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14 dezembro 2010

Em favor da campanha da ATEA










Considerando a virtual censura sofrida pela associação ATEA, manifesto aqui meu apoio à associação, reproduzindo os cartazes cuja divulgação foi obstada pela pusilanimidade das empresas de propaganda.

Convém notar, por outro lado, que essas empresas não hesitam em propagandear qualquer outra imbecilidade, mesmo as mais fúteis, chocantes ou perniciosas, em nome da "modernidade" ou das "leis do mercado", se não tiverem que fazer minimamente frente ao obscurantismo promovido pelas igrejas teológicas do país. Aliás, não se trata apenas de obscurantismo teológico: é também a hipocrisia cínica dos donos dessas empresas.

Conferir as reportagens abaixo:



04 fevereiro 2009

A soberba de Cláudio Lembo

Recentemente o ex-Governador de São Paulo, Cláudio Lembo, publicou um artigo no portal Terra (ver aqui) acusando quem não crê em deus de ser anti-ético e antissocial. Uma afirmação dessas é terrível, é detestável e não pode passar incólume. Assim, enviei ao ex-Governador a carta abaixo.

* * *

Prezado Professor Lembo:


Li em um artigo publicado no portal Terra que, para o senhor, a recente campanha atéia é uma "explosão de soberba"; além disso, atribui aos "ateus" e "agnósticos" a atual crise financeira mundial.


Suas opiniões são fantasticamente imaginativas.


Para começar, repete o bordão de que é necessário acreditar em divindades para ser ético e ter um comportamento moralmente orientado e aceitável. Isso é mentira e é um duplo erro: seja porque atribui à crença em deus o comportamente ético, seja porque atribui à descrença em deus o comportamento anti-ético. Senão, vejamos.


Os maiores fascínoras do mundo eram TODOS crentes ou saídos de seminários, estando à frente, é claro, a trinca Stálin, Hitler e Mussolini - mas não nos esqueçamos de todos os criminosos comuns de todos os países do mundo, que aparecem na televisão e nos jornais rezando e pedindo clemência a deus; também não se esqueça dos criminosos políticos e de colarinho branco, que fazem as mesmas coisas. Também não nos esqueçamos dos criminosos políticos brasileiros, a começar pelos militares que torturaram e mataram (aliás: durante os seus mandatos parlamentares e executivos): todos eles formados nas tradições dos anos 1920 e 1930, todos eles bons devotos.


Por outro lado, grandes beneméritos da Humanidade são ateus, agnósticos ou humanistas. Fiquemos apenas no Brasil: Benjamin Constant e Rondon (para citar dois que já morreram e cujos valores ninguém - nem o senhor - discutem) e Dráuzio Varela. Mas também o Gal. Pery Bevilácqua que, sem acreditar em deus, combateu o despotismo do regime de 1964 no Supremo Tribunal Militar.


Se o senhor parasse para refletir e deixasse seus preconceitos cristãos de lado, perceberia que é exatamente a crença em deus que permite que os crentes ajam de maneira anti-ética, imoral e completamente antissocial: afinal de contas, prestam contas a uma "autoridade maior". A preocupação com esta vida e o respeito ao ser humano é o que leva os descrentes no deus a adotarem um comportamento ético e respeitoso aos seus semelhantes: afinal de contas, vivem em sociedade, vivem apenas nesta vida e têm responsabilidades afetivas, práticas, intelectuais e - por que não? - jurídicas com os seres humanos.


Dessa forma, o senhor consegue a proeza de repetir o sofisma segundo o qual "acreditar em algo" é sinônimo de "acreditar em deus". Eu não acredito em deus: isso equivale a não acreditar em nada? Eu acredito no ser humano, eu acredito que há leis naturais no mundo, eu acredito que estou vivo, eu acredito (por mais difícil que seja) que o senhor falou as bobagens acima e, por fim, eu acredito que as idéias que o senhor expôs são todas elas preconceituosas, mistificadoras e intolerantes.


Mas o senhor também afirma que a atual crise econômico-financeira é devida à "falta de valores" dos "ateus". Pois bem: se não se baseasse em preconceitos e parasse para pensar e observar o que de fato ocorre à sua volta, perceberia que a crise surgiu nos Estados Unidos, onde a população é fortemente cristã e, de qualquer forma, crente em deus; exatamente porque crêem em deus é que se sentem autorizados a agirem de maneira irresponsável. Duvida disso? Pois bem: faça uma pesquisa sobre crenças religiosas nos Estados Unidos. Ah, lembrei: ela já existe e, não sendo apenas uma mas várias, comprovam elas o que disse.


Além disso, as crenças nos deuses não garantem um comportamento ético por si: o crente, quando é "ético", de modo geral não o é porque entende a importância e os próprios conceitos de "ética" e de "moralidade". Os crentes são "éticos" porque, literalmente, têm medo do inferno: basta o senhor sair às ruas de São Paulo para ver as pichações nos muros; ou, talvez, vá ao Rio de Janeiro ler esse "raciocínio" exposto em quantidade assustadoramente maior. Ou, ainda, fique insone uma noite e assista à programação dos pequenos canais abertos da televisão.


É necessário também corrigir uma imprecisão conceitual: o agnosticismo não é um ficar em cima do muro, uma indecisão sobre a existência ou não do deus por debilidade de caráter; é uma tomada firme de posição no mundo e a favor do ser humano, em que o problema de deus é deixado de lado como insolúvel e inútil. Mas o senhor deve saber disso: para o senhor, é melhor o ateísmo, que põe em questão o seu deus, que o agnosticismo, que simplesmente o deixa de lado.


Last but not the least, é importante notar que o senhor, sendo fiel ao seu pensamento e crente em deus, é profundamente intolerante com aqueles que não acreditam naquilo em que o senhor acredita. Mas isso não lhe faz diferença, não é mesmo? Afinal de contas, o senhor responde a uma autoridade maior, não se importando com os seres humanos.


Humanamente,


Gustavo Biscaia de Lacerda

Sociólogo e Cientista Político