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30 julho 2024

"Positivistas exaltam nome do Patriarca da Independência"

No recorte abaixo noticia-se a celebração de José Bonifácio, o Patriarca da Independência, na Igreja Positivista do Brasil.

Infelizmente, não há indicação nem de data nem do jornal que publicou a matéria; supomos apenas que foi antes de 1982, ano da tranformação de Paulo Carneiro, que é citado como tendo comparecido ao evento.

Em todo caso, é tanto uma bela matéria quanto uma bela celebração.





06 setembro 2023

Celebração de Sofia Bliaux; celebração de José Bonifácio

No dia 24 de Gutenberg de 169 (5.9.2023) realizamos nossa prédica positiva, em que demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista; em particular, prosseguimos a "Oitava conferência", dedicada à filosofia das ciências superiores (as chamadas "ciências humanas", isto é, a Sociologia e a Moral).

Na parte do sermão comemoramos o aniversário da transformação de Augusto Comte (ocorrido justamente no dia 5 de setembro) e a Independência do Brasil (no dia 7 de setembro). Para isso, celebramos respectivamente as memórias de Sofia Bliaux e de José Bonifácio.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/hJvkX) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/lyjK3). A celebração de Sofia Bliaxu pode ser vista a partir de 43' 50"; a celebração de José Bonifácio pode ser vista a partir de 1h 20' 16".

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Transformação de Augusto Comte, celebração de Sofia Bliaux[1] 

-        O dia 24 de Gutenberg (5 de setembro) é a data em que ocorreu a desastrosa transformação de Augusto Comte, há 166 anos

o   A transformação de Augusto Comte foi “desastrosa” porque tirou da vida objetiva o fundador do Positivismo, que, embora já tivesse escrito o principal de sua obra, tinha ainda previstos muitos livros que desenvolveriam aspectos importantes da Religião da Humanidade

o   Mas como sabemos, embora triste por si só, a transformação encerra a vida objetiva útil e inicia plenamente a vida subjetiva de todos nós

§  O nascimento deve ser sempre valorizado, mas é na transformação que podemos avaliar a atividade realmente desenvolvida pelos indivíduos e, daí, podemos avaliar se foram altruístas ou egoístas, construtivos ou destruidores etc.

§  Em outras palavras, enquanto o nascimento constitui apenas uma promessa – certamente, sempre uma bela e fundamental promessa, mas, ainda assim, apenas uma promessa –, é na transformação que avaliamos a vida e, portanto, que celebramos efetivamente a vida de cada um

o   Assim, a data da transformação é realmente para ser celebrada

-        Ao mesmo tempo, é a data da celebração de Sofia Bliaux

o   No calendário da Igreja Positivista do Brasil, no dia 19.1 celebramos o nascimento de Augusto Comte e a memória de sua mãe, Rosália Boyer; no dia 8.10, celebramos a festa de Comte e Clotilde

o   Assim, considerando a importância de Sofia para a vida de Augusto Comte e também a instituição dos seus “três anjos”, no dia 5.9 celebramos Sofia

-        Sofia Bliaux nasceu em 18.9.1804, na pequena comuna de Oissy, no Somme (Norte da França)

§  Assim, ela era seis anos mais nova que Augusto Comte e 11 anos mais velha que Clotilde

o   Quando criança mudou-se com os pais para Paris, onde levava uma vida pobre, tendo que trabalhar desde cedo, sempre com humildade e devotamento

o   A obediência e o devotamento aos patrões era tanta que solicitou aos patrões a permissão para casar-se (no que foi atendida); seu marido, Martinho Thomas, era entregador de uma farmácia próxima à rua Monsieur-le-Prince; foi usando esse serviço (para receber poções e cremes de beleza) que Carolina Massin travou contato com Martinho Thomas e, a partir disso, soube das dificuldades crescentes de Sofia, que cuidava sozinha de uma casa grande com crianças que cresciam

o   Após muitas insistências de Carolina Massin, Sofia afinal passou ao serviço de Augusto Comte em 1841 (um ano antes de Carolina abandonar definitivamente o lar conjugal); na verdade, na época Sofia entrou ao serviço de Carolina e não propriamente ao de nosso mestre

o   Logo Sofia percebeu, por um lado, que Carolina era uma péssima esposa e que não dava paz de espírito a nosso mestre; por outro lado, ela percebeu que Augusto Comte era uma pessoa simples, de existência modesta, mas cuja atividade era intensa e que era inteiramente dedicada à renovação moral, intelectual e social e que, por isso, precisava de apoio material

§  A partir disso, a partir de uma humildade simples, confrontando a grandeza moral de Augusto Comte com sua própria existência modesta, ela entendeu que poderia e deveria dedicar-se a auxiliá-lo o máximo que pudesse

o   Em 1842, quando Carolina Massin abandonou o lar pela última vez, Sofia permaneceu na rua Monsieur-le-Prince; mas, devido à vinculação inicial de Sofia com Carolina Massin, e devido à péssima experiência que tivera com sua ex-esposa, Augusto Comte desconfiava profundamente dela

§  Apenas com o passar do tempo, e considerando as simpatias de Comte para com os proletários, Augusto Comte foi reconhecendo a sinceridade da devoção de Sofia e tornando-a, bem como ao seu marido, uma companheira habitual em seu lar

o   Quando o amor de Comte por Clotilde irrompeu, logo Sofia percebeu a importância disso para o filósofo e com freqüência atuava como mensageira entre ambos; depois também se tornou confidente de Clotilde

o   Devido à sua triste história, a saúde de Clotilde era frágil; em suas últimas semanas (março de 1846), Sofia foi enfermeira, cuidadora e verdadeira irmã de Clotilde, tendo pernoitado 18 dias na casa de Clotilde, até seu falecimento

§  Após a morte de Clotilde, Sofia reconfortou Augusto Comte e mesmo o afastou de pensamentos de suicídio

o   Em virtude da perseguição acadêmica que Augusto Comte sofria, em 1847 e, ainda mais, em 1848 ele perdeu seus modestos empregos acadêmicos; nesses dois anos, em 1847 e, depois, em 1848, Sofia e seu marido ofereceram suas economias para auxiliar Augusto Comte em suas despesas (que, em sua parte mais importante, eram destinadas à pensão de sua ex-esposa); o primeiro oferecimento foi recusado, mas o segundo nosso mestre viu-se obrigado a aceitar

o   Observa José Longchampt (p. 85) que Sofia converteu-se à Religião da Humanidade: “Foi por estas conversações diárias que Augusto Comte realizou, na única mulher que dele se aproximava, a primeira conversão à Religião da Humanidade”.   

o   Reconhecendo os sacrifícios feitos por Sofia ao longo dos anos, não apenas em termos de salário e de alimentação, mas também em termos de convívio com sua família, em 1848 Augusto Comte convidou Martinho Thomas que fosse morar em seu apartamento com Sofia e seu filho, o que o casal aceitou

§  Esse reconhecimento foi devido não apenas ao devotamento do casal, mas também devido à valorização da domesticidade e mesmo do casamento

§  Dando continuidade à afirmação da domesticidade em sua própria vida, Augusto Comte proclamou Sofia como sua filha em 18.7.1850, na cerimônia de casamento do dr. Segond

§  Mais tarde, a valorização de Sofia atingiu seu máximo com a consagração de ser indicada como um dos seus “três anjos”

o   Após a morte de nosso mestre, Sofia recebeu de Augusto Comte um retrato de Clotilde, bem como lhe foi destinado uma pensão até sua morte, sob responsabilidade dos executores testamenteiros, e o direito de residir no apartamento da rua Monsieur-le-Prince

o   Ela morreu em 5.12.1861; conforme solicitação explícita de nosso mestre em seu Testamento, ela foi enterrada juntamente com Augusto Comte, no “cemitério do Leste” (o Père Lachaise)

§  Em 28.3.1867 Martinho Thomas faleceu; seu filho, Paul Thomas, ficou sob a responsabilidade de José Longchampt e tornou-se também positivista

 

*          *          *

 

Independência do Brasil, celebração de José Bonifácio 

-        Esta exposição baseia-se em importante medida em uma postagem feita em 7.9.2015, chamada justamente “7 de setembro – Independência do Brasil e comemoração de José Bonifácio

o   Além disso, usamos aqui como referência as publicações do Apostolado Positivista do Brasil (como o opúsculo A pátria brasileira, de 1881, e a bela biografia de Benjamin Constant, escrita por Teixeira Mendes em 1891) e o livro de David Carneiro, A vida gloriosa de José Bonifácio de Andrada e Silva e sua atuação na Independência do Brasil (de 1977)

-        O Positivismo celebra a Independência do Brasil e a memória de José Bonifácio porque o Brasil é uma pátria e, portanto, uma das associações humanas fundamentais

o   Como sabemos, os três níveis normais de associações humanas são: a família (baseada nos sentimentos), a pátria (baseada na atividade prática) e a Humanidade (baseada na inteligência)

-        Ao celebrar cada pátria, o Positivismo constitui-se como uma religião cívica

o   Para entendermos o que isso quer dizer, e embora o Positivismo, como regra geral, rejeite as distinções sutis, temos que estabelecer a diferença entre “religião cívica” e “religião civil

o   Essa diferença espelha a diferença entre a teoria política absoluta (teológico-metafísica) e a teoria política relativa (positiva), especialmente no que se refere à divisão entre teoria e prática, ou, o que equivale em termos políticos, a divisão entre a igreja e o Estado

o   A religião cívica celebra valores cívicos, mas faz questão de não se impor sobre os cidadãos nem de usar o apoio estatal para sua difusão: por definição, é a Religião da Humanidade

§  Vale lembrar que o Positivismo, como religião cívica, tem clareza de que as pátrias na sociedade normal serão denominadas de “mátrias”, organizadas em regimes sociocráticos e que isso implica, desde já (na verdade, desde o começo do século XIX), que todas as mátrias baseiem-se na fraternidade e na paz universal e, portanto, também na rejeição da violência, da guerra e do militarismo (e do nacionalismo imperialista e/ou xenofóbico)

o   A religião civil é a religião imposta pelo Estado (ou seja, é obrigatória) e que tem a sua igreja sustentada pelo Estado: são as religiões teológicas e é a proposta da democracia de Rousseau

§  Rousseau, em sua proposta democrática, afirmava com todas as letras que o Estado tem que ter religião oficial, imposta a todos os cidadãos; inversamente, os cidadãos que rejeitassem essa religião oficial seriam presos ou, no limite, expulsos do país

-        No dia 7 de setembro celebramos a Independência do Brasil e, por isso mesmo, comemoramos a figura de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), o grande “Patriarca da Independência”

-        Para realizarmos essa celebração, temos antes que lembrar, ou afirmar, as condições e as exigências da política moderna

o   A política moderna baseia-se na existência de pátrias livres; essas pátrias têm que ser menores do que costumam ser ainda hoje, mas, de qualquer maneira, a liberdade é uma condição fundamental e insuperável

o   O que significa essa “liberdade”?

§  Significa a possibilidade de decidir com autonomia os rumos a tomar, sem imposições externas e de acordo com os parâmetros específicos de cada país

§  Assim, ao mesmo tempo em que cada pátria deve poder decidir o que deseja fazer, sua conduta deve caracterizar-se pelo respeito a todas as outras nações, no que se refere à sua dignidade e às suas condições de existência, e ao desenvolvimento de ações pacíficas e coordenadas com vistas à melhoria material e moral de todas.

o   Em outras palavras, a política moderna não pode ser definida pela “soberania”, entendendo-se a soberania como a consideração de que cada país é o juiz único e último de suas ações, em desrespeito e desconsideração aos demais países

o   Ao mesmo tempo, a necessária interdependência política, material e moral não pode ser entendida e usada como desculpa para intromissões e invasões de uns países sobre os outros.

o   Em termos internos, cada país deve buscar a integração social, a redução e o fim da miséria, o combate e o fim das discriminações sociais, o desenvolvimento técnico, científico e moral etc.

o   No caso do Brasil do início do século XIX, José Bonifácio tinha clareza desses objetivos e dessas condições; foi por isso que tratou de organizar as condições propícias para a independência do Brasil – e que, sendo a eminência parda por detrás do então Príncipe Regente, obteve de fato a independência nacional no 7 de setembro de 1822.

-        Ao falarmos da Independência do Brasil, celebramos José Bonifácio: mas por que ele?

o   O príncipe regente Pedro de Alcântara – depois chamado no Brasil de “(dom) Pedro I” –, embora tenha sido necessariamente o executor concreto da independência, não era uma pessoa preparada politicamente em termos intelectuais, morais e práticos

§  Apesar disso, considerando a situação política, social e institucional do Brasil na época, somente d. Pedro poderia realizar o “grito do Ipiranga”

§  Evidentemente, a falta geral de condições morais, intelectuais e práticas de Pedro de Alcântara não significava que ele não tivesse sentimentos de simpatia pela população brasileira, que não tivesse preconceitos de casta, que soubesse reconhecer o valor da pessoa e dos conselhos de José Bonifácio

o   Por outro lado, quem tinha o preparo e a estatura moral, intelectual e prática era o conselheiro de Pedro de Alcântara, José Bonifácio

§  José Bonifácio, além de ser um homem com a preparação própria e a atividade prática do Iluminismo, tinha o enorme fator de ser brasileiro

§  A primeira carreira de José Bonifácio desenvolveu-se totalmente na Europa, com suas longas viagens de estudos e de pesquisas (em que se revelou um grande pesquisador) e, depois, com sua atuação na burocracia pública portuguesa (em que ocupou simultaneamente inúmeros cargos importantes)

§  A atuação propriamente política de José Bonifácio ocorreu quando ele já era idoso (com cerca de 60 anos de idade) e voltara ao Brasil buscando aproveitar sua aposentadoria

-        A independência do Brasil era uma necessidade na época e, de qualquer maneira, seria uma necessidade política do país

o   Na época era uma necessidade porque, com o término das Guerras Napoleônicas, a permanência da monarquia no Brasil não tinha mais sua justificativa inicial (evitar a submissão à tirania militar de Napoleão)

§  Devemos lembrar que a família real e a corte portuguesa fugiram em 1808 para o Brasil, transformando a antiga colônia em sede do império

§  Depois, em 1815, o Brasil tornou-se membro equivalente do império, que passou a ser o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

o   Além disso, havia os exemplos americanos dos Estados Unidos (1776), do Haiti (1798) e da América hispânica (décadas de 1800 a 1820)

§  Desde o fim do período colonial o Brasil já contava com uma sociedade ativa, organizada, conhecedora dos seus interesses, com projetos nacionais cada vez mais claros e disposta a realizar a independência para isso

§  A independência nacional era vista sempre como acompanhada da república

§  A vinda da família real em 1808 deu um fortíssimo impulso à vida política, social e intelectual do país, reforçando as condições para a autonomia e/ou a independência nacional

o   Ao mesmo tempo em que o Brasil desenvolvia-se, as Cortes Gerais de Lisboa, reunidas após a Revolução Liberal do Porto, de 1820, apesar de afirmarem-se “liberais”, queriam retrogradar a situação do Brasil para a condição colonial, o que implicaria necessariamente uma violenta opressão sobre o país

§  A Revolução Liberal do Porto e as Cortes Gerais de Lisboa (criadas após a revolução do Porto) seguiram o impulso da Revolução Francesa mas adotaram o modelo inglês, em que a crítica ao Antigo Regime assumiu a forma da aberração político-intelectual que é a chamada “monarquia constitucional”

§  De maneira bastante representativa desse movimento foi a exigência das Cortes Gerais de retorno de d. João VI a Portugal, mantendo Pedro de Alcântara no Brasil como Príncipe Regente

§  A regressão do Brasil à condição de colônia seria opressiva por si só, como a conjuntura própria à Inconfidência Mineira deixava claro; mas, em face do desenvolvimento político, econômico e social do Brasil ocorrido desde o século XVIII e fortemente estimulado pela vinda da família real em 1808, a imposição do status colonial ao Brasil implicaria, necessariamente, redobradas opressões e violências

§  Vale a pena notar que tanto a instituição da monarquia constitucional quanto o projeto de regressão do Brasil à condição de colônia são exemplares do caráter dissolvente, absolutista e anti-histórico da metafísica

o   De qualquer maneira, considerando a distância entre os dois países, a disparidade de tamanho e as realidades sociais e políticas, a independência do Brasil teria que acontecer cedo ou tarde

-        Sendo d. João VI obrigado a voltar a Portugal e sendo públicas as pretensões das Cortes Gerais a respeito do Brasil, logo percebeu José Bonifácio que seria necessário agir e com grande rapidez

o   A partir daí, ele procurou acercar-se de Pedro de Alcântara, que soube reconhecer o valor do ancião

o   José Bonifácio soube preparar Pedro de Alcântara para a independência; mas, ao mesmo tempo, teve que enfrentar resistências inesperadas, totalmente retrógradas e mesquinhas, como a de Domitila de Castro, a famosa amante de Pedro de Alcântara tornada “Marquesa de Santos”, que apoiava o projeto “recolonial”

o   O episódio do “Dia do Fico” (9.1.1822), em que Pedro de Alcântara rejeitou a ordem de retorno a Portugal, emitido pelas Cortes Gerais, preparou o 7 de Setembro

-        Exemplares das superiores condições morais, intelectuais e práticas de José Bonifácio são as suas propostas para o Brasil

o   José Bonifácio tinha extrema clareza a respeito dos problemas e das condições brasileiras de então

§  Para ele, cumpria integrar o imenso território nacional, assim como permitir e realizar a integração dos três grandes elementos étnicos nacionais, o português, o africano e o indígena

§  A integração social implicava, necessariamente, a abolição da escravidão, a miscigenação e, depois, o estímulo à alfabetização e à indústria

§  Todavia, ao mesmo tempo, percebendo que o país tinha sua economia baseada na escravidão, em um regime que naquele momento não tinha perspectivas para desaparecer, José Bonifácio entendeu que só seria possível manter o Brasil unido por meio da monarquia: afinal de contas, para ele, a escravidão era inimiga da República

§  Em outras palavras, a monarquia foi instituída para garantir (pelo menos por algum tempo) a permanência da escravidão – o que equivale a dizer que a monarquia foi implantada no Brasil como um regime explicitamente escravista e escravocrata

§  A monarquia apresentava algumas vantagens adicionais de caráter momentâneo: por um lado, assegurava a continuidade institucional por meio da manutenção da dinastia reinante; por outro lado, José Bonifácio temia que a república no Brasil seguisse os passos da América espanhola, com a fragmentação política (e territorial)

o   Essas propostas foram expostas com grande beleza pelo pintor positivista Eduardo de Sá, na famosa tela “José Bonifácio, a fundação da pátria brasileira”

-        Também importa notar que, assim como com Tiradentes, a figura de José Bonifácio foi eternizada e celebrizada por nós, positivistas

o   Mas, não por acaso, a historiografia atual despreza essa nossa importância, ainda que aceite os resultados de nossa atuação

o   Esse desprezo da historiografia atual pela importante atuação dos positivistas em favor da memória de José Bonifácio segue o impulso destruidor da metafísica marxista desde a década de 1960 (ainda que a historiografia atual não seja marxista) e revela, no final das contas, uma profunda mesquinhez

-        Considerando que o Positivismo é uma religião cívica e pacifista, importa afirmar com toda as letras: os desfiles militares não representam a República

o   Nesse sentido, nem a proposta cívica de José Bonifácio nem o caráter pacífico-industrial da política moderna aceitam as demonstrações usuais de “civismo”

o   Desde pelo menos o século XIX – portanto bem antes do regime inaugurado em 1964 –, as comemorações do 7 de Setembro resumem-se a paradas militares. Os desfiles de pelotões, tanques e armamentos acabam concentrando nas Forças Armadas as idéias de “civismo” e “patriotismo” e desvirtuando a convergência pacífica dos cidadãos em prol do bem comum – que é o fundamento e o objetivo da política republicana

o   Já em 1881 os positivistas dizíamos exatamente isso, repetindo-o desde então

-        O 7 de Setembro resume-se na imponente máxima de José Bonifácio, segundo quem “A sã política é filha da moral e da razão”

o   A sabedoria política de José Bonifácio pode ser avaliada por esta frase, que resume de maneira brilhante o programa da política moderna: “A sã política é filha da moral e da razão”

o   É devido a concepções como essas que, juntamente com a Independência do Brasil, no dia 7 de setembro comemoramos também a imponente figura do grande santista que foi José Bonifácio

o   Embora não seja de origem positivista, essa máxima evidentemente está totalmente de acordo com os mais elevados princípios morais, intelectuais e políticos propostos pelo Positivismo

§  A concordância com o Positivismo ocorre também porque essa máxima corresponde aos melhores valores da política moderna

 


[1] Estas anotações baseiam-se na Notícia sobre a vida e a obra de Augusto Comte, escrita pelo dr. Robinet (1860), no livro O ano sem par, de Teixeira Mendes (1900), no livro Epítome da vida e dos escritos de Augusto Comte, de José Longchampt (1898), e, principalmente, no artigo “Un des anges d’Auguste Comte – Sophie Thomas”, de Maurice Wolff (Mercure de France, 44 année, tomo CCXLV, n. 842, 15.jul.1933)

26 outubro 2022

Miguel Lemos: celebração do 7 de Setembro

Abaixo apresentamos imagens de um extrato do opúsculo n. 4 da Igreja Positivista do Brasil, com o discurso sociolátrico proferido por Miguel Lemos (fundador e Diretor da Igreja Positivista do Brasil) para celebrar o 7 de Setembro, em 1881.

É notável indicar também que nesse opúsculo justifica-se a data de 7 de Setembro para representar a Independência do Brasil e, ao mesmo tempo, celebrar a figura de José Bonifácio por esse importante acontecimento. Tal celebração, além disso, ocorreu já no ano da fundação da Igreja Positivista do Brasil e, embora a independência do Brasil tenha-se constituído por meio da monarquia (de uma monarquia bastarda nas Américas, diga-se de passagem), nem por isso os positivistas foram mesquinhos em negar a José Bonifácio a importância de sua ação.

Agradeço a colaboração do amigo e correligionário Luiz Gustavo Mota pelo envio das fotos abaixo.








27 agosto 2020

Roteiro da exposição sobre o nono mês dos calendários positivistas (Gutenberg e monoteísmo)

As anotações abaixo consistem no roteiro da celebração gravada do nono mês dos calendários positivistas, que abordam Gutenberg (a indústria moderna, no calendário concreto) e o monoteísmo (no calendário abstrato), além dos centenários compreendidos nesse período.

A gravação encontra-se disponível aqui.


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Roteiro da exposição sobre o nono mês dos calendários positivistas


Parte I – Mês concreto: Gutenberg


Gutenberg, em lâmina da Igreja Positivista do Brasil



-        9º mês do calendário positivista concreto
 o   Considerando o ano júlio-gregoriano de 2020 (ano bissexto), o mês de Gutenberg começa em 12 de agosto e termina em 8 de setembro
o   O oitavo mês concreto representa a indústria moderna
§  É o segundo mês da modernidade 
·         Como já vimos, após os sete meses da Antigüidade e da Idade Média, a modernidade é representada por seis meses (Dante, Gutenberg, Shakespeare, Descartes, Frederico, Bichat) 
o   Para entendermos a indústria moderna, é necessário caracterizarmos as duas palavras, “indústria” e “moderna” 
§  A indústria, para Augusto Comte e no presente contexto, não consiste nas fábricas, mas em uma forma de organizar a produção material (ou seja, a “economia”) 
·         O melhor a falar, então, seria em “sociedade industrial”, que se opõe a “sociedade militar”; esta busca a conquista do ser humano, ao passo que a primeira busca a conquista da natureza 
·         Em termos de organização do trabalho, a sociedade militar baseia-se não raro na escravidão e, de qualquer maneira, na desvalorização do trabalho (“maldição divina”, impedimento do “ócio criativo” e do ócio contemplativo) 
·         Já a sociedade industrial baseia-se no trabalho livre (e na correlata valorização do trabalho) e na divisão entre trabalhadores e patrões 
§  Por outro lado, a indústria moderna tem que ser distinguida da indústria antiga 
·         A indústria antiga era organizada em pequena escala, por vezes em caráter individual, em que não havia a divisão entre patrões e empregados 
·         Uma outra forma de organizar a indústria na Antigüidade era por meio das castas, em que as profissões eram hereditárias e características das famílias 
·         A indústria moderna, então, baseia-se no trabalho livre, em que a sociedade como um todo organiza-se em uma atividade pacífica e de grandes proporções; em virtude disso, ocorre a separação entre trabalhadores e patrões e os grandes contingentes de trabalhadores organizam-se em sindicatos (igualmente livres) e cada trabalhador pode escolher o ramo industrial em que deseja trabalhar 
§  Uma outra forma de entender o espírito da indústria moderna é por meio de uma oposição elaborada em 1819 pelo suíço Benjamin Constant, entre a “liberdade dos antigos” e a “liberdades dos modernos” 
·         Esse Benjamin Constant não é o nosso fundador da República; o suíço viveu entre 1767 e 1830, ao passo que o nosso deveu seu nome ao primeiro e viveu entre 1836 e 1891 
·         Na verdade, essa oposição elaborada por Benjamin Constant também não é original; ela remonta à querela dos antigos contra os modernos, que se desenvolveu após o Renascimento e que continuava viva no século XIX, como se pode ver tanto pela obra de Benjamin Constant quanto pela de Augusto Comte (bem como pela de outros pensadores) 
·         Para Benjamin Constant, a liberdade dos antigos caracterizava-se pela participação ativa nos negócios públicos, enquanto a liberdade dos modernos caracteriza-se pela ausência de impedimentos estatais à ação individual privada 
·         Mas, para além do elogio do individualismo burguês e do governo representativo, a oposição proposta pelo suíço Benjamin Constant afirma que os antigos buscavam a glória das conquistas, ao passo que os modernos buscam o conforto da produção material 
§  O mês da indústria moderna, portanto, valoriza a atividade pacífica e cooperativa entre indivíduos, classes, países e civilizações 
·         A segunda lei dos três estados, relativa à atividade prática, sintetiza essa evolução histórica: “A atividade é primeiro conquistadora, em seguida defensiva e enfim industrial” (oitava lei da Filosofia Primeira) 
o   A sociedade industrial deve organizar-se da seguinte maneira, conforme o Positivismo: 
§  Separação entre patrões e empregados, com relativamente poucos patrões e muitos empregados 
§  Os patrões têm a responsabilidade de organizar a produção material e de gerar empregos e renda para os trabalhadores 
§  Em suas atividades, os patrões empregam de maneira altruísta alguns instintos egoístas, como o de destruição, o de construção e o orgulho; assim, eles ficam mais sujeitos aos desvios do egoísmo à portanto, sua situação não é invejável e deve ser constantemente cobrado por seu comportamento e pelos resultados de suas ações 
§  Augusto Comte era fortemente crítico da burguesia francesa de sua época, que ele considerava frívola, mesquinha e egoísta à no lugar da burguesia desprezível, ele propunha a renovação moral dos patrões, que se transformariam em “patrícios” 
§  Como deve ocorrer a separação entre patrões e empregados e como a condição moral e profissional dos patrões não é invejável, os trabalhadores devem constituir a grande massa da sociedade e evitar buscar a sua transformação em patrões à assim, em particular, ocorreria a extinção da “classe média”, que seria decomposta em poucos patrões e muitos empregados 
§  A definição-recomendação de Augusto Comte para os empresários é esta: deve ocorrer a concentração de capitais e de recursos de tal forma que seja possível a um indivíduo controlá-los e dispô-los de maneira responsável 
§  Assim, o capital deve ser concentrado à mas, da mesma forma que o capital tem origem social, ele deve ter necessariamente uma destinação social, mantendo-se privada a propriedade 
§  As atividades industriais evidentemente não são iguais nem homogêneas; por isso, ocorre uma hierarquia prática que se revela também uma hierarquia moral e social, baseada na generalidade e na responsabilidade coletiva crescentes; a hierarquia dos patrões origina uma correspondente hierarquia dos trabalhadores: agricultura, indústria, comércio, bancos 
o   O mês e as semanas correspondem ao seguinte: 
§  Gutenberg – criador do instrumento que permitiu a difusão do conhecimento e o aumento das comunicações humanas (em termos estáticos e dinâmicos) e, assim, permitiu a ação pacífico-industrial sobre o planeta Terra 
§  Colombo – corresponde aos exploradores do planeta Terra, que ampliaram o nosso conhecimento sobre o Grande-Fetiche e estabeleceram as ligações entre os mais diferentes povos, permitindo, assim, a constituição da Humanidade em termos realmente universais (incluem-se aí os caminhos para as Índias, a ultrapassagem do Cabo das Tormentas, a circum-navegação, a exploração da Oceania, a ligação entre Ocidente e Oriente, entre Europa e África etc.) 
§  Vaucanson – corresponde aos inventores propriamente ditos, que buscam meios de aumentar o rendimento do nosso trabalho (incluem-se aqui o tear mecânico, o telégrafo, o cronômetro); também os artesãos de obras artísticas 
§  Watt – corresponde aos cientistas que, com suas pesquisas, permitiram a aplicação da ciência à indústria, seja ampliando o rendimento de nossa ação, seja ampliando as possibilidades de intervenções (incluem-se aqui o motor movido pela pressão do vapor, as aplicações da termologia, da física dos gases e também a aplicação da Química à vida humana) 
§  Montgolfier – corresponde às futuras e possíveis aplicações técnicas proveitosas para o ser humano, como o domínio dos ares, a agricultura científica, a manipulação genética e mesmo o embelezamento da indústria e da arte de viver 
-        Há um aspecto no mês de Gutenberg que apresenta uma importância à primeira vista inusitada, mas que, bem vistas as coisas, acabaria sendo formulada cedo ou tarde 
o   Trata-se da crítica feita pelos povos colonizados do papel dos colonizadores, muitas vezes daninhos para os dominados 
§  Esse problema está não por acaso concentrado na semana de Colombo, que reúne os exploradores (Colombo, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães, James Cook) 
§  A grita atual consiste em criticar e mesmo desprezar os grandes exploradores, bem como figuras acusadas (justa ou injustamente) de racismo; assim, estátuas estão são destruídas tanto por grupos sociais quanto por governos, nomes de instituições estão sendo modificados etc.: estátuas de Colombo e James Cook (“chacinadores”) e de Churchill (“racista” e “imperialista”); a Escola de Relações Internacionais da Universidade de Princeton retirou a referência a Woodrow Wilson de seu nome (ele era racista) 
§  Além disso, tem sido estimulada uma postura de raiva e de negação do passado; no caso dos descendentes de antigos donos de escravos e, de modo geral, no caso dos “brancos”, estimula-se um forte sentimento de culpa e de responsabilidade atual pelos crimes (efetivos ou imputados) aos antepassados 
§  É importante notar que, se por um lado o presente movimento (internacional) justifica-se pouco, a sua origem imediata ensejou e enseja os mais vívidos e corretos clamores por justiça: o assassinato de um desempregado por policiais racistas nos EUA; esse desempregado chamava-se George Floyd e morreu em meados de 2020 enquanto pedia para respirar mas tinha a garganta pressionada pelo joelho de um policial insensível ao sufocamento do homem 
o   É necessário aplicarmos o relativismo histórico: 
§  Por mais justas que sejam em parte as reclamações atuais de povos outrora dominados, é importante notar que tais reclamações baseiam-se em valores que, em grande medida, são nossos e são de nossa época 
§  Afirmar a contemporaneidade dos nossos valores não tem como objetivo torná-los “particulares”, “específicos” de nossa época e, portanto, não tem como objetivo desvalorizá-los (como os pós-modernos, os ultra-relativistas e os ultracontextualistas fazem); bem ao contrário, é necessário entender que os valores de respeito mútuo, de respeito universal, de tolerância, de rejeição da violência são valores nossos, ou melhor, são valores “novos” e recentes e que, portanto, nossos antepassados desgraçadamente não os tinham 
·         É claro que a novidade dos valores da fraternidade universal, do pacifismo, da tolerância não é tão grande assim: eles já tinham sido afirmados com clareza por Augusto Comte no século XIX – que, a esse respeito, seguia e prosseguia uma tradição que vinha pelo menos do século XVIII (com o Iluminismo) 
·         Da mesma forma, os romanos, na fase final da República (Júlio César) e já no Império (Trajano, Adriano e, de modo geral, a sua dinastia nervo-antonina) afirmavam o primado da paz e do respeito mútuo 
§  Também é necessário notar que a atividade pacífica só surge como desenvolvimento da atividade militar e em conseqüência dela; dito de outra forma, mesmo a paz e a indústria exigiram antes delas a guerra e a violência 
§   A violência praticada por exploradores contra diferentes povos é lamentável, não há dúvida 
·         Mesmo no período das colonizações, em meio às violências, havia cobranças, reprimendas, perorações: o padre Bartolomeu de las Casas na América espanhola é um exemplo 
·         Embora a violência praticada pelos colonizadores europeus seja, para nós, ocidentais atuais, motivo de vergonha e tristeza, é necessário considerar se à época em que eles agiam o seu repertório de comportamentos aceitáveis excluía a violência sistemática: de modo geral, a resposta é negativa 
§  Todavia, convém distinguir a atuação de personagens como Colombo e Cook da de Pizarro e dos ingleses na Austrália: os exploradores de modo geral foram apenas exploradores, não conquistadores 
§  Além disso, no caso dos exploradores, é importante notar que a sua ação como exploradores é por si só altamente meritória e digna de respeito e veneração 
·         O respeito e a veneração devidos aos exploradores deve-se à ampliação do conhecimento do planeta e ao estabelecimento de relações entre todas as porções da Humanidade 
·         Além disso, as epopéias de Colombo, Vasco da Gama etc. demonstram uma coragem gigantesca, ao realizarem viagens que eram, na melhor das hipóteses, meras apostas 
·         De quebra, vale notar que os exploradores comprovaram na prática, após as demonstrações gregas, que a Terra é um planeta redondo 
§  Um outro aspecto do relativismo histórico consiste em notar que a ação de povos e indivíduos não se resume a um único aspecto, de tal sorte que em suas vidas e histórias podem apresentar – e, com efeito, apresentam de fato – comportamentos positivos e negativos, altruístas e egoístas, construtivos e destrutivos 
·         O relativismo, portanto, consiste em pesar, contextualizadamente, aspectos positivos e negativos 
o   Apenas em casos excepcionais – e, a bem da verdade, patológicos – é que se pode reduzir a carreira de um povo, ou de um indivíduo, a um único traço 
·         Os “contextos” em que se deve inserir a ação de indivíduos e povos deve incluir não apenas as estruturas sociais, mas também as idéias e os valores disponíveis em cada momento 
§  Em virtude das considerações acima, destruir (ou, de qualquer maneira, suprimir) estátuas de Colombo e de Cook é um erro 
·         Da mesma forma, embora Churchill fosse mesmo imperialista, o que ele compartilhava da mentalidade do “white man’s burden” não o impediu, nunca, de buscar a fraternidade, de buscar a tolerância, de ser razoável e, acima de tudo, não o impediram de ser o brilhante e corajoso líder que manteve a Inglaterra como inimiga do nazismo durante a II Guerra Mundial 
·         No caso de Woodrow Wilson: ele era do Sul dos Estados Unidos (Virgínia), o que estimulava o racismo, não há dúvida; ele apoiava o movimento da eugenia, postulando em particular que a miscigenação (especialmente entre brancos e não brancos) causava a delinqüência social, a prostituição, o retardo mental etc.; ele apoiou essas idéias mesmo quando foi Reitor de Princeton. Essas idéias são desprezíveis e são inaceitáveis sob qualquer perspectiva; além disso, o anti-racismo já era uma causa antiga no início do século XX, especialmente após a violenta Guerra da Secessão dos EUA. Todavia, a despeito dessas idéias e dessas práticas, a atuação doméstica de Wilson foi progressista (favorável aos direitos trabalhistas) e a atuação internacional foi mais importante ainda: ele levou os EUA ao decisivo ingresso na I Guerra Mundial junto dos Aliados (França e Inglaterra), ele promoveu o chamado “idealismo” na política internacional, que consistiu na moralização da política internacional; ele defendeu a autodeterminação dos povos e, se isso tudo não fosse pouco, ele foi o responsável pela criação da Liga das Nações. Assim, é no mínimo problemático e, bem vistas as coisas, é incoerente e mesmo hipócrita desprezar a atuação de Woodrow Wilson (em particular suprimir o seu nome da Escola de Relações Internacionais da Universidade de Princeton): não há dúvida de que seu racismo travestido de uma ciência desprezível era odioso; todavia, é necessário um esforço moral e político muito grande para negar, desprezar e rejeitar a sua atuação política, principalmente na política internacional 
o   É importante insistir em uma idéia fundamental do Positivismo e do culto positivo: o calendário histórico concreto foi instituído não apenas para exibir (para o público ocidental) de maneira sintética o conjunto da evolução ocidental, mas também, e talvez principalmente, para estimular justamente o relativismo histórico 
§  O que o relativismo histórico recomenda é que respeitemos e valorizemos nossos antepassados, sabendo pesar e avaliar suas limitações e seus defeitos 
§  De maneira correlata, o elogio histórico não é devido a qualquer indivíduo: a incorporação na Humanidade exige que o indivíduo em questão seja merecedor e que cumpra a definição de Humanidade (“conjunto de seres convergentes, passados, futuros e presentes) 
·         O elogio histórico, quando adequado e justificado, exige a valorização dos aspectos positivos, mas não esconde, nem camufla, os aspectos negativos

Parte II – Mês abstrato: monoteísmo 

-        O nono mês do calendário positivista abstrato celebra o monoteísmo 
o   O monoteísmo é a terceira e última fase das fases sociológicas históricas (dinâmicas) preparatórias; as anteriores são o fetichismo e o politeísmo 
o   O monoteísmo consiste na concentração dos vários deuses em uma única entidade, todo-poderosa e reinante sobre tudo 
§  Alegadamente o monoteísmo surgiu com Moisés; mas, na verdade, o deus mosaico não se afirmava o único deus, mas o maior e superior a todos; apenas com o passar dos séculos e, em particular, após o cativeiro na Babilônia é que o judaísmo converteu-se de fato em um monoteísmo 
§  De um ponto de vista sociológico, o monoteísmo constituiu-se após o declínio moral e social do politeísmo e, na verdade, em virtude desse mesmo declínio 
§  Sugestões para a constituição do monoteísmo vinham pelo menos desde o século IV aec, como com Sócrates e, depois, como Aristóteles 
·         Em particular Aristóteles defendia um deus único que operasse como “motor inicial”, ou seja, como uma entidade que tivesse criado tudo e posto o universo em movimento, mas depois disso se afastando radicalmente de tudo 
§  O monoteísmo só vingou no início da era corrente quando as necessidades de renovação moral ficaram bastante evidentes; a partir daí é que atuou São Paulo, que criou o catolicismo mas que, em sua modéstia, em sua sabedoria e em sua perspicácia, atribuiu a sua obra a outro, que lhe assumiu o nome da doutrina 
§  As necessidades de renovação moral só ficaram evidentes quando o Império Romano dominou toda a bacia do Mediterrâneo (além da Península Ibérica, das Gálias, dos Bálcãs e do Oriente Médio): essa dominação permitiu a imposição dos hábitos da paz e a necessidade de reorientação das vidas individuais e dos destinos coletivos dos povos envolvidos 
·         Essas considerações histórico-sociológico-morais têm algumas conseqüências: por um lado, o judaísmo, embora seja em si mesmo um monoteísmo e tenha influenciado o catolicismo, para o que nos interessa, é secundário e não foi determinante para a constituição do catolicismo; além disso, a partir dessas considerações o surgimento do catolicismo deixa de ser milagroso, como nos relatos tradicionais, e passa a ser explicado racionalmente 
§  Os monoteísmos considerados por Augusto Comte (catolicismo e islamismo) têm algumas características (ou “propriedades”) importantes para nós: 
·         Eles passaram a afirmar diretamente a necessidade de moralidade na conduta humana; o politeísmo, embora regesse até certo ponto a moralidade, servia mais para explicar o mundo e menos para regrá-lo 
o   O monoteísmo em última análise é imoral, pois a divindade é profundamente arbitrária; mas, ainda assim, atribui-se a ela alguns motivos morais e, de qualquer maneira, a partir dela estabelece-se um código moral de conduta 
o   A moralidade monoteísta, além disso, em si mesma é profundamente imperfeita, pois rejeita o caráter inato dos instintos altruístas e também estabelece móveis egoístas para a conduta humana (a ambição do paraíso, o medo do inferno); mas, enfim, era o possível na época e era o possível para regrar populações com hábitos grosseiros 
·         Embora em si mesmos exijam a adesão aos seus dogmas – que, na época em que foram estabelecidos, eram radicalmente contrários aos hábitos mentais, morais e sociais das populações (os romanos, por exemplo e com justiça, repudiavam os dogmas católicos como imorais) –, os monoteísmos permitem a constituição de religiões universais, pois que ultrapassam as origens nacionais dos politeísmos 
§  O catolicismo surgiu no ambiente romano; no século VII surgiu o Islã, que, em sua rápida expansão seguida da reação católica, acabou dividindo mais ou menos ao meio os antigos territórios romanos: como se sabe, tomando-se como divisor a linha que vai da Grécia ao Egito, os territórios a Leste ficaram sob o Islã, os territórios a Oeste (o Ocidente) ficaram sob o catolicismo 
·         O catolicismo e o islamismo são os monoteísmos principalmente considerados por Augusto Comte justamente porque eles foram duas formas que buscaram resolver a moralização da vida e da política, a partir do Império Romano 
·         O catolicismo é profundamente complicado, com seu dogma da trindade, com a postulação da vida após a morte e a reencarnação (ou ressurreição) etc.; o islamismo, em contraposição, embora mantenha a promessa da vida eterna após a morte, simplifica o dogma, ao suprimir a trindade e ao postular o caráter santo (mas não divino) do “filho” (reduzido à condição de profeta anterior a Maomé) 
·         A simplicidade islâmica evita os debates tão próprios às populações submetidas ao Islã e garante que o chefe islâmico (o califa e, em menor grau, o sultão, após o próprio Maomé) mantenha-se como chefe temporal (isto é, como chefe militar) em vez de ser também um chefe espiritual 
·         A complicação do dogma católico foi possível também devido à separação (imperfeita, claro está) entre os dois poderes: o chefe temporal governava, o chefe espiritual regia as discussões teológicas 
·         Os defeitos morais e intelectuais próprios ao catolicismo – que, como indicamos, já eram bastante claros para os romanos – foram atenuados pela sabedoria prática do clero católico, especialmente por inúmeros papas que reinaram até cerca de metade do ciclo das cruzadas (século XII) 
§  O catolicismo e o islamismo são incompatíveis, o que conduziu à disputa entre ambos por hegemonia 
·         No Ocidente, a reação feudal proposta e coordenada pelo papado realizou, na última fase da Idade Média, a realização final e plena do feudalismo, que consiste na combinação digna entre a independência e o concurso entre as unidades políticas à isso deixa claro que o feudalismo não se caracterizava por “anarquia” 
·         A reação ocidental ao avanço muçulmano consistiu, em um primeiro momento, em barrar o avanço na França, com Carlos Martel, em Poitiers; depois, nas guerras de reconquista ocorridas ao longo de vários séculos na Península Ibérica; a partir do século XI, esforços mais sistemáticos, de grande envergadura e agrupando o conjunto dos povos ocidentais ocorreram por instigação do papado, na forma das cruzadas 
·         Os constantes choques entre catolicismo e islamismo conduziram à sua neutralização mútua e às suas decadências, cujo marco e símbolo foi a batalha de Lepanto (próximo a Corinto, na Grécia), em 1571, em que as armadas das duas religiões bateram-se; a batalha foi mais ou menos vencida pelas forças cristãs, mas, de qualquer maneira, ela indicou o empate entre Islã e catolicismo e, portanto, a aceitação mútua da incapacidade de um dominar e destruir o outro à sinal desse reconhecimento foi os cristãos abandonarem aos muçulmanos o suposto berço de Cristo (até 1948, bem entendido) 
§  A incapacidade dos dois monoteísmos e sua mútua neutralização deixam claro a necessidade de uma fé demonstrável e plenamente universalizável, isto é, do Positivismo 
o   Um último aspecto dos monoteísmos é que eles afirmam a síntese objetiva e absoluta 
§  Após a síntese subjetiva absoluta, própria ao fetichismo, tanto o politeísmo quanto o monoteísmo consagraram a síntese objetiva absoluta: ora, a única síntese verdadeira e durável tem que ser subjetiva e relativa, que é a instituída pelo Positivismo 
§  Apesar desse defeito intelectual do monoteísmo, é importante assinalar que ele foi a última síntese que no Ocidente afirmou a lógica afetiva (ao mesmo tempo que afirmava a importância da lógica dos sinais) 
o   As quatro festas semanais comemorativas do monoteísmo são as seguintes: 
1)      Monoteísmo teocrático (Abraão, Moisés, Salomão) 
2)      Monoteísmo católico (São Paulo; Carlos Magno; Alfredo; Hildebrando; Godofredo; São Bernardo) 
3)      Monoteísmo islâmico (Lepanto) (Maomé) 
4)      Monoteísmo metafísico (Dante; Descartes; Frederico)

 

Parte III – Comemorações de aniversários 

-        Em termos de aniversários, comemoramos neste mês as seguintes figuras: 
o  Em 15 de Gutenberg (26 de agosto): 
§  Morte de Stevin (1548-1620) 
o  Em 16 de Gutenberg (27 de agosto): 
§  Nascimento de Mariotte (1620-1684) 
Em 17 de Gutenberg (28 de agosto): 
§  Nascimento de Agustín Aragón (1870-1954) 
o  Em 25 de Gutenberg (5 de setembro) 
§  Morte de Augusto Comte (1798-1857) 
o  Em 27 de Gutenberg (7 de setembro) 
§  Independência do Brasil (1822)

Possível rosto de Gutenberg
Simon Stevin
Edme Mariotte
Agustín Aragón
Túmulo de Agustín Aragón
Monumento em homenagem a Augusto Comte, na Universidade Sorbonne (Paris)
Reprodução de daguerreótipo de Augusto Comte
Memento mori (foto do morto) de Augusto Comte
Memento mori (foto do morto) de Augusto Comte
Memento mori (foto do morto) de Augusto Comte
Augusto Comte
José Bonifácio retratado no quadro de Eduardo de Sá, "A pátria brasileira"
Estátua de José Bonifácio em Washington (DC)
José Bonifácio



Referências bibliográficas 

Ângelo Torres: Calendário Filosófico 
David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos, v. 4-5 
Jean-François Eugène Robinet: Notice sur l’oeuvre et la vie d’Auguste Comte 
Joseph Lonchampt: Epítome da vida e dos escritos de Augusto Comte 
Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte