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30 dezembro 2025

Charles Jundzill: "A Augusto Comte"

A ode abaixo é possivelmente o primeiro poema que foi dedicado a Augusto Comte, em reconhecimento a sua obra. A autoria é de Charles Jundzill (1826-1855), que a compôs em 1852; ela foi encartada por Augusto Comte no "prefácio" do v. I da Síntese subjetiva (1856, p. L-LIII).

A presente tradução é de R. Teixeira Mendes e foi publicada no opúsculo n. 134 do catálogo da Igreja Positivista do Brasil (19 de Moisés de 113 – 19 de janeiro de 1901).


*   *   *


A AUGUSTO COMTE

Esboço poético sobre o fundador do Positivismo

 

Quando em toda parte o solo

Sob os destroços se abala;

Quando o céu, de pólo a pólo,

Para que todo estala,

Nosso ânimo assombrado

Repousa o olhar desvairado

Nesse mundo a se arruir!

Buscando nesse naufrágio

O esperançoso presságio

Da salvação do Porvir.

 

Nosso séc’lo em desvario

Assim corria aos azares,

Qual se vê frágil navio

Entregue à fúria dos mares!

Saído da luta rude,

Que ameaçava a virtude,

Toda crença devorando,

Seu último íd’lo partido,

No vago desconhecido

Sem norte se ia engolfando.

 

Mas já por entre a ruína

Um novo símb’lo fulgura!

Grata luz nos ilumina

Que o mais belo dia augura!

Terrores de nossa idade,

Sumi-vos! Que a Humanidade

Jamais pode sucumbir!

Em vão se a crê que esvaece!

Engano! Rejuvenesce

Para um glorioso porvir...

 

A ti, Comte, a glória eterna

De, vencendo atrás torturas,

Achar a fonte superna

Da fé das eras futuras!

Debalde o Mundo em delírio,

Nas vascas do cru martírio,

Do erro a voz escutava;

Já teu gênio penetrante

De uma harmonia constante

As firmes leis formulava.

 

Enquanto a dúvida esgota

A seiva das velhas crenças,

Do tempo inquirindo a rota

As mutações lhe condensas:

E na onda movediça

Da evolução quebradiça

Das priscas opiniões,

Teu sublime engenho integra

Os elementos e a regra

Das modernas construções.

 

A ciência fica senhora

Quando a fé por fim naufraga.

Cada vez mais a vigora

Lei fatal que tudo esmaga.

Fornece ela o chão propício,

Alicerce do edifício

Da verdadeira união;

Teu labor por ela enceta,

E dela por ti completa

Tiraste a religião.

 

Do Mundo o extremo recesso

Sua luz já penetrara:

E da vida em seu progresso

A fértil lei desvendara;

Mas no ínclito sistema

Falta a ciência suprema

Que a meta final assina:

Revinha a questão urgente

Com que sempre a nossa mente

A Humanidade domina.

 

Dessa existência sem par

Restava ler os arcanos:

A marcha eterna apanhar

De seus passos soberanos!

Restava, e foi tua glória,

Traçar o plano da história

Que enfim nos fez descobrir

Como, nas eras correndo,

Qual da fonte um rio nascendo

Sai do Passado o Porvir.

 

Destarte finda, a ciência

As razões de tudo alcança;

Nessa base a inteligência

Os seus esforços descansa.

Desde então se mostra o mundo,

No seu concerto profundo,

A nossos livres olhares,

Como vasta economia,

Sujeita a certa harmonia

Sem caprichosos azares.

 

A Humanidade resume

As nossas cogitações;

A Ela sobe o perfume

Das mais santas afeições;

Foi Ela o ideal propício

Que pressentira o início

Dos povos na infância terna;

A Ela o homem se prostra,

E seu reino o fim só mostra

Da tempestade moderna.

 

Tal era o problema ingente

A que só teu gênio iguala!

O teu supremo ascendente

Toda dádiva avassala!

Que o vulto de nossas eras

Correndo após vãs quimeras

Os teus louvores postergue!

O Porvir, cujo mistério

Desvendaste, infindo império

Por entre bênçãos te ergue!