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03 outubro 2023

Sobre o método subjetivo

No dia 24 de Shakespeare de 169 (3.10.223) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua "Oitava conferência", dedicada à filosofia das ciências superiores (Sociologia e, ainda mais, a Moral).

No sermão abordamos o método subjetivo.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/3ABoP) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/OlSVZ). O sermão começa em 56' 30".

Abaixo reproduzimos as anotações que serviram de base para a exposição oral do sermão.

*   *   *


Sobre o método subjetivo 

-        A idéia do método subjetivo e sua aplicação sistemática é uma das mais belas, impressionantes e importantes elaborações de Augusto Comte

o   O método subjetivo estava presente, mesmo que implicitamente, desde as primeiras elaborações de nosso mestre, mas foi apenas com a criação da Religião da Humanidade que foi possível elaborá-lo de maneira clara e consciente

o   A vinculação do método subjetivo com a Religião da Humanidade já sugere muitas de suas características

-        A presente exposição terá um aspecto geral mais intelectual que qualquer outra coisa; entretanto, é importante ter em mente que, ao tratar-se do método subjetivo, a origem afetiva de todos os pensamentos deve estar bem clara e subjacente

-        Para apresentar de maneira simples e direta, podemos dizer que o método subjetivo consiste na afirmação da perspectiva humana sobre todas as concepções e reflexões humanas; em outras palavras, ele consiste na perspectiva subjetivista

o   Esse subjetivismo também pode ser entendido como a afirmação de um renovado antropocentrismo

o   Além disso, no caso específico do método subjetivo, tal subjetivismo deve ser entendido como sendo social e não individual, a par da origem sociológica da noção de Humanidade e, daí, da moral positiva

§  Caso esse subjetivismo tivesse um caráter estritamente individual, recairíamos nos mesmos problemas da moral e da inteligência teológicas, que são individualistas, solipsistas e não percebem plenamente o caráter social do ser humano

§  Embora a subjetividade do método subjetivo tenha um caráter social, o método subjetivo não desconsidera nem despreza a subjetividade individual

§  A subjetividade individual é incorporada ao método subjetivo por meio das propriedades específicas da ciência da Moral:

·         a Moral estuda diretamente os sentimentos humanos, em particular nos indivíduos

·         a Moral é a ciência que sintetiza todas as ciências anteriores, conforme eles manifestam-se nos indivíduos

·         a Moral é a ciência que realiza diretamente a transição para as artes práticas, começando pela educação e pelo aconselhamento individuais

-        O método subjetivo pode e deve ser entendido em relação de complementaridade com o método objetivo

o   Se o método subjetivo consiste na aplicação dos parâmetros humanos a todas as concepções, reflexões e atividades humanas, o método objetivo consiste no entendimento da realidade a partir da própria realidade, isto é, a partir de uma perspectiva objetiva

o   O método subjetivo é plenamente universal em sua aplicação, na medida em que se refere a tudo o que é humano: essa universalidade (ou generalidade) é, por definição, subjetiva; já o método objetivo é universalizável em termos objetivos, mas essa universalidade depende dos fenômenos considerados

o   Em outras palavras, os métodos subjetivo e objetivo são complementares em sentidos inversos, considerando os princípios de toda classificação: generalidade crescente ou decrescente, objetiva ou subjetiva; particularidade decrescente ou crescente, subjetiva ou objetiva

o   Novamente: enquanto por definição o método subjetivo é plenamente universal e universalizável, o método objetivo varia em sua generalidade de acordo com o fenômeno em questão

§  A constituição do método objetivo segue a classificação das ciências, do mais objetivamente geral e simples para o objetivamente mais específico e mais complicado: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia, Sociologia, Moral

§  Na escala das ciências, a única ciência que é objetivamente plenamente universalizável é a Matemática (na medida em que ela estuda os números, a extensão e o movimento dos corpos); a partir dela, as demais ciências são mais específicas

-        Todas as concepções humanas sujeitam-se e devem sujeitar-se ao método subjetivo (o que inclui as ciências); entretanto, para que ele possa ter a sua adequada primazia, foi necessário antes corrigi-lo, por meio do desenvolvimento do método objetivo e de sua aplicação à realidade humana

o   A necessária correção do método subjetivo deve-se a diversos motivos conexos:

§  o método subjetivo inicialmente é absoluto (e não relativo);

§  ele inicialmente se pretende e afirma-se objetivo (embora seja sempre subjetivo);

§  ele inicialmente se baseia em concepções individualistas (em vez de concepções sociais);

§  ele inicialmente pretende que o mundo é total e infinitamente plástico e obediente às vontades caprichosas dos seres humanos e/ou de tipos semelhantes ou inspirados no ser humano (em vez de obedecer a leis naturais)

o   O método subjetivo é espontâneo, na medida em que se trata da aplicação das perspectivas humanas para tudo, incluindo as concepções sobre a realidade; essa espontaneidade baseia-se nos sentimentos e na percepção imediata da existência humana

o   O método objetivo também é espontâneo, mas sua espontaneidade é menor e mais fraca, na medida em que ela baseia-se na realidade prática e exige a intermediação da inteligência

o   Há assim um descompasso entre os dois métodos, em que o subjetivo surge antes do objetivo e este demora mais para constituir-se

o   Além disso, considerando a lei dos três estados, a subjetividade inicial é teológica (rigorosamente, ela começa fetíchica, mas depois se torna teológica)

§  Daí a necessidade de correção do método subjetivo pelo método objetivo

§  Daí a importância histórica e filosófica das ciências

·         Importa insistir e enfatizar: a longo prazo, a importância das ciências consiste no esclarecimento e na correção do método subjetivo; em comparação com isso, as outras aplicações da ciência (satisfação da curiosidade, estabelecimento de bases para a tecnologia) são secundárias

o   À medida que o método objetivo avança sobre o conhecimento da realidade, vai descobrindo como a realidade funciona e de que maneira o ser humano atua nessa realidade; descobre também que o ser humano não é onipotente, não é onisciente; que suas vontades têm que se submeter a relações constantes e invariáveis que independem de sua vontade (é o dogma das leis naturais) etc.

o   A longa demora na constituição do método objetivo e sua igualmente demorada oposição ao método subjetivo estimularam muitos dos vícios próprios ao método objetivo:

§  seu caráter dispersivo;

§  seu extremado intelectualismo (em contraposição à afetividade e mesmo à atividade prática);

§  seu caráter analítico e detalhista (em contraposição às visões sintéticas e de conjunto);

§  as inúmeras derivas materialistas/reducionistas;

§  a busca de uma síntese objetiva

§  desenvolvimento da impressão de que a ciência é sempre e naturalmente oposta à filosofia e ao método subjetivo

o   Os inúmeros e sérios vícios próprios ao método objetivo só podem ser corrigidos por meio da aplicação do método subjetivo

§  Mas como a renovação do método subjetivo depende do desenvolvimento do método objetivo, desenvolve-se ao longo do tempo uma situação difícil, um verdadeiro impasse

§  Na medida em que o método subjetivo durante muito tempo é teológico, a oposição entre ele e o método objetivo assume a forma da oposição (metafísica) entre a “fé e razão”

§  A única solução possível para esse impasse é por meio da correção e da renovação do método subjetivo a partir de elementos do método objetivo, seguida da correção do método objetivo pelo método subjetivo: esse duplo movimento só é possível na síntese positiva

o   Quando o método objetivo alcança as ciências superiores, muitos dos principais elementos renovadores do método objetivo já estão elaborados em termos gerais – em particular o dogma das leis naturais –, sendo possível então que o método subjetivo seja diretamente reelaborado e que ele possa, afinal, afirmar seu império sobre toda a realidade humana

o   O resultado geral da correção do método subjetivo pelo método objetivo é, após a afirmação da subjetividade humana, também a afirmação do relativismo de todos os nossos conhecimentos

§  A visão de conjunto também se afirma quando o método objetivo adentra as ciências superiores

o   A partir do subjetivismo relativista, o método subjetivo torna-se plenamente apto a realizar seu império sobre o mundo (incluindo a necessária correção dos vícios próprios ao método objetivo)

-        Convém retomarmos uma afirmação que fizemos no início desta exposição: o método subjetivo é a afirmação da perspectiva humana sobre toda a realidade humana; ou seja, é um renovado antropocentrismo

o   Muitos pensadores consideram que todo antropocentrismo é sempre e necessariamente particularista e excludente, especialmente sobre os seres vivos e o meio ambiente

o   À parte o oximoro implícito em “antropocentrismo excludente”, o fato é que o antropocentrismo próprio ao método subjetivo da Religião da Humanidade não nos autoriza a considerar que o ser humano pode fazer o que quiser, em particular em termos dos seres vivos e do meio ambiente e, ao contrário, que de modo geral temos que ter uma postura de cuidado e respeito para com eles

o   O respeito positivista ao meio ambiente baseia-se tanto na concepção ampliada de Humanidade (que inclui os animais domésticos) quanto os sentimentos afetivos e o respeito para com os seres vivos em geral

§  O compartilhamento da mesma estrutura cerebral entre seres humanos, animais superiores e aves é outro motivo para o respeito positivista para com os seres vivos

§  Além disso, a partir de sua renovação com elementos do método objetivo, o método subjetivo reconhece a subordinação do ser humano ao meio ambiente e, portanto, a necessidade de cuidar das condições ecológicas, do equilíbrio dos ciclos vitais etc.

o   Considerando o método subjetivo em relação às três fases da carreira de Augusto Comte, podemos sugerir o seguinte:

§  Sistema de filosofia positiva (1830-1842): consolidação do método objetivo nas ciências inferiores, estabelecimento do método objetivo nas ciências superiores, em particular na Sociologia e em rudimentos da Moral; elaboração implícita do método subjetivo em bases positivas

§  Sistema de política positiva (1851-1854): elaboração direta do método subjetivo em bases positivas, com a elaboração da Religião da Humanidade

§  Síntese subjetiva (1856): desenvolvimento, aprofundamento e aplicação do método subjetivo ao conjunto da realidade humana

-        Como observamos no início, o que expusemos até agora sobre o método subjetivo tem um caráter mais intelectual que qualquer outra coisa; entretanto, o reconhecimento de que o ser humano é acima de tudo afetivo tem conseqüências também sobre o método subjetivo, que deve incluir, necessariamente, aspectos e concepções afetivas

o   O procedimento específico adotado por Augusto Comte para a plena inclusão da afetividade no método subjetivo é a incorporação do fetichismo inicial ao positivismo final, no que alguns pesquisadores chamaram de “neofetichismo”

o   O resultado disso é que, com isso, o método subjetivo torna-se uma forma de pensar plenamente afetiva (e, inversamente, uma forma de sentir com conseqüências intelectuais)

§  Na verdade, sempre pensamos a partir da inspiração afetiva; o que o método subjetivo faz é reconhecer, estimular, sistematizar e aplicar essa relação

o   Temos aí, por um lado, a instituição da Trindade Positiva: Grão-Meio (o Espaço), Grão-Fetiche (a Terra) e Grão-Ser (a Humanidade)

o   Por outro lado, temos também a lógica positiva: “O concurso normal dos sentimentos, das imagens e dos sinais, para inspirar-nos as concepções que convêm às nossas necessidades morais, intelectuais e físicas”[1]

o   Além disso, no final de sua vida Augusto Comte propôs que a lei dos três estados deve ser entendida como uma lei dos quatro estados

§  Essa lei dos quatro estados estabelece que o estado positivo pode e deve dividir-se em estado científico e estado positivo, em que o estado científico mantém o aspecto analítico e potencialmente absolutista da ciência e o estado positivo caracteriza-se pela síntese relativa

§  Comentário pessoal do meu amigo Hernani Gomes da Costa logo após eu terminar a exposição acima, em 3.10.2023:

§  “Você veio confirmar inteiramente uma suspeita que eu vinha desenvolvendo há muito tempo no sentido de apresentar de um modo diferente a lei dos três estados, considerando-a não mais APENAS por referência exclusiva às suas produções externas, isto é, aos respectivos SISTEMAS teológicos, metafísicos e positivo, mas tendo em vista o processo interno de sua gênese. Isso significa, em outros termos, considerar todas as combinações possíveis dos dois binômios subjetivo-objetivo e relativo-absoluto.

Feita essa nova APRESENTAÇÃO, fica bem claro em que consiste o dito ‘quarto estado’.

O estado subjetivo e absoluto corresponderia ao teologismo, incluindo mesmo aí o fetichismo, o estado objetivo e absoluto corresponderia à metafísica espiritualista, o estado objetivo e relativo, à metafísica materialista, e por fim o estado subjetivo e relativo, ao positivismo.”

26 setembro 2023

Sobre títulos e tratamentos

No dia 17 de Shakespeare de 169 (26.9.2023) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua "Oitava conferência", dedicada à filosofia das ciências superiores (Sociologia e, acima de tudo, Moral).

Em seguida, fizemos nosso sermão a respeito dos títulos e dos tratamentos pessoais.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/cLT8S) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/KTD6m). O sermão começa em 46' 47".

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Sobre títulos e tratamentos pessoais 

-        Em termos de relações pessoais e cívicas, a respeito dos pronomes de tratamento e do uso de títulos honoríficos, o Positivismo aplica alguns princípios muito claros e determinados e a regra é: não os usar

o   A base para tal procedimento é a fraternidade universal e a valorização do mérito individual, em um ambiente republicano

o   Em outras palavras, trata-se de realizar a sociocracia nas relações pessoais e cívicas

-        Em algum lugar – cito de memória, pois não consegui recuperar onde li essa bela passagem –, Augusto Comte observa que todos devemos tratar-nos por “senhor” (messieur, em francês), mas subentendendo nessa expressão o título de “cidadão” (citoyen, em francês)

o   A regra é usar “senhor” e também suas variações, como “senhora”, “senhorita”, “senhores” etc.

o   Adicionalmente ao uso de “senhor”, a prática positivista também indica a profissão de cada cidadão: “operário”, “professor”, “médico”, “apóstolo” etc.

-        Essas expressões (“senhor”, “cidadão”) têm uma vinculação inequívoca com a Revolução Francesa e com o seu duplo programa (a abolição da monarquia e do Antigo Regime; a constituição de novas sociedade e sociabilidade)

o   O emprego da expressão “senhor”, no século XIX, apesar de depurada pela Revolução Francesa, possuía ainda um certo elemento feudal, no sentido de que “messieur” referia-se antes aos nobres – daí a necessidade, de qualquer maneira justificada, de reforçar que o elemento “cidadão” deve estar subentendido

o   Na Revolução Francesa e no início da República no Brasil, era muito comum empregar-se o “cidadão” para referir-se aos vários indivíduos: “cidadão Teixeira Mendes”

-        Em todo caso, o que importa notar é que o emprego de “senhor” é uma forma respeitosa e simples de tratar os demais, sem reproduzir as fórmulas habituais: “vossa/sua excelência”, “vossa/sua alteza” etc. etc.

o   Evidentemente, ainda mais que os pronomes de tratamento, a regra sociocrática rejeita o uso dos títulos nobiliárquicos e das comendas: “barão”, “duque”, “marquês” etc.; “membro da ordem X”, “comendador da ordem Y” etc.

o   Isso estabelece uma grande proximidade – quase um igualitarismo – entre as pessoas, tanto afetiva quanto sociopolítica

§  Essa proximidade era uma realidade vivida na Igreja Positivista do Brasil, tanto na época de Miguel Lemos e Teixeira Mendes quanto depois (até os anos 1990)

-        A presente regra é uma orientação geral; mesmo Augusto Comte usava títulos honoríficos ao dirigir-se a outras pessoas, como a dois de seus executores testamenteiros, o espanhol Don José Flores e o alemão Barão Constant-Rebecque

o   É claro que, mesmo usando essas fórmulas tradicionais, Augusto Comte era muito comedido nesse emprego

o   Da mesma maneira, esse emprego de fórmulas tradicionais evidencia o uso de outra regra positivista: “inflexível quanto aos princípios, conciliante de fato”

-        O uso de outros pronomes de tratamento e de títulos honoríficos serve, tanto no Brasil quanto em outros países, para adular, dar carteirada e literalmente discriminar:

o   É extremamente comum vermos documentos oficiais dirigidos a “Sua Excelência o sr. prof. dr. Joãozinho da Silva”, com uma enorme profusão de títulos e pronomes de tratamentos

o   Essa profusão é particularmente notável nas áreas jurídicas, seja em escritórios de advocacia, seja na Ordem dos Advogados do Brasil, seja no Ministério Público, seja nos muitos tribunais

o   O Decreto n. 9.758/2019 estabeleceu que, no âmbito do poder Executivo federal (Art. 1º, § 2º), só se pode usar “senhor” (Art. 2º) – não por acaso, excetuando expressamente todo o pessoal jurídico (Art. 1º, § 3º, inc. II)

-        Uma observação pessoal: muitas pessoas tratam-me por “professor”

o   Embora, evidentemente, o uso de “professor” para dirigir-se a mim seja feito com total boa vontade, boa fé, respeito e reconhecimento de (alguma) capacidade, o fato é que essa palavra é problemática por pelo menos dois motivos:

§  Por um lado, ela não corresponde à minha profissão (eu sou servidor público, ocupando o cargo de sociólogo)

§  Por outro lado, em termos de atuação positivista, não apenas não corresponde à atuação como, pior, ela diminui: eu sou um apóstolo da Humanidade e um sacerdote

o   Vejamos cada um dos âmbitos de atuação:

§  O professor é alguém que domina um assunto e expõe para seus alunos; então, todo apóstolo e sacerdote tem que ser, necessariamente, um professor; mas um professor não é, necessariamente, nem apóstolo nem sacerdote

§  O apóstolo é quem se dedica à difusão sistemática de uma doutrina; sua preocupação é intelectual mas também, e acima de tudo, moral e social; então um apóstolo é um professor, mas cuja atuação é mais ampla

§  O sacerdote (que apresenta os três graus: noviciado, vicariado, sacerdote pleno) é quem divulga uma doutrina, interpreta-a nos diversos casos e atua como educador, conselheiro, avaliador e consagrador; assim, a função sacerdotal abrange necessariamente as atuações como professor e como apóstolo, mas é superior a elas

-        Uma última observação, que faço apenas para não deixar em silêncio o tema em uma prédica dedicada a tratamentos pessoais:

o   Pessoalmente, sou contrário à chamada “linguagem neutra”, que busca abolir a golpes de marretada os gêneros na língua portuguesa e impor um suposto “gênero neutro”, por meio do emprego da terminação “e” nos casos de palavras masculinas (e exclusivamente masculinas) e/ou pelo emprego de “x”, “@”, “#”[1] etc.

o   Sou contra o emprego desse linguajar porque ele é inócuo; porque desrespeita os falantes e os leitores da língua portuguesa; porque é radicalmente contrário ao caráter histórico (e sociológico) da língua; porque é a manifestação lingüística do ultraparticularismo político e moral do identitarismo



[1] Uma curiosidade: o símbolo # em português chama-se “cerquilha”.

15 agosto 2023

Orgulho no estudo do Positivismo

No dia 3 de Gutenberg de 169 (15.8.2023) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo Positivista (em sua oitava conferência, dedicada à filosofia das ciências superiores, isto é, da Sociologia e da Moral). 

Na seqüência, abordamos no sermão quatro temas:

1.      Transformação de José Murilo de Carvalho (13.8.2023)

2.      Dia dos Pais (13.8.2023)

3.      Festa da Mulher (15.8.2023)

4.      Orgulho no estudo do Positivismo

A prédica foi transmitida nos canais Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/eFhRL) e Positivismo (aqui: https://ury1.com/8hVNr). Devido a uma dificuldade técnica do Youtube, a transmissão do canal Positivismo iniciou-se com um atraso de cerca de sete minutos em relação ao canal Igreja Positivista Virtual.

Tomando como base a transmissão do canal Igreja Positivista Virtual (no Facebook), cada um dos temas do sermão começou nos seguintes tempos:

1.      Transformação de José Murilo de Carvalho: 54' 02"

2.      Dia dos Pais: 1h 06' 40"

3.      Festa da Mulher: 1h 14' 38"

4.      Orgulho no estudo do Positivismo: 1h 28' 01"


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1.      Transformação de José Murilo de Carvalho

a.       No dia 13 de agosto de 2023 transformou-se José Murilo de Carvalho, ou seja, ele faleceu. Nascido em 8 de setembro de 1939, foi um dos maiores cientistas políticos e historiadores do país. Embora fosse mineiro de nascimento e de formação acadêmica básica (estudou Sociologia e Ciência Política na UFMG), desenvolveu sua importante carreira intelectual no Rio de Janeiro, tendo sido professor da UFRJ, do Iuperj e também membro da Academia Brasileira de Letras.

b.      Em suas pesquisas ele abordou a consolidação do Estado brasileiro; a cidadania no país; a atuação política dos militares; o desenvolvimento dos símbolos cívicos nacionais republicanos. Com maiores ou menores limitações (especialmente em termos de opiniões políticas), todos esses estudos são referências absolutamente obrigatórias na reflexão histórica, sociológica e política do Brasil.

c.       Ao estudar em particular os símbolos cívicos republicanos – no livro A formação das almas – ele concedeu uma inequívoca importância à atuação dos positivistas, em particular ao Apostolado Positivista Brasileiro, na definição de símbolos decisivos: a bandeira, José Bonifácio, Tiradentes, o sistema de feriados nacionais.

d.      Suas opiniões políticas muitas vezes deixavam a desejar: era claramente simpático à monarquia (alguns dizem que ele era de fato monarquista) e, ao mesmo tempo, apoiava a metafísica democrática da revolução social. A respeito do Positivismo e da Religião da Humanidade, muitas de suas opiniões repetiam a superficialidade banalizante, a ironia e o desprezo academicista e cientificista tão comuns – embora, ao mesmo tempo, de maneira plenamente contraditória, elogiasse a importância dos símbolos cívicos elaborados e disseminados pelos positivistas e seu caráter cívico.

e.       No final da vida ele apoiou o esforço de nosso amigo e simpatizante do Positivismo Luiz Edmundo Horta Barbosa, ao integrar a Associação dos Amigos do Templo da Humanidade, criada para angariar apoio e recursos para a restauração da Igreja da Humanidade no Rio de Janeiro.

f.       Um pequeno artigo de sua autoria, publicado em 2005 na Revista de História da Biblioteca Nacional (ano 1, n. 1, p. 68-72) sob o sugestivo título de “A Humanidade como deusa”, tanto os seus defeitos quanto suas qualidades apresentam-se de maneira claríssima. Os últimos dois parágrafos do texto são um belo elogio ao Positivismo:

Um ponto em que nossos positivistas estavam, de fato, muito distantes da realidade brasileira era o da moral pública. Para eles, o interesse coletivo devia predominar sobre o individual. Todos, patrões e operários, eram funcionários da humanidade. Entendiam a república em seu sentido original, romano, de regime voltado para a realização do bem público. O cidadão republicano era, por definição, um cidadão virtuoso, dedicado à causa pública. Os chefes positivistas jamais aceitaram cargos públicos e não faziam qualquer concessão em matéria de moralidade pública. Repetiam a frase de José Bonifácio: “A sã política é filha da moral e da razão”. Os positivistas que ocuparam cargos públicos, como o Marechal Rondon, foram sempre funcionários exemplares, às vezes para desespero das famílias, que não podiam beneficiar-se da posição do chefe.

A nós que vivemos hoje, cem anos depois, numa República em que o público é alvo costumeiro da rapina de políticos, funcionários e empresários predadores, os positivistas parecem seres ainda mais estranhos, uns alienígenas, uns ETs.

 

2.      Dia dos Pais

a.       Em 1953, com base em motivos comerciais, criou-se no Brasil o “Dia dos Pais”, que cai sempre no segundo domingo de agosto. O objetivo foi ter uma data comercialmente relevante em agosto, em paralelo com o Dia das Mães e tentando também substituir o Dia de São Joaquim, pai da Virgem Maria. Neste ano de 2023, essa comemoração caiu no dia 13 de agosto.

                                                                          i.      Vale notar que as atuais celebrações do Dia das Mães começaram nos Estados Unidos, em 1908, e foram instituídas no Brasil por decreto presidencial em 1932.

b.      Apesar da origem comercial, o Dia dos Pais é, sim, uma data a ser celebrada; afinal de contas, a paternidade é uma das funções sociais.

                                                                          i.      Nesse sentido, ela é diretamente celebrada no culto público no terceiro mês do ano.

                                                                        ii.      A paternidade divide-se em completa (natural e artificial) e incompleta (espiritual e temporal). Assim, o pai não é somente aquele que biologicamente origina um novo ser humano – afinal, pode haver “pais adotivos”. Além disso, exercem funções paternas aqueles homens que apóiam jovens, seja na forma do aconselhamento, seja na forma do patrocínio.

                                                                      iii.      A relação de paternidade idealmente atua em conjunto com as relações de maternidade e de filiação: acima de tudo, o pai estabelece a figura de autoridade e, daí, a relação de subordinação, em que o pai desenvolve a bondade e o filho, a veneração. Essas relações evidenciam que a autoridade não é, nem pode ser, puramente material; em outras palavras, é necessário haver relações e limitações afetivas, de respeito mútuo e de aceitação das respectivas autonomias.

 

3.      Festa da Mulher

a.       A Religião da Humanidade celebra no dia 15 de agosto a Festa da Mulher.

                                                                          i.      Essa é uma celebração importante por diversos motivos:

1.      Seja devido ao tema da celebração – a mulher, a providência moral da Humanidade, a principal fonte contínua de moralidade e de altruísmo do ser humano

2.      Seja devido ao dia específico escolhido para essa data e ao procedimento moral e sociológico empregado para a definição da data

b.      Vale lembrar que o Positivismo celebra as mulheres também em outras datas:

                                                                          i.      Indiretamente, no 1º de janeiro, com a Festa Geral da Humanidade

                                                                        ii.      No dia 19 de janeiro, nascimento de Augusto Comte: festa de Rosália Boyer (mãe)

                                                                      iii.      No dia 5 de abril, transformação de Clotilde de Vaux (esposa)

                                                                      iv.      No dia 5 de setembro, transformação de Augusto Comte: festa de Sofia Bliaux (filha)

                                                                        v.      No décimo mês do calendário abstrato, em que se celebra a função social da Mulher, ou a providência moral

                                                                      vi.      No dia 8 de outubro, festa de Clotilde e Augusto Comte

                                                                    vii.      No dia bissexto (31 de dezembro dos anos bissextos): a Festa Geral das Mulheres Santas

c.       O motivo da escolha desse dia específico para a Festa da Mulher na Religião da Humanidade é que, no catolicismo, nessa data, celebra-se a assunção da Virgem Maria; em outras palavras, nesse dia o catolicismo diviniza a Virgem Maria, tornando-a plenamente objeto de culto e adoração.

                                                                          i.      A Virgem Maria, humana em sua origem e sua atuação na mitologia cristã, foi praticamente desprezada durante a primeira metade da Idade Média, quando vigeu a síntese eucarística

                                                                        ii.      Na segunda metade da Idade Média, com a atuação central de São Bernardo de Claraval, a síntese eucarística foi substituída pela síntese mariana, com o elemento plenamente sobrenatural substituído pelo elemento humano (e feminino) apenas acessoriamente sobrenatural

                                                                      iii.      Assim, o culto à Virgem Maria é um predecessor teológico, histórico e transitório do culto positivo e definitivo à Humanidade

d.      Como lembra Teixeira Mendes em O culto católico, ao adotar a data católica, a Religião da Humanidade segue o procedimento de todas as religiões temporárias, que se apropriaram de celebrações anteriores modificando seus conteúdos

                                                                          i.      Em outras palavras, com isso nós afirmamos a grande continuidade humana e constituímo-nos como herdeiros do conjunto da história: seja ao seguir um procedimento que todas as religiões seguiram, seja ao tornarmos nossa uma celebração anteriormente católica

                                                                        ii.      O culto à Humanidade é também um culto à mulher: daí a data de 15 de agosto para a Festa da Mulher

 

4.      O orgulho no estudo do Positivismo

a.       O título original deste comentário seria “A arrogância no estudo do Positivismo”; mas decidi alterar para “orgulho”, seja porque é menos agressivo, seja porque se refere mais diretamente a uma categoria plenamente positivista, seja porque “orgulho” apresenta uma ambigüidade que pode ser útil

b.      O orgulho é um dos instintos egoístas com caráter social, sendo a ambição temporal; ele é o penúltimo instinto egoísta, seguido pela ambição espiritual da vaidade

                                                                          i.      O orgulho define-se pelo impulso a dominar, isto é, a impor-se sobre os demais; assim, ele é importante para a dominação política

c.        Além desse sentido preciso, a palavra “orgulho” pode ser entendida também de duas outras formas:

                                                                          i.      Arrogância: é a auto-suficiência, a ignorância que não aceita submeter-se a nada, ou seja, é a combinação do impulso dominador com a ignorância

                                                                        ii.      Satisfação íntima: é um sentido um pouco distante dos dois anteriores (dominação e arrogância), em que a pessoa fica feliz por um determinado resultado ou por uma determinada situação obtidos por si mesmo ou por alguém próximo

d.      Mas o que queremos indicar é o orgulho no estudo do Positivismo, isto é, a arrogância de quem começa a estudar o Positivismo, a auto-suficiência de quem considera que, mesmo sendo ignorante, pode criticar o Positivismo (em seu conjunto e/ou em seus detalhes)

                                                                          i.      É algo notável e espantoso:

1.      Por um lado, qualquer pessoa, ao começar a estudar ou a aprender o que quer que seja, é obrigado a adotar uma postura humilde, com freqüência manifestando simpatia pelo que começa a conhecer: história, ciências, ofícios práticos, esportes, outras doutrinas filosóficas ou religiosas etc. etc.

2.      Por outro lado, o Positivismo – ou melhor, a Religião da Humanidade – afirma que a (digna) subordinação é a base do aperfeiçoamento, ou seja, que é necessário humildemente assumir a imperfeição e/ou a ignorância

                                                                        ii.      Todavia: no que se refere ao Positivismo, é bastante comum que a postura de quem se aproxima seja não de humildade, mas de arrogância, de auto-suficiência:

1.      Quem não conhece o Positivismo e não deseja conhecê-lo de verdade – por exemplo, quem faz trabalhos escolares (incluindo aí os “doutores”) – simplesmente repete os preconceitos correntes, marcados por mentiras, distorções e tolices retrógradas e revolucionárias

2.      Quem não conhece o Positivismo mas deseja conhecê-lo muitas vezes começa o estudo partindo do pressuposto – completamente arbitrário e preconceituoso – de que é necessário “atualizar o Positivismo” (e que essa pessoa será a pessoa adequada e responsável por essa “atualização”)

a.       A pretensão de saber previamente ao estudo que é necessário “atualizar o Positivismo” é uma forma extremamente agressiva e infantil de arrogância, em que a ignorância é afirmada pela pretensão de auto-suficiência

b.      Além disso, é evidente que, sendo ignorante, a auto-suficiência de tais arrogantes só pode basear-se em preconceitos (o mais das vezes metafísicos, mas também retrógrados)

                                                                      iii.      Em outras palavras, o Positivismo é objeto de um orgulho que não se vê em outras partes, muitas vezes mesmo a partir de pessoas que se dizem partidárias ou defensoras da Religião da Humanidade

e.       Caso o arrogante controle seu orgulho e persista nos estudos do Positivismo, aos poucos perceberá que ele é, ou era, de fato arrogante, orgulhoso; a submissão passará a atuar no lugar da auto-suficiência

                                                                          i.      Entretanto, até que o arrogante perceba com maior ou menor clareza que é de fato arrogante, haverá um custo para os positivistas sinceros

                                                                        ii.      Esse custo ocorrerá das mais diferentes formas, todas elas negativas: disputas; bate-bocas; cobranças exageradas e/ou infundadas; cansaço; exaustão; somatização

                                                                      iii.      Essa arrogância auto-suficiente, além de desperdiçar valiosos recursos humanos (tempo, paciência, boa vontade, saúde física e moral), também é o oposto dos objetivos maiores do Positivismo, que é a instituição de uma disciplina moral e intelectual, tanto individual quanto coletiva, em que o altruísmo e a preocupação com os demais subordinam, comprimem e orientam o egoísmo e as preocupações exclusivamente voltadas para si mesmo

1.      É necessário insistir: na verdade, a arrogância auto-suficiente é ainda pior do que parece à primeira vista, pois ela recusa inicialmente a condição fundamental para o aperfeiçoamento humano, que é a digna subordinação

f.       Além disso tudo, a arrogância auto-suficiente impõe um enorme dilema para a propaganda e o ensino do Positivismo: na medida em que há um possível aderente, que supostamente deseja conhecer e praticar a Religião da Humanidade mas que atua de maneira por vezes frontalmente contrária ao que supostamente deseja conhecer, os apóstolos vêem-se o tempo todo ante o drama de ter que optar entre persistir em um ensino muito desgastante e desistir de um possível verdadeiro aderente

g.       Estas anotações não se dirigem a ninguém em particular; por outro lado, elas baseiam-se na prática apostólica e sacerdotal que tanto eu quanto nosso amigo e correligionário Hernani vimos desenvolvendo nos últimos anos

                                                                          i.      O que eu chamei acima de “desperdício de valiosos recursos humanos” não é uma afirmação genérica e/ou meramente teórica; ela consiste na descrição literal de problemas que cada um de nós enfrenta em determinados momentos

                                                                        ii.      Há toda uma série de situações correntes de falhas ou limitações de comportamento – desconhecimento da doutrina, imperfeições de caráter, falhas na avaliação prática etc. – que, se e quando ocorrem com lealdade e com boa-fé, são por assim dizer aceitáveis, no sentido de que são passíveis de aconselhamento, recomendações, estímulos etc.

1.      Nesses casos, os esforços e os recursos despendidos pelos sacerdotes da Humanidade para sua solução (inclusive a respeito dos próprios sacerdotes) são recursos bem empregados

2.      Inversamente, no caso da arrogância, da auto-suficiência, o consumo dos recursos passa com facilidade e rapidez do bom emprego para o desperdício

h.      Se é para o Positivismo constituir-se de fato em uma Religião da Humanidade, em um poder espiritual, é necessário que possamos fazer, com legitimidade, sem acrimônia de parte a parte e sem reações adversas, uma exprobração como esta

                                                                          i.      Assim como eu, na condição de sacerdote da Humanidade, faço e tenho que constantemente fazer exame de consciência e exame de minhas condutas, para verificar a adequação de meus comportamentos em relação à Religião da Humanidade e em relação à eficiência de minhas prédicas e de meu apostolado; mais uma vez: assim como eu submeto-me a exames constantes de meu comportamento, é necessário que possamos exprobrar os aderentes a respeito de suas ações e cobrar-lhes uma adequação semelhante

                                                                        ii.      Essa exprobração é importante porque, como vimos indicando, esse problema é particularmente agudo e desgastante

i.        Para concluir e sintetizar esta exprobração, convém reforçarmos:

                                                                          i.      Em qualquer atividade e, no fundo, na vida em geral, só podemos obter conhecimento e aperfeiçoarmo-nos a partir de uma postura de humildade, ou seja, de digna submissão

                                                                        ii.      O Positivismo afirma com clareza que “a (digna) submissão é a base do aperfeiçoamento”

                                                                      iii.      Assim, tanto na vida em geral quanto em particular para conhecer o Positivismo é necessário desde o início ser positivista e praticar o Positivismo, adotando-se a postura de digna submissão