No dia 21 de Dante de 171 (5.8.2025) retornamos do nosso recesso de julho e realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos Conservadores (em sua "Primeira Parte", dedicada à doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores).
No sermão abordamos a noção positiva de anarquia, bem como realizamos uma apreciação positiva dos movimentos anarquistas.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/rCB57a-q-04) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/1515004713186855/).
As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.
* * *
A noção positivista de anarquia
(21.Dante.171/5.8.2025)
1. Invocação inicial
2. Exortações iniciais
2.1. Sejamos altruístas!
2.2. Façamos orações!
2.3. Como Igreja Positivista Virtual,
ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse
2.4. Para apoiar as atividades dos nossos
canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
3. Datas e celebrações:
3.1. Dia 19 de Dante (3.8):
transformação de David Carneiro (1990 – 35 anos)
4. Leitura comentada do Apelo aos conservadores
4.1. Antes de mais nada, devemos
recordar algumas considerações sobre o Apelo:
4.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas
ou grupos, mas a um grupo específico:
são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que
tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes
políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do
progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que
Augusto Comte apela
4.1.1.1.
O
Apelo, então, é um apelo aos conservadores, não aos reacionários
4.1.1.2.
O
Apelo, portanto, adota uma linguagem
e um formato adequados ao público a que se dirige
4.1.1.3.
Empregamos
a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser
mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se
refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa,
oposta à guerra
4.2. Outras observações:
4.2.1. Uma versão digitalizada da tradução
brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está
disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores
4.2.2. O capítulo em que estamos é a “Primeira
Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”
4.3. Passemos, então, à leitura
comentada do Apelo aos conservadores!
5. Sermão: a noção de anarquia no
Positivismo
5.1. O tema deste sermão tem pelo
menos três justificativas:
5.1.1. Por um lado, com freqüência
Augusto Comte refere-se à anarquia moderna e/ou aos hábitos anárquicos; mas,
embora ele refira-se a isso, o sentido dessa expressão de modo geral tem que
ser inferido; assim, convém explicar o que é a “anarquia” no sentido
positivista
5.1.2. Por outro lado, desde fins da
década de 1840 existe o movimento anarquista, com uma grande e diversificada
atividade teórica e prática; muitos anarquistas estiveram em contato com
positivistas (Proudhon com Augusto Comte; Francisco Viotti, Miranda Santos e
Astrogildo Pereira com Teixeira Mendes, Henry Edger na comunidade estadunidense
de Modern Times), além de alguns anarquistas terem-se tornado positivistas
(Martins Fontes no Brasil, Georges Deherme na França); assim, devido a questões
concretas, convém aproveitarmos esta prédica para abordarmos alguns elementos
gerais do movimento anarquista
5.1.3. Por outro lado, nos últimos
tempos se tem falado em um “positivismo anarquista”, o que é ao mesmo tempo
motivo de confusão e um erro moral, intelectual e prático – e, portanto, é
necessário comentarmo-lo, mesmo que brevemente
5.1.4. Considerando essas
justificativas, este sermão terá três partes, desigualmente distribuídas: na
primeira, trataremos do conceito sociológico e moral da anarquia; na segunda
parte comentaremos, ainda que rapidamente, o movimento anarquista; por fim,
trataremos do “positivismo anarquista”
5.2. Comecemos, então, tratando da noção
positiva de anarquia[1]
5.2.1. Como dissemos antes, até onde
conseguimos determinar, Augusto Comte não apresentou uma definição formal da
anarquia, embora em sua obra os diversos traços, seus efeitos, seus agentes
promotores etc. sejam largamente indicados
5.2.2. Essa noção, na verdade, é muito
simples: ela consiste na ausência de
parâmetros sociais compartilhados, capazes de regular os sentimentos, as
idéias e, daí, as atividades práticas
5.2.3. Os parâmetros sociais
compartilhados correspondem aos critérios que estipulam o que é bom e o que é
ruim, o bem e o mal, o justo e o injusto, o certo e o errado
5.2.3.1.
Esses
parâmetros são sociais, o que equivale a dizer o seguinte: têm um caráter
histórico e são progressivos (ou seja, desenvolvem-se ao longo do tempo e
seguindo a continuidade e a acumulação histórica); mantêm a ordem social; são
compartilhados por todos na sociedade e são implementados pelo poder Temporal e
pelo poder Espiritual
5.2.4. A prevalência legítima desses
parâmetros sociais compartilhados constitui as sociedades orgânicas; quando os
parâmetros entram em crise, ocorre a anarquia e já não se sabe o que fazer e
como agir; os abusos privados e públicos tornam-se mais comuns, assim como as
críticas, as disputas e as crises sociais, políticas e morais
5.2.4.1.
Devemos
notar que, embora aplicados também pelo poder Temporal, esses parâmetros são
espirituais (como indicado pela noção de “legitimidade”); assim, a transição de
parâmetros e, daí, a anarquia é antes de mais nada uma questão espiritual, ou
melhor, de transição entre poderes espirituais
5.2.5. Como a história humana é
progressiva (ou seja, ela evolui com o passar do tempo), a passagem de uma fase
para outra exige a mudança de parâmetros coletivos; assim, a mudança de uma
fase para outra acarreta períodos de anarquia
5.2.5.1.
Vale
notar que a maneira de pensar própria às transições é a metafísica, com seu aspecto corrosivo; assim, ao permitir e realizar
as transições, a metafísica de modo geral assume um aspecto progressivo e
também anárquico; entretanto, o progressivismo da metafísica só ocorre enquanto
ela mantém-se como transitória; além disso, a anarquia não é progressiva, mas é
uma situação transitória entre duas fases
5.2.6. No caso do Ocidente, o fim da
Idade Média trouxe a decadência – necessária – da teologia e do militarismo, ao
mesmo tempo em que se desenvolveram a ciência (ou melhor, a positividade) e a
sociedade industrial
5.2.6.1.
Como
Augusto Comte apresentou nos Opúsculos de
filosofia social, na Filosofia
positiva, na Política positiva e
no Catecismo positivista, essa
transição corresponde ao “duplo movimento moderno”, que é de decomposição dos
elementos antigos (teologia e militarismo) e composição dos elementos novos
(positividade e sociedade industrial), freqüentemente com os últimos atuando
tanto na decomposição quanto na composição
5.2.6.2.
Esses
dois movimentos, embora fossem concomitantes entre si, ocorriam com velocidades
distintas: a decomposição dos elementos antigos era mais fácil, e portanto mais
rápida, que a composição dos elementos novos; já os elementos novos, além de
precisarem de uma quantidade enorme de materiais prévios, também exigiam para
sua constituição que os seus materiais surgissem em uma ordem determinada e que
ocorresse igualmente a decomposição prévia dos elementos antigos em uma ordem
determinada
5.2.6.3.
Nesse
quadro, a anarquia surgiu como um resultado inescapável: os parâmetros antigos
não eram mais respeitados e os novos ainda não estavam constituídos nem
disseminados
5.2.6.4.
Em
face da ausência de parâmetros comuns (da anarquia), a manutenção da ordem
tornou-se premente; devido à decadência do poder espiritual antigo (o
catolicismo), o poder temporal reafirmou suas responsabilidades e até as ampliou,
com os estados nacionais consolidando-se, ampliando de tamanho e de atividades
e substituindo os antigos estados feudais
5.2.6.4.1.
Com
isso, a transição dos elementos antigos para os modernos assumiu um aspecto de
maior estabilidade temporal (especialmente política) e instabilidade (ou
melhor, anarquia) espiritual
5.2.6.4.2.
Daí,
aliás, o voto de Thomas Hobbes implementado por Frederico II e admirado por
Augusto Comte: manutenção da ordem material e plena liberdade espiritual
5.2.7. Comentamos há pouco que a
anarquia é uma questão espiritual; dito isso, temos que notar que a transição
moderna (e a correspondente anarquia) apresenta um aspecto central: não se
trata somente da substituição de um poder espiritual por outro, que com a
correlata mudança de perspectivas (como ocorrido na passagem do politeísmo greco-romano
para o monoteísmo católico); a transição
moderna assume um aspecto revolucionário, devido à profundidade das
mudanças ocorridas: fim da escravidão e instituição do trabalho livre (passando
pela servidão feudal), fim do militarismo e instituição da atividade produtiva
pacífica e, acima de tudo, substituição do absolutismo filosófico pelo
relativismo filosófico
5.2.7.1.
Essa
transição moderna, assim, é principalmente intelectual
(com a passagem do absolutismo para o relativismo sendo a mudança mais profunda
e mais difícil); esse problema intelectual tem conseqüências morais e afetivas,
alterando profundamente os sentimentos; a partir desses dois aspectos, tem
conseqüências práticas
5.2.7.2.
A
profundidade das mudanças modernas é tão grande e tão radical que essas
mudanças exigem tempo para ocorrerem e disseminarem-se; bem vistas as coisas,
no caso da mudança espiritual, a positividade já está constituída, com a
fundação da Religião da Humanidade em 1854, mas sua disseminação enfrenta
grandes obstáculos, com a permanência do absolutismo e do militarismo
5.2.7.3.
A
dificuldade para a disseminação do Positivismo e a permanência do absolutismo e
do militarismo resultam na permanência da anarquia moderna
5.2.8. Um aspecto central que devemos
indicar é este: a anarquia moderna, com a confusão espiritual e o crescimento
do Estado, conduziu, como com freqüência ainda conduz, a abusos de toda ordem:
Estado despótico e/ou autoritário, confusão entre os dois poderes, militarismo,
exploração do proletariado (que é tratado como se fosse escravo) etc.
5.2.8.1.
Em
outras palavras, muitos dos problemas contemporâneos resultam não da natureza
das coisas, mas, sim, das características da atual época de transição; no caso
do Estado, por exemplo, ele não é por si só, sempre, tirânico, mas sua falta de
regulação permite e estimula a atuação tirânica
5.2.9. A anarquia moderna não é somente
a ausência de parâmetros compartilhados (que corresponde a não se saber o que
se deve fazer); ela também é o enfrentamento cotidiano e aparentemente
infindável entre diferentes concepções: esse traço em particular é o que torna
tão problemática e tão terrível a anarquia moderna
5.2.9.1.
De
maneira concreta, o enfrentamento moderno entre diferentes concepções assume a
forma da disputa entre parâmetros retrógrados e parâmetros anárquico-revolucionários,
isto é, entre concepções teológico-militaristas e concepções
crítico-destruidoras
5.2.9.1.1.
De
maneira vulgar, cada uma dessas concepções é chamada de promotoras da “ordem” e
do “progresso”
5.2.9.2.
Na
disputa entre retrógrados e anárquicos, cada um dos partidos alimenta um ao
outro em uma oscilação cansativa e degradante: os retrógrados buscam recriar
uma ordem decaída e justificar abusos, o que estimula os revolucionários; a
anarquia revolucionária reafirma a necessidade de ordem, estimulando os
retrógrados – e assim sucessivamente
5.2.9.2.1.
Essa
dinâmica iniciou-se já na Revolução Francesa e, sob os rótulos fugidios de
“direita” e “esquerda”, difundiu-se pelo Ocidente e pelo mundo e tem-se
eternizado desde então
5.2.9.3.
Como
sabemos, é necessário deixar para trás os elementos antigos, que não por acaso
são decaídos (pois são teológicos e militaristas), assim como é necessário
ultrapassar os elementos transitórios, puramente críticos mas igualmente
absolutos; a única solução para isso é por meio da positividade, do relativismo
e do pacifismo; assim, apenas com o Positivismo é possível a política que una
radicalmente a ordem e o progresso, abandonando a oposição antiga e estéril
entre elas
5.3. Passemos agora à segunda parte
deste sermão, considerando o movimento anarquista atual
5.3.1. Há muitas questões que devemos
considerar agora:
5.3.1.1.
Quais
as características gerais do anarquismo
5.3.1.2.
As
relações entre o movimento anarquista e a anarquia criticada por Augusto Comte
5.3.2. Sobre o movimento anarquista, duas
observações preliminares:
5.3.2.1.
Em
primeiro lugar, o sentido corrente de anarquia corresponde a “desordem”; já o
movimento anarquista não propõe essa desordem – isto é, pelo menos não de
maneira explícita, pois os anarquistas são radicalmente contra os órgãos
coletivos que impedem a desordem
5.3.2.1.1.
Alguns
teóricos do anarquismo (como Proudhon) chegaram a usar a palavra “anarquia”
como sinônima de desordem, mas de modo geral o anarquismo não propõe a desordem
5.3.2.1.2.
Veremos
adiante que os anarquistas entendem que a ordem social surge espontaneamente,
sem a necessidade do Estado (e do sacerdócio); essa concepção é correta (embora
limitada) e afasta do anarquismo a igualdade entre anarquia e desordem
5.3.2.2.
Em
segundo lugar, não existe um único anarquismo, mas vários movimentos anarquistas
5.3.2.2.1.
A
pluralidade de anarquismos é devida tanto à diversidade de concepções teóricas
e propostas práticas quanto, de maneira mais profunda, devido ao espírito que
anima o anarquismo, ou seja, a rejeição de poder central (quer seja temporal,
quer seja espiritual)
5.3.3. A concepção central do anarquismo,
como o próprio nome indica, consiste na rejeição do poder, seja o poder
temporal, seja o poder espiritual; no que se refere ao poder temporal, trata-se
tanto do poder político quanto do poder material (econômico)
5.3.3.1.
Os
anarquistas consideram que todo poder organizado é despótico, tirânico; devido
a isso, em vez de buscarem regular, corrigir, melhorar, aperfeiçoar, a solução
dada pelos anarquistas é destruírem e combaterem o poder
5.3.3.2.
É
importante indicar que os anarquistas passam da crítica à eventual tirania do poder à concepção de que todo poder é sempre e necessariamente tirânico;
assim, para os anarquistas, a história humana é basicamente a história da
exploração e da dominação humana
5.3.4. Tanto como base quanto como
conseqüência da rejeição ao poder, o anarquismo adota uma perspectiva
individualista da realidade, ou seja, para eles o indivíduo é o valor mais
importante, sendo a sociedade e as organizações concepções derivadas,
secundárias e sempre vistas com enorme suspeita
5.3.4.1.
A
ênfase no indivíduo baseia-se em uma valorização da dignidade humana, centrada
nos indivíduos; ao mesmo tempo, a rejeição ao poder baseia-se em uma denúncia
da tirania do Estado, da tirania da burguesia e da tirania sacerdotal; no
século XX (mas começando com clareza e intensidade em meados do século XIX) o
anarquismo também rejeitou a tirania marxisto-comunista
5.3.4.2.
Assim,
o anarquismo é radicalmente igualitarista e contra toda hierarquia
5.3.4.3.
Por
outro lado, há anarquismos que valorizam bastante a fraternidade, seja como
prática local, seja como um valor mais ou menos universal
5.3.4.3.1.
Em
particular, a defesa da fraternidade também corresponde à defesa dos
trabalhadores e, de modo mais amplo, dos proletários
5.3.4.3.2.
Da
mesma forma, os anarquistas valorizam e buscam dignificar as mulheres
5.3.5. Um aspecto importante dos
anarquistas, ou melhor, de alguns
anarquistas é que eles distinguem a ordem social da atuação do Estado, no
sentido de que a ordem surge espontaneamente, a partir da interação entre os
seres humanos (e o Estado corrompe, ou prejudica, ou impede a ordem)
5.3.6. Em termos mais concretos, a
rejeição ao poder e a centralidade do individualismo conduz de modo geral o
anarquismo ao seguinte:
5.3.6.1.
Em
termos de organizações, os
anarquistas criam associações de indivíduos, que são de modo geral pequenas, na
forma de “coletivos”, sindicatos, cooperativas, fazendas; há um esforço para
estimular a fraternidade e em muitos casos isso realmente ocorre
5.3.6.2.
Em
termos espirituais, os anarquistas
tendem ao ateísmo; entretanto, há anarquistas que baseiam seu anarquismo em
concepções teológicas, muitas vezes cristãs
5.3.6.3.
Em
termos de estratégias práticas, com
freqüência os anarquistas não rejeitam a violência e muitos defendem
abertamente a violência, chegando ao ponto de serem efetivamente terroristas (com
o uso de bombas e depredações, por exemplo); todavia, há anarquistas pacifistas
5.3.7. Vale notar que as características
que indicamos acima correspondem aos anarquistas de esquerda; há também os de
direita, que são os anarcocapitalistas
5.3.7.1.
Os
anarcocapitalistas rejeitam o Estado, visto por eles como impeditivo da
liberdade e da constituição da ordem social
5.3.7.2.
Para
eles, é o capitalismo que promove a liberdade e a dignidade individuais
5.3.7.3.
Dessa
forma, os anarcocapitalistas representam a radicalização à direita do
liberalismo
5.4. Em face do conceito de anarquia e
das características dos movimentos anarquistas, podemos apreciar da seguinte
maneira o anarquismo:
5.4.1. Indiscutivelmente, os movimentos
anarquistas apresentam características simpáticas: o estímulo da fraternidade;
a afirmação da dignidade humana; o elogio e a defesa do proletariado; o elogio
e a dignificação das mulheres; a noção de que a ordem social surge
espontaneamente; a crítica à tirania política, à tirania econômica, à tirania e
à hipocrisia espiritual; em alguns casos, também a defesa do pacifismo
5.4.2. Por outro lado, o anarquismo
apresenta características gravemente negativas:
5.4.2.1.
Sua
crítica à tirania temporal resulta em pura destruição; em vez de buscar
solucionar os problemas, a “solução” anarquista consiste em destruir o Estado,
a riqueza e o sacerdócio
5.4.2.1.1.
Tal
“solução” é pura e simplesmente infantil: algo tem problemas? Vamos destruir! É
a mesma postura que muitos assumem a respeito do casamento: o casamento tem
problemas? Adotemos o “casamento aberto”, ou o “poliamor”, ou a poligamia, ou variações
desse tipo
5.4.2.1.2.
Em
outras palavras, a noção positiva de que só
se destrói o que se substitui é totalmente rejeitada pelo anarquismo
5.4.2.1.3.
Aliás,
a noção positiva de consagrar para
regular (e regular para consagrar)
também é rejeitada e desprezada pelo anarquismo
5.4.2.1.4.
A
noção de que todo poder é tirânico conduz à rejeição direta da concepção de que
toda sociedade precisa de órgãos de coordenação e de afirmação do bem comum
sobre os egoísmos e os esforços individuais: o Estado e o sacerdócio são
proscritos pelos anarquistas e quem os defende é acusado de maneira peremptória
e automática de “autoritários” (quando não totalitários, fascistas,
exploradores etc.)
5.4.2.1.4.1.
Além
da infantilidade completa dessa concepção
e dos juízos derivados, ela também é profundamente
irresponsável em termos práticos: para ficarmos com dois exemplos fáceis,
todo o sistema de previdência e de saúde pública exige uma burocracia pública
grande e eficiente; da mesma forma, a brevidade com que a Humanidade lidou com
a devastadora pandemia de covid-19 só foi possível graças à existência e à
atuação de estados nacionais atuantes
5.4.2.1.5.
A
concepção dos seres humanos apresentada pelos anarquistas afirma, celebra e
aprofunda as clivagens sociais: quem é anarquista merece confiança; quem tem
poder, riqueza e/ou poder espiritual merece desconfiança
5.4.2.1.6.
Não
é por acaso que os anarquistas são grandes promotores de atitudes “anti”: são
grandes denunciadores e críticos
5.4.2.1.6.1.
Embora
muitas das denúncias dos anarquistas “anti” apresentem elementos positivos
(seja nas denúncias propriamente ditas, seja na sugestão implícita de elementos
para as soluções), o fato é que no final das contas nessas denúncias os
anarquistas são incapazes de perceber, ou de reconhecer, que a solução dos
problemas denunciados envolve sempre (ainda que não exclusivamente) a atuação
de órgãos centrais e de coordenação (sejam órgãos temporais, como o Estado,
sejam órgãos espirituais, como o sacerdócio)
5.4.2.2.
A
crítica à hipocrisia e às vezes também à tirania sacerdotal conduz muitos
anarquistas ao ateísmo, o que é também um defeito intelectual e moral
5.4.2.2.1.
Como
comentamos antes, há algumas correntes pacifistas no anarquismo, especialmente
inspiradas pela teologia: isso indica os graves limites morais e intelectuais
do anarquismo; embora haja anarquistas humanistas, as relações entre anarquismo,
pacifismo e ateísmo sugerem que o anarquismo ateu tende a ser violento e o
anarquismo pacifista tende a ser teológico: em outras palavras, o anarquismo
consegue combinar a retrogradação com a anarquia, ou seja, ele reafirma a
lógica contraditória, oscilante e insustentável próprio à revolução moderna
ocidental
5.4.2.3.
Não
podemos esquecer que os anarquistas são profundamente individualistas; há
anarquistas agressivamente individualistas, embora haja anarquistas que têm
preocupações propriamente sociais
5.4.2.3.1.
A
noção de fraternidade humana dos anarquistas, então, é limitada pelo seu
individualismo
5.4.2.3.2.
A
valorização do individualismo pelos anarquistas resulta em que a sociedade é
apenas a soma de indivíduos, que podem constituir uma comunidade; mas uma
verdadeira concepção de coletividade torna-se impossível
5.4.2.3.3.
Como
não existem verdadeiras coletividades para o anarquismo, não existem
coletividades históricas (exceto as tirânicas); logo, os anarquistas rejeitam a
concepção de Humanidade
5.4.2.3.4.
Em
termos políticos, como sabemos, o individualismo conduz à noção absoluta de
direitos e à rejeição da de deveres
5.4.2.4.
A
concepção de que todo poder é despótico resulta em que a concepção histórica do
anarquismo é também destruidora: para eles, a história é a história da
dominação, da exploração, da alienação, da humilhação
5.4.2.4.1.
Os
anarquistas, portanto, mantêm e reafirmam a ruptura histórica própria à
teologia monoteísta (ao cristianismo) e que foi aprofundada e radicalizada pela
metafísica revolucionária
5.4.2.4.2.
Ora,
como Augusto Comte sempre afirmou e reafirmou, é impossível conceber o ser
humano e a solução dos problemas sociais sem concepções gerais, em particular
sobre a totalidade da história
5.4.2.4.3.
Como
vimos antes, a fraternidade anarquista é limitada em termos espaciais, mas sua
rejeição da história humana indica que essa fraternidade é também limitada no
tempo
5.4.2.4.3.1.
A
noção anarquista de história, então, consiste muito mais em um processo de degradação
permanente e destruição contínua que no desenvolvimento e na regulação das
forças humanas
5.4.2.5.
As
relações ideais para os anarquistas são comunidades pequenas, simples, pouco
tecnológicas
5.4.2.5.1.
É
necessário afirmar com clareza e honestidade que a afirmação de comunidades
simples, pequenas e pouco tecnológicas estimula a formação e o fortalecimento
de vínculos pessoais fortes e verdadeiros, além de aproximar o ser humano do
meio ambiente – e tudo isso é extremamente saudável
5.4.2.5.2.
Esse
ideal não é conseqüência direta da profunda ruptura histórica promovida pelo
anarquismo, mas vincula-se à sua noção de que todo poder (e, a fortiori, toda organização maior) é
tirânico
5.4.2.5.3.
O
ideal anarquista de comunidades – nunca “sociedades”, que são entendidas como
tirânicas! – pequenas, simples e pouco tecnológicas aproxima os anarquistas de
comunidades rurais e pré-modernas
5.4.2.5.3.1.
Isso
torna o anarquismo pouco simpático às sociedades modernas, necessariamente
urbanas; no limite, ele é inadequado para lidar com elas
5.4.2.6.
Não
podemos deixar de lado a violência anarquista, que é um elemento central da
atuação de muitos movimentos anarquistas
5.4.2.6.1.
Alguns
defensores do anarquismo, às vezes do anarcopacifismo, negam que haja e/ou que
tenha havido anarquistas terroristas, afirmando ao contrário que isso não passa
de “propaganda burguesa” ou “pró-Estado”: isso é uma tolice; houve e há
anarquistas terroristas
5.4.2.6.1.1.
É
importante reconhecermos que nem todo anarquista é violento; quem constitui as
comunidades pré-modernas busca e precisa da paz; além disso, há os chamados
anarcopacifistas
5.4.2.6.2.
Entretanto,
muitos teóricos do anarquismo afirmam que o pacifismo é uma forma de apoiar a
violência dos ricos e poderosos e que a violência só se combate com violência
5.4.2.7.
O
elogio anarquista da violência torna extremamente discutível a sua defesa da
fraternidade – que, como vimos, é limitada no espaço (quem defende e/ou
participa do Estado, da riqueza e/ou do sacerdócio não merece a fraternidade) e
no tempo (a história humana é a história da exploração e da humilhação)
5.4.2.8.
Duas
breves comparações:
5.4.2.8.1.
Anarquistas
comparados com os comunistas: os
anarquistas rejeitam totalmente a noção de permanência atual (quando não
futura) do Estado; além disso, os anarquistas são mais “éticos” que os
comunistas, como se pode ver nas críticas que os anarquistas fizeram contra a
hipócrita brutalidade de Marx no movimento operário; entretanto, os anarquistas
mantêm e aprofundam as noções de ruptura social e de ruptura histórica,
rejeitam a noção de sociedade (devido ao seu individualismo) e são extremamente
ambígüos a respeito da violência (que, à semelhança da luta de classes, é vista
como um instrumento contra o poder)
5.4.2.8.2.
Anarquistas
comparados com os liberais: os
anarquistas valorizam diretamente a fraternidade humana, bem como a dignidade
individual (o que os liberais fazem fracamente); sua concepção de ser humano
rejeita a redução materialista, ou economicista, do ser humano a um agente
econômico (como os liberais em geral e os anarcocapitalistas em particular
concebem); anarquistas e liberais consideram que a ordem social surge
naturalmente e desconfiam do Estado; mas anarquistas e liberais são
individualistas, de modo que as sociedades são meramente somas de indivíduos;
por outro lado, os anarquistas são extremamente ambígüos a respeito da
violência, ao passo que os liberais, ao menos em princípio, rejeitam a
violência; além disso, em termos de concepções históricas, embora haja
distintas correntes do liberalismo, muitas delas (como no caso dos liberais
conservadores) têm concepções históricas mais sadias que a do anarquismo (por
mais limitadas que sejam), ao valorizarem continuidades históricas; por fim, os
liberais reconhecem a importância da riqueza e, principalmente, do poder e, em
face dos evidentes problemas que eles apresentam, os liberais propõem regular
sua atividade, em vez de destruí-los
5.4.3. Ainda que muitas vezes (ou até
com freqüência) seja correta e necessária a crítica aos desvios do poder e da
riqueza, os anarquistas são incapazes de perceberem que os graves problemas que
eles denunciam têm uma origem histórica e que essa origem liga-se à
desregulação dos poderes, ou seja, ao seu abuso,
não ao seu uso
5.4.3.1.
Ora,
a desregulação dos poderes deve-se ao
declínio dos parâmetros coletivos de regulação, ou seja, deve-se ao
desenvolvimento da anarquia
5.4.3.2.
O
desenvolvimento moderno da anarquia deve-se ao declínio necessário da teologia
(em termos espirituais) e do Estado militarista (em termos temporais), sem que
os novos parâmetros da positividade e da atividade pacífica estivessem
constituídos (até 1854) e estejam disseminados (desde 1854)
5.4.4. Em suma:
5.4.4.1.
O
movimento anarquista apresenta alguns elementos morais positivos, como o
estímulo à fraternidade, a afirmação da dignidade individual, a valorização do
proletariado e a dignificação das mulheres, além da crítica aos desvios de
conduta do poder, da riqueza e até do poder Espiritual
5.4.4.2.
Por
outro lado, o movimento anarquista é contra a regulação dos poderes sociais, é individualista,
despreza a continuidade histórica, tem uma concepção infantil e irresponsável de
como lidar com os problemas sociais, idealiza relações sociais retrógradas e de
modo geral estimula e pratica a violência
5.4.4.3.
O
movimento anarquista, portanto, consegue combinar a retrogradação com a
anarquia
5.4.4.4.
Assim,
embora seja necessário distinguir a noção abstrata de anarquia (com seu
conteúdo moral, intelectual e prático), do movimento anarquista concreto, e
embora o movimento anarquista apresente alguns aspectos positivos, é necessário
termos clareza: o movimento anarquista corresponde,
sim, ainda que não de maneira exclusiva, ao conceito de anarquia, na medida em que
o movimento anarquista promove ativamente a anarquia moderna
5.5. Em face do que comentamos até
agora, nossa apreciação do chamado “positivismo anarquista” é a seguinte:
5.5.1. Embora nos últimos tempos se fale
em um “positivismo anarquista”, essa concepção de um “positivismo anarquista” é
tão errada, superficial, irracional e imoral quanto as de um “positivismo
espírita”, ou de um “positivismo cristão”, ou de um “positivismo comunista”
5.5.1.1.
Um
suposto “positivismo anarquista” nega aspectos centrais do Positivismo e finge
que o anarquismo não tem graves defeitos morais, intelectuais e práticos
5.5.1.2.
Além
disso, a concepção de um “positivismo anarquista” gera confusão moral, teórica
e prática – o que, diga-se de passagem, aumenta socialmente a anarquia e
prejudica individualmente quem busca conhecer o Positivismo (e até quem busca conhecer
o anarquismo)
5.5.2. Em outras palavras e de maneira
direta: não existe um “positivismo
anarquista”
5.5.2.1.
É
claro que, por outro lado, pode existir anarquismo inspirado, ou influenciado,
ou apenas próximo do Positivismo
5.5.2.2.
Da
mesma forma, embora seja totalmente incorreto falar-se em ou propor-se um “positivismo
anarquista”, isso não impede que identifiquemos aspectos de proximidade do
anarquismo com o Positivismo, como realizamos nesta prédica
5.6. Importa repetirmos que o objetivo
fundamental desta prédica foi tratar do conceito positivo de anarquia; abordamos
e apreciamos à luz do Positivismo o movimento anarquista e, depois, o suposto “positivismo
anarquista” devido a questões práticas e porque, de qualquer maneira, esses temas
adicionais seriam objeto de questões do público que acorre às nossas prédicas
6. Exortações finais
6.1. Sejamos altruístas!
6.2. Façamos orações!
6.3. Como Igreja Positivista Virtual,
ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse
6.4. Para apoiar as atividades dos
nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
7. Invocação final
Referências
- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva (Paris, Société
Positiviste, 5e ed., 1893)
- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, L.
Mathias, 1851-1854)
- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro,
Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.
- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro,
Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934)
- George Woodcock (port.), História das idéias e movimentos anarquistas
(Porto Alegre, L&PM, 2002)
- Peter Gelderloos (port.), Como a não-violência protege o Estado
(Subta, s/l, 2014)
- Raimundo Teixeira Mendes
(port.), A solução da questão social, segundo os ensinos da verdadeira ciência
positiva – conferência realizada a 27 de Frederico de 120 (30 de novembro de
1908), in: ____. A preeminência social e moral da Mulher (n. 273 da série da IPB;
Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1908)
- Raimundo Teixeira Mendes
(port.), O ano sem par (Rio de
Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.
- Raimundo Teixeira Mendes
(port.), O Positivismo e a questão social
– a propósito da propaganda anarquista (N. 383 da série da IPB; Rio de
Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1915)
[1] Essas
concepções podem ser lidas na Filosofia
positiva:
- O v. 4
apresenta 76 referências diretas a “anarquia” ou “anárquico”, das quais as que
se referem mais diretamente ao que nos interessa estão nas páginas 29, 81, 92, 330, 486 e 494.
- O v. 5
apresenta 21 referências diretas a “anarquia” ou “anárquico”, das quais as que
se referem mais diretamente ao que nos interessa estão nas páginas 436 e 400.
- O v. 6
apresenta 61 referências diretas a “anarquia” ou “anárquico”, das quais as que
se referem mais diretamente ao que nos interessa estão nas páginas 454 e 824.
Na Política positiva, encontramos
referências diretamente úteis para o que nos interessa aqui no v. 2, páginas
130, 131 e 178; no v. 3, páginas 2, 29 e 34-35; no v. 4, páginas XXXVI, 10, 11, 195, 304-305,
366, 368, 370-371, 382, 384, 393, 453 e 475.
No Apelo aos conservadores, encontramos referências diretamente úteis para o que nos interessa aqui nas páginas XI, XXVIII, XXI, XXXI, 1, 3, 42, 43, 45, 48, 122-123, 146, 150-151 e 197.