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31 janeiro 2017

Informação histórica ou fofoca jornalística?

A leitura do livro Impérios do mar - sobre o conflito entre cristãos e muçulmanos no século XVI, no Mar Mediterrâneo, e escrito por Roger Crowley, um historiador profissional, "formado na Universidade de Cambridge" - suscitou-me algumas reflexões à margem das suas páginas.

Esse é um livro muito interessante, mas um aspecto em particular chamou-me a atenção. Logo no início do livro há uma ilustração de Carlos V, que foi imperador da Espanha, do Império Romano-Germânico, dos Países Baixos e de um sem-número de outras possessões.

Mas a legenda da foto indicava, além de nomear Carlos V, que ele tinha problemas digestivos e um pouco de gagueira, devido à sua mandíbula proeminente.

Conclusão: a ilustração evidencia que o importante a respeito de Carlos V é que ele tinha problemas gastrointestinais e de fala. Nada a respeito do grande líder político que ele foi e da dificílima conjuntura que ele enfrentou.

Esse é um traço muito comum hoje em dia. Os historiadores adotam uma postura próxima aos jornalistas - no Brasil, o mais ilustre jornalista que adota esse hábito é o Elio Gaspari - e, talvez com o objetivo de "desconstruir" os "grandes homens", talvez com o objetivo de evitar a "monumentalização" dos "grandes homens", talvez com o objetivo de "mostrar que eram homens de carne e osso", apresentam picuinhas, trivialidades e fofocas como se fossem grande coisa e como se isso fosse "história".

(Para Elio Gaspari, por exemplo, um dos principais traços do Gal. Figueiredo era que ele tinha problemas cardíacos. A ênfase dada por Gaspari a esse traço, realçado nas ilustrações de seus livros, sugere que a cardiopatia de Figueiredo determinava suas idéias e, portanto, a política seguida no início dos anos 1980 no Brasil. Isso é o que se vê no livro A ditadura acabada, que corresponde ao volume 5º e final da sua aclamada coleção "Ditadura"; esse traço, de qualquer maneira, encontra-se em todos os seus livros e em todos os seus artigos hebdomadários.)

Eu não aprendi nada de verdade e de sério ao saber que Carlos V tinha problemas gastrointestinais e de fala devidos à sua mandíbula proeminente; mas, sem dúvida nenhuma, fiquei "sabendo", graças ao destaque dado na ilustração, que o que há de importante sobre Carlos V eram esses problemas físicos.

Em suma: esse traço contemporâneo dos historiadores, ao serem "irônicos", ao "desconstruírem", somente rebaixa as grandes personagens históricas. Não há nada de "humanização" aí, mas, bem ao contrário, há apenas degradação e imbecilização.