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01 fevereiro 2023

Hernani Gomes da Costa: mais reflexões sobre as hierarquias/classificações positivas

No dia 3 de Homero de 169 (31.1.2023), realizei minha prédica positiva; em sua parte de sermão, abordei o tema das hierarquias positivas, ou classificações positivas. Para elaborar tal sermão, conversei com meu amigo Hernani Gomes da Costa; a partir daí mantivemos um diálogo, em que ele, por sua vez, também refletiu intensamente a respeito desse tema, a partir das minhas observações.

Algumas das reflexões de Hernani não puderam ser apresentadas na prédica do dia 31, devido a vários motivos (eu tinha ainda que refletir a respeito de alguns desses comentários; os novos comentários poderiam ser entendidos como de "nível avançado", enquanto os sermões têm que ser de "nível básico"; só as anotações que eu já tinha estabelecido já tornariam o sermão bastante longo).

Entretanto, embora nem todas as reflexões de Hernani tenham podido ser incorporadas à minha exposição, ainda assim elas eram muito interessantes (como, aliás, costumam ser suas reflexões!) e merecem alguma forma de divulgação pública.

Por isso, após o consultar a respeito, publico aqui duas considerações feitas por Hernani também no dia 31.1.2023 sobre a teoria positiva das hierarquias (ou das classificações); como se verá, elas consistem em conseqüências adicionais que se pode tirar desssa teoria positiva. Vale notar que essas conseqüências são complementares ao que foi exposto na minha prédica do dia 31.1.2023 - que, por sua vez, como indiquei acima, em medida importante beneficiou-se do diálogo com o Hernani.




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Está sendo para mim de extrema importância abordar a questão da hierarquia. Ela vem trazendo em seu bojo problemas que não teriam, se eu bem me conheço, me ocorrido. Meditando ontem [30.1.2023] sobre nossa conversa, ocorreram-me dois pontos:

1) A dedutibilidade do futuro pelo passado supõe sempre (assim me parece) a elaboração de algum tipo de classificação. Haja vista que já o próprio silogismo, consistindo na extração de uma conclusão particular a partir de princípios mais gerais, baseia-se inteiramente sobre o conceito de generalidade, que é aquele conceito mesmo que define uma classificação positiva, ocorre-me também que muitos princípios no positivismo podem ser alcançados tanto pela via dedutiva quanto pela indutiva. Assim, por exemplo, quando Augusto Comte nos diz que “os vivos são sempre e cada vez mais, necessariamente, governados pelos mortos”, o “sempre” aí me parece referir-se à seguida constatação empírica dessa verdade, de onde adveio a sua generalização; enquanto o “necessariamente” corresponde ao caráter dedutivo que essa lei comporta, já agora também como uma decorrência de princípios mais gerais.

2) A superação do empirismo político me parece um processo intimamente associável à capacidade efetiva de elaborar teoricamente sobre (ou a partir de) os fatos “crus”, algo que se assemelha a uma classificação, ao menos buscando-se para eles conexões que nos possibilitem apreciá-los como mais ou menos semelhantes uns aos outros. Do contrário, dispondo apenas de uma obediência servil à mera cronologia, isso só nos oferecerá um enfileiramento no tempo, do qual o empirismo político logo se encarregaria de extrair a fatídica conclusão de seu otimismo maquinal, segundo o qual, por ser “de hoje”, a situação haverá de ser sempre “melhor” do que  a antiga. A ambiguidade do termo “atual” (que tanto se refere ao que se dá no momento presente, quanto se refere ao real processo de aperfeiçoamento que readapta o antigo ao presente) presta-se muito bem a isso.

22 junho 2015

Sobre o “empiricismo” qualitativista

Há um mito segundo o qual o mero acúmulo de dados quantitativos – números, tabelas, estatísticas – corresponderia a um conhecimento social científico. Isso é um mito, que poderíamos qualificar de “empiricismo quantitativo”.

Isso, de modo geral, ninguém contesta. O que provavelmente incomodará muitos é que também há um “empiricismo qualitativo”. Com uma freqüência alarmante, ele é vendido como “ciência” social, por vezes com o nome imponente de “microssociologia”. Ele consiste no acúmulo de narrativas sobre os hábitos de grupos, de indivíduos, de interações variadas; também acumula depoimentos, narrativas “nativas” e assim por diante. Como é “qualitativo” e como “dá voz ao povo”, ganha ares de boa prática sociológica. Mas é só isso: a versão qualitativa do mesmo “empiricismo” indicado na forma numérica acima.


Infelizmente, só se reconhece como “empiricista” – isto é, só se reconhece os vícios intelectuais próprios ao empirismo extremado – o “empiricismo quantitativo”. Sua versão qualitativa é amplamente respeitada e praticada em todas as Ciências Sociais – não apenas na Sociologia e na Ciência Política, mas também na Antropologia e na História. (É verdade que menos na Ciência Política, na qual é mais fácil detectar o “empiricismo quantitativo”. Mas na área da Teoria Política “normativa” o “empiricismo qualitativo” é muito fácil de ser notado.)

16 janeiro 2013

Indução e dedução na Física


Do ponto de vista da teoria da ciência e da teoria do conhecimento, o trecho abaixo é bastante importante. Sua intenção é avaliar a relação da Física com os métodos gerais da indução e da dedução; inversamente, ele indica o quanto a indução foi desenvolvida pela Física e quais os limites que a dedução – mas também a indução – apresentam. Evidentemente, o trecho abaixo deve ser lido em cotejo com trechos anteriores (sobre as ciências prévias: Matemática e Astronomia), bem como com trechos posteriores (sobre as ciências seguintes: Química, Biologia e, nos volumes seguintes do Sistema de política positiva, Sociologia e Moral).
Os resultados a chega A. Comte com seu exame histórico e teórico da Física são os seguintes. A Física é a ciência que mais e melhor desenvolve bastante a indução, seja porque ela é a ciência que primeiro realiza experiências, seja porque as ciências posteriores são muito complicadas e dificultam as generalizações.
O espírito positivo é mais indutivo que dedutivo, ou seja, é necessário submeter os raciocínios às observações; assim, quanto mais distante da metafísica, mais indutivo é o raciocínio. Todavia, convém notar que a pura indução conduz ao “empiricismo”, que é um erro lógico e teórico.

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“Son efficacité logique correspond à cette importance scientifique. On lui doit surtout l’essor décisif du véritable esprit d’induction, ensuite développé et completé par tout le reste de la philosophie positive. Quoiqu’il naisse d’abord en astronomie, et déjà même en mathématique, ces deux sciences sont trop simples pour en caractériser assez la nature et la destination. D’un autre côté, les sciences suivantes sont tellement compliquées, qu’il n’y pourrait être nettement apprécié, si la physique ne l’avait préalablement élaboré. Elle seule offre le juste degré de difficulté qui convient à la saine manifestation de la logique inductive. Quoique la déduction y conserve beaucoup d’efficacité, déjà elle cesse là de prévaloir, parce que l’institution des vrais principes commence alors à devenir plus embarrassante que le développement des justes conséquences.
Pour mieux sentir combien la physique concourt ainsi à l’élaboration fondamentale de la méthode positive, il faut reconnaître que le véritable esprit philosophique est beaucoup plus caractérisé par l’induction que par la déduction. Celle-ci, d’après son uniformité nécessaire, s’adapte indifféremment à tout régime intellectuel. Elle était déjà très-active sous le règne de la métaphysique. Si la science où elle prévaut le plus constitue pourtant le vrai berceau de la positivité, c’est uniquement parce que l’extrême simplicité des phénomènes mathématiques permet d’y établir sans effort des principes solides. Une induction facile, et souvent inaperçue, réduit alors presque tout le travail logique au seul enchaînement des consequénces. Quoique les autres sciences fassent nécessairement un grand usage de la déduction, la complication graduelle des phénomènes y détermine une prépondérance croissante de l’induction. Celle-ci manifeste mieux le principal caractère de l’esprit positif, la subordination normale du raisonnement à l’observation. On peut même dire que, à mesure que nos théories quelconques s’éloignent davantage de l’état métaphysique, l’induction y remplace de plus en plus la déduction, qui d’abord y régnait souverainement. La raison moderne est donc caractérisée surtout par la construction de la logique inductive, à peine entrevue dans l’antiquité. D’après sa nature plus objective, cette méthode exige une longue suite d’élaborations spéciales, où l’essor de chacun de ses modes essentiels ressort de l’étude des phénomèmes correspondants. Toutefois, sa prépondérance exagérée deviendrait bientôt pernicieuse, en consacrant le pur empirisme, tendance ordinaire des règles inductives que sont abstraitement conçues. Mais le vrai régime positif écarte naturellement ce danger, par cela même qu’il ne sépare jamais la logique de la science. Car, en n’étudiant chaque partie de la méthode inductive qu’avec les doctrines qui l’ont spécialement suscitée, on sent aussitôt que son usage doit toujours être conforme aux notions fondamentales que cette science reçoit de la précédente. À mesure que le phénomènes se compliquent, ces dogmes préalables acquièrent naturellement plus de poids logique, parce que les antécédents se multiplient. Quoiqu’ils ne suffisent jamais aux solutions effectives, ils y fournissent toujours des indications générales, qui servent à diriger convenablement les inductions spéciales. Ainsi, par sa constitution encyclopédique, la vraie culture positive évite également les deux écueils opposés, le mysticisme et l’empirisme, entre lesquels flotte nécessairement toute étude où la déduction et l’induction ne sont pas sagement combinées” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 516-518).