tudo isso constituía, por si só, um projeto impressionante, mas, mais do que isso, resultaria em um legado que poderia ter grandes frutos caso os brasileiros quiséssemos preservá-lo.

O Positivismo afirma a importância da ciência mas é, ao mesmo tempo, uma religião; ele afirma a importância da ordem mas aspira ao progresso assim como, inversamente, busca o progresso mas não rejeita a ordem; afirma o primado da sociedade industrial e a relevância política da luta de classes, mas rejeita a violência e é favorável ao entendimento entre as classes sociais; afirma a sociedade positiva mas respeita as teologias e as metafísicas... como indicamos acima, isso e muito mais constitui as propostas positivistas, apresentadas em detalhes e aplicadas rigorosamente desde meados do século XIX no Brasil, mas principalmente no período entre 1881 e 1927. O comum dos políticos; o comum dos acadêmicos; o comum dos sacerdotes; o comum dos historiadores e dos filósofos vê todas essas oposições como sendo absolutas e inconciliáveis; com isso, rejeitam o Positivismo e a Religião da Humanidade, assim como rejeitam os esforços para mediar conflitos inerentes à vida em sociedade e à historicidade própria ao ser humano; essas diversas rejeições, por outro lado, é claro que quem as pratica vê-se beneficiado.

Conciliar a ordem com o progresso; conciliar o proletariado com a classe patronal; em uma época de primado da ciência manter uma religião e ainda respeitar as teologias e as metafísicas; respeitar o governo mas sem abdicar da possibilidade de supervisão política e moral sobre o governo e, inversamente, o governo manter a ordem pública sem jamais ofender as liberdades de pensamento e de expressão: essas e outras propostas exigem dos governantes e dos cidadãos um comportamento que é firme e seguro, mas ao mesmo tempo reconhece que a vida não aceita extremismos e que há muito tempo já ultrapassamos, ou já temos as condições históricas, morais e intelectuais para ultrapassarmos a violência, a intolerância, a censura. Enquanto a teologia e a metafísica baseiam-se no absolutismo filosófico e, historicamente, estiveram associadas ao militarismo, a positividade exige o relativismo e permite o pacifismo; assim, baseados no amor, isto é, no altruísmo, é possível conjugar pólos extremos que, até então, foram inimigos inconciliáveis. Ao mesmo tempo, muitos dos problemas cujas soluções já eram sugeridas pelos positivistas desde o final do século XIX ainda nos atormentam, mais de um século depois, ao mesmo tempo em que outros problemas com que temos que lidar atualmente poderiam ter sido evitados, ou diminuídos, caso a política positiva tivesse sido ouvida e praticada anteriormente: epidemia de consumo de drogas, violências contra as mulheres, miséria avassaladora e burgueses irresponsáveis, militarismo, violência urbana, conflitos insolúveis entre “progressistas” e reacionários.

Do final da década de 1920 (e até antes) até os dias atuais houve muitos outros movimentos sociais, políticos e intelectuais além do Positivismo; com raríssimas exceções, embora esses diversos movimentos criticassem uns aos outros, o que eles tinham (e têm) em comum é a negação de todos os demais movimentos, sejam aqueles que os precederam, sejam aqueles com que se defrontam em um dado momento. Embora digam falar em nome de todos, esses vários grupos falam apenas em seus próprios nomes, negando ou excluindo os demais grupos.

Não é por acaso que um dos traços principais da nossa sociedade – da nossa civilização, se considerarmos com atenção – é a “criticidade”; como dizem com um orgulho equívoco (e cínico) os marxistas, o “parricídio intelectual” sistemático foi alçado à posição de virtude intelectual e política elementar. Quem vem depois sempre nega quem veio antes; quem vem depois afirma que quem veio antes não era bom e, portanto, suas ações têm que ser desfeitas, negadas, rejeitadas. Restringindo-nos aos que vieram após os positivistas (ou melhor, após Miguel Lemos e Teixeira Mendes), não é isso que vemos e vimos com a “antropofagia” da “Semana de arte moderna”? Com a Revolução de 1930? Com o golpe de 1937? Com a redemocratização de 1946? Com o golpe de 1964? Com a constituinte de 1987-1988? Com a eleição do PT em 2002? Com o impedimento de Dilma em 2015? O atual Presidente da República não foi eleito com uma plataforma de “destruir tudo” (que, aliás, ele pratica com evidentes esmero e aplicação)?

Ora, os positivistas afirmavam a conjugação do progresso com a ordem e da historicidade com os avanços: não é por outro motivo que, por exemplo, a bandeira nacional republicana tem elementos de inovação, progresso e avanço (o círculo azul com o céu estrelado e a faixa branca com o belíssimo “Ordem e Progresso” em verde) em um fundo que já existia na bandeira imperial (o retângulo verde e o trapézio amarelo). Enquanto os positivistas afirmamos que os cleros teológicos deverão extinguir-se naturalmente, à medida que as populações forem emancipando-se das teologias (das suas promessas fantásticas e de suas punições fantasmagóricas), e, por isso, é-nos recomendado que contribuamos com a manutenção material desses mesmos cleros – para não morrerem de fome –, o que os cleros teológicos fizeram e fazem? Impõem a todo custo suas crenças, por meio do peso do Estado; perseguem todos aqueles que não compartilham de suas crenças. (E, por sua vez, os intelectuais, sempre “críticos”, ridicularizam o generoso voto positivista.) Enquanto os positivistas afirmamos que tanto os proletários quanto os patrícios são necessários para a sobrevivência material da sociedade, para a preservação e o aumento das riquezas, e que, portanto, é necessário que eles colaborem, que cada grupo perceba que tem deveres inalienáveis em relação ao outro grupo e ao conjunto da sociedade, o que é que liberais e marxistas fizeram desde sempre a respeito do Positivismo? De maneira muito característica e sugestiva, antes de mais nada ridicularizaram a noção de deveres mútuos – e, portanto, afirmaram a irresponsabilidade coletiva de cada grupo –; em seguida, cada qual afirmou seu próprio particularismo, seja na forma do “capitalismo selvagem” (e agrarista, no caso específico do Brasil), seja na forma da “revolução do proletariado”. Como todos sabemos, isso resultou em um século de conflitos políticos recorrentes e por vezes sangrentos; em uma burguesia profundamente irresponsável e sem sentimento de nacionalidade e em um proletariado enfraquecido, desmobilizado, paupérrimo mas com laivos revolucionários.

Procurando falar a todos os grupos e a todas as classes – ou seja, procurando aconselhar e orientar as idéias e os valores de todos os cidadãos –, os positivistas religiosos mantemo-nos rigorosamente fora dos governos; ao procurarmos manter a dignidade do poder Espiritual, queremos com isso termos condições de dirigirmo-nos a cada cidadão sem apelarmos para a força do Estado sem que ninguém tenha medo disso e, ao mesmo tempo, quando e se for necessário, possamos criticar a conduta pública (e até privada) dos governantes. Em nome dos interesses coletivos, afirmamos as responsabilidades mútuas de patrões e empregados, assim como afirmamos a importância de o Estado agir para desenvolver economicamente a sociedade, mas sem nunca, jamais, impedir as liberdades de pensamento e de expressão. Ao mesmo tempo que afirmamos que a ciência esclarece a realidade e que é uma base segura, respeitamos as crenças teológicas e metafísicas; sabemos que mais tempo, menos tempo, todos os seres humanos serão irmãos na Humanidade, a despeito das diferenças de classes e de nacionalidades, deixando para trás as crenças que tiveram sua importância histórica mas que não correspondem mais à realidade e às necessidades humanas: nisso tudo há o primado da paz, do respeito mútuo, da tolerância.

Com exceção dos positivistas, qual grupo pode dizer que propôs as idéias e colocou em prática os parâmetros acima? As ironias e os deboches que intelectuais (acadêmicos ou não) com tanta freqüência dirigem aos positivistas sugere não que a Religião da Humanidade esteja errada em suas propostas, mas, justamente ao contrário, que ela está certa – e que, portanto, é necessário ridicularizá-la. Católicos, marxistas, liberais – e, mais recentemente, também as feministas –: todos esses grupos falam apenas por si mesmos, rejeitam os demais, mantêm (quando não incentivam) os conflitos, negam a historicidade (tanto a continuidade quanto as inovações) e, se não fosse pouco, desejam a todo custo obter e manter o poder. Tudo isso é o oposto do Positivismo.

Entre 1881 e 1927, mas começando bem antes e avançando para bem depois, os positivistas propusemos (propomos) o progresso – com amor e ordem –; a sociedade industrial – sem exploração, sem revolução –; a paz – com dignidade, tolerância e respeito mútuo. Não há dúvida de que esses foram alguns dos elementos cruciais que justificaram a fama e a importância do Positivismo naquela fase. Mas o Brasil – e, de modo geral, o Ocidente – preferiu deixar de lado as propostas e as lições do Positivismo... para substituir pelo quê? Por nazismo, fascismo, comunismo, liberalismo radical, fundamentalismo teológico, irracionalismo, niilismo, individualismo hedonista e por aí vai.

É triste constatar: ao deixar de lado o Positivismo, o Brasil (mas também o Ocidente) desperdiçou uma oportunidade ímpar para resolver, encaminhar e/ou evitar muitos problemas sociais, políticos, morais, intelectuais que assolam nosso país. O Positivismo é mais um caso de oportunidade desperdiçada; mas se isso ocorreu no passado, não há motivo para que continue sendo assim; o Positivismo, a Religião da Humanidade permanece válido, útil, altruísta – em uma palavra, positivo. Cumpre-nos, com urgência, retomar essas propostas.

Folha de S. Paulo: "Auguste Comte e o amor em tempos de pandemia"

O artigo abaixo, publicado no jornal Folha de S. Paulo de 23.5.2021, é da autoria Maria Carolina Loss Leite. A autora, evidentemente feminista, erra em um sem-número de aspectos da Religião da Humanidade; ao cometer esses erros, a autora repete os preconceitos políticos e intelectuais provenientes tanto do feminismo quanto da academia.

A despeito dos preconceitos academicistas e feministas da autora, ela viu-se obrigada a admitir a justeza das perspectivas de Augusto Comte, em particular no que há de mais importante em sua obra: a afirmação do amor, a concepção de que o amor deve estar na base de tudo.

Isso é uma tripla confirmação do Positivismo e de sua capacidade de superar preconceitos e ódios: afetiva antes de mais nada, mas também intelectual e, juntando esses dois âmbitos, igualmente uma confirmação prática.

O original do artigo pode ser lido aqui.

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Antes de passar ao artigo, convém ilustrar um pouco os erros cometidos pela autora. A título de exemplo, podemos indicar dois. Como comentamos antes, são muitos mais erros originários de preconceitos intelectuais e políticos, todos eles permeados por desdém e ironia, mas não faria sentido indicar cada um deles.

O primeiro erro que queremos indicar funda-se em um preconceito academicista: a autora afirma que, para Comte, o Grão-Ser é a "sociedade"; nisso a autore atribui a Augusto Comte uma concepção metafísica de Durkheim, que é visto como o "continuador" de Comte no âmbito da Sociologia - o que, por sua vez, serve tanto para desvalorizar a obra do próprio fundador da Sociologia e do Positivismo quanto para criar e manter um esquema simplista mas útil a polêmicas academicistas. 

O segundo erro, já no âmbito do feminismo, consiste em que a autora repete o ódio feminista contra a concepção ao mesmo tempo generosa e realista de que as mulheres constituem o "sexo amante", preferindo que as mulheres sejam iguais aos homens especialmente em termos de violência e agressividade. Isso, aliás, vai na direção oposta da afirmação do amor, ou seja, em última análise, a negação do "sexo amante" é a própria negação do "amor por princípio"; nisso não há nem dignidade para as mulheres nem uma base regular para o amor.

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Auguste Comte e o amor em tempos de pandemia

Precisamos resgatá-lo antes que seja tarde

Falar de amor nos tempos tristes em que vivemos é necessário. Seja ele de qualquer forma, é sempre bem-vindo: do fraternal ao carnal. Por isso invoco o francês Auguste Comte, ou melhor, Isidore Auguste Marie François Xavier Comte. Considerado por diversos autores como o “pai” da sociologia por ter sido o primeiro a falar em estudar a sociedade do seu tempo, nasceu em 1798 e veio a falecer em 1857.

Para Comte, uma sensibilidade aliada ao amor transbordava em seus estudos ao ponto de sugerir a fundação de uma religião universal, considerando tanto os vivos quanto os mortos, haja vista que estes fizeram parte do mundo e deixaram seus legados. Chamava a sociedade de “o grande ser”.
Sua sociologia se baseou em um estudo na mudança dos corpos orgânicos —porque estes são vivos— e sociais. Foi o criador do positivismo, no qual projetava um pensamento do futuro baseado no passado. Colocado em uma fórmula, o positivismo poderia ser descrito como o amor aliado à inteligência mais a ação. O símbolo positivista era uma bandeira trazendo como figura central uma mulher.

O filósofo Auguste Comte
O filósofo Auguste Comte - Wikimedia Commons

Para criar suas obras, utilizou-se de esclarecimento, romantismo, racionalismo, empirismo, naturalismo (como o natural versus a história), desenvolvimentismo, holismo e relativismo. Seu lema, imortalizado, era “o amor por princípio, a ordem como base e o progresso como fim”. Percebia uma humanidade inserida em um todo e não apenas em uma sociedade, tendo, então, uma visão totalizante desta.

E aqui abro um parêntese sobre o amoroso Comte: apesar de pregar o amor, era contra qualquer tipo de emancipação feminina. Defendia que a igualdade dos sexos era incompatível e chamava a mulher de “sexo amante”, sendo o único exemplo de amor e devoção. Rompeu relações com seu amigo John Stuart Mill por conta de discordâncias em relação ao assunto. Mas isso já é outra história...

O lema de Comte foi parar em um dos grandes emblemas nacionais, atualmente tão desacreditado: nossa bandeira. Símbolo positivista brasileiro, possui a inscrição “Ordem e Progresso”, mas sem o “amor”. E, longe da ligação com o amor e do positivismo imaginado por Comte, sua criação se deu em meio à Guerra do Paraguai, sendo recentemente aproveitada como slogan em um governo após a retirada da presidenta Dilma Rousseff (PT) da cadeira do Executivo. Imagino como estaria Comte ao ver suas belas palavras e ensinamentos sendo utilizados não da forma como criou.

Lendo Comte, em meio a tantas desgraças, devemos acreditar que, com amor, muito luto e muita luta, poderemos trabalhar para atingir uma sociedade menos desigual. A sociedade atual vive em meio a um caos social, sanitário, econômico e ambiental, onde o ódio prevalece em diferentes tipos de pessoas.

Pessoas matam e morrem por conta do ódio disfarçado de liberdade de expressão. Estamos morrendo não apenas por um vírus letal, mas pela nossa insistência em acreditar que haverá um “normal”. Não haverá. Vidas se foram. Relações sucumbiram. Empregos sumiram. A fome voltou. E as pestes, também. Por isso, lembrar Auguste Comte neste momento me faz pensar: precisamos resgatar o amor o mais rápido possível. Antes que seja tarde demais...