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Talvez mais que qualquer outro tema no âmbito do
Positivismo, é muito difícil esgotar as reflexões que se pode fazer a respeito
do amor; assim, estas anotações são apenas alguns comentários iniciais
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Muitas palavras no Positivismo têm uma forte
carga semântica, no sentido da polissemia; o amor é exemplar a respeito:
o Bondade
o Altruísmo
o Sentimentos
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É o primado do amor que realmente permite ao
Positivismo ser a Religião da Humanidade:
o O
amor preside os sentimentos; os sentimentos, por seu turno, são o início e o
fim da existência humana
o O
amor permite ao Positivismo instituir o estado religioso e também a síntese
o O
amor é a condição verdadeira e profunda de disciplinamento do egoísmo e,
portanto, de solução do problema humano
o Desde
o seu início o Positivismo é antiacademicista; mas é o amor que estabelece o
anticientificismo e até o relativismo
o Por
outro lado, o amor exige sempre a orientação da inteligência, seja para não se
degradar em misticismo, seja para não se perder na realidade:
§ “Agir
por afeição e pensar para agir”
§ “A
inteligência é ministra do coração, não sua escrava”
o O
símbolo máximo do amor no Positivismo é a própria figura da Humanidade, que,
não por acaso, é mulher e é mãe
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Assim, o amor de Augusto Comte por Clotilde de
Vaux não pode ser entendido como a mera paixão extemporânea de um homem mal
amado de meia idade por u’a moça igualmente mal amada: essa forma de apresentar
a questão, além de grosseira, é superficial e injusta para com os dois amantes
o Os
sentimentos de Comte por Clotilde eram em tudo respeitosos e dignos e, por
isso, paulatinamente passaram a ser correspondidos por Clotilde
o Acima
de tudo, como o próprio Comte reconhecia, e como Teixeira Mendes repetia sem
cessar, foi o amor por Clotilde que deu a Comte o impulso e a orientação de que
precisava para realmente concluir e realizar a obra de sua vida, ou seja, a
Religião da Humanidade
§ Em
outras palavras, a Religião da Humanidade é o fruto direto do amor
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Existem vários instintos afetivos altruístas:
apego, veneração e bondade
o Apego:
relações entre iguais (vínculo entre irmãos, entre coetâneos, entre
compatriotas, entre cônjuges)
o Veneração:
relação afetiva do inferior, do mais novo e do mais fraco para com o superior,
com o mais velho e com o mais forte
o Bondade:
relação afetiva do superior, do mais velho e do mais forte para com o inferior,
com o mais novo e com o mais fraco – é o “amor” propriamente dito
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O que se opõe ao amor, no Positivismo, é o
egoísmo, não o ódio
o O
egoísmo é natural e tem que ser disciplinado
o O
ódio, embora seja um sentimento (negativo) possível, é eminentemente destruidor
§ Para
ser eficaz, o amor tem que ser positivo: “só o amor constrói”
§ Podemos
considerar que a atitude do Positivismo em face do ódio é no sentido de
diminuir esse sentimento agressivo, convertendo-o em respeito, cooperação e
convergência; caso não seja possível reverter o que separa os grupos e/ou os
indivíduos entre si, deve ser estimulada a tolerância mútua
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O âmbito social do desenvolvimento do amor é a
família
o A
família estabelece relações e vínculos afetivos próximos – que são os mais
intensos
§ Daí
também a cobrança de Augusto Comte de que as mátrias sejam pequenas
o O
fundamento das famílias é, precisamente, o amor – ou, em outras palavras, a
função social das famílias é o desenvolvimento dos afetos (e não a reprodução,
como afirmam (algum)as teologias)
o A
família é o âmbito privilegiado da mulher – que, como se sabe (ou como se
deveria saber) é mais afetiva que o homem
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O amor é inato
o Como
Augusto Comte observa no Catecismo
positivista, afirmar que o egoísmo é inato é banal; mas foi difícil o
Ocidente reassumir que o altruísmo também é inato
o A
metafísica individualista (a partir do monoteísmo cristão) e o cientificismo
dificultaram muito o reconhecimento do valor do amor
o Apesar
dos seus inúmeros problemas intelectuais e morais, a Idade Média sugeriu duas
instituições moralmente importantes:
§ Por
um lado, a partir do século XI, idealizou a Virgem Maria (com São Bernardo, por
exemplo)
·
Essa idealização substituiu a utopia do Cristo
ressuscitado, que é intelectualista, masculina e pelo sofrimento, por uma
utopia afetiva, feminina e construtiva – e que começa a valorizar as mulheres
no âmbito da teologia católica
§ Por
outro lado, no final da Idade Média, vários místicos passaram a afirmar a
centralidade moral e intelectual do amor (com Tomás de Kempis, por exemplo)
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O instinto altruísta mais importante é a
veneração:
o A
veneração é o instinto mais importante porque ela é o mais difícil, na medida
em que nos obriga a submetermo-nos a outrem e/ou a outras coisas
§ Em
outras palavras, a veneração comprime o orgulho (e até a vaidade)
§ A
veneração também nos lembra de que integramos uma longa continuidade histórica,
ou seja, é ela que no final das contas afirma a historicidade do ser humano
o Como
dizia Comte, “a submissão é a base do aperfeiçoamento”
§ Sempre
que desejamos aperfeiçoar-nos (em qualquer coisa, em qualquer habilidade),
temos que reconhecer que somos imperfeitos e que estamos abaixo de parâmetros
julgados ideais: em outras palavras, sempre que desejamos o aperfeiçoamento, temos
que nos submeter a algo e/ou a alguém
o Deveria
ser evidente e não deixa de ser um tanto degradante ser necessário afirmar que
a submissão não é sinônima de (auto)degradação, (auto-)humilhação: na positividade, a submissão é sempre digna
§ As
filosofias políticas e sociais que têm maior importância atual no Ocidente são
todas, ou quase todas, metafísicas e, por isso, elas rejeitam a veneração e
consideram que toda submissão é sempre degradante
o Não
é por acaso que Augusto Comte indicava que um dos melhores traços para avaliar
o grau de positividade das pessoas, incluindo aí os próprios positivistas (ou
pretensos positivistas), são os hábitos de veneração dessas pessoas
o Criticar
algo ou alguém (ou simplesmente deles falar) sem conhecer é uma forma de
ausência de veneração, ou seja, é uma forma de arrogância, de orgulho, de
desprezo
§ Dito
de outra maneira, criticar algo ou alguém sem o conhecer é agir sem amor (ou contra o
amor)