2) A superação do empirismo político me parece um processo intimamente associável à capacidade efetiva de elaborar teoricamente sobre (ou a partir de) os fatos “crus”, algo que se assemelha a uma classificação, ao menos buscando-se para eles conexões que nos possibilitem apreciá-los como mais ou menos semelhantes uns aos outros. Do contrário, dispondo apenas de uma obediência servil à mera cronologia, isso só nos oferecerá um enfileiramento no tempo, do qual o empirismo político logo se encarregaria de extrair a fatídica conclusão de seu otimismo maquinal, segundo o qual, por ser “de hoje”, a situação haverá de ser sempre “melhor” do que a antiga. A ambiguidade do termo “atual” (que tanto se refere ao que se dá no momento presente, quanto se refere ao real processo de aperfeiçoamento que readapta o antigo ao presente) presta-se muito bem a isso.
Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
Mostrando postagens com marcador Dedução. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Dedução. Mostrar todas as postagens
01 fevereiro 2023
Hernani Gomes da Costa: mais reflexões sobre as hierarquias/classificações positivas
No dia 3 de Homero de 169 (31.1.2023), realizei minha prédica positiva; em sua parte de sermão, abordei o tema das hierarquias positivas, ou classificações positivas. Para elaborar tal sermão, conversei com meu amigo Hernani Gomes da Costa; a partir daí mantivemos um diálogo, em que ele, por sua vez, também refletiu intensamente a respeito desse tema, a partir das minhas observações.
Algumas das reflexões de Hernani não puderam ser apresentadas na prédica do dia 31, devido a vários motivos (eu tinha ainda que refletir a respeito de alguns desses comentários; os novos comentários poderiam ser entendidos como de "nível avançado", enquanto os sermões têm que ser de "nível básico"; só as anotações que eu já tinha estabelecido já tornariam o sermão bastante longo).
Entretanto, embora nem todas as reflexões de Hernani tenham podido ser incorporadas à minha exposição, ainda assim elas eram muito interessantes (como, aliás, costumam ser suas reflexões!) e merecem alguma forma de divulgação pública.
Por isso, após o consultar a respeito, publico aqui duas considerações feitas por Hernani também no dia 31.1.2023 sobre a teoria positiva das hierarquias (ou das classificações); como se verá, elas consistem em conseqüências adicionais que se pode tirar desssa teoria positiva. Vale notar que essas conseqüências são complementares ao que foi exposto na minha prédica do dia 31.1.2023 - que, por sua vez, como indiquei acima, em medida importante beneficiou-se do diálogo com o Hernani.
* * *
Está sendo para mim de extrema importância abordar a questão
da hierarquia. Ela vem trazendo em seu bojo problemas que não teriam, se eu bem
me conheço, me ocorrido. Meditando ontem [30.1.2023] sobre nossa conversa,
ocorreram-me dois pontos:
16 janeiro 2013
Nível de dedução, secura afetiva e orgulho
No trecho abaixo Comte afirma que os
diferentes graus de abstração (ou, de modo equivalente, os graus de indução) de cada ciência têm diferentes
conseqüências morais para os respectivos cientistas. Em particular, Comte chama
a atenção para o fato de que, ao ser principalmente uma atividade intelectual,
a ciência estimula a secura do coração, isto é, estimula os cientistas a
tornarem-se frios e/ou anti-sociais.
Mas, mais do que isso, quanto maior o
grau de dedução aplicado, mais o orgulho é estimulado: afinal de contas, como
na dedução o indivíduo trabalha isoladamente, cria-se a impressão de que os
resultados obtidos têm origem estritamente individual, sem o concurso prévio ou
concomitante de outras pessoas (e habilidades). Por outro lado, a indução exige
a coleta de dados empíricos, o que lhe confere um certo caráter coletivo – o
que acarreta um certo nível de sociabilização. A Química, ao aproximar-se mais da
Sociologia e da Moral, além de conter um grande elemento de indução, está relativamente
menos sujeita a esses vícios que a Matemática, a Astronomia e a Física.
Desse modo, o trecho abaixo mais uma vez
evidencia o quanto é errado afirmar que o Positivismo (e Comte) é “intelectualista”,
“academicista”, “objetivista” – ou, em variações próprias às Ciências Humanas e
Sociais, “anti-reflexivo”, “anti-subjetivista”, “anti-compreensivo” e outras
tolices semelhantes.
* * *
“Outre la
sécheresse inhérente à toute occupation où le cœur a trop peu de part, les
travaux scientifiques tendent spécialement à développer l’orgueil, en disposant
à une appréciation exagérée du mérite individuel. Ce double danger naturel ne
peut être assez contenu que par une vraie discipline religieuse, qui fasse
toujours prévaloir dignement l’esprit d’ensemble et le sentiment social. Il
s’étend et s’aggrave de plus en plus dans l’anarchie atuelle. Mais, en
déployant ces ravages moraux, le régime académique manifeste aussi leur inégale
influence sur les diverses classes de savants, qui s’en trouvent d’autant moins
affectés que leurs études se rapprochent davantage du but nécessaire de
l’évolution positive. Or cette incontestable différence, déjà sensible entre
les divers sciences cosmologiques, tient à la fois aux méthodes et aux
doctrines. D’abord, les études supérieures font mieux sentir que les inférieures
la destination finalement sociale de toutes nos saines spéculations, et même le
seul point de vue vraiment universel que comportent nos conceptions positives.
Mais, par une réaction plus cachée, leur propre caractère logique restreint
davantage ces dangers moraux, en faisant prévaloir graduellement l’induction
sur la déduction. En effet, c’est surtout celle-ci que excite l’orgueil
scientifique, par des conceptions que chaque esprit croit tirées de lui-même,
sans apprécier le concours extérieur. Au contraire, l’induction rappelle
toujours une source objective, et même une certaine coopération sociale. C’est
principalement dans les études déductives que règne aujourd’hui l’usage, non
moins irrationnel qu’immoral, d’enseigner chaque science sans aucune indication
historique, comme si celui que l’expose l’avait entièrement créée. Tous ces
vices de la culture académique seront essentiellement rectifiés par le régime
encyclopédique. Mais l’état le plus normal permettra néanmoins de sentir
toujours que les dangers moraux du travail scientifique tiennent davantage à la
déduction qu’à l’induction. Quoique cette différence naturelle se manifeste
déjà quand on aborde la cosmologie terrestre, elle se trouve aujourd’hui trop
dissimulée, en physique, par les usurpations algébriques. C’était donc envers
la chimie que je devais en indiquer l’appréciation générale, rendue maintenant
si sensible d’après l’irrationnelle dispersion des travaux scientifiques” (Comte,
Système de politique positive, v. I,
p. 532-534).
Marcadores:
Ciências Naturais,
Ciências Sociais,
Dedução,
Epistemologia,
Filosofia das Ciências,
Indução,
Moralidade,
Orgulho,
Sentimentos
Induzir para deduzir - e limitações das deduções
O trecho abaixo expõe uma avaliação
preliminar da Química, comparando-a à Física em termos de avanços
metodológicos. O resultado parece desabonador para a Química, pois não há
grandes avanços (isto é, novidades), mas, mutatis
mutandis, apenas desenvolvimentos e aperfeiçoamentos do que se fez na
Física.
Entretanto, a passagem da Física à
Química indica o verdadeiro caráter da dedução e da indução: somente se induz
para melhor deduzir. Entretanto, deve-se fazer duas observações importantes:
por um lado, o excesso de deduções obscurece as origens indutivas da ciência; por
outro lado, a dedução na Química já está separada da que ocorria inicialmente
na Matemática, ou seja, já se percebem (ou deve-se perceber) as limitações de
tais deduções.
* * *
“L’importance
réelle de cette étude, inversement à la précédente, est moins logique que
scientifique. Car la méthode positive n’y fait aucun nouveau pas général, et se
borne à y développer davantage les différents procédés inductifs constitués par
la physique. Seulement, la complication supérieure des spéculations chimiques y
fait mieux ressortir la nature et la destination de l’induction, en laissant
une moindre influence à la déduction, alors dégagée irrévocablement de ses
formes mathématiques initiales. Dans ce passage de la physique à la chimie,
l’esprit sent avec plus d’évidence que la logique pleinement positive doit être
moins déductive qu’inductive. Car on n’induit jamais que pour déduire ;
tandis que la déduction prolongée fait souvent méconnaître l’induction d’où
elle émane toujours” (Comte, Système de
politique positive, v. I, p. 532).
Física e combinação harmoniosa entre indução e dedução
O trecho abaixo apresenta pelo menos três
observações de grande importância teórica.
O primeiro é a afirmação de que a Física
apresenta um grau por assim dizer “mediano” – adiante Comte usará a palavra “moderado”
– de dificuldade, o que lhe permite o desenvolvimento da indução.
Em segundo lugar, a crítica ao
materialismo matemático (no caso, algébrico) sofrido pela Física e a afirmação
subjacente de que a Física é uma ciência conceitual (como todas as demais,
aliás e bem entendido), em que a Matemática é um meramente instrumento para conferir precisão aos raciocínios.
Em terceiro lugar, a observação – em
parte descritiva, em parte normativa – de que, quando a “educação enciclopédica”
– ou seja, pautada pelas vistas de conjunto, humanas, relativas, históricas –
reorganizar o conhecimento, a Física pode combinar harmoniosamente a indução e
a dedução.
* * *
“Malgré les
graves altérations dues à l’anarchie scientifique, la physique tend, par sa
nature, à la manifestation décisive de ces diverses notions logiques, trop
dissimulées, en astronomie, sous l’extrême simplicité des phénomènes. Cette
tendance est déjà sensible chez les judicieux physiciens du dix-septième
siècle, surtout envers les études de la pesanteur et du son, avant que
l’invasion algébrique les eût viciées. Quoiqu’une aveugle impulsion
mathématique y ait ensuit trop disposé à transformer les inductions en
déductions, l’essor ultérieur d’une telle science n’a jamais cessé d’offrir de
précieux modèles de la vraie logique inductive. C’est ainsi que se sont
accomplis réellement tous les grands progrès de la physique, d’après les
travaux des esprits les moins affectés par les diverses aberrations. Quand
l’éducation encyclopédique aura systématisé sa culture, cette science
développera pleinement son aptitude naturelle à constituer le premier type
décisif de la saine harmonie entre l’induction et la déduction, suivant une
sage prépondérance de son génie propre sur celui des sciences précédentes” (Comte,
Système de politique positive, v. I,
p. 518-519).
Indução e dedução na Física
Do ponto de vista da teoria da ciência e
da teoria do conhecimento, o trecho abaixo é bastante importante. Sua intenção
é avaliar a relação da Física com os métodos gerais da indução e da dedução;
inversamente, ele indica o quanto a indução foi desenvolvida pela Física e
quais os limites que a dedução – mas também a indução – apresentam.
Evidentemente, o trecho abaixo deve ser lido em cotejo com trechos anteriores
(sobre as ciências prévias: Matemática e Astronomia), bem como com trechos
posteriores (sobre as ciências seguintes: Química, Biologia e, nos volumes
seguintes do Sistema de política positiva,
Sociologia e Moral).
Os resultados a chega A. Comte com seu exame
histórico e teórico da Física são os seguintes. A Física é a ciência que mais e
melhor desenvolve bastante a indução, seja porque ela é a ciência que primeiro
realiza experiências, seja porque as ciências posteriores são muito complicadas
e dificultam as generalizações.
O espírito positivo é mais indutivo que
dedutivo, ou seja, é necessário submeter os raciocínios às observações; assim,
quanto mais distante da metafísica, mais indutivo é o raciocínio. Todavia, convém
notar que a pura indução conduz ao “empiricismo”, que é um erro lógico e
teórico.
* * *
“Son
efficacité logique correspond à cette importance scientifique. On lui doit surtout
l’essor décisif du véritable esprit d’induction, ensuite développé et completé
par tout le reste de la philosophie positive. Quoiqu’il naisse d’abord en
astronomie, et déjà même en mathématique, ces deux sciences sont trop simples
pour en caractériser assez la nature et la destination. D’un autre côté, les
sciences suivantes sont tellement compliquées, qu’il n’y pourrait être
nettement apprécié, si la physique ne l’avait préalablement élaboré. Elle seule
offre le juste degré de difficulté qui convient à la saine manifestation de la
logique inductive. Quoique la déduction y conserve beaucoup d’efficacité, déjà
elle cesse là de prévaloir, parce que l’institution des vrais principes
commence alors à devenir plus embarrassante que le développement des justes
conséquences.
Pour mieux
sentir combien la physique concourt ainsi à l’élaboration fondamentale de la
méthode positive, il faut reconnaître que le véritable esprit philosophique est
beaucoup plus caractérisé par l’induction que par la déduction. Celle-ci,
d’après son uniformité nécessaire, s’adapte indifféremment à tout régime
intellectuel. Elle était déjà très-active sous le règne de la métaphysique. Si
la science où elle prévaut le plus constitue pourtant le vrai berceau de la
positivité, c’est uniquement parce que l’extrême simplicité des phénomènes
mathématiques permet d’y établir sans effort des principes solides. Une
induction facile, et souvent inaperçue, réduit alors presque tout le travail
logique au seul enchaînement des consequénces. Quoique les autres sciences
fassent nécessairement un grand usage de la déduction, la complication
graduelle des phénomènes y détermine une prépondérance croissante de
l’induction. Celle-ci manifeste mieux le principal caractère de l’esprit
positif, la subordination normale du raisonnement à l’observation. On peut même
dire que, à mesure que nos théories quelconques s’éloignent davantage de l’état
métaphysique, l’induction y remplace de plus en plus la déduction, qui d’abord
y régnait souverainement. La raison moderne est donc caractérisée surtout par
la construction de la logique inductive, à peine entrevue dans l’antiquité.
D’après sa nature plus objective, cette méthode exige une longue suite
d’élaborations spéciales, où l’essor de chacun de ses modes essentiels ressort
de l’étude des phénomèmes correspondants. Toutefois, sa prépondérance exagérée
deviendrait bientôt pernicieuse, en consacrant le pur empirisme, tendance
ordinaire des règles inductives que sont abstraitement conçues. Mais le vrai
régime positif écarte naturellement ce danger, par cela même qu’il ne sépare
jamais la logique de la science. Car, en n’étudiant chaque partie de la méthode
inductive qu’avec les doctrines qui l’ont spécialement suscitée, on sent
aussitôt que son usage doit toujours être conforme aux notions fondamentales
que cette science reçoit de la précédente. À mesure que le phénomènes se
compliquent, ces dogmes préalables acquièrent naturellement plus de poids
logique, parce que les antécédents se multiplient. Quoiqu’ils ne suffisent jamais
aux solutions effectives, ils y fournissent toujours des indications générales,
qui servent à diriger convenablement les inductions spéciales. Ainsi, par sa
constitution encyclopédique, la vraie culture positive évite également les deux
écueils opposés, le mysticisme et l’empirisme, entre lesquels flotte
nécessairement toute étude où la déduction et l’induction ne sont pas sagement
combinées” (Comte, Système de politique
positive, v. I, p. 516-518).
Assinar:
Postagens (Atom)