A expressão “Fazer o bem, não
importa a quem”
(21.Gutenberg.171/2.9.2025)
1. Invocação inicial
2. Datas e celebrações:
2.1. Dia 23 de Gutenberg (4.9):
nascimento de Richard Congreve (1818 – 207 anos)
2.2. Dia 24 de Gutenberg (5.9):
transformação de Augusto Comte (1857 – 168 anos); comemoração de Sofia Bliaux
2.3. Dia 25 de Gutenberg (6.9):
nascimento de Henrique Oliveira (1908 – 117 anos)
2.4. Dia 26 de Gutenberg (7.7):
Independência do Brasil (1822 – 203 anos); glorificação de José Bonifácio
3. Leitura comentada do Apelo aos conservadores
3.1. Antes de mais nada, devemos
recordar algumas considerações sobre o Apelo:
3.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas
ou grupos, mas a um grupo específico:
são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que
tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes
políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do
progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que
Augusto Comte apela
3.1.1.1.
O
Apelo, portanto, adota uma linguagem
e um formato adequados ao público a que se dirige
3.1.1.2.
Empregamos
a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser
mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se
refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa,
oposta à guerra
3.2. Outras observações:
3.2.1. Uma versão digitalizada da tradução
brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está
disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores
3.2.2. O capítulo em que estamos é a “Primeira
Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”
3.3. Passemos, então, à leitura
comentada do Apelo aos conservadores!
4. Exortações
4.1. Sejamos altruístas!
4.2. Façamos orações!
4.3. Como Igreja Positivista Virtual,
ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse
4.4. Para apoiar as atividades dos
nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
5. Sermão: a fórmula “fazer o bem, não
importa a quem”
5.1. O sermão de hoje abordará alguns temas que se
referem a situações com que todos nós defrontamo-nos todos os dias e que, além
disso, também se referem diretamente à Religião da Humanidade: a obrigação de
sermos corteses, a tolerância mútua como base da fraternidade
5.2. Comecemos com a máxima popular “fazer o bem,
não importa a quem”
5.2.1. Essa fórmula apresenta um imperativo que, a
princípio, é convergente com a Religião da Humanidade: nossa obrigação de
sermos altruístas
5.2.2. Todavia, essa fórmula é extremamente vaga – e
essa vagueza é fatal
5.2.3. Adiantando o tema, convém desde já reconhecer
que, apesar da vagueza da fórmula, ainda assim ela procura resolver uma
condição que é difícil por si só
5.3. Ainda antes de seguirmos adiante, também vale
a pena indicar que esse tema na verdade foi-me perguntado pelo nosso
correligionário Eugênio Macedo
5.3.1. A dúvida do Eugênio era pessoal, dele, mas
evidentemente ela pode e deve ser tratada de maneira mais ampla, na medida em
que afeta todos nós e que, de qualquer maneira, mesmo que não fosse comum a
todos nós, poderia interessar a outras pessoas
5.3.1.1.
É claro
que essa dúvida pode ser tratada publicamente sem dificuldades, isto é, sem
criar nenhum constrangimento
5.3.1.2.
O “viver
às claras” refere-se aos nossos atos, mas também às motivações de nossas ações;
a publicidade de nossas vidas não pode corresponder a indiscrições nem a
situações vexaminosas
5.3.2. Transformar dúvidas individuais de nossos
correligionários em temas de sermões é uma forma simples e eficiente de ajudar
as pessoas e de demonstrar que o Positivismo é, e deve ser, útil
5.3.2.1.
Dessa
forma, fica aqui o convite e o estímulo: quem tiver dúvidas, questões,
comentários, apresente-os sem medo, que procuraremos responder, orientar e
aconselhar
5.4. A Religião da Humanidade proclama que a lei
do dever e a fórmula da felicidade são uma única: é o “viver para outrem”
5.4.1. Devemos notar que a fórmula positivista tem
um imperativo geral – devemos ser altruístas e dedicarmo-nos aos
demais –, mas não é um imperativo vago; além disso, ela
pressupõe o cuidado com nós mesmos e veda a autoimolação
5.5. O problema da vagueza da fórmula popular é
que ela não faz distinções de merecimento das pessoas que receberão o
benefício, nem afirma os cuidados com nós
mesmos
5.5.1. No que se refere ao mérito dos beneficiários:
devemos, sim, considerar quem recebe o bem, pois diferentes pessoas têm
diferentes comportamentos, diferentes
necessidades, diferentes possibilidades; evidentemente, algumas
são melhores que outras, enquanto
algumas são piores que outras: tudo
isso deve necessariamente ser levado em conta
5.5.2. O nosso dever de altruísmo não é unilateral;
na verdade, como se trata de um dever,
é uma relação, ou seja, é uma
obrigação mútua: assim como cada um
de nós deve ser altruísta, os demais também devem ser altruístas; a
reciprocidade deve ser levada em conta e valorizada
5.5.2.1.
O “fazer
o bem, não importa a quem”, especialmente na parte do “não importa a quem”,
deixa de lado o aspecto relacional da vida humana; portanto, ele ignora de
verdade o seu caráter de dever, apenas criando direitos para os outros, sem
lhes impor também deveres mútuos
5.5.3. Devemos considerar também a justiça de nossas
ações: pessoas boas que sofrem injustiças devem ser bem tratadas; pessoas que
erraram mas que manifestam desejar melhorar também devem ser valorizadas; a
quem errou deve ser dada a oportunidade real de emendar-se; mas quem errou, persistiu
no erro e rejeitou a emenda, qual o sentido de fazer indefinidamente o bem para
ela?
5.5.4. Assim, há um aspecto de valorizar a bondade e
de punir a maldade – sem que haja injustiça, crueldade nem que se vede a
possibilidade de emendar-se o mal
5.6. À parte esses graves problemas de mérito e de
justiça – que a fórmula popular “fazer o bem, não importa a quem” é incapaz de enfrentar
–, devemos convir que a dificuldade prática nessa condição é que, qualquer que
seja a fórmula – “viver para outrem”, ou “fazer o bem, não importa a quem” –,
desejamos ser altruístas e generosos, mas defrontamo-nos com a necessidade
concreta de limitarmos esse altruísmo e mesmo de fazermos valer o nosso egoísmo
5.6.1. Indiscutivelmente, essa é uma situação
frustrante; não há como a evitar
5.6.2. Um aspecto que se evidencia a partir dela é
que o também altruísmo deve ser bem orientado
5.6.2.1.
Na
verdade, a correta orientação do altruísmo foi afirmada por Augusto Comte
quando ele apreciou o comunismo, que, para ele, consistia em uma orientação
incorreta do altruísmo e que, mesmo por isso, era superior ao individualismo
liberal-burguês, que consiste no exagero do egoísmo
5.6.3. A solução para esse problema, parece-me,
consiste em que devemos ser generosos, tolerantes e ter uma orientação
altruísta geral; além disso, devemos considerar que todos a princípio merecem
nosso respeito, nossa estima, nosso altruísmo; mas essa estima básica também
deve ser confirmada cotidianamente, especialmente lembrando que o viver para
outrem é uma obrigação mútua
5.6.4. O “fazer o bem, não importa a quem” tenta
lidar com o egoísmo por meio da sua negação; mas, ao negar, ele não lida de
verdade com ele e, em particular, ele não regula o egoísmo: mas a questão, no
caso, é exatamente essa: é necessário ao mesmo tempo estimular o altruísmo e
regular (pelo altruísmo) o egoísmo
5.7. Um outro aspecto que devemos considerar é
que, se devemos viver para outrem, o nosso altruísmo não se desenvolve nem se
mantém no vazio, como pura abstração: ele exige objetos concretos, relações
reais
5.7.1. Em outras palavras, o desenvolvimento e a
manutenção iniciais do altruísmo necessitam de focalização e personalização
5.7.2. Nosso mestre indicou com clareza, na parte do
culto, os objetos de nosso altruísmo; eles são ascendentes, passando de
relações pessoais para relações familiares, então para relações cívicas e daí
para relações universais
5.7.3. Em outras palavras, começamos com nossas
mães, nossos cônjuges, nossos filhos, pais e irmãos; seguimos para nossas
famílias ampliadas; então vamos para as relações cívicas (colegas de trabalho,
chefes, subordinados, concidadãos, líderes); ampliamos então para a Humanidade;
tudo isso começando com relações objetivas mas logo devendo estender-se também
para as relações subjetivas
5.7.4. Bem vistas as coisas, essa seqüência ascendente corresponde a uma aplicação da terceira lei dos três estados, ou seja, da lei afetiva (de que tratamos em uma prédica anterior)
5.7.5. Esse desenvolvimento progressivo do altruísmo, para o que estamos tratando aqui, consiste também na ampliação progressiva do “fazer o bem” – mas que, como estamos afirmando, não pode ser “não importa a quem”
5.8. Um problema relacionado com o do “fazer o
bem, não importa a quem” é: como estimular o altruísmo?
5.8.1. A teologia e a metafísica prometem
recompensas ou punições; em qualquer caso, os móveis são sempre egoístas
5.8.2. A Religião da Humanidade, a partir da
experiência cotidiana e multimilenar, afirma que o altruísmo é a própria
recompensa
5.8.3. Como sintetizou com beleza Clotilde de Vaux, “Não
há prazeres maiores que os da dedicação”
5.9. Para concluir estes comentários, quero
aproveitar para referir-me a um poema de Teixeira Mendes
5.9.1. Trata-se do Exortação à Fraternidade, que
foi composto no aniversário de transformação de Clotilde, ou seja, em 5 de
abril de 1911
5.9.2. Esse poema tem o seguinte comentário
explicativo: “Ensaio de uma paráfrase positivista do Capítulo XVI, Livro I, da Imitação de Tomás de Kempis, segundo a
tradução em verso de Corneille: Como se
deve sofrer os defeitos de outrem”
5.9.3. Em outras palavras, Teixeira Mendes afirma,
ou lembra, que a fraternidade exige que todos tenhamos paciência uns com os
outros, pois todos temos defeitos
5.9.4. É claro que o poema todo vale a pena; mas
citaremos só as partes III e IV
III.
Queremos cada qual sujeito à disciplina,
Sofrendo
a necessária correção;
Revolta-nos,
porém, se alguém nos examina,
E
à conduta nossa o seu valor assina,
Realçando
qualquer imperfeição.
Exprobramos
aos mais o quanto d’indulgência
Consigo
têm e o que se dão de gozos;
E
é ofensa atroz não ter-se a complacência
De
nada recusar, com suma deferência,
Aos
nossos movimentos caprichosos.
Estatutos
prendendo em rigoroso laço
Severamente
aos outros desejamos;
E,
seja de quem for, o mais ligeiro traço,
Ao
nosso bel-prazer, criando um embaraço
D’império
absoluto, a mal levamos.
Onde
se esconde, pois, o férvido Altruísmo,
Que Viver
para outrem nos sugere?
E
como então sentir que, ou seja no heroísmo,
Ou
na dedicação comum, ou no ascetismo,
Prazer
algum não há que os seus supere.
No
Mundo, a imperfeição por toda parte abunda,
A
jerarquia eterna acompanhando,
Que,
sob a mais grosseira, a lei mais nobre funda;
Somente
a paciência, em méritos fecunda
Essa
ordem fatal vai mitigando.
IV.
É pois na sujeição qu’ensina a Humanidade
O
aperfeiçoamento basear-se;
Não
há beleza inteira, ou íntegra bondade;
Assim
é dever nosso e nossa felicidade
Uns
aos outros o fardo aliviar-se.
Ninguém
é sem senão, ninguém é sem fraqueza;
Ninguém
sem precisar d’algum amparo;
Ninguém
tem de ciência, em si, assaz riqueza;
Ninguém
é forte assaz com a própria fortaleza.
Para
não sentir faltar-lhe apoio caro.
Urge
pois entre-amar-se, urge pois entre-instruir-se
Urge
pois, em tudo, entre-auxiliar-se;
Urge
entre-prestar-se o olhar a dirigir-se;
Urge
entre-estender-se a mão conduzir-se;
Urge
um ao outro dar com quem curar-se.
Quanto
maior a dor, mais fácil prova of’rece
Até
que ponto fora alguém perfeito;
E
os golpes mais cruéis que uma alma então padece
Não
são que a fazem fraca; apenas se conhece
Assim
o que ela vale com efeito.
6. Invocação final
Referências
- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva (Paris,
Société Positiviste, 5e ed., 1893)
- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, L.
Mathias, 1851-1854)
- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro,
Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.
- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro,
Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934)
- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.), Prédica "O início do Positivismo: as três leis dos três estados" (Curitiba, Igreja Positivista Virtual, 26.8.2025): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/08/o-inicio-do-positivismo-as-tres-leis.html
- Raimundo Teixeira Mendes (port.),
As últimas concepções de Augusto Comte
(Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-i
e https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-ii.
- Raimundo Teixeira Mendes (port.),
O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja
Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.
- Raimundo Teixeira Mendes (port.): Exortação à Fraternidade (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1911; opúsculo n. 316): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/08/teixeira-mendes-exortacao-fraternidade.html.