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23 novembro 2022

Anotações sobre o amor

No dia 18 de Frederico de 168 (22 de novembro de 2022) realizamos, como de hábito, a nossa prédica positiva. A pauta dessa prédica foi a leitura comentada do início da quarta conferência do Catecismo positivista, dedicada à teoria do culto privado e na qual vimos a teoria dos "anjos da guarda". Em seguida, nas nossas reflexões semanais, abordamos um dos mais importantes temas, seja para a Religião da Humanidade, seja em geral: o amor.

Reproduzimos abaixo as anotações que serviram de base para as nossas reflexões.

A prédica está disponível no canal Apostolado Positivista (aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/919937228995893/) e no canal Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Rc9vDlSrcq4). No canal Apostolado Positivista, as reflexões sobre o amor começam em 47' 33".

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-        Talvez mais que qualquer outro tema no âmbito do Positivismo, é muito difícil esgotar as reflexões que se pode fazer a respeito do amor; assim, estas anotações são apenas alguns comentários iniciais

-        Muitas palavras no Positivismo têm uma forte carga semântica, no sentido da polissemia; o amor é exemplar a respeito:

o   Bondade

o   Altruísmo

o   Sentimentos

-        É o primado do amor que realmente permite ao Positivismo ser a Religião da Humanidade:

o   O amor preside os sentimentos; os sentimentos, por seu turno, são o início e o fim da existência humana

o   O amor permite ao Positivismo instituir o estado religioso e também a síntese

o   O amor é a condição verdadeira e profunda de disciplinamento do egoísmo e, portanto, de solução do problema humano

o   Desde o seu início o Positivismo é antiacademicista; mas é o amor que estabelece o anticientificismo e até o relativismo

o   Por outro lado, o amor exige sempre a orientação da inteligência, seja para não se degradar em misticismo, seja para não se perder na realidade:

§  “Agir por afeição e pensar para agir”

§  “A inteligência é ministra do coração, não sua escrava”

o   O símbolo máximo do amor no Positivismo é a própria figura da Humanidade, que, não por acaso, é mulher e é mãe

-        Assim, o amor de Augusto Comte por Clotilde de Vaux não pode ser entendido como a mera paixão extemporânea de um homem mal amado de meia idade por u’a moça igualmente mal amada: essa forma de apresentar a questão, além de grosseira, é superficial e injusta para com os dois amantes

o   Os sentimentos de Comte por Clotilde eram em tudo respeitosos e dignos e, por isso, paulatinamente passaram a ser correspondidos por Clotilde

o   Acima de tudo, como o próprio Comte reconhecia, e como Teixeira Mendes repetia sem cessar, foi o amor por Clotilde que deu a Comte o impulso e a orientação de que precisava para realmente concluir e realizar a obra de sua vida, ou seja, a Religião da Humanidade

§  Em outras palavras, a Religião da Humanidade é o fruto direto do amor

-        Existem vários instintos afetivos altruístas: apego, veneração e bondade

o   Apego: relações entre iguais (vínculo entre irmãos, entre coetâneos, entre compatriotas, entre cônjuges)

o   Veneração: relação afetiva do inferior, do mais novo e do mais fraco para com o superior, com o mais velho e com o mais forte

o   Bondade: relação afetiva do superior, do mais velho e do mais forte para com o inferior, com o mais novo e com o mais fraco – é o “amor” propriamente dito

-        O que se opõe ao amor, no Positivismo, é o egoísmo, não o ódio

o   O egoísmo é natural e tem que ser disciplinado

o   O ódio, embora seja um sentimento (negativo) possível, é eminentemente destruidor

§  Para ser eficaz, o amor tem que ser positivo: “só o amor constrói”

§  Podemos considerar que a atitude do Positivismo em face do ódio é no sentido de diminuir esse sentimento agressivo, convertendo-o em respeito, cooperação e convergência; caso não seja possível reverter o que separa os grupos e/ou os indivíduos entre si, deve ser estimulada a tolerância mútua

-        O âmbito social do desenvolvimento do amor é a família

o   A família estabelece relações e vínculos afetivos próximos – que são os mais intensos

§  Daí também a cobrança de Augusto Comte de que as mátrias sejam pequenas

o   O fundamento das famílias é, precisamente, o amor – ou, em outras palavras, a função social das famílias é o desenvolvimento dos afetos (e não a reprodução, como afirmam (algum)as teologias)

o   A família é o âmbito privilegiado da mulher – que, como se sabe (ou como se deveria saber) é mais afetiva que o homem

-        O amor é inato

o   Como Augusto Comte observa no Catecismo positivista, afirmar que o egoísmo é inato é banal; mas foi difícil o Ocidente reassumir que o altruísmo também é inato

o   A metafísica individualista (a partir do monoteísmo cristão) e o cientificismo dificultaram muito o reconhecimento do valor do amor

o   Apesar dos seus inúmeros problemas intelectuais e morais, a Idade Média sugeriu duas instituições moralmente importantes:

§  Por um lado, a partir do século XI, idealizou a Virgem Maria (com São Bernardo, por exemplo)

·         Essa idealização substituiu a utopia do Cristo ressuscitado, que é intelectualista, masculina e pelo sofrimento, por uma utopia afetiva, feminina e construtiva – e que começa a valorizar as mulheres no âmbito da teologia católica

§  Por outro lado, no final da Idade Média, vários místicos passaram a afirmar a centralidade moral e intelectual do amor (com Tomás de Kempis, por exemplo)

-        O instinto altruísta mais importante é a veneração:

o   A veneração é o instinto mais importante porque ela é o mais difícil, na medida em que nos obriga a submetermo-nos a outrem e/ou a outras coisas

§  Em outras palavras, a veneração comprime o orgulho (e até a vaidade)

§  A veneração também nos lembra de que integramos uma longa continuidade histórica, ou seja, é ela que no final das contas afirma a historicidade do ser humano

o   Como dizia Comte, “a submissão é a base do aperfeiçoamento”

§  Sempre que desejamos aperfeiçoar-nos (em qualquer coisa, em qualquer habilidade), temos que reconhecer que somos imperfeitos e que estamos abaixo de parâmetros julgados ideais: em outras palavras, sempre que desejamos o aperfeiçoamento, temos que nos submeter a algo e/ou a alguém

o   Deveria ser evidente e não deixa de ser um tanto degradante ser necessário afirmar que a submissão não é sinônima de (auto)degradação, (auto-)humilhação: na positividade, a submissão é sempre digna

§  As filosofias políticas e sociais que têm maior importância atual no Ocidente são todas, ou quase todas, metafísicas e, por isso, elas rejeitam a veneração e consideram que toda submissão é sempre degradante

o   Não é por acaso que Augusto Comte indicava que um dos melhores traços para avaliar o grau de positividade das pessoas, incluindo aí os próprios positivistas (ou pretensos positivistas), são os hábitos de veneração dessas pessoas

o   Criticar algo ou alguém (ou simplesmente deles falar) sem conhecer é uma forma de ausência de veneração, ou seja, é uma forma de arrogância, de orgulho, de desprezo

§  Dito de outra maneira, criticar algo ou alguém sem o conhecer é agir sem amor (ou contra o amor)


02 novembro 2015

Concepção positiva do Dia dos Mortos

Dia dos mortos, 2 de novembro


Cartaz gentilmente elaborado por João Carlos Silva Cardoso.

Origem histórica da data

No dia 2 de novembro comemora-se o Dia de Finados. Essa data tem uma origem católica que recua no tempo até o século II, quando os cristãos primitivos rezavam pelos mortos; no século V a Igreja solicitava que um dia do ano fosse dedicado àqueles que não era possível identificar. Essa prática atravessou os séculos e, no século XIII, definiu-se o dia 2 de novembro para essa homenagem, logo após o Dia de Todos os Santos, que é em 1° de novembro.

A bem da verdade, as orações cristãs no dia 2 de novembro não consistiam em "homenagens", mas em intercessões em favor das "almas" dos mortos. Essas intercessões, claro está, eram bem intencionadas mas eram, ao mesmo tempo, mais ou menos inúteis, considerando as doutrinas da predestinação e onisciência divina. O culto católico aos santos, existente desde o início do cristianismo, assim como o culto à Virgem Maria, que surgiu ao longo da Idade Média, são duas formas de contornar a impossibilidade prévia de remissão das almas dos mortos.


Concepção positiva do dia dos mortos

A Sociologia e a Moral Positiva indicam que, apesar de as "almas" como emanações etéreas não existam, o respeito aos mortos é um ato profundamente sociológico e altruísta. É sociológico porque as sociedades que existem atualmente devem sua existência, seus valores, seus recursos tecnológicos e materiais, suas idéias a todos aqueles que vieram antes. Aliás, essa é uma outra forma de dizer que o ser humano é um ser histórico.

Por outro lado, a homenagem aos antepassados e, de modo mais amplo, a todos os seres humanos convergentes que nos antecederam é uma forma de reconhecimento de nossas enormes e crescentes dívidas para com eles; é uma forma de estimularmos a veneração e a humildade, de reconhecermos nossa fraqueza atual face ao conjunto do passado. Em suma, essa homenagem é um poderoso instrumento de desenvolvimento do altruísmo e de compressão do egoísmo.

Assim, embora as motivações teológicas de respeito aos mortos sejam pura e simplesmente equivocadas, o fato é que o ato em si de homenagear é correto e salutar. O duplo aspecto da homenagem aos mortos – sociológico e moral – foi resumido pelo profundo gênio de Augusto Comte na seguinte máxima:

Os vivos são sempre e cada vez mais, necessariamente, governados pelos mortos.


Essa frase, não por acaso, está no portão da Igreja Positivista do Brasil, conforme pode-se ver na imagem abaixo.

Fonte: http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com.br/2015/11/dia-dos-mortos-2-de-novembro-cartaz.html.

Governo subjetivo dos mortos, não objetivo

Não se deve encarar essa máxima como sendo "macabra". Algo é macabro quando faz o elogio da morte e do morrer, em detrimento da vida: como vimos, a frase de Augusto Comte celebra justamente a vida. Da mesma forma, convém ressaltar: o "governo" que os mortos realizam sobre os vivos é um governo subjetivo, não objetivo: isso quer dizer "apenas" que a sociedade de hoje é o resultado da ação das dezenas, centenas, milhares de gerações que nos precederam e que, nesse sentido, somos hoje o resultado da ação dos que vieram antes de nós[1]. Dessa forma, concretamente, o que ocorre é que, com base nos materiais morais, tecnológicos, teóricos provenientes do passado (legados pelos mortos), os vivos dão continuidade à vida coletiva e individual e governam seus assuntos.

Dia dos Mortos no Positivismo

Nos dois calendários positivistas, de caráter sociológico – o calendário abstrato e o calendário concreto –, o último dia do ano é dedicado à comemoração geral dos mortos, de acordo com os parâmetros indicados acima. No calendário júlio-gregoriano, esse dia corresponde a 31 de dezembro e, nos anos bissextos, a 30 de dezembro.

Dia de Finados como proposta positivista

Como vimos, há uma coincidência parcial entre o Dia de Finados católico e o Dia Geral dos Mortos positivista. No caso brasileiro, como no final do século XIX a maioria da população brasileira era católica, a Igreja Positivista do Brasil resolveu aproveitar essa coincidência e buscar a positivização de um hábito já difundido na população: por esse motivo, propôs que o dia 2 de novembro fosse feriado nacional, de caráter cívico.






[1] A concepção objetiva do governo dos mortos é a apresentada pelas várias teologias, segundo as quais os mortos não estariam de fato mortos, mas estariam vivos em um outro "plano", "além" deste em que vivemos. Claro que essa concepção, apesar de pretender-se objetiva, baseia-se apenas na mais pura crença subjetiva; além disso, não apresenta prova nenhuma de que ocorre; por fim, em última análise, nos dias atuais, é uma forma de consagrar a irresponsabilidade individual e coletiva, ao atribuir ao "além" a condução efetiva dos assuntos humanos.