Reproduzo abaixo a totalidade das anotações feitas para as exposições orais do Curso livre de política positiva, que realizei entre 8 de março e 21 de junho de 2022, em um total de 16 sessões (embora inicialmente eu tivesse previsto 15 sessões, como se pode ver neste programa).
Cada uma das sessões foi gravada ao vivo; as gravações estão disponíveis para audição nos canais Positivismo e Apostolado Positivista; além disso, as anotações de cada uma delas está disponível neste blogue.
Para quem tiver interesse na consulta da totalidade das anotações, torno-as disponíveis aqui.
* * *
Sessão 1
Súmula
Apresentação: justificativa; foco
geral do curso; estrutura do curso
Notas sobre a biografia de Augusto
Comte e sua época
Preliminares à Política Positiva I: relativismo
Roteiro
-
Apresentação
o
Apresentação pessoal:
§ Positivista
ortodoxo
§ Sociólogo,
doutor em Sociologia Política
o
Justificativa:
§ Preocupação
do Positivismo com o esclarecimento público e popular
§ Inspiração
nos cursos públicos ministrados no século XIX pelos positivistas franceses e no
século XX por Luís Hildebrando Horta Barbosa
·
No caso dos positivistas franceses: exemplo do
próprio Comte (cursos de filosofia positiva, de Astronomia popular, de
Geometria; Associação Livre para a Instrução Positiva do Povo em Todo o
Ocidente Europeu); Sociedade Positivista de Ensino Popular
§ Difusão
do espírito positivo, conjugando as vistas gerais com vistas de detalhe
§ Importância
renovada e ampliada nos últimos anos, com a proliferação e o sistemático uso
político da desinformação, do “espírito crítico”, da manipulação dos
sentimentos populares e dos golpes publicitários
o
Foco geral do curso:
§ Sociologia
Política proposta por Augusto Comte
§ O
título – “curso livre de política positiva” – refere-se ao seguinte:
·
O “curso livre”
significa que ele consiste no que se pode chamar de “divulgação científica”, ou
seja, que busca apresentar elementos teóricos, filosóficos, sociológicos e
políticos para o grande público, leigo ou não, acadêmico ou não
·
A “política positiva”
refere-se às duas etapas presentes na fase “positiva” da lei dos três estados:
é o estudo real da política (em termos analíticos) seguido da avaliação
filosófico-moral (sintética) da política
·
Em suma: é
um curso público, não institucional, sobre a Sociologia Política desenvolvida
por Augusto Comte
o
Estrutura do curso:
§ 15
sessões, apresentadas todas as terças-feiras a partir das 19h, com duração de
cerca de 45 minutos, seguidas por perguntas (se houver) e respostas
-
Breves comentários biográficos sobre Augusto
Comte e sua época:
o
Indicações biográficas: nascimento; ingresso na
Escola Politécnica; casamento com Carolina Massin; curso de filosofia positiva;
publicação da Filosofia; separação de
Carolina; encontro e relacionamento casto com Clotilde de Vaux; Revolução de
1848 e Discurso sobre o conjunto do
Positivismo; instituição da Religião da Humanidade e publicação da Política, do Catecismo, do Apelo; a
síntese subjetiva; falecimento
o
A época de Augusto Comte: Revolução Francesa
destruindo a antiga ordem social, mas sem pôr efetivamente nada no lugar; fim
das antigas doutrinas e estruturas, necessidade de novas; oscilação entre
retrógrados e revolucionários (ordem e progresso); desenvolvimento das ciências;
desenvolvimento da sociedade industrial; necessidade e oportunidade da ciência
da sociedade; necessidade e oportunidade de um novo poder espiritual
-
Necessidade de exposição de alguns conceitos preliminares
o
Para entender o Positivismo e a política
positiva, é necessário entender vários conceitos preliminares
§ Esses
conceitos são “pressupostos”, mas não são meras postulações axiomáticas, como
se Augusto Comte tivesse-os tirado de sua cabeça pura e simplesmente; são
conceitos históricos, no duplo sentido de que (1) foram elaborados ao longo do
tempo e (2) resultam de testes e experiências humanas ocorridas ao longo do
tempo
§ Além
disso, vale notar que, muito ao contrário do que se afirma geralmente, tais
preliminares não são a “metafísica” de Comte, seja porque a metafísica para
Comte não corresponde a tais preliminares, seja porque, como indicamos, a
metafísica no sentido vago de que “preliminares” ou “pressupostos” geralmente
apresenta o caráter de princípios axiomáticos, ou seja, de verdades
autoevidentes, a priori e deduzidas
como que do nada
o
Proponho duas ordens de preliminares: filosóficas e sociológicas
§ Essas
duas ordens evidentemente estão relacionadas entre si (em particular porque a
filosofia comtiana é uma filosofia sociológica, da mesma forma que sua
sociologia é filosófica), mas elas são suficientemente distintas para serem
apresentadas de maneira separada e, mais do que isso, de maneira subsequente
uma em relação à outra
§ Nesta
aula pretendo apresentar, ou pelo menos começar a apresentar, as preliminares
filosóficas; na próxima sessão apresentarei as preliminares sociológicas
§ Os
conceitos preliminares que me proponho apresentar não são exaustivos; eles são
apenas alguns conceitos que me parecem ser minimamente necessários para que se
compreenda a política positiva
o
Preliminares filosóficas:
relativismo; historicismo; visão de conjunto, visão de detalhe; objetividade e
subjetividade
o
Preliminares sociológicas:
descrições e prescrições; escala enciclopédica e graus de generalidade; estática
e dinâmica; a síntese subjetiva; o “estado normal”
-
Preliminares filosóficas:
o
Relativismo:
§ Conceito
fundamental do Positivismo:
·
Expressado desde o início da carreira de Augusto
Comte: “tudo é relativo, eis o único princípio absoluto” (1819)
·
Desenvolvido e aplicado cada vez mais em cada
vez mais casos ao longo da carreira
§ “Relacionismo”
cognitivo (sensações) e intelectual (relações entre fenômenos)
§ Antiabsolutismo
§ “Subjetivismo
social”, relativo ao ser humano em geral à novo antropocentrismo
§ Lei
dos três estados:
·
Lei de interpretação intelectual da realidade
·
De caráter qualitativo
·
Em última análise, estabelece a transição entre
as concepções absolutas e as concepções relativas
Sessão 2
Súmula
Preliminares à Política Positiva II:
historicismo; visão de conjunto e visão de detalhe; objetividade e
subjetividade; descrições e prescrições; escala enciclopédica e graus de
generalidade
Roteiro
-
Preliminares à Política Positiva II
o
Historicismo:
§ O
ser humano é um ser social e histórico:
·
Se há um traço específico do ser humano, esse
traço é a historicidade, ou seja, a sucessão de gerações e o acúmulo de
materiais ao longo do tempo
§ Afirmação
da solidariedade e, ainda mais, da continuidade
·
O rompimento da continuidade humana é o
principal sintoma da doença moral-intelectual moderna
·
Essa tendência, que já era percebida e criticada
na época de Augusto Comte, é cada vez mais e radicalmente constituinte do mundo
– evidentemente, para nosso prejuízo
§ A
experiência histórica não ser desperdiçada: os contextos mudam, mas há grandes
continuidades (e mesmo essas continuidades mudam)
·
Desenvolvimento de atributos ao longo do tempo
·
Em particular: desenvolvimento da paz, da
indústria, do trabalho livre, da ciência; do relativismo e da própria
historicidade
§ A
história não é passado-presente-futuro, mas passado-futuro-presente
§ Essas
concepções são o fundamento último da Sociologia (cujo método específico é a
“filiação histórica”)
o
Visão de conjunto, visão de detalhe
§ Afirmação
constante da visão de conjunto filosófica,
histórico-sociológica e moral sobre a visão de detalhe científica, industrial e política
·
Prevalência da visão de conjunto sobre a visão
de detalhe; mas, ao mesmo tempo, diálogo constante entre ambas as visões à
relações entre síntese e análise
·
Em termos histórico-sociológicos: continuidade
sobre solidariedade; Humanidade sobre pátrias; pátrias sobre famílias; famílias
sobre indivíduos
o Sociologicamente,
a “célula social” é a família, não o indivíduo; não existem “indivíduos”
abstratos, apenas sociedades; do ponto de vista filosófico e sociológico, o
indivíduo é uma abstração perniciosa e imoral à isso não quer dizer
que os indivíduos não ajam, não atuem, não tenham sentimentos, nem que não
tenham responsabilidades
§ Espírito
positivo versus ciência
§
ciência: conhecimento analítico da realidade,
por meio das leis naturais abstratas; conjunto mais ou menos homogêneo de
doutrinas e métodos empregados na exploração de um determinado âmbito da
realidade
§
espírito positivo: compreensão sintética da
realidade, elaborada pela filosofia, abrangendo a ciência, a atividade prática
(que deve ser sinergética) e os sentimentos (que devem ser simpáticos)
§ enquanto
a ciência tende a secar e a isolar o ser humano (em termos intelectuais,
afetivos e práticos), o espírito positivo busca desenvolver o espírito e a
integrar o ser humano
§ o
objetivo da ciência é auxiliar o ser humano em seu desenvolvimento à
antes de mais nada moral e, depois, material à é assim que se deve
julgar e avaliar a ciência
o
Objetividade e subjetividade:
§ Toda
concepção humana consiste de diferentes porções de objetividade e de
subjetividade
§ Existe
uma realidade objetiva, independente da vontade dos seres humanos, a que temos
acesso por meio da subjetividade à assim, em certo sentido a oposição
objetividade-subjetividade reflete a oposição mundo-homem
§ A
relação entre objetividade e subjetividade é, ela mesma, histórica:
·
Todas as concepções do ser humano são
subjetivas; a teologia é radicalmente subjetiva, mas pretende-se objetiva
·
A ciência assume a objetividade da realidade;
começando pelas ciências mais gerais, mais abstratas e mais fáceis, estabelece
o relativismo; daí, subindo até a Biologia, disciplina a subjetividade, por
meio dos diversos métodos particulares
·
A Sociologia aplica a objetividade à sociedade,
ao mesmo tempo que reconhece e revaloriza a subjetividade; esse movimento é
aprofundado na Moral, que então pode fundar o método subjetivo
§ O
Positivismo respeita a objetividade mas rejeita o servilismo em face dela
·
O servilismo em face da objetividade – ou, dito
de outra maneira, o excesso de objetividade – constitui a idiotia
·
O Positivismo institui uma nova subjetividade –
daí a “síntese subjetiva”, que é um
novo antropocentrismo
o
Descrições e prescrições
§ O
Positivismo estuda o que é a fim de saber o que será a fim de estipular como
agir: “saber para prever a fim de prover”
§ As
descrições seguem o diálogo entre objetividade e subjetividade
·
As descrições, portanto, são sempre e
necessariamente “interpretativas”
§ As
prescrições são a sequência natural das descrições: afinal, a ciência tem que
ser útil
·
O fundamento das prescrições é a combinação do
conhecimento da realidade (incluindo aí da natureza humana) com a moral
(pacífica, relativa, positiva)
§ “Para
completar as leis são necessárias vontades”: essa fórmula aplica-se tanto na
fase das descrições quanto na das prescrições
·
A subjetividade humana está em operação ao querer conhecer as leis naturais, ao formular as leis e ao aplicar na prática as leis
o
Escala enciclopédica e graus de generalidade
§ Lei
explicativa da lei intelectual dos três estados
·
A lei intelectual dos três estados, como
sabemos, é esta: “os conhecimentos humanos passam sucessivamente por três
estados – teológico, metafísico e positivo –, com uma velocidade proporcional à
generalidade dos fenômenos correspondentes”
·
A escala enciclopédica esclarece quais os
fenômenos são mais gerais e, portanto, quais concepções tornam-se positivas
mais rapidamente
§ A
escala enciclopédica afirma a multiplicidade
das ciências: daí, portanto, ela estabelece a multiplicidade das leis naturais; por sua vez, isso estabelece a autonomia
das várias ciências fundamentais entre si
·
“Os fenômenos mais nobres modificam os mais
grosseiros subordinando-se a eles”
o Relações
entre subordinação e dignidade
o Esse
é o fundamento da diferença entre as “ciências superiores” e as “ciências
inferiores” e, por extensão, do “método subjetivo”
·
Anti-reducionismo
o A
unidade da ciência é dada subjetivamente (por meio da síntese subjetiva), nunca
doutrinariamente (por meio das teorias próprias a cada ciência)
·
Mudanças ao longo do tempo: fundação da Moral
como ciência suprema; Sociologia como preparatória da Moral (v. II-III da Política)
§ Critérios:
§ Lógicos
e históricos
§ Generalidade
decrescente e especificidade (complexidade) crescente
§ Dedutibilidade
decrescente e empiricidade crescente
§ Quanto
mais elevada a ciência, mais complexa e nobre ela é; assim, mais modificável
ela é; daí, maior a capacidade de intervenção humana
§ Classificação
das ciências (abstratas) e respectivos métodos:
·
Matemática: dedução
·
Astronomia: observação
·
Física: experimentação
·
Química: nomenclatura
·
Biologia: comparação
·
Sociologia: filiação histórica
·
Moral: construção
Sessão 3
Súmula
Preliminares à Política Positiva
III: Estática e Dinâmica; a síntese subjetiva; o estado normal
Sociologia Estática I: teoria da religião:
concepções e regulações gerais da existência humana
Roteiro
-
Preliminares à Política Positiva III:
o
Estática e Dinâmica
§ São
duas perspectivas complementares
·
Diretamente derivadas da concepção de lei
natural: relações constantes em termos de coexistência ou de sucessão
·
É a constância na variedade
·
Esboçadas na Biologia, essas duas perspectivas
são aplicáveis a todas as ciências
§ Divisão
de perspectivas
·
A Estática representa os elementos fundamentais
de cada sociedade, presentes em toda sociedade
·
A Dinâmica representa o desenvolvimento
encadeado desses elementos ao longo do tempo, com suas inter-relações
§ Elementos
da Estática Social: religião, propriedade, família, linguagem, governo
(temporal e espiritual); teoria das variações
·
São definidos como os tipos fundamentais para os
quais tendem esses elementos no estado normal
§ Elementos
da Dinâmica: as três leis dos três estados; lei de classificação das ciências;
marcha própria ao Ocidente (fetichismo, teocracia; Grécia, Roma, Idade Média;
transição revolucionária; Positivismo)
o
A síntese subjetiva:
§ Visão
de conjunto (em termos de natureza humana, de concepções e de objetivos):
filosofia, arte, indústria, política, ciência
·
Essa visão de conjunto baseia-se no primado da
moral sociológica sobre a existência humana
·
Todos devem entendimentos gerais sobre tudo; em
contraposição, a atuação prática é sempre parcial
§ Subordinação
da inteligência à afetividade e à atividade prática
·
Relações íntimas entre simpatia, síntese e
sinergia
§ Concepções
que explicam e regulam o conjunto das realidades humanas e cósmica
§ Afirmação
da preponderância normal das ciências superiores (Sociologia e Moral) sobre as
ciências inferiores (Matemática até a Biologia), ao mesmo tempo em que “os
fenômenos mais nobres subordinam-se aos mais grosseiros”
·
Isso naturalmente estabelece o que se chama hoje
de “multi” e “transdisciplinaridade”
·
O altruísmo e o egoísmo são inatos (ou seja, são
naturais); mas: a maior fraqueza do altruísmo e o desenvolvimento histórico da
paz, da indústria e da ciência exigem o emprego constante e permanente de todos
os recursos sociais e individuais disponíveis para a afirmação do altruísmo
§ Unidade
da ciência: estabelecida subjetivamente (isto é, filosoficamente);
multiplicidade e autonomia das ciências; homogeneidade de método e de doutrina
§ Estabelece
não apenas o que se pode conhecer e fazer, mas, acima de tudo, o que se deve
fazer (ou não fazer)
§ Definição
da moralidade: estímulo e prática do altruísmo (ternura), compressão do egoísmo
(pureza)
o
O “estado normal”
§ O
estado normal consiste em uma idealização
que considera equilíbrios dinâmicos da natureza humana (individual e
coletivamente)
·
Essa idealização é uma prescrição que, por sua
vez, baseia-se nas descrições da Sociologia e da Moral por meio da síntese
subjetiva
·
Até certo ponto, é aceitável considerar que o
estado normal é uma utopia positivista – mas convém notar que Augusto Comte
reserva a palavra utopia para uma outra elaboração específica
§ Esses
equilíbrios dinâmicos mantêm os três elementos da natureza humana (sentimentos,
inteligência e atividade) coordenados
§ Não
se trata mais de manter um equilíbrio estático (como nas teocracias iniciais)
nem de desenvolver apenas um elemento da natureza humana às expensas dos outros
(como na Grécia, em Roma e na Idade Média)
§ O
caráter dinâmico desse equilíbrio indica que ele modifica-se continuamente ao
longo do tempo e que, portanto, tem que ser restabelecido continuamente
·
A permanência desses equilíbrios é um dos
argumentos que justificam a existência e a permanência da Religião da
Humanidade, isto é, do novo poder Espiritual adequado a tal situação
§ Na
medida em que é um equilíbrio dinâmico e que é uma idealização, aproximamo-nos
mais ou menos dele, sem jamais o atingir plenamente
·
Augusto Comte usa a metáfora da reta
assintótica: um limite para o qual tendemos continuamente, sem jamais o atingir
·
Considerando a plena positividade, a noção do
“estado normal” justifica a máxima segundo a qual “o ser humano torna-se cada
vez mais religioso”
§ A
palavra “normal”, no âmbito do Positivismo, refere-se portanto ao “estado
normal”
-
Estática Social: teoria da religião
o
Observação preliminar: para o Positivismo,
“religião” é diferente de “teologia”
o
A religião é o estado de unidade humana
individual e social; afetiva, intelectual e prática; por seu turno, a teologia
é uma das formas de entender a religião
§ A
confusão entre religião e teologia é a mesma que se dá entre os fins (a unidade
humana) e os meios (as sínteses teológicas)
§ A
idéia de “síntese”, portanto, sugere do ponto de vista intelectual o que a
religião propõe para o conjunto da existência humana
§ Como
a religião refere-se à unidade do conjunto da existência humana e como essa
existência refere-se também, necessariamente, à existência prática, é
necessário falar em religião para entender-se a “política positiva” (seja em
termos científicos, seja em termos “políticos”)
§ Augusto
Comte sugere que a religião é um consenso da alma
§ No
início do cap. 1 da Política positiva, Augusto Comte faz uma belíssima
retrospectiva histórica das variedades de religião: espontâneas, inspiradas,
reveladas, demonstrada: fetichismo, politeísmo, monoteísmo, positivismo
o
A noção de religião regular e une efetivamente
as existências individual e coletiva
§ Para
o Positivismo, portanto, não faz sentido a oposição absoluta entre sociedade e
indivíduo
§ A
ligação entre sociedade e indivíduo via religião dá-se por meio das duas
funções específicas da religião: regrar
e religar (em francês: regler et rallier)
·
A religião regra o indivíduo e religa-o aos
demais
·
Para Comte, não por acaso, a etimologia de
religião é o latim religare
§ Os
vínculos indivíduo-sociedade são variáveis de acordo com a fase histórica
considerada
o
A noção de uma realidade externa, objetiva,
independente da vontade humana é necessária para o desenvolvimento da religião,
em particular no que se refere à parte de regrar (por meio da veneração)
§ A
harmonia individual baseia-se sobre uma base dupla: na subordinação do egoísmo
ao altruísmo (afetivamente) e na preponderância da realidade exterior
(intelectual e praticamente)
o
A ciência suprema é a Moral, mas a base da
moralidade positiva é sociológica (e não individual)
§ Uma
forma de entendê-lo é por meio da fórmula: “entre o homem e o mundo é
necessária a Humanidade”
§ Assim,
a noção de Humanidade é o centro da concepção de religião positiva
·
Amor, Ordem, Progresso: aptidão afetiva,
natureza intelectual, destinação ativa
Sessão 4
Súmula
Sociologia Estática II: teoria da família;
os indivíduos
Roteiro
-
Família:
o
É a instituição social que, ao mesmo tempo, mais
sofre com as aberrações metafísicas e a que menos foi compreendida até hoje
(“hoje”: até o advento do Positivismo)
§ É
a menor unidade social a que a sociedade pode ser reduzida; assim, é a
verdadeira “célula social”
o
Tem duas funções principais: moral e política
§ Função
moral: desenvolve diretamente os sentimentos altruístas
§ Função
política: prepara os cidadãos para a vida em sociedade (ou seja, prepara cidadãos)
o
A família tem uma origem egoísta – o impulso
sexual –, mas é um erro reduzi-la a isso
§ O
impulso sexual tem força mais inicial que permanente
§ A
força do impulso sexual é maior no homem que na mulher
§ Após
a ação do impulso sexual, outros instintos entram em ação, tanto egoístas
quanto altruístas; a permanência do vínculo familiar desenvolve, estimula e
reforça os instintos altruístas
·
Acessoriamente, isso também esclarece que o
altruísmo não é a negação do egoísmo, mas a
orientação em favor dos demais
o
A família pode ser reduzida ao casal elementar,
mas é claro – ou melhor, deveria ser
claro – que ela é muito mais ampla que isso, pois compreende os filhos, os
avós, os agregados
§ Essas
diversas relações desenvolvem e estimulam sentimentos altruístas:
·
Marido ßà mulher, irmãos ßà
irmãos: apego
·
Filhos à pais: veneração
·
Pais à filhos: bondade
o
Em relação ao casal nuclear, a função da família
é o aperfeiçoamento mútuo, muito mais que a reprodução humana
§ A
teologia, como rejeita a existência natural do altruísmo, considera que a
família serve apenas fins egoístas, notadamente a reprodução humana
§ Também
vale notar que a teologia com freqüência considera que a família (esposa e
filhos) é propriedade dos homens
§ A
metafísica não se afasta muito disso, vendo na família pouco mais que um
contrato com fins sexuais e/ou uma instituição de violência sistemática do
homem contra a mulher
§ Há
um gênero legalista de metafísica, para quem a família deve ser paulatinamente
substituída pelo Estado
o
Como a existência humana é muito mais subjetiva
que objetiva e como a função do casamento é o aperfeiçoamento mútuo, o
Positivismo afirma a monogamia e a viuvez eterna (as segundas núpcias são uma
forma disfarçada de poligamia)
o
Como os sentimentos altruístas são desenvolvidos
e aperfeiçoados na família, ela é absolutamente central para a vida em
sociedade (e, claro, também para os indivíduos)
§ O
estímulo, o desenvolvimento e a manutenção do altruísmo, no âmbito familiar,
cabe naturalmente às mulheres
§ Isso,
evidentemente, corresponde à necessidade imperiosa de dignificar-se a atuação
da mulheres e não as condenar a escravas dos homens
§ Somente
a destruição metafísica, com seus fortes preconceitos antialtruísmo e
antifamiliares, consegue ver na afirmação do papel doméstico e moral das
mulheres uma forma de exploração, degradação e violência contra as mulheres
o
O papel político, ou melhor, cívico das famílias
corresponde à sua preparação afetiva, o que inclui não somente os três
instintos simpáticos (apego, veneração e bondade), mas também os instintos
práticos (coragem, prudência e perseverança)
§ É
importante notar que, embora a família seja a base da sociedade, ela tem que se
submeter à polis
§ Essa
submissão à polis é necessária para
evitar os desvios da família, em particular dois:
·
Possibilidade de educação afetiva egoísta
·
Possibilidade de desenvolvimento de um egoísmo coletivo familista
·
A submissão à polis altera ordinariamente as famílias, corrigindo (ou evitando)
esses dois desvios; mas é claro que a própria polis tem que se orientar altruisticamente e não pelas guerras
-
Papel dos indivíduos:
o
Os indivíduos isolados e/ou como fundadores da
sociedade não existem; só é possível falar em indivíduos quando se faz
referência prévia às sociedades em que eles surgiram
§ Os
indivíduos como célula social são uma abstração nociva e imoral
o
Mas a religião visa a regrar e a religar, ou
seja, a estabelecer a unidade e a harmonia individual
e coletiva: evidentemente há um amplo espaço para os indivíduos no Positivismo
§ Em
última análise, todas as ações – mesmo as ações da Humanidade – realizam-se por
meio de indivíduos, isto é, de agentes individuais
o
Todo ser humano tem uma vida dupla, isto é, uma
objetiva e outra subjetiva
§ A
vida objetiva ocorre no presente; a Humanidade tem em cada ser humano um “ser” concreto, de carne e osso
§ A
vida subjetiva ocorre no passado e no futuro; a Humanidade tem em cada ser
humano um “agente”
o
A Humanidade tem um caráter composto; isso
acarreta sua capacidade de ação mas também sérias dificuldades, pois é sempre necessário combinar a independência
individual com o concurso coletivo
§ A
independência individual, no estado normal, requer de ordinário a plena liberdade, o que, por sua vez, rejeita a opressão
§ Essa
plena liberdade implica as liberdades de pensamento (ou de consciência), de
expressão e de associação
§ Além
disso, a plena liberdade também é necessária para a submissão livre e digna
§ A
liberdade individual necessária para o livre concurso coletivo implica a confiança; esta, por sua vez, implica
sempre a responsabilidade (e a
responsabilização)
Sessão 5
Súmula
Sociologia Estática III: teoria da
linguagem
Roteiro
-
Teoria da linguagem:
o
A linguagem é o conjunto dos meios disponíveis
para transmitir externamente as elaborações internas
§ Augusto
Comte faz uma observação central: é errado interpretar o conjunto da realidade
ou da natureza como uma forma de “texto”, cujos elementos interpretar-se-iam
mutuamente
§ Além
disso, nós sempre pensamos antes de expressar as idéias ou as noções: a
linguagem (falada e, principalmente, a escrita) é um instrumento poderosíssimo
para o pensamento, pois confere precisão e clareza às idéias, mas em si mesma
não é necessária à reflexão, haja vista a existência prévia da linguagem (ou da
lógica) dos sentimentos e da linguagem (ou da lógica) das imagens
o
Assim como a religião, a linguagem é uma
instituição acima de tudo social, tanto em seu surgimento e desenvolvimento
quanto em sua função
§ Liga
entre si os indivíduos: assim, tem um papel estreito com a religião, pois
permite que os indivíduos estruturem-se melhor internamente e liguem-se entre
si externamente
·
A linguagem não deixa de ter um caráter sagrado,
ao expressar os sentimentos altruístas e as concepções que definem a Humanidade
·
O teológico nega a Humanidade mas expressa essa
verdadeira blasfêmia por meio de um instrumento elaborado pela Humanidade
·
O revolucionário metafísico nega a história mas
expressa essa verdadeira blasfêmia por meio de um instrumento herdado do
passado
·
Os metafísicos e os gramáticos afirmam que as
línguas são criadas por indivíduos geniais, em vez de serem elaborações
coletivas, históricas ou presentes
§ O
caráter social da linguagem humana tem bases biológicas: os animais superiores
têm suas próprias linguagens, que não se desenvolveram tanto quanto a nossa
devido à atuação decisiva do ser humano no planeta
·
Isso permite afirmar que cada um dos animais
superiores poderia ter desenvolvido suas próprias humanidades, mas que estas
são “humanidades abortadas”
·
Isso também conduz a considerar que, embora o
estudo sociológico da linguagem baseie-se na Biologia, o entendimento das
“humanidades abortadas” na verdade permite abarcar
a Biologia na Sociologia
o
A função básica da linguagem é transmitir os
sentimentos; assim, a linguagem tem um caráter artístico
§ Os
meios iniciais da linguagem são a mímica e o som, de que derivam a pintura (e,
daí, depois, a linguagem escrita), a escultura e o canto
§ Mas
o desenvolvimento da linguagem conduz a que a arte principal seja a poesia (a
música tornando-se a primeira das artes especiais)
o
O caráter artístico da linguagem tem que se
relacionar com a importância intelectual que ela desenvolve ao longo do tempo
§ Desenvolvem-se
três tipos de linguagens, ou melhor,
de lógicas:
·
Lógica dos sentimentos
·
Lógica das imagens
·
Lógica dos sinais
§ Cada
uma dessas linguagens tem propriedades específicas e deve relacionar-se
constantemente com as demais
§ O
conjunto das três lógicas indica por si só o quanto, de fato, os “pensamentos
provêm do coração”
Sessão 6
Súmula
Sociologia Estática IV: teoria da
propriedade: origem e destinação sociais, gestão individual; luta de classes.
Roteiro
-
Pequena diferenciação: conceitos de “política”:
o
Politics:
é a política do dia a dia; uma forma um pouco negativa de entendê-la é
traduzido por “politicagem” (embora essa expressão seja excessivamente negativa
para a palavra politics)
o
Policy:
são as políticas públicas executadas pelo Estado
o
Polity:
é a organização social, política e econômica em grandes linhas, baseada nos
valores compartilhados à é este o sentido básico da “política positiva”
-
Propriedade:
o
Diferentes tipos de capitais, isto é, de
materiais produzidos e transmitidos pela Humanidade
§ Capitais
material, artístico-intelectual e moral
o
A propriedade consiste na base material da
sociedade
§ Ela
corresponde à realidade do mundo e da objetividade
§ Uma
outra forma de expressar essa idéia é indicar que é a realidade satisfeita pela
propriedade que exige a ciência (para conhecer o mundo) e afirma o egoísmo
·
A partir dessa conexão entre realidade material,
egoísmo e ciência, Augusto Comte propõe uma belíssima imagem: se não tivéssemos
que lidar com a realidade material, o ser humano seria sempre direta e
totalmente altruísta e dedicar-se-ia apenas à expressão artística
o A
propriedade enquanto tal sempre existe (privada ou coletiva)
§ Diferentes
modos de gestão da propriedade: desde originariamente coletiva até atualmente
individual
§ A
teologia e a metafísica são incapazes de abarcar a realidade material da
sociedade; portanto, são incapazes de solucionar seus problemas
o Responsabilidades
concomitantes dos gestores do
capital:
§ Manutenção
e aumento dos tipos de capital
§ Satisfação
das necessidades sociais
o
Origem e destinação sociais, mas gestão
individual:
§ Base
da noção político-moral da “responsabilidade social”
§ “O
capital é social em sua origem e deve sê-lo em sua destinação”
o Formas
de transmissão do capital:
§ Ordem
decrescente de dignidade: Paz: dádiva, troca, herança; guerra: conquista
o
Vinculação estreita com o trabalho
·
Riqueza: força concentrada
·
Trabalho: força dispersa
o Divisão
entre o patriciado e o proletariado
§ Patriciado:
·
Gestores individuais do capital coletivo
·
Grosso
modo são os ricos, mas com uma atuação moral, intelectual e socialmente
regenerada
·
Submetem-se à avaliação pública tanto em termos
de resultados obtidos quanto, antes, de projetos propostos
·
Tipos de patrícios: bancário, comercial,
industrial, agrícola
§ Proletariado:
·
São os trabalhadores
·
Emancipação paulatina dos trabalhadores (e das
mulheres): escravos na Antigüidade, servos na Idade Média, trabalhadores livres
na modernidade
·
Tipos de proletários:
o por
um lado, há uma correspondência com os tipos de patrícios: bancário, comercial,
industrial, agrícola
o por
outro lado, há os tipos religiosos: ativo, afetivo, contemplativo, passivo
§ Necessidade
de concurso entre o patriciado e o proletariado
·
Augusto Comte critica duramente a burguesia
francesa de sua época, afirmando que ela era mesquinha, ou seja, egoísta e
estreita
·
Obrigação dos patrícios de pagar salários
decentes e de gerar empregos também decentes para todos os proletários
·
Caráter instrumental da luta de classes
o Positivismo
como “conservador” devido à sua rejeição da luta de classes como um conceito
moral: afirmação teoricamente errada, politicamente irresponsável e moralmente
patológica
o Salário:
§ O
trabalho é sempre gratuito e o salário corresponde à reposição do consumo de
capital
§ O
salário tem que ser suficiente para a satisfação das necessidades familiares
(família proletária de sete membros, dona do próprio imóvel, incluindo
alimentação, transporte, educação, saúde e lazer)
Sessão 7
Súmula
Sociologia Estática V: teoria do
governo: o poder Temporal
Roteiro
-
Pequena homenagem ao Dia do Índio e a Rondon (19
de Abril) e a Tiradentes (21 de Abril)
-
Teoria do governo:
o
Augusto Comte observa que a Estática Social
sofre profundas perturbações nesta época de crise revolucionária: a família, a
propriedade – e o governo
o
Princípio fundamental: não existe sociedade sem
governo, assim como não existe governo sem sociedade
§ A
função do governo é coordenar os esforços coletivos
o
Há dois tipos de “governo”, o temporal e o
espiritual
§ O
poder temporal é responsável pela ordem civil à é prático e impositivo
§ O
poder espiritual é responsável pela ordem moral à é teórico e baseia-se
no livre assentimento, nas idéias e nos valores
§ Nesta
seção abordaremos o poder Temporal
o
A teoria do poder Temporal baseia-se em dois
princípios fundamentais:
§ Princípio
de Aristóteles: toda sociedade consiste na divisão dos ofícios e na
convergência dos esforços à a parte do governo corresponde, precisamente, à
convergência dos esforços
§ Princípio
de Hobbes: o fundamento da poder é a força
·
Vale lembrar que o poder não é algo que se
possui, mas algo que se “constitui”; ele é uma relação social, não um objeto
§ Toda
sociedade é constituída por famílias, classes sociais, igrejas, associações
etc.: mas é poder Temporal que organiza, que impõe a ordem, que estrutura a
sociedade (seja porque impõe a ordem, seja porque realiza as grandes aspirações
sociais, seja porque impõe as leis)
·
Assim, torna-se claro o sentido de estruturador
da polity próprio ao poder Temporal
o
Distinção entre poder Temporal e pátrias:
§ A
teoria do poder Temporal corresponde à teoria dos fundamentos e da organização
do poder, ou melhor, do “Estado”
§ A
teoria das pátrias, ou melhor, das mátrias
corresponde à teoria das unidades políticas concretas, em porções geográficas
determinadas e nas quais interagem os dois poderes (Temporal e Espiritual) e os
vários elementos da sociedade (Estado e sociedade civil, classes sociais,
famílias e indivíduos)
o
A teologia estabelece o governo absoluto baseado
na vontade indiscutível do rei como representante da divindade; em
contraposição a isso, conforme o seu caráter crítico, de transição e de
rejeição da teologia, a metafísica erige o absoluto do “povo” em contraposição
ao absoluto divino
§ Assim,
a sociocracia (ou melhor, a república sociocrática) deve suceder a monarquia teocrática
e a democracia metafísica
o
A teoria do governo baseia-se tanto em
necessidades sociais bastante claras quanto também, mas de maneira à primeira
vista menos evidente, em características morais – em particular, na veneração
§ Os
problemas vinculados ao governo, atualmente, têm a ver com a revolta contra a
subordinação
·
Por um lado, portanto, isso não deixa de ser uma
questão de orgulho
·
Por outro lado, há as dificuldades relativas à
dignidade dos cidadãos
§ O
poder exercido de maneira despótica, à parte a manifestação de orgulho
individual e de egoísmo coletivo, é justificado e legitimado nas concepções
teológicas, que são absolutas
·
“As ordens indiscutíveis associam-se às
concepções indemonstráveis”
·
Já as tiranias contemporâneas são tirânicas
porque não entendem o caráter relativo do governo na sociedade industrial e
querem agir pautadas por princípios e concepções teológicas ou metafísicas – ou
seja, concepções absolutas
·
Em outras palavras: para evitar e impedir as
tiranias, é necessário ao mesmo tempo adotar plenamente o relativismo positivo
e afastar e recusar o absolutismo
§ O
problema, então, é duplo: os governantes têm que entender que os cidadãos são
cidadãos (citizens, citoyens), não súditos (subjects, sujets) nem escravos; os cidadãos têm que respeitar os governantes
·
Há aqui a necessidade imperiosa de consagrar para regular
·
A metafísica transforma em permanente uma
situação puramente transitória e excepcional – qual seja, a revolta contra o
poder (no caso das tiranias)
o
A limitação do governo é dada principalmente
pela opinião pública
§ A
constituição, a organização e a expressão da opinião pública cabem ao poder
Espiritual
§ A
atuação da opinião pública exige, evidentemente, as liberdades fundamentais
§ As
liberdades de consciência e de expressão são a garantia contra toda tirania
Sessão 8
Súmula
Sociologia Estática VI: teoria do
governo: o poder Temporal (concl.); o poder Espiritual
Roteiro
-
Concluindo a teoria do poder Temporal:
o
Augusto Comte observa que o governo tem que
pertencer à classe social dominante, o que equivale a dizer que ele tem que ser
exercido pelo patriciado
§ A
fórmula que condensa as relações entre superiores e inferiores é esta: “dedicação
dos fortes pelos fracos, veneração dos fracos pelos fortes”
§ Essa
fórmula pode parecer extravagante para alguns, mas é necessário notar dois
aspectos centrais a seu respeito para que ela seja entendida:
·
Desde o fim da Idade Média, no Ocidente, vivemos
em uma época de crise, de transição, em que os valores antigos não são mais
respeitados e o desrespeito sistemático às regras, aos valores, às instituições
é considerado o supremo valor e a máxima realização do “progresso”
o Assim,
essa proposta é um princípio que visa a evitar, a solucionar, a orientar e a
aproveitar conflitos sociais; é uma proposta normal (isto é, que considera o
estado normal) e sua aparente extravagância deve-se ao caráter metafísico,
crítico, da civilização da nossa época
·
A dedicação dos fortes pelos fracos,
correspondente à orientação social e altruísta das atividades, é uma
preocupação maior e de consequências imediatas mais amplas que a veneração dos
fracos pelos fortes, que por sua vez é correspondente ao respeito dos subordinados
aos seus superiores
o É
claro que se a cobrança da dedicação dos fortes deve ser grande (e até maior
que o respeito dos fracos), isso não exime os fracos de serem respeitosos pelos
fortes
§ O
governo tem que ser do patriciado, não da burguesia
§ O
governo tem que ser exercido com fins sociais
§ Como
deveria ser evidente, o exercício do governo é diferente das atividades
industriais: enquanto estas são parciais e estimulam diretamente o egoísmo, o
governo é geral e tem que ser inspirado sempre pelo altruísmo
·
Se o patrício que se torna governante mantivesse
o caráter “privado” de sua atuação no governo, ele manteria o espírito da
“separação dos ofícios” e negaria na prática a “convergência dos esforços”, que
é o objetivo e a justificativa do governo
§ No
período de transição, a afirmação do caráter social e de vistas gerais do
governo pode ter que ser reafirmado por meio de um governo exercido por um proletário
-
Teoria do poder Espiritual:
o
A teoria do poder Espiritual é complementar à
teoria do poder Temporal
§ A
sua justificativa teórica, em termos sociológicos, é o aforisma: “nenhuma
sociedade pode perdurar sem alguma forma de poder Espiritual”
o
O poder Espiritual, como o poder Temporal, tem
por objetivo basicamente a afirmação das vistas gerais
§ As
vistas gerais afirmadas pelo poder Espiritual são mais amplas que as do poder
Temporal:
·
por um lado, afirmam a realidade planetária do ser humano, ultrapassando
as fronteiras nacionais
·
por outro lado, afirmam a realidade histórica do ser humano, afirmando a
preponderância do passado e do futuro sobre o presente
§ Augusto
Comte (1929, v. II, p. 313-319) estabelece uma série de contraposições
sistemáticas entre os poderes Temporal e Espiritual:
§
CARACTERÍSTICA
|
PODER ESPIRITUAL
|
PODER TEMPORAL
|
Âmbito
|
Eterno
|
Material
|
Duração
|
Permanente
|
Temporário
|
Caráter intelectual
|
Geral
|
Especial
|
Caráter geográfico
|
Global
|
Local
|
Caráter social
|
Intérprete da continuidade
|
Organizador da solidariedade
|
Relação com a história
|
Passado, futuro, presente
|
Presente
|
Fundamento
|
Conselho
|
Força
|
Aspecto-síntese
|
Teórico
|
Prático
|
o
Comparando os dois poderes, é fácil considerar
que o poder Espiritual é mais representativo da Humanidade que o Temporal
§ Isso
pode conduzir com facilidade à presunção do poder Espiritual de ser o
responsável pela condução dos negócios públicos
§ Entretanto,
o poder Temporal é o prático e o responsável pela gestão dos negócios públicos,
ao passo que o Espiritual é o teórico e o responsável pelo aconselhamento
§ Assim,
para que as funções sejam claras e bem desenvolvidas, é imperioso que ambos os
poderes sejam separados à essa é “separação dos dois poderes”, que corresponde
ao princípio político prático fundamental do Positivismo (vulgarmente conhecido
como “laicidade do Estado”)
§ Além
de separados, os poderes devem ser subordinados em seus respectivos âmbitos de
atuação; em termos concretos, isso quer dizer quem conduz efetivamente a
política é o poder Temporal, não o Espiritual
§ Essa
é uma aplicação prática do princípio teórico segundo o qual os fenômenos mais
nobres modificam os mais grosseiros subordinando-se a eles
o
Augusto Comte critica a tendência moderna,
prevalecente desde o fim da Idade Média, de considerar as relações sociais e,
daí, a teorização sócio-política cada vez mais em termos objetivistas, isto é,
temporais, rejeitando as influências morais (muito mais que as intelectuais)
§ A
consequência dessa rejeição da moralidade – exemplificada por Maquiavel, que
pela Ciência Política é celebrado como o iniciador dessa tendência – é o
entendimento de que as relações sócio-políticas são entendidas cada vez mais em
termos de força, poder e violência
§ O
amoralismo afirmado logo se transformou em imoralismo
§ A
consequência moral da negação da moralidade é a afirmação e a celebração do
egoísmo como padrão moral humano supremo, explícito (como em Hobbes) ou
implícito (na conduta cotidiana)
·
Vale notar que no período entre 1870 (na Europa)
e 1920 (no Brasil) até 1945 (no mundo) as concepções mais brutais e violentas
da política foram afirmadas, contra o Positivismo, que, aliás, viu-se alvo de
desprezo exatamente porque sempre rejeitou por princípio a violência e a
brutalidade
·
Esse período que se inicia em 1870 na Europa
corresponde à influência de Bismarck na política internacional, bem como ao
comunismo; após 1920 começa a ocorrer também a influência dos nazifascismos,
todos eles afirmadores do cinismo e da violência
o
Em certo sentido, a teoria do poder Espiritual é
a teoria mais importante do Positivismo
§ O
estabelecimento de um poder Espiritual positivo é a consequência necessária e
desejada pelo Positivismo desde o início da carreira de Augusto Comte
§ Esse
estabelecimento decorre também, é claro, dos diagnósticos que Augusto Comte fez
da crise moderna:
·
Duplo movimento moderno, com a decadência da
antiga organização social (teológica, feudal e militar) e o surgimento de uma
nova organização social (positiva, industrial e pacífica)
·
Ultrapassagem da forma de pensar absolutista
para a forma de pensar relativista à a mais ampla revolução
por que já passou o ser humano
Sessão 9
Súmula
Sociologia Estática VII: teoria do
governo: o poder Espiritual (concl.)
Roteiro
-
Referência a algumas efemérides:
o
Dia do Trabalho (1º de Maio)
o
Celebração dos Apóstolos da Humanidade, no
calendário de celebrações da IPB (4 de Maio, data da transformação de Jorge
Lagarrigue (1854-1894))
o
Prédica inaugural do Apostolado
Positivista da Itália (4 de maio de 2022)
-
Teoria do poder Espiritual (concl.):
o
O meio de atuação própria do poder Espiritual –
ou de sua forma institucional, que é o sacerdócio positivo – é o
aconselhamento, ou seja, ele modifica as condutas subjetivamente
§ Essa
atuação do sacerdócio constitui a opinião pública
§ O
aconselhamento implica as ideias, os valores e os sentimentos
§ Há
um paralelismo entre a atuação do sacerdócio na cité e a atuação das mulheres no âmbito das famílias: todos eles
são conselheiros e modificadores da ação
o
Na verdade, a atuação do poder Espiritual como
afirmador subjetivo das vistas gerais pode ser desenvolvida em mais âmbitos:
§ Augusto
Comte fala que ele deve atuar como um juiz: conselheiro,
consagrador e moderador
§ O
fundamento dessa atividade é a educação comum
·
por um lado, isso permite que haja valores
compartilhados
·
por outro lado, isso permite que os valores
sejam afirmados e mobilizados por uma corporação conhecida, reconhecida e
respeitada
§ A
educação comum fornecida pelo sacerdócio implica que o sacerdócio pleno tem que
ter uma formação plena:
·
A formação plena implica as vistas gerais e o
relativismo; o conhecimento científico e histórico; o conhecimento artístico; a
responsabilidade política
·
Os meros cientistas, os meros artistas e até os
meros eruditos são sacerdotes incompletos e, portanto, desempenham funções
importantes mas subordinadas
·
É errado igualar o sacerdócio aos professores e,
ainda mais, aos jornalistas:
o No
caso dos professores, eles não têm
necessariamente as vistas gerais do ponto de vista intelectual, o que com
frequência afeta as suas responsabilidades morais e políticas exigidas do
sacerdócio pleno
o No
caso dos jornalistas: com frequência,
eles não têm necessariamente nenhum dos requisitos próprios ao sacerdócio
(formação intelectual, integridade moral, responsabilidade política); a
obrigação de escreverem qualquer coisa periodicamente torna seus escritos, com
frequência, superficiais; por fim, eles beneficiam-se da superficialidade e
vulgaridade moral, intelectual e política à assim, os jornalistas
não são intérpretes nem elaboradores da opinião pública
§ O
sacerdócio regula a vida privada e individual dos cidadãos, ao promover os
sacramentos positivos
·
Os sacramentos são de base moral, nunca política
– ou seja, são opcionais, não obrigatórios (mas, quando aceitos, devem ser
aceitos plenamente)
·
Os sacramentos estabelecem a regulação e a
periodização das vidas coletiva e individual em base heptenárias (em múltiplos
de sete)
·
Os sacramentos, em número de nove, são estes:
apresentação, iniciação, admissão, destinação, casamento, madureza (ou
maturidade), retiro, transformação, incorporação
§ No
âmbito da política interna, o sacerdócio deve regular as relações sociais, evitando, moderando e conduzindo os
conflitos sociais, mormente (mas é claro que não principalmente) os conflitos
de classe e as disputas políticas
·
A necessidade de autonomia do sacerdócio
torna-se mais evidente nesses casos, a fim de que ele seja respeitado por todos
e possa, dessa maneira, mediar e sugerir soluções para os conflitos
·
As vistas gerais e a autonomia próprias ao
sacerdócio, bem como a separação dos dois poderes, implicam necessariamente a
vedação de o sacerdócio ocupar cargos políticos
o Na
verdade, deveria ser estabelecida por lei a proibição de sacerdotes concorrerem
a cargos políticos
§ No
âmbito internacional, o sacerdócio também deve lidar com os possíveis
conflitos, evitando as guerras e o colonialismo (e/ou o imperialismo)
·
Para lidar com os conflitos internacionais, o
sacerdócio deve afirmar a superioridade de vistas de conjunto em termos no
presente (contra as guerras) e na história (contra o imperialismo)
o
As responsabilidades do sacerdócio, portanto,
são enormes:
§ Mais
que qualquer outro poder, corporação ou (no caso dos sacerdotes individualmente
considerados) ou indivíduos, seu comportamento tem que ser exemplar
§ Sua
formação teórica, sua respeitabilidade moral, sua responsabilidade política
devem ser superiores e é por meio desses elementos que eles devem ser julgados
§ As
condutas exigidas dos cidadãos pelo sacerdócio devem ser exemplificadas pelo
próprio sacerdócio
§ Considerando
que o sacerdócio positivo é relativo e baseia-se na moral altruísta, além dos
deveres de oferecer a educação, de administrar os sacramentos e de atuar como
juiz, o sacerdócio deve sempre prestar
contas públicas de suas atividades
·
A prestação de contas refere-se tanto às suas
atividades (quais foram e quais suas motivações) quanto às suas finanças
·
Essa prestação de contas permite ao público
avaliar se o sacerdócio efetivamente desempenha (e em que medida) as funções
que lhe cabem, possibilitando, assim, que ele seja justificadamente respeitado
e, portanto, apto a cumprir continuamente suas funções
·
A prestação de contas, portanto, não é favor,
mas obrigação do sacerdócio
o Augusto
Comte e, depois, Miguel Lemos e Teixeira Mendes prestavam contas rigorosamente,
por meio das suas “circulares anuais” e de outros instrumentos (como os
prefácios do volumes da Política positiva,
no caso de Comte)
Sessão 10
Súmula
Sociologia Dinâmica I: os três
estados da inteligência: teologia, metafísica, ciência e positividade
Roteiro
-
Lembrança do 13 de Maio:
o
Data celebrada pelos positivistas como
celebração da raça negra, simbolizada por Toussaint Louverture, libertador do
Haiti
o
Não por acaso, foi feriado nacional entre 1890 e
1930: “fraternidade dos brasileiros” (de acordo com o Decreto n. 151-B, de 14
de janeiro de 1890, revogado por Getúlio Vargas em favor do 1º de Maio)
-
Sociologia Dinâmica:
o
Estudo das mudanças cumulativas por que passam
as sociedades ao longo do tempo
§ Assim,
é aqui que se afirmam e desenvolvem as noções teórica de historicidade humana e
metodológica de filiação histórica
o
É o campo de estudo que permite, via abstração,
a constituição da Sociologia Estática
§ Na
Filosofia positiva Augusto Comte
observa que é na e por meio da história que as instituições da Sociologia
Estática revelam-se
o
Há duas condições preliminares para a Sociologia
Dinâmica: (1) o próprio desenvolvimento histórico e, a partir daí, (2) o
acúmulo de materiais historiográficos
§ A
História, entendida como disciplina acadêmica, é fonte de dados brutos para a
Sociologia; portanto, nesse sentido, a Sociologia é superior à História, ao
mesmo tempo em que se baseia nela à daí decorre que os
sociólogos não são historiadores, embora tenham que ter em mente o caráter
histórico fundamental do ser humano
-
Leis dos três estados:
o
São leis descritivas e dinâmicas do ser humano
o
São os princípios fundamentais do Positivismo
como um todo
§ Embora
cronologicamente a lei dos três estados tenha sido o princípio do Positivismo e
seja um pressuposto teórico-metodológico, de um ponto de vista lógico (ou doutrinário)
ela é uma parte pequena e que pode e é apresentada só no meio das exposições
doutrinárias
o
Elas apresentam um caráter “compreensivo”, no
sentido dado a essa expressão pela sociologia metafísica alemã, ou seja, elas
correspondem a princípios de interpretação da realidade
o
Inicialmente Augusto Comte concentrou-se nos
aspectos intelectuais (daí o surgimento da lei “clássica” dos três estados);
depois, considerando a natureza humana tríplice, percebeu ser possível e
necessário estabelecer leis correspondentes às outras partes da natureza humana
§ Vale
notar que, embora seja evidentemente possível estudar sociologicamente os
sentimentos, a Sociologia em si mesma estuda as ações e as idéias (ou seja, a
política, a economia e as idéias), ao passo que os sentimentos são mais
cuidadosamente estudados na Moral (isso é indicado na Política positiva)
-
Lei dos três estados da inteligência:
o
“Toda concepção humana passa por três estados –
teológico, metafísico e positivo –, com uma velocidade proporcional à
generalidade dos fenômenos correspondentes”
§ Aspectos
a destacar: “concepções humanas” e “generalidade dos fenômenos”
§ Lei
complementar à leis dos três estados: a classificação das ciências
§ O
conceito de “metafísica”: transição (entre diferentes tipos de teologia e entre
a teologia e a positividade); corrosão das teologias; manutenção do caráter
absoluto
o
Augusto Comte modificou ao longo do tempo o
enunciado; por exemplo, “teológico” antes era “fictício”; “metafísico” era
“abstrato”; “positivo” era “científico”
§ A
idéia da positivação dos conceitos já era considerada por Turgot, em meados do
século XVIII
§ O
que Augusto Comte fez foi formalizar, desenvolver muito e aplicar
sistematicamente essa concepção
o
Além das alterações terminológicas – que, por si
sós, já indicam mudanças conceituais –, na época da redação da Síntese subjetiva Augusto Comte passou a
formalizar uma subdivisão do estado positivo, distinguindo a cientificidade da
positividade
o
No final das contas, a lei dos três estados pode
ser entendida não como a sucessão teologia-metafísica-positividade, mas como a
sucessão relativismo/absolutismo-absolutismo-relativismo
Sessão 11
Súmula
Sociologia Dinâmica II: a lei dos
três estados da atividade: guerra conquistadora, guerra defensiva, paz
industrial
Roteiro
-
Recordação de datas históricas: aniversário de
Luís Lagarrigue (16.5.1864)
-
Recordando alguns elementos da sessão anterior:
as leis dos três estados são leis sociológicas, tanto explicativas quanto
“compreensivas”
o
A formulação final da lei intelectual dos três
estados, afirmando o relativismo, acaba religando de maneira clara o final da
carreira de Augusto Comte com o seu início, quando afirmou que “tudo é
relativo, eis a única verdade absoluta”
-
Sociologia Dinâmica II: a lei dos três estados
da atividade: guerra conquistadora, guerra defensiva, paz industrial
o
A segunda lei dos três estados estipula que as
grandes civilizações e, de maneira mais ampla, a Humanidade passa por três
etapas em suas atividades práticas: as guerras de conquista, as guerras de
defesa e a atividade pacífica e industrial
o
Essa seqüência é ao mesmo tempo lógica e
histórica e é ilustrada de maneira particular no Ocidente pela sucessão Grécia,
Roma, Idade Média, modernidade:
§ As
guerras de conquista estabelecem um território amplo unificado; em seguida, as
guerras de defesa protegem externamente o território conquistado, que,
internamente, busca a paz; por fim, as relações internacionais deixam de lado
as guerras para cederam lugar à paz
§ A
história de Roma chega a ser didática no que se refere à passagem das guerras
de conquista para as guerras de defesa: essa alteração ocorreu justamente
quando a República cedeu lugar ao império; Júlio César foi o grande nome dessa
transição (muito mais que Otávio Augusto)
o
A mudança do padrão de comportamento coletivo,
da guerra para a paz, implica necessariamente mudanças de valores e de
“mentalidades”: a honra cede lugar ao conforto, o trabalho passa a ser
valorizado, a vida passa a ser valorizada, a cooperação substituição a disputa
§ A
escravidão, o militarismo, a violência, o butim cedem lugar ao trabalho livre,
à tolerância, à busca de consenso e de mediação, às trocas e às dádivas
§ Os
exércitos cedem lugar à polícia para a manutenção da ordem pública
o
Estritamente nesse esquema, a guerra tem um
caráter civilizador
§ Com
“caráter civilizador” o que se quer dizer é que, nesse esquema, a guerra
desempenha um papel histórico, ao permitir que o ser humano desenvolva-se e
caminhe para a paz
§ As
guerras de extermínio anteriores (por exemplo, as guerras indígenas) e as
guerras de conquista posteriores (por exemplo, o imperialismo europeu) não
entram nesse esquema
·
As guerras tribais não têm papel civilizador (o
que não significa que não desempenhem nenhum papel cultural e/ou político)
·
As guerras modernas de conquista não colaboram
com a paz nem estimulam o desenvolvimento humano, apenas a violência, o egoísmo
coletivo e a rapacidade
o
No âmbito estritamente nacional, as guerras
apresentam um caráter altruísta e as habilidades próprias à liderança são
facilmente perceptíveis
§ Essas
duas características tornam ambíguas a guerra, especialmente no período moderno
e em comparação com as atividades industriais, em que o caráter altruísta e as
habilidades necessárias para o bom cumprimento das responsabilidades
industriais são menos evidentes
o
De qualquer maneira, vale em relação às
atividades militares e pacíficas a observação geral de Augusto Comte: as
concepções impassíveis de comprovação estão sempre próximas das ordens
indiscutíveis
§ Ou
seja, o absolutismo filosófico está sempre próximo do autoritarismo e da
violência e, inversamente, o relativismo está próximo da tolerância e da
possibilidade pública de discussão
Sessão 12
Súmula
Sociologia Dinâmica III: lei prática
dos três estados (concl.); lei afetiva dos três estados
Roteiro
-
Lei prática dos três estados (conclusão):
o
A lei prática dos três estados estabelece que a
atividade é primeiro militar conquistadora, depois militar defensiva e por fim
pacífico-industrial
o
A afirmação plena da paz industrial requer o
relativismo e a ciência, bem como a sua disseminação social e geográfica
§ A
indústria por si só existe desde sempre
§ O
trabalho e os trabalhadores têm que ser valorizados e dignificados
§ O
domínio do homem sobre a natureza tem que ocorrer e isso só é plenamente
possível por meio da ciência
§ O
relativismo também tem que prevalecer, a fim de deixar para trás o absolutismo
político e moral, a desvalorização da vida, o estímulo à guerra e à violência
-
Sociologia Dinâmica III: os três estados dos
sentimentos: família, pátria, Humanidade
o
A lei dos três estados dos sentimentos refere-se
não tanto aos sentimentos em si mesmos, mas aos âmbitos superiores de sociabilidade
ou, em outro sentido, de vinculação social e afetiva
§ Há
uma correspondência entre os âmbitos da sociabilidade e os sentimentos
altruístas: família à veneração; pátria à apego; Humanidade à
bondade
§ Além
disso, há que se notar que, ao mesmo tempo, os âmbitos de sociabilidade têm
diferentes fundamentos no que se refere à natureza humana:
·
Família: vínculos afetivos
·
Pátria: vínculos práticos (economia e política)
·
Humanidade: vínculos intelectuais (religião)
o
A seqüência família, pátria, Humanidade é
rigorosamente histórica, embora, como ocorre com as outras leis dos três
estados, seja necessário apreendê-la em grandes períodos temporais
§ Vale
notar que mesmo em momentos de afirmação das pátrias ocorreram vislumbres da
noção de Humanidade
·
Isso é possível de notar nos gregos e, ainda
mais, entre os romanos
§ Considerando
o caráter masculino (e bélico) da palavra “pátria”, Augusto Comte sugeria a sua
substituição, no estado normal, por “mátria”
o
Uma particularidade da lei afetiva dos três
estados é que ela, ao contrário das duas leis anteriores, permite a coexistência dos três estados
§ Essa
coexistência evidentemente é compatível com a coexistência dos três instintos
altruístas
§ No
caso das duas leis anteriores, os estados preliminares têm que ser
ultrapassados e convictamente deixados para trás: temos que ultrapassar e
rejeitar o absolutismo teológico-metafísico e também o militarismo
§ A
coexistência dos três estados afetivos não significa, todavia, mera
justaposição: ela implica a subordinação
sucessiva dos âmbitos de sociabilidade: as famílias subordinam-se às
pátrias (ou mátrias) e estas subordinam-se à Humanidade
-
Há alguns aspectos adicionais que devem ser
indicados a respeito das leis dos três estados:
o
Cada uma das leis indica uma tendência
importante por si só, mas a reunião e a combinação delas elabora um quadro cada
vez mais completo, complexo e específico da realidade histórica humana
o
É fácil perceber que os três estados finais e os
três estados iniciais são solidários entre si:
§ O
relativismo, a noção de Humanidade e a atividade pacífico-industrial apoiam-se
e são condições uns dos outros; inversamente, o mesmo pode ser dito do
absolutismo, das sociabilidades inferiores e do militarismo
§ Em
outras palavras, essa mútua solidariedade significa que a plena realização do
estágio final de cada lei implica e exige a realização do estágio final das
outras leis: por exemplo, a noção de Humanidade exige o relativismo e enseja a
atividade pacífica
o
As leis dos três estados correspondem a tendências gerais da evolução humana:
§ A
idéia de tendência indica que elas são direções gerais, que variam em
intensidade e mesmo em direção ao longo do tempo: assim, às vezes elas andam
mais rapidamente, às vezes são mais lentas; às vezes vão na direção das leis,
às vezes sofrem recuos temporários
§ Augusto
Comte usava a imagem das curvas assintóticas, que tendem para uma posição no
infinito, mas que nunca chegam plenamente ao limite indicado
§ No
limite, todos os povos seguirão voluntariamente as leis dos três estados; mas,
em todo caso, diferentes temperamentos e necessidades conduzem a comportamentos
diversos à
daí a necessidade da pressão coletiva em favor das leis, seja a pressão
temporal (política), seja a pressão espiritual (intelectual e moral)
Sessão 13
Súmula
Sociologia Dinâmica IV: relato histórico
sociológico de Augusto Comte; fetichismo; astrolatria; transição própria ao
Ocidente
Roteiro
-
Os relatos históricos de Augusto Comte são
pesquisas sociológicas tão válidas quanto quaisquer outras
o Elas
estão presentes nos volumes IV a VI da Filosofia
positiva e no v. III da Política
positiva
o Elas
são bem menos conhecidas que as reflexões mais abstratas da Sociologia Dinâmica
à
entretanto, deveria ser evidente que elas são plenamente sociológicas e válidas
tanto quanto as leis dos três estados e a Sociologia Estática
o Sem
querer apelar para qualquer variedade de vitimismo, o fato é que não vejo
nenhum outro motivo para essas reflexões serem desconsideradas além dos meros
preconceitos academicistas e intelectuais
-
Transição própria ao Ocidente:
o “Transição”:
passagem do fetichismo (ou até das teocracias iniciais) ao estado normal
positivo
o Fetichismo
como fase comum a toda a Humanidade, seguida pela astrolatria e pelo politeísmo
§ Fetichismo:
síntese subjetiva absoluta
§ Astrolatria:
transição do fetichismo ao politeísmo; instituição da síntese objetiva
(necessariamente absoluta)
§ A
astrolatria foi possível graças à passagem do nomadismo (próprio ao fetichismo)
para o sedentarismo à afinal de contas, para observar de maneira constante
o céu é necessário estar-se fixado em algum solo durante décadas ou séculos
Sessão 14
Súmula
Sociologia Dinâmica V: teocracias
antigas; tríplice transição ocidental (Grécia, Roma, Idade Média); duplo
movimento moderno; Revolução Francesa
Roteiro
o No
Ocidente: após a atuação das grandes teocracias (politeísmo conservador) há o
desenvolvimento do politeísmo progressista (Grécia e Roma) e pelo monoteísmo
§ As
teocracias antigas apresentavam um caráter estático, isto é, imobilista à
as mudanças, embora ocorressem de fato, eram controladas pelo sacerdócio, que
tinha em mente a harmonia social
o Tríplice
transição ocidental:
§ Grécia:
desenvolvimento da inteligência no militarismo de conquista fracassado;
trabalho escravo
§ Roma:
desenvolvimento da atividade no militarismo de conquista efetivo; trabalho
escravo
§ Idade
Média: desenvolvimento da afetividade no militarismo defensivo e no monoteísmo
católico; trabalhadores vinculados à terra, com paulatina emancipação dos
trabalhadores, das comunas e das mulheres
o Após
a Idade Média: duplo movimento moderno, cada vez mais anárquico:
§ destrutivo:
mais rápido, correspondente à corrosão do regime católico-feudal (absoluto,
militar)
§ construtivo:
mais lento, correspondente à constituição da sociedade positiva (relativista),
pacífica e industrial
§ Os
agentes dessas mudanças muitas vezes eram os mesmos: por exemplo, a ciência foi
tanto corrosiva da antiga ordem quanto um elemento constituinte da nova ordem
§ Duas
fases:
·
Espontânea (séculos XIV e XV) – grosso modo, Renascimento
·
Sistemática (séculos XVI a XVIII) – a partir do
protestantismo até a Revolução Francesa
o
Descompasso crescente entre os movimentos:
explosão social e política na forma da Revolução Francesa
Sessão 15
Súmula
Sociologia Dinâmica VI: Revolução
Francesa como explosão resultante dos movimentos sociais anteriores; surgimento
de vários partidos sociopolíticos durante a após a Revolução Francesa; fundação
da Sociologia por A. Comte como síntese entre as sociologias do progresso
(Condorcet) e da ordem (De Maistre); análises de conjuntura; fundação da Religião
da Humanidade e papel de Clotilde de Vaux
Roteiro
-
Descompasso crescente entre os movimentos:
explosão social e política na forma da Revolução Francesa
o Revoluções
prévias: intelectual (Enciclopedistas); burguesa (fim do Antigo Regime);
proletária (afirmação do problema social); faltaria a feminina
-
Necessidade de conciliação entre a ordem e o
progresso
o Sociologia
da ordem: fundada por José de Maistre
o Sociologia
do progresso: fundada pelo Marquês de Condorcet
o Contribuição
de Augusto Comte: conjugação entre a ordem e o progresso (além do
desenvolvimento da reflexão sobre as ciências, sobre o que é a cientificidade,
sobre os métodos e o objeto da Sociologia, sobre a aplicabilidade da Sociologia
etc.)
-
Ao redor da Revolução Francesa, constituição de
vários partidos:
o Militarista
(Bonaparte, seus seguidores e êmulos)
o Retrógrado
(católico: José de Maistre)
o Revolucionário
(democrático e clericalista: Rousseau, Robespierre)
o Revolucionário
(monarquista e anticlericalista: Voltaire)
o Construtivo
(sociocrático, positivista: Diderot, Danton)
o Etc.
-
Análises de conjuntura:
o Análises
dos grupos sociais, suas motivações, suas ações, suas variações históricas
§ Filósofos,
cientistas, moralistas, políticos, industriais, guerreiros, sacerdotes
§ Liberdade
versus igualdade
§ Antigo
regime versus novo regime
§ Retrógrados
versus revolucionários versus construtivos
o V.
IV e VI da Filosofia; v. III da Política; Apelo
-
Sociologia do conhecimento, Sociologia da
ciência:
o Ciência
como surgindo a partir (e também contra) a teologia, em um processo mais amplo
que é próprio à sociologia da religião
o V.
IV-VI da Filosofia; v. I-III da Política
-
Fundação do Positivismo:
o Conjugação
da ordem com o progresso
§ Solução
dos problemas sociais
§ Incorporação
do proletariado
§ Valorização
das mulheres
§ Regularização
das funções sociais (em particular da riqueza e da propriedade)
§ Afirmação
da noção de deveres
o Elaboração
da síntese subjetiva relativa:
§ Uso
da ciência para esclarecer a realidade e orientar a ação
·
A síntese subjetiva e relativa garante que o
Positivismo não seja nunca nem academicista nem cientificista
o A
ciência é a base do dogma positivo; a
ciência em si mesma não é o próprio dogma
·
O cientificismo é a ciência entregue a si mesma,
cultivada sem nenhum outro objetivo além de ser levada adiante à
portanto, o cientificismo é a ciência tornada absoluta
·
O academicismo é a prática institucional e
institucionalizada da metafísica; contemporaneamente, ele também pode ser
entendido como a prática institucional do cientificismo
§ De
modo mais central e importante: afirmação do altruísmo e do relativismo
§ Afirmação
da noção de relações, não de causas
o Processo-síntese:
fundação da Religião da Humanidade
§ Importância
central de Clotilde de Vaux
·
Com enorme justiça, Clotilde foi considerada
pelo próprio Augusto Comte como cofundadora da Religião da Humanidade
Sessão 16
Súmula
A Religião da Humanidade: a Trindade
Positiva
A transição final: ditadura
republicana; triunvirato positivo
Conceitos políticos importantes para
o Positivismo: “Ordem e Progresso”; “conservadorismo”; “moralismo”
Roteiro
-
Celebrações da semana:
o 2
de Carlos Magno (19 de junho): nascimento de Carlos Torres Gonçalves (1874)
o 4
de Carlos Magno (21 de junho): transformação de Décio Villares (1931)
o 6
de Carlos Magno (23 de junho): nascimento de José Martins Fontes (1884)
-
Instituição da trindade positiva:
o Complemento
lógico-moral da Religião da Humanidade
o Estabelece
a lógica positiva: conjunto dos meios disponíveis com vistas a inspirar
pensamentos, sentimentos e ações para a ação construtiva do ser humano
§ Os
meios disponíveis são os sentimentos, as imagens e os sinais
o Institui
“ficções científicas”:
§ Grão
Ser (a Humanidade) – sentimentos, atividade, inteligência
§ Grão
Fetiche (a Terra) – sentimentos, atividade
§ Grão
Meio (o Espaço) – sentimentos
o É
uma aplicação direta da incorporação do fetichismo inicial ao Positivismo final
§ Busca
inspirar sentimentos e tornar afetivo o conjunto da realidade (“reencantamento
do mundo”)
-
A transição extrema:
o Instituição
da ditadura republicana
§ A
ditadura proposta por Augusto Comte toma por base a magistratura da República
romana que tinha esse nome e que se caracterizava por ser excepcional e
temporária, para momentos de crise
·
A concepção de ditadura como sendo
“autoritarismo” surgiu e disseminou-se no século XX, a partir dos
totalitarismos: inicialmente com Lênin e a aplicação da “ditadura do
proletariado” a partir da Revolução Russa; depois com Hitler e a ditadura
nazista
·
Até a Revolução Russa, a palavra “ditadura” ou
era considerada como algo bom (e de liberdades) ou era um termo neutro
·
Augusto Comte usa a palavra “ditadura” nos mais
variados contextos, sempre com adjetivos: “ditadura progressista”, “ditadura
liberal”, “ditadura despótica”, “ditadura repressiva” etc. etc.
§ A
ditadura republicana é uma fase de transição entre a anarquia moderna e o
estado normal
§ Ela
caracteriza-se (1) pelo caráter puramente material do poder Temporal, (2) pelas
mais completas liberdades (de pensamento, de expressão, de associação), (3)
pela disseminação e pela atuação regeneradora da política e da moral positiva,
(4) separação entre igreja e Estado; (5) pela preponderância da chamada
“sociedade civil”
§ Alguns
positivistas notaram que se deve prestar atenção a aspectos implícitos:
·
Isonomia (igualdade perante a lei) (dr. Robinet)
·
Judiciário autônomo (Agliberto Xavier)
§ A
par da regeneração moral e política realizada pelo Positivismo, as concepções
relativistas e pacifistas difundir-se-ão à uma importante
conseqüência disso é que a política tornar-se-á mais pacífica e menos violenta à
portanto, as forças armadas tornar-se-ão inúteis (além de já serem extremamente
onerosas) e deverão ser extintas
§ Em
outras palavras: é um governo presidencialista e de liberdades
o Triunvirato
positivo
§ O
triunvirato será instituído no estado normal, em que tanto a sociedade quanto o
governo for positivo
§ Haverá
a divisão do poder na cúpula: três governantes, com origem no capital bancário,
cada um responsável por uma área econômica: indústria, comércio, agricultura
§ Vários
elementos da transição serão mantidos: liberdades de pensamento, expressão e
associação; separação entre igreja e Estado; preponderância da sociedade civil;
isonomia; Judiciário independente; inexistência de forças armadas
-
Conceitos políticos contemporâneos importantes
para a política positiva:
o “Ordem
e Progresso”
§ Frase
recuperada recentemente: campanha “Ponha o amor na bandeira”
§ Falsa acusação de que Teixeira Mendes teria
cometido um erro (!!!) ao elaborar a bandeira sem o “Amor” à
o “Ordem e Progresso” é uma divisa política, que se baseia mas que se distingue
da fórmula religiosa fundamental do Positivismo (“O amor por princípio e a
ordem por base; o progresso por fim”)
§ “Ordem
e Progresso” não quer dizer “ordem militar e progresso calado”
§ O
“Ordem e Progresso” afirma que as concepções de ordem e as concepções de
progresso devem unir-se de maneira profunda em vez de serem consideradas de
maneira separada ou até como sendo opostas
·
Assim, é necessário ter uma concepção de ordem
que contemple o progresso e uma concepção de progresso que respeite a ordem
·
O liame entre ordem e progresso, que permite a
união e a ultrapassagem dos dois termos isolados, é o amor
·
Como só o amor permite a união e a ultrapassagem
dos dois termos isolados, a palavra “e” corresponde implicitamente ao amor
(observação bela e brilhante de Hernani Gomes da Costa)
§ A
ordem deve ser entendida como “arranjo”, não como “comando”; a ordem também
implica o reconhecimento e o respeito às instituições sociais fundamentais
(estabelecidas pela Sociologia Estática); assim, a ordem é a condição para o
progresso
§ Inversamente,
o progresso é o desenvolvimento da ordem, ou seja, é o desenvolvimento de um
arranjo social qualquer
§ Essas
concepções de ordem e de progresso são mais claras, mais simpáticas e mais
úteis que todas as definições dadas (quando são dadas) pela “direita” e pela
“esquerda”
·
Para a direita, a ordem é estática e tem por
objetivo ser retrógrada; o progresso é sempre entendido como anarquia
·
Para a esquerda, a ordem é sempre autoritária e
injusta; o progresso ou não é definido ou, quando é definido, é entendido como
destruidor da ordem
o “Conservador”
§ Muitas
vezes o Positivismo é chamado de “conservador”, com isso se querendo dizer que
ele é retrógrado, reacionário e/ou oposto ao progresso
§ O
conjunto deste curso evidencia que o Positivismo simplesmente não é
“conservador”
§ O
conservadorismo pode ser entendido no sentido dado por Edmund Burke: respeito
ao legado histórico, mudanças sociopolíticas paulatinas e incrementais
·
O Positivismo reconhece o valor dessa concepção;
por exemplo, assumimos como nossa a frase de Danton, “Só se destrói o que se
substitui” à
todavia, a concepção burkeana tem sérios problemas: ela é estática (e não
dinâmica); o respeito ao legado histórico converte-se em imobilismo e em
rejeição de mudanças; ela aceita que instituições arcaicas e/ou injustas
permaneçam existindo (como a monarquia, a sociedade de castas, a escravidão
etc.); de maneira mais profunda, ela rejeita as mudanças racionais sugeridas
pela ciência e pela moralidade
§ Quase
em sua totalidade, quem afirma que o Positivismo é “conservador” é de
“esquerda” e marxista, portanto defensor do mito da revolução social e dos
meios políticos violentos: como o Positivismo é contra a violência e, portanto,
contra o infantilismo moral, político e intelectual da “revolução”, somos
acusados de “conservadorismo”
·
Ora, não é que o Positivismo seja “conservador”:
quem nos chama de “conservadores” é que é adepto da violência e da destruição
·
É uma definição plenamente relacional e
maniqueísta: como os positivistas não somos extremistas (e, em particular, não
somos adeptos do extremismo revolucionário), seríamos por definição
“conservadores”
§ No
Apelo aos conservadores, Augusto
Comte faz um apelo justamente aos conservadores, ou seja, àqueles que estão no
partido da ordem não porque sejam reacionários ou retrógrados, mas porque
detestam a violência e a destruição; o apelo de Comte é que deixem o partido da
ordem e incorporem-se ao partido construtivo, positivista
·
Da mesma forma, embora em grau menor, Comte faz
também no Apelo aos conservadores um
apelo aos adeptos do partido do progresso que são contra a violência e a
destruição para que assumam seu lugar no partido construtivo
o “Moralismo”
§ Em
várias ocasiões o Positivismo também é chamado de “moralista”, por apresentar
parâmetros morais claros e aplicá-los na avaliação da sociedade à
o mero fato de ter e empregar explicitamente parâmetros morais seria o
“moralismo”
§ Quem
critica o Positivismo de “moralista” quase sempre parte de uma perspectiva
supostamente “objetiva”, em que o exame “objetivo” da realidade apresentaria
por si só os defeitos da realidade
·
Essa perspectiva “objetiva” (ou objetivista)
também é materialista; na verdade, a objetividade dessa perspectiva viria do seu
materialismo à
o melhor e mais forte exemplo de objetivismo materialista é o marxismo
·
Para esse objetivismo materialista, toda
avaliação da realidade (ou da sociedade) que tenha parâmetros morais explícitos será “moralista”
·
Se os parâmetros morais são rejeitados como
critérios explícitos de avaliação, eles também são rejeitados como elementos de
mudança social à
o objetivismo materialista aceita apenas “soluções” materialistas, isto é,
políticas e econômicas
o Vale
notar que as “soluções” materialistas reduzem todos os problemas sociais a
questões de poder, isto é, a disputas sobre quem impõe a vontade e os próprios
valores sobre os demais
o Em
outras palavras, as “soluções” materialistas desprezam a negociação, o
convencimento, o aconselhamento
§ Entretanto,
como ficou bastante claro ao longo deste curso de política positiva, é
simplesmente impossível fazer qualquer avaliação da realidade (ou da sociedade)
sem ter valores morais, sejam eles explícitos (como no caso dos positivistas),
sejam eles implícitos (como no caso dos marxistas)
§ Assim,
quem supõe que não é “moralista” porque suas críticas provêm da própria
realidade comete vários erros de uma única vez:
·
É ingênuo
em termos epistemológicos:
o Ignora
a necessidade intelectual dos valores morais
o Supõe
que existe uma realidade abstrata e fantasmagórica cujas avaliações
impor-se-iam por si sós;
·
É ingênuo
em termos morais, pois rejeita a importância do altruísmo e, portanto, dá
livre vazão ao egoísmo à de acordo com essa concepção, existe apenas o
egoísmo e a violência; o altruísmo e o convencimento leal e legítimo seriam
recursos retóricos e hipócritas;
·
É mau
caráter em termos políticos, pois
despreza quem valoriza explicitamente o altruísmo;
·
No caso de saber que tem valores morais mas
rejeitar sua exposição às claras, é hipócrita e cínico.
§ Há
uma outra possibilidade de entender a palavra “moralista”: seria aquele que
aplica conceitos morais na análise social desconsiderando aspectos sociais e
políticos da realidade social avaliada à em outras palavras,
seriam as pessoas que avaliam a realidade apenas a partir de critérios morais,
sem outros parâmetros
·
Augusto Comte chama esse tipo de defeito
intelectual e moral de “espiritualismo”
·
O Positivismo fundou a Sociologia: o estudo da
realidade social integra plenamente a doutrina; assim, não faz sentido dizer
que o Positivismo aplica parâmetros morais desconsiderando a realidade social
avaliada à
o conjunto da escala enciclopédica e o relativismo impedem o vício
espiritualista no âmbito do Positivismo
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