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18 dezembro 2024

Espontaneidade e instintos dos animais, dignidade humana e animal

Espontaneidade e instintos dos animais, dignidade humana e animal

O trecho abaixo é belíssimo: essa é a melhor maneira de descrevê-lo. Escrito por Augusto Comte no capítulo 3 e final do v. 1 do Sistema de política positiva, de 1851, ele apresenta com clareza o estilo de Augusto Comte, que extrai múltiplas reflexões, inter-relacionadas, a partir de uma discussão inicial, o que ao mesmo tempo evidencia seu aspecto sintético, sua assombrosa cultura científica, histórica, filosófica, moral e artística e a aplicação simultânea de critérios morais, intelectuais e práticos em todas as suas apreciações.

O trecho abaixo, em particular, aborda as caraterísticas próprias aos animais e que, por extensão, são compartilhadas pelo ser humano; além disso, também se afirma que essas características realizam-se naturalmente, independentemente de estímulos exteriores. Assim, por um lado tem-se os instintos; por outro lado, tem-se a espontaneidade desses instintos. A caracterização do funcionamento dos instintos não se encontra no trecho abaixo (em particular contra uma interpretação muito comum – aliás, comum mesmo hoje em dia – segundo a qual a mera existência dos instintos implica comportamentos específicos e atos concretos[1]); a afirmação dos instintos no trecho abaixo é importante para afirmar, por um lado, que eles são compartilhados, em diferentes graus, com os seres humanos e, por outro lado, que eles são espontâneos. A espontaneidade dos instintos, por sua vez, é afirmada para combater a concepção mecanicista dos animais (que, mais uma vez, com freqüência e mesmo nos dias atuais, é estendida para os seres humanos), segundo a qual o comportamento animal resume-se a reações mecânicas, robóticas, a impulsos ambientais.

A extensão dos instintos aos seres humanos e a afirmação da espontaneidade dos instintos (contra a hipótese mecanicista) têm como conseqüência o entendimento de que o ser humano existe em linha de continuidade com o conjunto dos seres vivos e, de maneira mais ampla, com a realidade cósmica; em outras palavras, o ser humano não existe sozinho, isolado e alienado do mundo, em um mundo que teria sido criado apenas para ele e para seu usufruto absoluto. Uma outra conseqüência das reflexões anteriores é que a afirmação da linha de continuidade entre o ser humano e os animais valoriza os últimos, que são “nossos companheiros de misérias e de trabalhos”.

Descartes não era contrário aos animais nem aos seres humanos, não há dúvida; entretanto, suas concepções mecanicistas acabaram tendo o efeito de desenvolver concepções, sentimentos e práticas contrárias ao respeito e à dignidade de seres humanos e animais. Aliás, antes de Descartes, fundamentando sua concepção e tendo ecos e atualizações bem posteriores, a hipótese mecanicista baseia-se na famosa separação entre “corpo e alma”, de origem teológica; é tal separação que justifica os “privilégios absolutos da nossa espécie estimulados pelo orgulho e pela ignorância”. De acordo com essa concepção, apenas o ser humano teria alma (ou inteligência, ou sentimentos, ou consciência etc.); é isso que tornaria o ser humano uma espécie única – e, mais importante nessa concepção, uma espécie privilegiada. Os privilégios humanos incluiriam, então, uma existência à parte do mundo, sem vínculos outros além da mera vida no mundo e do usufruto dos seus recursos. Essa mentalidade, de origem teológica e mantida sob as dissoluções metafísicas, vige ainda hoje; é ela que fundamenta o negacionismo climático de evangélicos estadunidenses, assim como ela integra a filosofia mais ampla dos pensadores da metafísica alemã neokantiana (como W. Dilthey e Max Weber); a hipótese mecanicista foi retomada no século XX pelo zoólogo (ou “etólogo”) B. Skinner e em seguida estendida por ele aos seres humanos. Por outro lado, no que se refere aos atributos humanos que são compartilhados com os animais, a crítica de Augusto Comte e o elogio aos animais foram retomados nos últimos anos pelo “etólogo” e filósofo neerlandês Frans de Waal[2] (embora esse autor, como sói ocorrer nos ambientes universitários, lamentavelmente não tenha a menor consciência disso).

*   *   *

Todas as principais características que o orgulho e a ignorância erigem em privilégios absolutos de nossa espécie apresentam-se também então, em um estado mais ou menos rudimentar, entre a maior parte dos animais superiores. Ali mesmo onde eles são menos desenvolvidos, sua apreciação normal, ainda que com freqüência difícil, torna-se indispensável para sistematizar a verdadeira concepção da animalidade. Sem esses diversos atributos interiores, cujo conjunto constitui a vaga noção de instinto, nós não podemos compreender nenhuma existência animal. Pois seria então necessário supor sempre direta a relação entre as impressões exteriores e as reações musculares. Ora, essa hipótese destruiria essencialmente a espontaneidade animal, que consiste sobretudo em ser determinado por motivos interiores. Isso seria, no fundo, restabelecer o automatismo cartesiano, que, excluído pelos fatos, vicia ainda, sob outras formas, as altas teorias zoológicas, falto de ter sido sistematicamente discutido. Apenas o regime enciclopédico emanado da nova religião [a Religião da Humanidade, ou seja, o Positivismo] poderá retificar definitivamente essas graves aberrações, que atrapalham ao mesmo tempo nossos sentimentos e nossos pensamentos. Na ordem intelectual, elas rompem em sua origem a cadeia fundamental que une a humanidade ao conjunto das existências reais. Mas sua influência moral é ainda mais prejudicial, ao justificar o desprezo, a ingratidão e mesmo a crueldade a respeito dos companheiros de nossas misérias e também de nossos trabalhos. A verdadeira religião deverá então reparar cuidadosamente esses funestos resultados do regime teológico-metafísico após a queda do politeísmo. Mais real e mais completo que o fetichismo, o Positivismo saberá ainda melhor que ele afirmar a dignidade animal.

(Augusto Comte, Sistema de política positiva, Paris, L. Mathiaz, 1851; v. 1, cap. 3 (“Introdução direta, naturalmente sintética, ou Biologia”), p. 602.)



[1] Reflexões nesse sentido podem ser lidas no Sistema de filosofia positiva, v. 3, lição 45; algumas delas foram traduzidas por Teixeira Mendes em seu belíssimo volume O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 5-6, 9). Esses trechos, por sua vez, foram publicados em nosso blogue, na postagem intitulada “Instintos e genética não são fatalidades”, disponível aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2024/05/instintos-e-genetica-nao-sao-fatalidades.html.

[2] Um livro de Waal que apresenta de maneira clara reflexões nesse sentido é Somos inteligentes o bastante para saber quão inteligentes são os animais? (Rio de Janeiro, Zahar, 2022).

17 dezembro 2024

Sobre a espontaneidade

No dia 16 de Bichat de 170 (16.12.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em particular da sua "Introdução").

Na seqüência, apresentamos a programação de final e de início de ano:

  • 16 de Bichat (17.12): última prédica positiva de 170 (2024)
  • Segundo dia adicional (31.12): celebração da Festa das Mulheres Santas, por Hernani G. Costa
  • 1º de Moisés (1.1): celebração da Festa da Humanidade
  • 19 de Moisés (19.1): celebração do nascimento de Augusto Comte (1798)
  • 7 de Homero (4.2): primeira prédica positiva de 171 (2025)

Em seguida fizemos nosso sermão, abordando a espontaneidade.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/PrwX1F7Q_0k) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/566203556164256).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   * 

Sobre a espontaneidade

(16.Bichat.170/17.12.2024) 

1.       Invocação inicial

2.       Exortações iniciais

2.1.1. Sejamos altruístas!

2.1.2. Façamos orações!

2.1.3. Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

2.1.4. Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides

3.1.    Dia 16 de Bichat (17.12): transformação de Eduardo de Sá (1940)

3.2.    Dia 20 de Bichat (21.12): início do verão

4.       Programação de final e início de ano:

4.1.    Dia 16 de Bichat (17.12): última prédica positiva de 170 (2024)

4.2.    Segundo dia adicional (31.12): celebração da Festa das Mulheres Santas, por Hernani G. Costa

4.3.    Dia 1º de Moisés (1.1): celebração da Festa da Humanidade

4.4.    Dia 19 de Moisés (19.1): celebração do nascimento de Augusto Comte (1798)

4.5.    Dia 7 de Homero (4.2): primeira prédica positiva de 171 (2025)

5.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

5.1.    Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

5.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

5.1.1.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

5.1.1.2.             Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

5.1.2. Como nosso amigo Hernani G. Costa sempre realça, é necessário insistir em uma idéia que o materialismo e o ceticismo contemporâneos desprezam: não é possível entender a política proposta pelo Positivismo isoladamente da Religião da Humanidade

5.1.2.1.             Aliás, o desejo de separar a política dos valores e das concepções gerais de fundo é precisamente um dos problemas contemporâneos, é precisamente um dos sintomas da anarquia contemporânea

5.1.3. A religião estabelece parâmetros morais, intelectuais e práticos para a existência humana e, portanto, orienta a política, estabelece as suas metas, as suas possibilidades e os seus limites

5.1.3.1.             Outro lembrete: a religião, conforme o Positivismo estabelece, não é sinônima de “teologia”

5.2.    Últimas observações preliminares:

5.2.1. Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

5.2.2. O capítulo em que estamos é a “Introdução”, cujo subtítulo é “Advento dos verdadeiros conservadores”

5.3.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

6.       Sermão: sobre a espontaneidade

6.1.    O sermão desta semana foi sugerido pelo nosso confrade Eugênio Macedo – na verdade, foi sugerido publicamente por ele, em uma consulta que fiz (e que mantenho) à comunidade

6.1.1. Ao justificar esse tema, Eugênio lembrou que ele é um ator e que a espontaneidade é algo importante em sua profissão

6.1.2. Essa é uma justificativa importante: a relação das artes com o que é espontâneo – mas é claro que a espontaneidade é importante em todos os aspectos da vida

6.2.    A espontaneidade é um tema realmente desafiador, na medida em que ela é um aspecto da vida de todos e cada um de nós, mas, ao mesmo tempo, oferece algumas dificuldades para conceituar, por ser um pouco diáfana

6.3.    Como podemos entender a espontaneidade? Uma primeira abordagem sugere que é espontâneo é aquilo que ocorre naturalmente, isto é, sem um esforço (interno ou externo), a partir de impulsos internos

6.3.1. Essa definição inicial já indica que a espontaneidade tem íntimas vinculações com as artes – entretanto, não abordaremos tais relações nesta exposição

6.3.2. Há muitas situações em que a espontaneidade é altamente valorizada; geralmente são as situações em que manifestamos atributos afetivos e/ou altruístas: generosidade, respeito, apoio, alegria, simpatia etc.

6.3.2.1.             Inversamente, a falta de espontaneidade com freqüência é desvalorizada e entendida como um comportamento frio, mecânico, apático, ou mesmo puritano ou reprimido

6.3.3. A noção de espontaneidade como ação baseada em impulsos internos, sem esforço (e, em particular, sem força externa), indica imediatamente que o ser humano – e, na verdade, todo animal – age de fato a partir de motivações internas, sejam elas ou não devidas a reações ao ambiente

6.3.3.1.             Essas motivações internas com freqüência são chamadas de “instintos”

6.3.3.1.1.                   Os instintos, por sua vez, são orientações gerais em determinadas direções, com freqüência são potencialidades e mudam de intensidade ao longo da vida; assim, os instintos não são fatalidades nem implicam comportamentos e ações específicos

6.3.3.2.             Essas motivações internas rejeitam a tese do automatismo (como proposta por Descartes, afirmada por Hobbes e, no século XX, retomada por B. Skinner), como se os seres humanos e os animais fossem máquinas que apenas reagem passivamente a estímulos ambientais

6.3.3.3.             Isso, é claro, não significa que não ajamos de maneira espontânea em reação a estímulos externos aplicados sobre cada um de nós: a dor e o medo são exemplos fáceis, mas o carinho, a simpatia, o respeito, a honra também são estímulos exteriores que podem resultar em reações mais ou menos espontâneas

6.3.4. Em suma: a espontaneidade, então, consiste em manifestarmos externamente e com facilidade atributos internos

6.3.5. É importante notar que a espontaneidade pura e descontrolada não “funciona”, ou seja, não tem resultados adequados e satisfatórios para os indivíduos e a sociedade, não é adequada nem à felicidade individual nem ao bem-estar coletivo: dessa forma, todos precisamos de autocontrole sobre nossos instintos

6.3.5.1.             Isso se vê com clareza nas crianças, em que uma parte importante da educação consiste precisamente em desenvolver e aplicar o autocontrole

6.3.5.2.             A necessidade de controle e orientação dos impulsos (e, portanto, da espontaneidade) torna-se evidente quando consideramos que permanentemente é necessário o estímulo do altruísmo e a subordinação a ele do egoísmo

6.3.5.3.             Além disso, diferentes sociedades, em diferentes épocas, estimulam o autocontrole de alguns impulsos e, inversamente, estimulam a maior espontaneidade de outros impulsos: em outras palavras, há diferentes maneiras de conduzir e de lidar com os impulsos

6.3.5.3.1.                   Ao mesmo tempo, em toda sociedade há um sem-número de situações em que manifestamos de maneira obrigatória nossos sentimentos (o choro no funeral) ou em que somos proibidos de manifestar esses sentimentos (o riso alegre no funeral)

6.3.5.3.2.                   O resultado disso é que diferentes sociedades orientam diferentemente as espontaneidades

6.3.5.4.             Considerando as restrições e os estímulos sociais, podemos considerar que o que chamamos de espontaneidade refere-se, então, de maneira específica, à manifestação de nossas características (especialmente dos sentimentos) no dia a dia, na vida cotidiana, em que agimos mais ou menos sem provocação externa

6.4.    Precisamos insistir sobre as características sociais da espontaneidade; o processo da educação e as variações sociais já indicam então que a espontaneidade é bem mais que a mera manifestação de impulsos internos

6.4.1. De modo geral, a ausência de esforço que caracteriza a espontaneidade pode ocorrer devido à natureza das coisas ou então devido a um aprendizado (ou seja, a hábitos que foram internalizados) – ou a uma combinação dessas duas possibilidades

6.4.2. Os hábitos criados e internalizados não criam nenhuma habilidade que já não exista no ser humano (seja no ser humano individual, seja na espécie); o processo de educação apenas estimula e regula aquilo que já existe em nós, na forma de potencialidades

6.4.3. Além disso, muitas dessas potencialidades manifestam-se sozinhas ao longo do tempo da vida de uma pessoa: o processo de estímulo e orientação dos nossos instintos variam de acordo com a idade da pessoa

6.4.3.1.             Esse é um dos motivos por que a verdadeira educação não se limita à infância, mas é um processo que se estende ao longo de toda a vida

6.5.    Nos termos apresentados acima, torna-se claro que a espontaneidade aproxima-se da chamada “intuição”

6.5.1. A intuição refere-se ao conhecimento, enquanto a espontaneidade refere-se a todos os impulsos internos: a intuição são idéias e processos mentais que se tornam tão automáticos, exigem tão pouco esforço, que parece que não exigem esforço nenhum e que “sempre estiveram lá”

6.5.2. Assim, podemos dizer que a intuição são os processos especificamente intelectuais aprendidos que se tornaram espontâneos devido a um longo treinamento

6.6.    O que expusemos até agora se resume no seguinte:

6.6.1. A partir da natureza humana geral, cada indivíduo tem uma espontaneidade “geral”, básica, comum a todos os seres humanos, além de espontaneidades específicas

6.6.2. Essas diversas espontaneidades, que correspondem à manifestação de atributos e potencialidades, são estimuladas, controladas e orientadas de diferentes maneiras nas diferentes sociedades: essa orientação social dos atributos individuais corresponde à subordinação da Moral à Sociologia, na escala enciclopédica

6.7.    O que comentamos até agora sobre a espontaneidade refere-se aos atributos individuais, que são estimulados, controlados e orientados pela sociedade: mas há também a espontaneidade propriamente social, ou sociológica

6.7.1. As sociedades têm estruturas, funcionamentos e resultados específicos e diferentes dos dos indivíduos: é devido a essa realidade que se pode falar verdadeiramente em “leis sociológicas” e em Sociologia (em vez de tratarmos a sociedade como uma justaposição de indivíduos)

6.7.2. Toda sociedade tem, naturalmente, uma estrutura, que em seus elementos mínimos é estudada pela Estática Social: espontaneamente toda sociedade tem no mínimo linguagem, governo, família, religião e propriedade

6.7.3. Da mesma forma, toda sociedade desenvolve-se ao longo do tempo; esse desenvolvimento é estudado pela Dinâmica Social e, em linhas gerais, segue as leis sociológicas dinâmicas, isto é, as três leis dos três estados

6.7.4. Vale notar que o estímulo, controle e orientação social dos instintos individuais corresponde à espontaneidade social conduzindo a espontaneidade individual

6.7.5. Por que eu comecei a falar da espontaneidade individual antes da social, se a social precede a individual? Simplesmente porque a espontaneidade individual é mais fácil de tratar, pois é ela que vem à mente quando tratamos da espontaneidade

6.8.    Tudo o que falamos até agora se baseia no Positivismo e em reflexões filosóficas e sociológicas; mas como o Positivismo aborda esse tema de maneira mais direta e sistemática?

6.8.1. O dogma fundamental do Positivismo – isto é, a concepção intelectual fundamental do Positivismo – é a das leis naturais, das relações constantes de coexistência ou sucessão

6.8.2. A partir das leis naturais, o que o Positivismo faz é sistematizar a realidade (e a atividade) espontânea do mundo – o que equivale a dizer que a espontaneidade é pressuposta pelo Positivismo

6.8.3. Na verdade a idéia de que a matéria tem movimento espontâneo é uma das mais importantes, fundamentais e difíceis de ser apreendida:

6.8.3.1.             O fetichismo considera que tudo tem movimento espontâneo, ou seja, autônomo; o fetichismo vincula esse movimento à vida (no sentido de que tudo move-se porque tudo é vivo)

6.8.3.2.             A teologia substitui o fetichismo; em tal substituição, acaba com a concepção de que tudo move-se espontaneamente (porque tudo estaria vivo) e passa a pressupor que tudo o que se move deve o seu movimento a forças externas (que são os deuses)

6.8.3.2.1.                   Tal substituição empobreceu o entendimento afetivo e intelectual da realidade; mas, por outro lado, ela foi necessária para o começo da pesquisa das leis naturais (disfarçada sob a teologia pela pesquisa das causas)

6.8.3.3.             Aos poucos, a ciência – a ciência moderna – retomou a concepção do movimento espontâneo da matéria, ao mesmo tempo que abandonava as noções de deuses e de causas

6.8.3.4.             O desenvolvimento completo das leis naturais básicas (com a constituição da escala enciclopédica) e o estabelecimento do relativismo foram sistematizados pelo Positivismo, que completou esses aspectos pela necessária incorporação positivada do fetichismo

6.8.3.5.             A noção de que a matéria tem atividade espontânea, isto é, atividade própria independente de impulsos externos, começa na Cosmologia, passa para a Biologia e daí segue para a Sociologia e a Moral; em outras palavras, a atividade espontânea é de fato uma concepção geral do dogma positivo, pressuposta pela noção de leis naturais

6.9.    O Positivismo afirma a importância e a necessidade da espontaneidade na fórmula “agir por afeição e pensar para agir”

6.9.1. A espontaneidade está implícita na fórmula acima

6.9.2. Augusto Comte apresentou essa fórmula em duas passagens: a primeira no v. III da Política positiva (p. 78-79), de 1853, a segunda no Catecismo positivista (p. 67-68[1]), de 1852; das duas, a que nos interessa diretamente é a do Catecismo:

O verdadeiro espírito filosófico consiste, de fato, como o simples bom senso, em conhecer o que é, para prever o que há de ser, a fim de o aperfeiçoar tanto quanto possível. Um dos melhores preceitos positivistas declara, até, viciosa, ou, pelo menos, prematura, toda sistematização que não for precedida e preparada por um suficiente surto[2] espontâneo. Esta regra resulta logo do verso dogmático com que o Positivismo caracteriza o conjunto de nossa existência:

Agir por afeição e pensar para agir.

O primeiro hemistíquio[3] corresponde à espontaneidade e o segundo à sistematização consecutiva. Quaisquer que sejam os inconvenientes que a atividade irrefletida suscite, só ela pode ordinariamente fornecer os primeiros materiais de uma meditação eficaz que permitirá agir melhor.

6.10.                     Em suma:

6.10.1.   A espontaneidade, como manifestação dos sentimentos (em particular dos sentimentos altruístas), é efetivamente um valor a ser buscado

6.10.1.1.          A espontaneidade é necessária em termos afetivos, práticos e até intelectuais

6.10.1.2.          A espontaneidade é a atividade própria, interna, aos corpos; no caso dos animais e do ser humano, é chamada de “instintos”

6.10.2.   Devemos lembrar, entretanto, que assim como a espontaneidade é importante e necessária, o autocontrole e o controle social dos impulsos também é importante e necessário

6.10.2.1.          O estímulo do altruísmo e o controle e a orientação altruística do egoísmo é o melhor exemplo dessa necessidade

7.       Exortações finais

8.       Invocação final



[1] Augusto Comte, Catecismo positivista, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934.

[2] “Surto”, aqui, significa “desenvolvimento”.

[3] Hemistíquio é cada uma das metades de um verso.

27 novembro 2024

Estréia da leitura comentada do "Apelo aos conservadores"

No dia 23 de Frederico de 170 (26.11.2024) fizemos nossa prédica positiva, estreando a leitura comentada do Apelo aos conservadores, de Augusto Comte. Essa obra foi publicada em 1855; a nossa leitura baseia-se na tradução feita por Miguel Lemos e publicada em 1899.

Antes da leitura comentada do Apelo aos conservadores, abordamos alguns outros assuntos:

- Comentários sobre o livro Somos inteligentes o bastante para saber quão inteligentes somos?, de Frans de Waal

- Leitura do artigo "O identitarismo contra a laicidade", de nossa autoria e publicado no jornal Monitor Mercantil em 11.11.2024

Para iniciarmos a leitura comentada do Apelo aos conservadores, fizemos várias observações gerais, de caráter introdutório.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=KfwSavoN5ks) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/1327352891610347).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Leitura comentada do Apelo aos conservadores

(23 de Frederico de 170/26.11.2024) 

1.       Abertura

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.1.1. Em particular: como haverá a Black Friday nesta semana, convém não se deixar levar pelo consumismo; no caso de aproveitar promoções, dar preferência a produtos locais, que preservem o ambiente, estimulem a dignidade dos trabalhadores

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides:

3.1.    Dia 21 de Frederico (24 de novembro): transformação do Alte. Henrique Oliveira (2002)

3.2.    Dia 22 de Frederico (25 de novembro): nascimento de Miguel Lemos (1854)

3.3.    Dia 28 de Frederico (1º de dezembro): nascimento de Décio Villares (1851)

3.4.    Lembrança de que na semana passada tivemos dois belíssimos eventos com positivistas ortodoxos:

3.4.1. Celebração do Dia da Bandeira, com Hernani Gomes da Costa

3.4.2. Live AOP com Sebastiano Fontanari: “Relato de uma viagem a Paris”

3.4.3. Essas exposições demonstram, de maneira concreta, como é que o Positivismo conjuga o estímulo do altruísmo, o desenvolvimento da inteligência e a atividade prática; dessa forma, elas servem como exemplo de o que é o Positivismo e também atuam como forma de retemperar, de recalibrar nosso espírito em favor do altruísmo e da positividade

4.       Comentários sobre o livro Somos inteligentes o bastante para saber quão inteligentes somos?, de Frans de Waal (Rio de Janeiro, Zahar, 2021):

4.1.    O autor pesquisa comportamento animal nos Países Baixos e nos Estados Unidos; ele é “etologista”

4.2.    O livro é uma exposição filosófica da área de Etologia; embora tenha um forte caráter de divulgação científica, no fundo é mesmo uma reflexão filosófica

4.3.    O autor apresenta a história recente, os métodos, as questões, os limites e as possibilidades das pesquisas sobre comportamento animal

4.4.    Os comentários do autor centram-se nos chamados animais superiores: aves e mamíferos (especialmente os primatas)

4.5.    O autor concorda com o Positivismo (embora não tenha consciência disso), discorda de muitos métodos e teorias do século XX e, daí, indica que houve um retorno ao Positivismo após um longo desvio materialista e de presunção de que o ser humano é totalmente único no mundo

4.6.    De maneira específica e que notavelmente confirma o Positivismo, o autor evidencia que a perspectiva gradualista é a correta, contra a “saltacionista”, ou seja, há uma grande continuidade entre os animais superiores e o ser humano, em termos de consciência, inteligência, intencionalidade, altruísmo, empatia etc.; além disso, o autor deixa claro que o pensamento é antes imagético e só depois é lingüístico

4.7.    Esse gradualismo evidencia por um lado que o ser humano está ligado ao ambiente em que surgiu (e que, assim, ele não está descolado nem infenso às leis naturais inferiores) e, por outro lado, que são erradas as concepções (explícitas ou implícitas) de origem teológica que afirmam que o ser humano é radicalmente diferente de todos os animais (e que, inversamente, os demais animais são mecânicos, puramente instintivos, egoístas, inconscientes, irracionais etc.)

4.8.    É fácil perceber que essas concepções têm profunda importância para a Biologia, mas também para a Sociologia e a Moral – e, daí, também conseqüências práticas –, seja ao calibrar o entendimento do ser humano no mundo, seja ao modificar nossas concepções e nossos comportamentos em relação aos animais

4.9.    Devido à importância moral, intelectual e prática de reflexões nesse sentido, Augusto Comte incluiu na Biblioteca Positivista o livro Cartas sobre os animais (1781), de Georges Leroy (1723-1789): se fôssemos procurar um equivalente contemporâneo do livro de Leroy, poderíamos indicar exatamente o de Frans de Waal

4.9.1. Leroy também está no Calendário Positivista: ele é adjunto do dia 13 de Descartes, na semana de Francisco Bacon, juntamente com Cabanis

5.       Leitura do artigo “O identitarismo contra a laicidade”

5.1.    Publicado no jornal carioca Monitor Mercantil em 11 de novembro de 2024 (disponível aqui e aqui)

5.1.1. A leitura desse artigo é importante porque expõe – com as limitações impostas por ser um texto curto e de polêmica, é verdade – uma conseqüência daninha central do identitarismo, conseqüência que, todavia, não por acaso não é explorada habitualmente mas que tem efeitos concretos enormes

5.1.2. Além disso, a rejeição identitária da laicidade do Estado expõe muitos dos defeitos morais, intelectuais e práticos do identitarismo e seu caráter violentamente metafísico e, daí, antipositivo

5.2.    Antes de mais nada, é necessário afirmar com todas as letras: a crítica ao identitarismo não significa aceitação de injustiças, violências, discriminações

5.2.1. A rejeição de violências, crimes etc. deveria ser evidente, na medida em que todas as referências que adotamos para criticar o identitarismo são de autores que também rejeitam violências, crimes, discriminações etc.

5.2.2. A mera necessidade de termos que reafirmar essas rejeições demonstra o quanto o ambiente moral, intelectual e político está poluído – e, convém reforçar, poluído em grande medida devido precisamente à ação do identitarismo

5.2.3. Também importa lembrar: o identitarismo adota uma postura de separação dicotômica do mundo (“nós” contra “eles”), em que “eles” são sempre os outros, os não identitários, que sempre perseguem, discriminam, exploram, violam e violentam a “nós”: para o identitarismo, a mera discordância, para não falar da crítica, é por si só adesão à violência

5.3.    Eis o artigo:

O identitarismo contra a laicidade

Vivemos em uma república. Embora essa afirmação banal não seja muito levada a sério atualmente, ela implica grandes ideais morais, sociais e políticos, começando pela dedicação de todos ao bem comum e pela subordinação da política à moral. Sem esgotar aqui o conteúdo da república, podemos simplificar indicando que um dos aspectos institucionais básicos das repúblicas é a laicidade do Estado. Isso implica uma dupla vedação:

1)   por um lado, o Estado não pode ter, manter ou beneficiar doutrinas específicas e, além disso, não pode condicionar o acesso a seus serviços (e, portanto, não pode condicionar a cidadania) à adesão dos indivíduos a essas doutrinas;

2)   por outro lado, as várias igrejas e os grupos promotores de doutrinas não podem usar o Estado para fazer valer suas concepções (ou seja, não podem impor suas doutrinas).

Essa dupla vedação baseia-se no respeito à dignidade e à autonomia individual e na consideração de que questões de foro íntimo só podem ser decididas intimamente; a isso se soma o fato de que o Estado é incapaz e ilegítimo para decidir a respeito dessas questões de foro íntimo e que a imposição de crenças também é errada e ilegítima. Geralmente se considera a laicidade em relação a igrejas ou cultos teológicos, mas ela está bem longe de limitar-se a eles, pois inclui doutrinas político-partidárias, filosofias variadas e até doutrinas especificamente “universitárias”. Assim, em si mesma a laicidade não é atéia (doutrina que nega a existência das divindades) nem anticlerical (o combate às igrejas).

A laicidade e a república exigem que as políticas públicas devem ser universalistas, ou seja, devem atingir todos os cidadãos. Toda sociedade tem suas clivagens, algumas voluntárias (religiosas, filosóficas, morais, culturais, políticas, recreativas, esportivas, de locais de moradia etc.) e outras involuntárias (classistas, sexuais, étnicas etc.); mas essas clivagens devem subordinar-se à universalidade da república, a partir do primado da fraternidade universal. Dessa forma, embora sempre existam agrupamentos particulares, o universalismo republicano rejeita os particularismos e os guetos – sejam guetos impostos sobre e contra os grupos sociais minoritários, sejam os guetos criados pelos grupos minoritários contra as sociedades maiores.

Essas características parecem intuitivamente corretas, mas elas têm sido duramente postas à prova, ou melhor, elas têm sido desafiadas, criticadas e repudiadas nos últimos anos pelo identitarismo. Em discussões acadêmicas os identitarismos são claros na recusa aos traços acima – dizem com todas as letras que “o universalismo é uma mentira” –, mas, para o grande público, sua ação é mais enviesada. Em vez de pôr-se direta e claramente contra os valores e as práticas republicanas, o identitarismo afirma os seus próprios valores, corroendo e corrompendo a vida política. Mas quais são os valores e as práticas do identitarismo?

Não há um único identitarismo; existem muitos, que tendem sempre, cada vez mais, a multiplicar-se. O identitarismo nega o universalismo cidadão e fraterno em prol da multiplicidade de exclusivismos e particularismos, minorias que se vêem como perseguidas pela “maioria”. Como são, ou como se vêem, como perseguidas, essas minorias adotam o ressentimento sistemático como sentimento político, pessoal e moral básico, buscando estabelecer sistematicamente a culpa da “maioria”; para isso exigem que o Estado atenda apenas ou prioritariamente as suas próprias demandas e que atue na difusão da mentalidade identitária, que passa a tornar-se doutrina oficial. A partir da teoria do “reconhecimento”, o objetivo do Estado torna-se reafirmar constantemente a existência desses grupos minoritários, perseguidos e ressentidos – e, claro, satisfazê-los e prover-lhes “reparações”. Participar desses grupos torna-se então, progressivamente, condição de acesso ao Estado e à cidadania.

Para evitar mal-entendidos, importa sermos claros: em inúmeras situações concretas as reclamações fundamentais dos grupos identitários são justificadas. Entretanto, se muitas situações concretas são de fato injustas, elas são respondidas da pior maneira possível, estimulando sentimentos, idéias, hábitos, práticas e instituições desastrosos.

O identitarismo pode ser de esquerda ou de direita. Pelo menos no Brasil, os identitarismos de esquerda são os mais conhecidos (ou mais estridentes): racialista, de gênero, de opção sexual, étnico etc.; mas há também os identitarismos de direita, vinculados especialmente à teologia (cristã) e a grupos étnicos. Tanto uns quanto outros dizem-se perseguidos e usam o Estado como instrumento para impor suas concepções: nada mais distante de dignidade, fraternidade, liberdade, autonomia.

Em face dessas características, percebe-se com clareza que o identitarismo encara a laicidade no mínimo como uma instituição inútil, no máximo um estorvo a ser destruído. Se o Estado deve estar a serviço dos grupos ressentidos em sua busca de reparações e se o reconhecimento do ressentimento-e-culpa é a mentalidade que orienta a vida pública, é claro que a laicidade deixa de ser importante, de ser útil, de fazer sentido.

Entre os identitários de direita, vinculados de modo geral às teologias, a laicidade deve ser simplesmente ignorada ou desprezada: o Estado deve estar a serviço da difusão do “cristianismo” (geralmente evangélico, mas também católico), sendo que a laicidade é vista como um instrumento dos valores da “esquerda” ou do afastamento da divindade (o que, para a direita teológica, dá na mesma). Temos então os cultos privados em espaços públicos; as referências obrigatórias às divindades e a leitura da Bíblia em espaços e órgãos públicos; os feriados teológicos etc.

Entre os identitários de esquerda, a situação é um pouco mais ampla. No fundo, a esquerda adota os mesmíssimos procedimentos que a direita, criando feriados particularistas, impondo a leitura de doutrinas identitárias etc. Mas, embora também ignore ou despreze a laicidade, quando convém a esquerda consegue lembrar-se dela, para um anticlericalismo tópico. Isso, aliás, é o que alguns chamam de “seqüestro da laicidade”.

Em meio a esses particularismos exclusivistas ressentidos, não há espaço para a fraternidade, para uma verdadeira vida em comum, para a dedicação ao bem comum. Simplesmente não há “bem comum”, que é denunciado como hipocrisia “anticristã”, ou “falocêntrica”, ou “heteronormativa”... há apenas ódio, ressentimento, particularismo.

Considerando o amplo apoio que os identitarismos têm no Brasil atual, à direita e à esquerda, não é de estranhar que nem a laicidade nem, de modo mais amplo, a república sejam levadas a sério. Daí resultam os desastres sociais, políticos, morais e intelectuais que todos vemos todos os dias. É escandaloso e desastroso que os identitarismos sigam tendo apoio no país. Urge retomar a república, a laicidade e a fraternidade, contra o identitarismo, o particularismo e o ressentimento.

6.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

6.1.    Algumas considerações iniciais:

6.1.1. Há duas semanas (na prédica do dia 9 de Frederico de 170 (12.11.2024)) concluímos a leitura comentada do Catecismo positivista

6.1.2. Como as prédicas são gravadas, em certo sentido não há necessidade de recomeçar os comentários sobre o Catecismo; dessa forma, podemos considerar a leitura comentada de outras obras de A. Comte (ou dos positivistas)

6.1.3. Surge então a questão: qual obra seria comentada na seqüência?

6.1.4. Sem entrar em detalhes sobre as justificativas para cada um destes critérios, parece-nos que devemos seguir os seguintes parâmetros:

6.1.4.1.             Preferência por obras de Augusto Comte

6.1.4.2.             De preferência, obras em português ou em espanhol

6.1.4.3.             De preferência, obras da fase religiosa do Positivismo

6.1.4.4.             Obras que não sejam demasiadamente grandes (ou seja, livros com até 250 páginas)

6.1.5. Em face dos critérios acima, a escolha do Apelo aos conservadores pareceu-nos bastante natural

6.1.5.1.             Temos a impressão de que a nossa presente iniciativa é a primeira leitura comentada e pública do Apelo já feita

6.2.    Comentários sobre o Apelo:

6.2.1. Enquanto o Catecismo positivista foi escrito como um “catecismo”, isto é, como uma exposição (1) geral e (2) sistemática do (3) conjunto da (4) Religião da Humanidade, (5) voltada para o proletariado e para as mulheres, (6) na forma de uma diálogo, o Apelo aos conservadores é (1) uma exposição monológica, (2) com fins políticos, (3) dirigida aos patrícios (ou seja, aos líderes políticos e industriais), dos (4) aspectos da Religião da Humanidade que têm conseqüências mais diretamente políticas

6.2.1.1.             Como nosso amigo Hernani G. Costa sempre realça, é necessário insistir em uma idéia que o materialismo e o ceticismo contemporâneos rejeitam: não é possível entender a política proposta pelo Positivismo isoladamente da Religião da Humanidade

6.2.1.1.1.                   Aliás, o desejo de separar a política dos valores e das concepções gerais de fundo é precisamente um dos problemas contemporâneos, é precisamente um dos sintomas da anarquia contemporânea

6.2.1.2.             A religião estabelece parâmetros morais, intelectuais e práticos para a existência humana e, portanto, orienta a política, estabelece as suas metas, as suas possibilidades e os seus limites

6.2.1.2.1.                   Outro lembrete: a religião, conforme o Positivismo estabelece, não é sinônima de “teologia”

6.2.2. O Catecismo positivista foi escrito em 1852 e o Apelo, em 1855: o Catecismo, então, foi escrito durante a redação da Política positiva e serviu como consolidação e antecipação de muitas perspectivas de que Augusto Comte ocupava-se naquele período; o Apelo, por outro lado, consiste tanto em (1) uma exposição com fins de propaganda do Positivismo quanto um (2) manifesto político da doutrina quanto, por fim, (3) uma aplicação concreta do Positivismo: dessa forma, não por acaso foi escrito após o término da Política

6.2.2.1.             O Discurso sobre o conjunto do Positivismo, escrito em 1848 e reeditado em 1851, também apresenta um caráter de exposição intelectual e religiosa com manifesto político

6.2.3. É necessário ter clareza, então, de que o Apelo, na medida em que é um manifesto, dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

6.2.3.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

6.2.3.2.             Essa adequação do formato (mas não do conteúdo) é um procedimento que todos empregam o tempo todo e que Augusto Comte adotou em suas diversas obras, seja por exemplo também no Catecismo positivista, seja em apelos a personalidades e autoridades (socialistas e anarquistas, teológicos, o tsar russo, um antigo Grão-Vizir otomano, o Geral dos Jesuítas)

6.2.4. O próprio texto explica o que são os “conservadores”, mas vale a pena antecipar um pouco: esses conservadores são os cidadãos que se preocupam com a ordem social mas reconhecem ao mesmo tempo a necessidade do progresso; esses conservadores, então, empiricamente buscam conciliar a ordem e o progresso mas, devido à ausência de doutrina adequada, descambam para a retrogradação e a teologia: daí a oportunidade e a necessidade do Positivismo

6.3.    Três últimas observações preliminares:

6.3.1. Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

6.3.2. O livro tem um longo prefácio, que, por sua vez, tem vários anexos: esses documentos são importantes por si sós, mas tratam de questões um pouco (só um pouco!) distintas das do Apelo; por esse motivo, não as abordaremos em nossa leitura comentada

6.3.3. A estrutura de capítulos do Apelo é a seguinte:

Prefácio (página v)

Apêndice do prefácio (p. xxiv)

1º Circular sobre o subsídio positivista (p. xxiv)

2º Programa de um curso de filosofia positiva (p. xxxiii)

Introdução: advento dos verdadeiros conservadores (p. 1)

Primeira parte: doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores (p. 30)

Segunda parte: conduta dos conservadores em relação aos retrógrados (p. 83)

Terceira parte: conduta dos conservadores em relação aos revolucionários (p. 122)

Conclusão: missão peculiar aos verdadeiros conservadores (p. 163)

Apêndice (p. 203):

Índice onomástico do calendário histórico (p. 207)

Notas do tradutor (p. 223)

Índice alfabético (p. 229)

6.4.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

7.       Exortações finais

7.1.    Sejamos altruístas!

7.2.    Façamos orações!

7.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

8.       Término da prédica