Augusto Comte, o fundador da Sociologia, do Positivismo e da Religião da Humanidade, incluiu Toussaint no Calendário Positivista concreto. Da mesma forma, os positivistas ortodoxos brasileiros incluíram Toussaint em sua campanha abolicionista desde 1875 e, após o 1888, também em suas celebrações anuais; na verdade, a memória de Toussaint foi mantida no Brasil graças aos positivistas.
Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
Mostrando postagens com marcador Abolição da escravidão. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Abolição da escravidão. Mostrar todas as postagens
15 agosto 2019
Abolição e política identitária na Ciência Hoje para Crianças
Nos últimos anos, a “discussão” sobre a abolição da
escravidão no Brasil tem tomado alguns rumos inesperados mas, ao mesmo tempo,
nefastos.
Antes de mais nada, é evidente (ou deveria ser
evidente) que a valorização dos movimentos negros (escravos, livres ou
libertos) na campanha pela abolição da escravidão é algo corretíssimo e tem que
ser valorizado; todavia, isso não pode, de maneira nenhuma, corresponder a
negar-se o papel desempenhado nessa campanha por outros brasileiros, que, na
falta de melhor expressão, chamaríamos de “brancos” (quer fossem populares, quer
fossem da elite, quer fossem de classe média).
O que importa notar, nesse sentido, é que a
campanha pela abolição foi um movimento verdadeiramente nacional, no duplo
sentido de que (1) ocorreu de Norte a Sul (e de Leste a Oeste) do país e,
principalmente, (2) mobilizou todas as
classes sociais, todos os grupos sociais. Nesse sentido, vale lembrar que a
lei da abolição, antes de ser sancionada pela Princesa Isabel, fora aprovada
pelo parlamento brasileiro: essa aprovação indica o quanto a sociedade como um
todo mobilizara-se previamente, forçando o parlamento a aceitar o projeto.
É fundamental insistirmos em que consiste em um
mito a idéia de que Princesa Isabel teria sido a “redentora”, isto é, de que a
abolição teria ocorrido graças à pura vontade unilateral da regente do Império
brasileiro. Aliás, esse mito foi criado já em 1888, para tentar valorizar a
monarquia decadente e também para tentar legitimar um eventual terceiro reinado
dos Órleans e Braganças, a ser assumido pelo casal composto pela Princesa
Isabel e seu marido, o francês Conde d’Eu.
Mas se é correto desmistificar a atuação “redentora”
da Princesa Isabel, assim como é importante valorizar a atuação dos movimentos
negros na campanha abolicionista, por outro lado é importante não negar a
atuação de toda a sociedade brasileira da época. Nesse sentido, por exemplo,
vale notar que partes do próprio “movimento negro” afirmaram desde 1888 elementos
do mito da “redentora”: afinal, após o 13 de maio constituiu-se sob o comando
de José do Patrocínio (um dos antigos campeões negros da causa abolicionista) a
“Guarda Negra”, que servia para defender a monarquia escravocrata contra a
república e os republicanos, sem temer o emprego de espancamentos, linchamentos
etc. Esse triste fato não costuma ser lembrado – mesmo nos dias de hoje! – nem
pelos reacionários que defendem a monarquia nem pelo movimento negro.
Há outro motivo, mais profundo, para preocupação com
os rumos atuais sobre os “debates” a respeito da campanha abolicionista:
trata-se de que muito da historiografia revisionista das últimas duas décadas
tem um fortíssimo caráter de política identitária. Ora, a política identitária
baseia-se nas “identidades de grupo”, isto é, naqueles elementos que cada grupo
social considera como exclusivos seus e que, portanto, separam esses grupos do conjunto da sociedade e dos demais grupos.
Referi-me a “muito da historiografia”, ou seja,
muitos historiadores, mas também muitos cientistas sociais atuais adotam esses
parâmetros identitários para fazerem suas análises, que se caracterizam cada
vez mais pela brutal dicotomia que separa de maneira seca e dura “brancos” de “negros”,
sem categorias intermediárias (os mulatos) mas com um fortíssimo elemento moral
(em que, evidentemente, os “brancos” por definição não prestam). (Esse procedimento
tem sido adotado por cientistas sociais independentemente da sua “raça”.)
Isso tem ocorrido graças à importação,
completamente acrítica e despudorada, feita pelo movimento negro brasileiro dos
esquemas mentais e sociais próprios ao racismo dos Estados Unidos e das
estratégias sociopolíticas adotadas pelo movimento negro estadunidense – com
todos os vícios que isso acarreta, em particular a reprodução ocorrida aqui do
racismo e do divisionismo existentes lá. Sinal simples e escandaloso disso é a
afirmação de que “miscigenação é genocídio” em faixas e cartazes que integrantes
do movimento negro brasileiro exibem com orgulho em manifestações públicas, ainda
que com isso apenas (e infelizmente) reproduzam aqui e a favor dos negros a nefanda
regra da “gota única de sangue” (“one
drop rule”), vigente nos EUA e que fundamenta sociologicamente o racismo
lá.
Não posso deixar de observar que, muito diferente
disso tudo, resultando em ações e práticas muito diversas, com efeitos sociais
e políticos amplos (também diversos), foi a atuação dos positivistas. Os
positivistas brasileiros celebravam no dia 13 de Maio a união da raças no
Brasil, com a colaboração de cada uma delas para o progresso nacional; aliás,
os positivistas brasileiros foram alguns dos mais ardorosos defensores da
abolição da escravidão imediata e sem compensação financeira para os donos de
escravos: aliás, nos grêmios positivistas, ser dono de escravo causava a
expulsão sumária. Não é por acaso que, entre 1890 e 1930, o 13 de Maio era
feriado nacional (e muita gente, mesmo nos dias de hoje, ainda se lembra disso): proposto pelos positivistas logo no início da República, esse
feriado celebrava a fraternidade nacional nos termos indicados acima – mas muito
diferentes da apologia reacionária que cultuava a “redentora” e também muito
diferente da política identitária, segregacionista e não raro racista do dia da
“consciência negra”.
Faço essas extensas considerações porque a revista Ciência Hoje para Crianças (CHC), em sua
edição n. 299, de maio de 2019, dedicou o número a tratar da abolição da
escravidão, dando ênfase aos negros envolvidos no movimento. Como observei
antes, essa ênfase é histórica e politicamente necessária, mas ela não pode conduzir
a negar o papel desempenhado pelo conjunto da sociedade brasileira – que,
aliás, atuou como um conjunto – nessa campanha. Em particular, nesse número da
CHC, a matéria “13 de Maio ainda seria data para celebrar?” (disponível aqui: http://chc.org.br/artigo/13-de-maio/) deixa entrever os problemas que comentei acima. É
bastante claro o quão problemático, quando não desastroso, que, em nome de uma
proposta bem intencionada, mas errada no final das contas, uma revista de
divulgação científica leve adiante a “correção política” (que é a tradução
correta do “politicamente correto”) e a política identitária sob a forma de
conteúdo “educativo” para crianças.
14 maio 2018
Ambigüidades brasileiras sobre o 13 de Maio
A comemoração do 13 de maio é algo bastante problemático no Brasil atual.
Muitos sociólogos e historiadores afirmam que o Brasil tem uma espécie de amnésia a respeito da escravidão; pode ser, mas com certeza temos uma profunda "má consciência" disso, isto é, é uma lembrança profundamente incômoda, desagradável; é uma chaga que nos persegue.
Essa "má consciência" pode ser entendida de duas formas: (1) ou uma tentativa de simplesmente apagar o passado e fingir que esse passado não ocorreu; (2) ou uma forma de impulsionar mudanças efetivas no presente, para o futuro, a fim de corrigir erros e problemas anteriores.
É claro que essas duas formas da "má consciência" não são necessariamente excludentes entre si, embora elas possam, de fato, separar-se.
Quando sociólogos e historiadores afirmam a "amnésia" a respeito da escravidão, eles insistem na primeira possibilidade, deixando implícita ou em segundo plano a segunda possibilidade.
Mas, ao mesmo tempo, como é sabido, o 13 de maio acarretou a libertação dos escravos, mas não a integração dos ex-escravos à sociedade em termos sociais e políticos; eles tornaram-se livres, mas não se tornaram cidadãos.
É claro que essa lacuna aumenta dramaticamente o peso que a escravidão tem sobre o Brasil e sobre a memória coletiva sobre ela.
Os positivistas brasileiros, desde 1881 (fundação da Igreja Positivista do Brasil), passando por 1888 (Abolição da Escravidão), mas ainda mais após 1889 (Proclamação da República), envidaram os maiores esforços para, inicialmente, acabar com a escravidão e, em seguida, incorporar os ex-escravos - aliás, de modo geral, todos os "excluídos" - à sociedade, como cidadãos respeitados, valorizados e produtivos. Sinal inequívoco disso foi o estabelecimento, em 1890, do dia 13 de maio como feriado dedicado à confraternização de todos os brasileiros.
Enfim, a ambigüidade brasileira a respeito do dia 13 de maio aumenta ainda mais quando se constata que os movimentos negros atuais criticam as limitações do 13 de maio - críticas que, nesse sentido, são corretas e mesmo necessárias - para realizarem de uma única vez inúmeras ações daninhas para o país: (1) negam a importância da abolição da escravidão; (2) afirmam o particularismo negro (por meio da "consciência negra"); (3) estimulam o racismo (seja por meio do "racismo reverso", isto é, dos "negros" contra os "brancos", seja por meio da separação da sociedade brasileira entre "negros" e "brancos") e (4) como suposta solução para esses problemas, afirmam a validade, a legitimidade e a eficácia do "racismo reverso" e dos privilégios baseados na raça (as "ações afirmativas", que institucionalizam o racismo de Estado).
Em suma, a comemoração do 13 de maio no Brasil é problemática porque ela recorda-nos de uma gigantesca nódoa em nossa história. O impulso geral básico no Brasil é por esquecermos essa nódoa, em vez de usarmos a vergonha do passado para melhorarmos o presente e o futuro; por fim, os ativistas sociais contemporâneos pretendem que o melhor curso de ação é aquele que, conscientemente, aumenta o racismo, em vez de diminuí-lo; que cria privilégios, em vez de aumentar a cidadania.
Marcadores:
13 de Maio,
Abolição da escravidão,
Cidadania,
Confraternização dos brasileiros,
Discriminação,
Inclusão,
Privilégios,
Racismo,
Racismo de Estado
12 junho 2017
"Teoria do Brasil" dos positivistas: composição étnica e unidade nacional
A revista Política & Sociedade - da Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - acabou de publicar, em seu número mais recente (v. 16, n. 35, jan.-abr.2017) um artigo de minha autoria, intitulado "A “Teoria do Brasil” dos Positivistas
Ortodoxos Brasileiros: composição
étnica e independência nacional".
O texto pode ser obtido aqui.
Eis o resumo e as palavras-chave do artigo:
Resumo: Podemos definir como “teoria do Brasil” o conjunto de concepções que um autor ou um grupo político-intelectual possui a respeito da história e da estrutura da sociedade e do Estado brasileiros, bem como de suas relações mútuas; essas concepções costumam ser incluídas no “pensamento político e social brasileiro”. Nesse sentido, os positivistas ortodoxos brasileiros – ou seja, aqueles ligados à Igreja Positivista do Brasil, especialmente Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes – tinham a sua “teoria do Brasil”. Embora haja estudos sobre alguns aspectos do pensamento e da prática dos positivistas (como a respeito da escravidão), há uma importante lacuna na literatura a respeito da sua “teoria do Brasil”. Dessa forma, o presente artigo pretende abordar precisamente essa questão, tratando de modo específico (1) da formação étnica brasileira e (2) das condições sociais e políticas brasileiras que conduziram à Independência nacional, em 1822; para isso, serão analisados alguns documentos escritos por Teixeira Mendes. Preliminarmente serão expostos alguns elementos da doutrina positivista, conforme definida por Augusto Comte; já nas conclusões são expostas algumas considerações sobre a importância política e intelectual dos positivistas no Brasil e na área acadêmica do “pensamento político brasileiro”.
Palavras-chave: Positivistas ortodoxos. Teoria do Brasil. Evolução sócio-política. Formação étnica. Independência do Brasil. Raimundo Teixeira Mendes.
O texto pode ser obtido aqui.
Eis o resumo e as palavras-chave do artigo:
Resumo: Podemos definir como “teoria do Brasil” o conjunto de concepções que um autor ou um grupo político-intelectual possui a respeito da história e da estrutura da sociedade e do Estado brasileiros, bem como de suas relações mútuas; essas concepções costumam ser incluídas no “pensamento político e social brasileiro”. Nesse sentido, os positivistas ortodoxos brasileiros – ou seja, aqueles ligados à Igreja Positivista do Brasil, especialmente Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes – tinham a sua “teoria do Brasil”. Embora haja estudos sobre alguns aspectos do pensamento e da prática dos positivistas (como a respeito da escravidão), há uma importante lacuna na literatura a respeito da sua “teoria do Brasil”. Dessa forma, o presente artigo pretende abordar precisamente essa questão, tratando de modo específico (1) da formação étnica brasileira e (2) das condições sociais e políticas brasileiras que conduziram à Independência nacional, em 1822; para isso, serão analisados alguns documentos escritos por Teixeira Mendes. Preliminarmente serão expostos alguns elementos da doutrina positivista, conforme definida por Augusto Comte; já nas conclusões são expostas algumas considerações sobre a importância política e intelectual dos positivistas no Brasil e na área acadêmica do “pensamento político brasileiro”.
Palavras-chave: Positivistas ortodoxos. Teoria do Brasil. Evolução sócio-política. Formação étnica. Independência do Brasil. Raimundo Teixeira Mendes.
07 setembro 2015
7 de setembro – Independência do Brasil e comemoração de José Bonifácio
7 de setembro – Independência do Brasil e comemoração de José Bonifácio
![]() |
Autoria do cartaz: João Carlos Silva Cardoso. |
Celebração do Brasil, comemoração de José Bonifácio
No dia 7 de setembro celebramos a Independência do Brasil,
no quase bicentenário ano de 1822, e, por isso mesmo, comemoramos a figura de
José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), o grande "Patriarca da
Independência".
Condições e exigências da política moderna
A política moderna baseia-se na existência de pátrias
livres; essas pátrias têm que ser menores do que costumam ser ainda hoje, mas,
de qualquer maneira, a liberdade é uma condição fundamental e insuperável.
O que significa essa "liberdade"? Significa a
possibilidade de decidir com autonomia os rumos a tomar, sem imposições
externas, e de acordo com os parâmetros específicos de cada país. Ao mesmo
tempo em que cada pátria deve poder decidir o que deseja fazer, sua conduta
deve caracterizar-se ao mesmo tempo pelo respeito a todas as outras nações, no
que se refere à sua dignidade e às suas condições de existência, e ao desenvolvimento
de ações pacíficas e coordenadas com vistas à melhoria material e moral de
todas.
Em outras palavras, a política moderna não pode ser definida
pela "soberania", isto é, pela consideração de que cada país é o juiz
único e último de suas ações, em desrespeito e desconsideração aos demais
países. A dificuldade está em que a necessária interdependência política,
material e moral não pode ser entendida e usada como desculpa para intromissões
e invasões de uns países sobre os outros.
Em termos internos, cada país deve buscar a integração
social, a redução e o fim da miséria, o combate e o fim das discriminações
sociais, o desenvolvimento técnico, científico e moral etc. No caso do Brasil
do início do século XIX, José Bonifácio tinha clareza desses objetivos e dessas
condições e foi por isso que tratou de organizar as condições propícias para a
independência do Brasil – e que, sendo a eminência parda por detrás do então
Príncipe Regente, obteve de fato a independência nacional no 7 de setembro de 1822.
Propostas de José Bonifácio
É importantíssimo lembrar que José Bonifácio tinha clareza a
respeito dos problemas e das condições brasileiras de então. Para ele, cumpria
integrar o imenso território nacional, assim como permitir e realizar a
integração dos três grandes elementos étnicos, o português, o africano e o
indígena. Mas, ao mesmo tempo, percebendo que o país tinha sua economia baseada
na escravidão, em um regime que não tinha perspectivas para desaparecer,
entendeu que só seria possível manter o Brasil unido por meio da monarquia:
afinal de contas, para ele, a escravidão era inimiga da República.
Essas propostas foram expostas com grande beleza pelo pintor
Eduardo de Sá, na tela "José Bonifácio, a fundação da pátria
brasileira".
![]() |
Eduardo de Sá, "José Bonifácio, a fundação da pátria brasileira". |
Os desfiles militares não representam a República
Nesse sentido, nem a proposta cívica de José Bonifácio nem o
caráter pacífico-industrial da política moderna aceitam as demonstrações usuais
de "civismo": desde pelo menos o século XIX – portanto bem antes do
regime inaugurado em 1964 –, as comemorações do 7 de setembro resumem-se a paradas
militares. Os desfiles de pelotões, tanques e armamentos acabam concentrando
nas Forças Armadas as idéias de "civismo" e "patriotismo" e
desvirtuando a convergência pacífica dos cidadãos em prol do bem comum – que é
o fundamento e o objetivo da política republicana.
O 7 de setembro deve resumir-se em "A sã política é filha da moral e da razão"
A sabedoria política de José Bonifácio pode ser avaliada por
esta frase, que resume de maneira brilhante o programa da política moderna:
"A sã política é filha da moral e da razão". É devido a concepções
como essas que, juntamente com a Independência do Brasil, no dia 7 de setembro
comemoramos também a imponente figura do grande santista que foi José
Bonifácio.
13 maio 2015
13 de maio - fraternidade dos brasileiros
O dia 13 de maio é celebrado no Brasil como o da abolição da
escravidão. Por si só, sem dúvida alguma, isso deve ser celebrado e valorizado,
pois foi o momento em que no país finalmente se encerraram séculos da exploração
mais vil de seres humanos por outros seres humanos, em que uns eram propriedade
de outros. A escravidão no Brasil deu-se inicialmente contra os indígenas
autóctones e, depois, contra os africanos, que se tornaram imigrantes forçados.
Por outro lado, como também sabemos, a escravidão gerou
efeitos persistentes na sociedade brasileira, de que o racismo contra os negros
e a exclusão das populações descendentes dos antigos escravos são dois dos mais
graves. Isso se deve à própria escravidão mas, também, ao fato de que a sua
abolição, em 1888, não foi seguida por medidas públicas e privadas no sentido
de integrar os antigos escravos à sociedade nacional, com ensino público,
frentes de trabalho em condições dignas, moradias populares etc.
Ainda assim, é importante notar que a campanha abolicionista
desenvolveu-se ao longo da década de 1880 e envolveu os mais variados setores
da população brasileira, incluindo as elites, setores populares, ex-escravos,
membros da “nobreza” nacional.
Entre todos esses grupos, os positivistas tiveram papel destacado,
seguindo nesse sentido as orientações de Augusto Comte – fosse como favoráveis
à abolição imediata sem reparação para os donos de escravos, fosse como
favoráveis à incorporação social dos antigos escravos, fosse como cidadãos que
não admitiam entre suas fileiras donos de escravos: por exemplo, Miguel Lemos e
Teixeira Mendes, diretores da Igreja Positivista do Brasil, expulsaram de seu
grêmio donos de escravos que se recusavam a alforriar seus cativos.
Da mesma forma, o Positivismo celebra a independência do Haiti, na figura do "general de ébano", Toussaint de L'Ouverture.
Da mesma forma, o Positivismo celebra a independência do Haiti, na figura do "general de ébano", Toussaint de L'Ouverture.
Além disso, o também positivista Benjamin Constant Botelho
de Magalhães[1]
e Deodoro da Fonseca, respectivamente na qualidade de vice-Presidente e
Presidente do Clube Militar, recusaram em 1887, em nome da tropa, a usar o
Exército a perseguir os escravos fugitivos.
Em outras palavras, é indiscutível que a abolição por si só
foi um passo importantíssimo para o Brasil – mas, ainda assim, foi um passo
insuficiente, pois não foi seguido das necessárias medidas de valorização e de
integração social.
É exatamente como um esforço em favor da integração social
dos descendentes dos antigos escravos que os positivistas propuseram desde o
início da República a comemoração do dia 13 de maio. Na verdade, os positivistas
propuseram essa data como celebrando a integração não apenas dos negros, mas de
todos os elementos sociais e culturais da sociedade brasileira. Nessa utopia, não se contrapõem os "negros" contra os "brancos", mas eles unem-se e fundem-se, a fim de melhorar o Brasil, cada qual com suas características.
Assim, não deixa de ser motivo de profundo lamento que o dia
13 de maio não seja mais feriado nacional: essa perda de status dessa data
indica o quanto a integração e o universalismo não são mais valores nacionais,
cada vez mais substituídos pelos vários particularismos.
É claro que não
precisamos concordar com tais particularismos: é por isso que celebramos o
projeto de um país que respeite e valorize toda a sua população, com suas
particularidades entendidas como traços enriquecedores do patrimônio comum e
não como motivos para segregacionismos.
![]() |
Cartaz gentilmente criado pelo amigo João Carlos Silva Cardoso. |
[1]
Que, alguns anos depois, foi o fundador da República Brasileira, no glorioso
movimento de 15 de novembro de 1889.
Assinar:
Postagens (Atom)