28 abril 2021

"Green Book" - um belo filme, que dá o que pensar

Há alguns dias revi o belo filme Green Book - o guia, estrelado por Mahershala Ali e Viggo Mortensen.

Esse é um filme curioso. A história é simples, ou melhor, é esquemática e as personagens principais são, de maneira corresponte, meio simplistas, até estereotipadas. Há um negro, homossexual escondido, brilhante pianista de formação clássica, poliglota, com três doutorados e formação em música na Rússia - mas alienado de suas origens. Por outro lado, há o motorista e guarda-costas italiano, meio turrão, meio machão, grosseiro e "do povo".

Ao longo do filme, esses estereótipos mais ou menos se revelam como simples estereótipos: o motorista revela-se sem preconceitos contra o chefe, sejam de raça, sejam de orientação sexual, e, talvez mais importante, ele dá seguidas demonstrações de uma tocante lealdade pessoal e profissional para com o chefe, além de estar aberto à influência refinada do seu chefe (tornando-se menos grosseiro e mais civilizado) e sabendo apreciar o talento do pianista.

Por seu turno, o pianista negro exibe uma forte e constante atitude de dignidade, rejeitando sistematicamente o emprego da violência contra o racismo imposto pelos protestantes brancos contra os negros fetichistas nos Estados Unidos. Mas, além disso, sabe reconhecer a lealdade do seu motorista/guarda-costas e valoriza-a cada vez mais; o contato contínuo entre ambos também leva o pianista a reconectar-se um pouco com suas origens humildes e com o comum do povo, naquilo que há de melhor nisso. E, principalmente, vemos que a dignidade e o talento do pianista negro aliam-se a uma grande coragem pessoal, na medida em que ele escolheu apresentar-se no "Sul profundo" dos Estados Unidos, ou seja, justamente naqueles estados e naquelas regiões em que o racismo era, e é, mais entranhado e mais degradante.

Como comentei antes, tudo isso é bem esquemático, mas ainda assim funciona bem e emociona; mesmo roteiros em geral simplistas podem funcionar bastante bem.

Há uma questão adicional que fica mais ou menos sem solução; essa questão, na verdade, aplica-se tanto ao caso do pianista negro com formação clássica quanto, mutatis mutandis, para o Brasil, para a América Latina, para países que foram colônias européias e para o mundo em geral: como conjugar a grande cultura clássica, que em termos mundiais é ocidental e que, no Ocidente, tem origem européia e está ligada aos antigos dominadores, com as culturas locais e/ou populares. No caso do Brasil, essa oposição tem sido traduzida (há várias décadas, talvez há mais de um século) na forma de ocidentalismo versus terceiro-mundismo, ou europeísmo versus nativismo, ou outras oposições similares.

Embora sem se aprofundar, o filme Green Book dá a entender que essa oposição é falsa; sem deixar de ser propriamente uma fonte de tensão, a cultura clássica e a cultura popular podem e devem coexistir, respeitar-se e estimular-se simultaneamente. Ou, no caso do Brasil: somos, sim, por formação e aspiração, plenamente ocidentais, ao mesmo tempo que integramos a "periferia" (ou, quem sabe, a semiperiferia). Essa é a nossa força; devemos aproveitá-la e utilizá-la para benefício de todos.



19 abril 2021

Ricardo Cortez Lopes: resenha de "Comtianas brasileiras"

O sociólogo gaúcho Ricardo Cortez Lopez publicou uma bela e gentil resenha do meu livro Comtianas brasileiras (Curitiba, Appris, 2019). Essa resenha foi publicada na GETS - Revista Interdisciplinar em Gestão, Educação, Tecnologia e Saúde (Sete Lagoas, v. 3, n. 2, p. 86-90, 2020) e seu original está disponível aqui.

Reproduzo abaixo o texto da resenha.

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Augusto Comte (1798-1857), o pai do positivismo, é comumente abordado nas disciplinas dos cursos de ciências sociais devido a ser pai também da própria disciplina sociologia, nomeando-a e delimitando uma área de atuação junto a outras disciplinas. Porém, muito de sua relevância no meio acadêmico acaba se restringindo a essa inauguração e à teoria dos três estados, restando às outras ideias desse sistema intelectual a pecha de fantasias ou teoricismos estéreis.

Lançado pela editora Appris, o livro de Gustavo Biscaia de Lacerda – bacharel em ciências sociais, mestre e doutor em sociologia pela Universidade Federal do Paraná e que é nacionalmente conhecido justamente pela sua vasta obra de Teoria Política dedicada ao positivismo – busca dar profundidade ao clássico autor francês a partir de uma mediação pela sua obra, e que é escrita para muitos públicos. Essa mediação acontece, no livro, por duas vias: a) mostrar a atualidade do autor diante das questões atuais e b) evidenciar a complexidade intrínseca das ideias do francês. Uma vez bem-sucedidos esses dois objetivos, o estigma associado a Comte se mostra inconsistente e o autor e o seu sistema podem ser apreciado por quem não o admira. Ou seja, é um livro que milita, porém o faz em termos sociológicos e buscando contribuir para a disciplina fundada pelo autor francês.

Sobre o título da obra, sua lógica é explicada na contracapa: a chamada remete ao esforço proposto por Heitor Villa-Lobos em “Bachianas”, que combinou a música clássica com elementos da cultura brasileira: Lacerda está se utilizando de um clássico – amaldiçoado pelo ambiente acadêmico atual, eivado de outras perspectivas – e o utilizando para complexificar os ambientes epistemológicos e políticos atuais. Assim, a ideia é recuperar o alcance original de suas ideias universalistas e dando prosseguimento à obra do próprio Comte legitimado pelo próprio contexto brasileiro, que é de difícil análise para os ferramentais teóricos de outros países.

Mas não é apenas na intenção que o volume se aproxima da partitura. Tal qual composições musicais formando um disco, o livro em si é composto de uma série artigos independentes reunidos sob as respectivas temática comum, muitos deles já publicados em outras revistas ou em outros eventos, o que é bem fácil de constatar visitando o currículo do pesquisador. Nesse sentido, a brochura consegue juntar uma série de textos esparsos, e na sua junção não acontece a mera soma desses escritos: de fato há um Comte que emerge do enorme volume de material analisado e uma reflexão maior é gestada: uma contribuição para a teoria sociológica se consolida. Mostra-se um Comte cuja obra uma vez adaptada, torna-se mais do que um item de museu ou de erudição: ele é um instrumento tanto para pesquisas empíricas quanto para intervir na realidade brasileira através de uma proposta coerente e não genérica.

Para lograr tal objetivo, o autor optou por dividir a monografia em duas partes – o que aponta que os seus textos de até então se preocuparam com aspectos do positivismo de forma sistemática, de modo a poderem constituir um livro coeso. A primeira parte se refere aos métodos das ciências sociais, ajudando a mostrar a relevância da teoria para os pares da academia. Já a segunda delas refere-se a uma leitura comteana sobre o contexto do Brasil e da cidadania, mostrando o quanto a teoria positivista é útil no entendimento da realidade social, o que se estende para além da confecção de lemas em bandeiras. Mas esses argumentos ficam mais desenvolvidas pela estrutura dos capítulos, como veremos agora.

A Parte I ostenta 4 capítulos. O primeiro deles se chama “Aplicando Comte atualmente, ou sobre a relevância contemporânea do positivismo”, e versa sobre a negação de Comte no meio acadêmico, embora Lacerda não tenha mostrado evidências dessa recusa. De qualquer maneira, os elementos que supostamente inviabilizariam o sistema comteano não estão presentes de fato na obra comteana. Já no segundo capítulo, “Explicação vs. compreensão: respostas comtianas às críticas do interpretativismo”, é analisado crítica e detalhadamente um artigo de um pesquisador, refletindo sobre os dois tópicos no esmiuçar da monografia abordade, que enseja questões basilares das próprias ciências sociais. Tal exposição, por demais extensa, permite pensar questões da própria epistemologia das ciências sociais num geral. Por seu turno, o capítulo 3, “Sobre comparações interpretativas nas ciências sociais, ou sobre a possibilidade de uma ciência social que não seja comparativista e subjetivista” desenvolve mais esses tópicos, com o objetivo de problematizá-los de maneira mais geral por meio do positivismo, o que torna essa seção a mais abstrata do livro. O último capítulo, “Vontades e leis naturais: liberdade e determinismo no positivismo comteano”, destina-se a combater de maneira mais detida um dos espantalhos sobre o positivismo, o de ser uma ideologia que elimina ao indivíduo. O procedimento de Lacerda é mostrar, na obra comteana, o complexo papel da vontade individual.

A parte II da obra é composta pela maioria dos capítulos, cinco, numerados sequencialmente com os da parte anterior. O capítulo enumerado como o de número cinco, “A “teoria do Brasil” dos positivistas ortodoxos brasileiros: composição étnica e independência nacional”, menciona o papel dos intelectuais positivistas na intepretação do Brasil, não reconhecida no cânone das ciências sociais até então. A abordagem da etnia, por exemplo, permite mostrar que o positivismo não é racista por conta de muitas das características, em especial a da sua fraternidade universal. Já no sexto capítulo, denominado como “O secreto horror à realidade” dos positivistas: discutindo uma hipótese de Sérgio Buarque de Holanda”, é abordada a crítica do clássico pesquisador brasileiro em “A história da civilização brasileira”. A força dessa crítica não reside tanto em sua exatidão (questionada por Lacerda), e sim porque ela influenciou e, por esse motivo, sintetizou muitas das críticas vindouras. Tais críticas (imprecisas e nunca retomadas) ajudaram a estabelecer o estigma contra o qual o livro se volta contra. O antepenúltimo capítulo, “Laicidade na I República brasileira: os positivistas ortodoxos”, trata da militância de uma parte dos positivistas pela laicidade estatal, algo que pode contrastar com a defesa de uma Religião da Humanidade. Ou seja, os positivistas mais ortodoxos defendiam um dos pilares da moderna democracia, a despeito de hoje levarem a alcunha de amantes da ditadura e do militarismo. Essas posições não se sustentam historicamente, como bem mostra o sociólogo brasileiro. No penúltimo capítulo, “Cidadania e desigualdade em Augusto Comte”, é mostrado que Comte não era propriamente um adepto da desigualdade social no sentido aristocrático, como interpretações que o asseveram como conservador soem atribuir-lhe. De fato existem diferenças entre os indivíduos, porém o objetivo final do positivismo é a igualdade lidando com as estruturas sociais de até então. O capítulo que fecha a coletânea, o de número nove, “Entrevista sobre o positivismo: maçonaria, política, pseudociência, Brasil, mérito”, mostra uma série de quatro entrevistas concedidas por Lacerda ao pesquisador Daniel Araujo. O objetivo do autor foi didático, pois Lacerda reorganiza os tópicos para esse fim, porém o texto acaba servindo como um ótimo encerramento, uma vez que articula todos os assuntos a partir dos pontos tocados pela entrevista e produz uma síntese esperançosa. E a esperança define muito mais o positivismo do que a conservação das coisas do modo como elas são.

Para encerrar essa resenha, podemos elencar uma série de utilidades dele para além daquelas que já foram apresentadas até então. A primeira delas é a didática: seus textos podem fazer parte dos programas das disciplinas introdutórias de sociologia, listadas no lugar dos próprios escritos de Comte – ou pelo menos paralelamente a eles – no intuito de abrir possibilidades de entendimento para os alunos. Assim, é possível mostrar um outro lado da teoria e não apenas reforçar a refutação não embasada – como as acusações de higienismo e de racismo, por exemplo. Outro ponto interessante é repensar o modo de exposição das ideias do próprio ofício do sociólogo: Lacerda lembra Olavo Bilac na busca da palavra correta para cada frase. Esse tipo de “ourivesaria” do texto, de revisitá-lo inúmeras vezes, é uma atividade que fica dificultada em tempos de produtivismo, então é admirável observar tanta abnegação em um autor de obra tão vasta.

Talvez seja possível também apontar limitações da própria obra com relação ao intento do autor. O primeiro deles é que o tipo de militância de Lacerda (que é positivista) não é bem visto por muitos pares da sociologia, e a sua filiação formal com uma Igreja pode o fazer perder credibilidade – o que provavelmente não aconteceria se o autor fosse de alguma outra filiação, admitamos. Porém, o descrédito científico segue o mesmo. O segundo é que, seguindo a tradição renascentista de seus antepassados intelectuais, a exposição de Lacerda é bastante erudita e densa, o que dificulta o acompanhamento por parte de alguns segmentos do público, mesmo nas entrevistas. Assim, é possível que alguns leitores não admirem a obra pelas suas qualidades, e sim por se tratar de uma obra com gosto de século XIX. O que se trataria de uma tremenda injustiça com uma obra tão esmerada.

14 abril 2021

STF: "Lei que obriga escolas a ter Bíblia é inconstitucional"

 A notícia abaixo foi publicada em 13 de abril de 2021, na página da Agência Brasil; o original encontra-se disponível aqui.

Na presente conjuntura brasileira, que é literalmente tenebrosa com as forças reacionárias e retrógradas que governam o país, essa é uma excelente notícia, que nos dá um pequeno alento. Deve-se notar, entretanto, que a decisão do Supremo Tribunal Federal indicada abaixo foi iniciada pela Procuradoria-Geral da República em 2015, ou seja, entre cinco e seis anos atrás e que seria portanto impensável com o atual titular da PGR.


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Lei que obriga escolas a ter Bíblia é inconstitucional, decide STF

Decisão foi unânime em julgamento no plenário virtual 


Publicado em 13/04/2021 - 11:44 Por Felipe Pontes - Repórter da Agência Brasil - Brasília

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, ser inconstitucional lei estadual que obrigue escolas e bibliotecas a manterem ao menos um exemplar da Bíblia em seus acervos. Com a decisão, foi derrubado trecho de uma lei do Amazonas que impunha a obrigatoriedade.

O julgamento foi realizado em plenário virtual, ambiente digital em que os ministros têm uma janela de tempo para votar por escrito, sem debate oral. Nesse caso, a sessão se encerrou às 23h59 de ontem (12). A ação direta de inconstitucionalidade foi aberta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2015.

Todos os ministros seguiram o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia. Para ela, o Estado não pode exigir uma obra sagrada em detrimento de outras, pois precisa ser neutro e independente em relação a todas as religiões. Exigir somente a Bíblia violaria os princípios da laicidade estatal, da liberdade religiosa e da isonomia dos cidadãos, argumentou.

“Na determinação da obrigatoriedade de manutenção de exemplar somente da Bíblia, a lei amazonense desprestigia outros livros sagrados quanto a estudantes que professam outras crenças religiosas e também aos que não têm crença religiosa alguma”, escreveu Cármen Lúcia.

Edição: Fernando Fraga

Roteiro da exposição sobre o quarto mês dos calendários positivistas (Arquimedes e Filiação)

O vídeo correspondente ao roteiro abaixo encontra-se disponível aqui.


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Roteiro da exposição sobre o quarto mês dos calendários positivistas

 

Parte I – Mês concreto: Arquimedes

 


 

-        4º mês do calendário positivista concreto

o   Considerando o ano júlio-gregoriano de 2021, o mês de Arquimedes começa em 26 de março e termina em 22 de abril

o   O quarto mês concreto representa a ciência antiga

§  É o quarto mês da Antigüidade

§  Ele é antecedido por Moisés (a teocracia inicial), Homero (a poesia antiga) e Aristóteles (a filosofia antiga) e seguido pelo derradeiro mês da Antigüidade (César)

-        A respeito do mês de Arquimedes é necessário retomarmos comentários feitos anteriormente, tanto no mês de Homero quanto, principalmente, no de Aristóteles

o   Além disso, no Catecismo há poucas referências a Arquimedes ou à ciência grega; de modo geral, elas estão associadas aos comentários sobre a filosofia grega

-        A ciência foi o terceiro e último ramo intelectual a separar-se da árvore teocrática, após a poesia e a filosofia

o   Os primeiros filósofos gregos têm suas elaborações ainda muito próximos da teologia, utilizando mitos antigos para refletir sobre o mundo, mas, ao mesmo tempo, tendendo à positividade; assim, há um caráter geral metafísico permeando essa filosofia:

§  “Nessa longa elaboração mental [grega], cumpre distinguir três fases desiguais fielmente caracterizadas no quadro concreto [isto é, no calendário positivista concreto]. O movimento começa pela arte de que Homero é o eterno representante. Forçoso era que a poesia, ao mesmo tempo mais independente e mais peada, fosse a primeira a desprender-se do tronco teocrático, de modo a começar a emancipação ocidental. Ela prepara o advento da filosofia que, em princípio esboçada por Tales e Pitágoras, personifica-se enfim no incomparável Aristóteles, por tal forma superior ao seu tempo que só pode ser apreciado na Idade Média. Sob a presidência de sua eterna elaboração, este segundo surto fica assaz caracterizado a ponto de fazer sentir em breve aos verdadeiros pensadores a impossibilidade de ultrapassá-lo sem um longo preâmbulo científico que pudesse desenvolver suficientemente sua primordial base positiva. Então a ciência real, admiravelmente representada por Arquimedes, tornou-se, por sua vez, o objeto principal do gênio grego, cuja aptidão estética e força filosófica se achavam irrevogavelmente exaustas” (Catecismo, p. 412-413)

o   A filosofia grega tem o caráter próprio à filosofia conforme Augusto Comte usa essa expressão, isto é, reflexão geral e sistemática sobre o mundo e o homem

§  Ao mesmo tempo em que os filósofos refletiam sobre o mundo, eles também refletiam sobre o homem, de sorte que eles pensavam em termos ao mesmo tempo cosmológicos e morais: Tales e, ainda mais, Pitágoras e sua escola são totalmente exemplares a esse respeito

§  Vale notar que Tales e Pitágoras, ao mesmo tempo em que eram filósofos, foram também cientistas, sistematizando e levando bastante adiante o conhecimento obtido da teocracia egípcia; deve-se a Tales a primeira lei natural – a lei da soma dos ângulos internos dos triângulos planos

o   A filosofia grega raciocina em termos estáticos, repelindo a dinâmica – desde a Matemática até a Moral –; isso pode ser visto com clareza tanto na filosofia quanto na ciência; assim, no máximo os gregos desenvolveram concepções de ordem, mas não de progresso (para o qual faltava também um longo registro histórico, que permitisse claramente a noção de sucessão)

-        Arquimedes é referido duas vezes nos calendários positivistas:

1)      Sendo o titular do quarto mês do calendário concreto;

2)      Sendo celebrado na primeira semana do oitavo mês do calendário abstrato, dedicada ao politeísmo intelectual (Catecismo, p. 477) à essa semana celebra a batalha de Salamina, isto é, a vitória do gênio grego sobre a teocracia persa, bem como diversos outros nomes além do de Arquimedes: Homero, Ésquilo, Fídias, Tales, Pitágoras, Aristóteles, Hipócrates, Arquimedes, Apolônio, Hiparco

-        O mês e as semanas do mês de Arquimedes correspondem ao seguinte:

o   Arquimedes – reúne o conjunto da ciência antiga, especialmente da Matemática, da Astronomia, da Biologia e de apontamentos históricos

o   Hipócrates – reúne pesquisadores biológicos, anatomistas e médicos (incluindo alguns muçulmanos)

o   Apolônio de Perga – reúne os grandes matemáticos gregos

o   Hiparco – reúne os grandes astrônomos e estudiosos da mecânica celeste (incluindo alguns muçulmanos), em que a Astronomia torna-se uma ciência e não mais meras coleções de cartas celestes

o   Plínio, o Velho – reúne pensadores e cronistas históricos, cujos materiais serão utilizados séculos depois (quando a Sociologia for, enfim, criada); também reúne investigadores (agricultura, arquitetura, geografia) cujas descobertas são passíveis de serem aplicados ao melhoramento da vida

 

Parte II – Mês abstrato: a filiação

-        O quarto mês do calendário positivista abstrato celebra a filiação

o   É o terceiro mês que celebra os laços fundamentais, em número de cinco: casamento, paternidade, filiação, fraternidade e domesticidade

-        A filiação corresponde ao laço que liga no âmbito doméstico os filhos aos pais e às mães, em que se desenvolve e sistematiza a subordinação dos mais novos, dos mais fracos e dos inferiores aos mais antigos, mais fortes e  superiores:

o   Assim, a filiação completa a relação inaugurada pela paternidade e que é sistematizada em termos morais, tanto no âmbito doméstico quanto no cívico, pela fórmula: “dedicação dos fortes pelos fracos, veneração dos fracos para com os fortes”

-        São quatro as modalidades determinadas por nosso mestre na filiação, com as respectivas festas semanais; elas vão das mais completas, fortes e íntimas para as mais incompletas e fracas:

1)      Natural – são os laços completos e por vezes involuntários que ligam os pais aos filhos, mas em todo caso sendo laços de origem biológica

2)      Artificial – os laços criados voluntariamente entre pais e filhos, por meio das adoções

3)      Espiritual – são os laços de apoio principalmente moral, mas também intelectual e artístico

4)      Temporal – são os laços de patrocínio material

 

Parte III – Comemorações de aniversários e feriados cívicos

-        Em termos de aniversários, comemoramos neste mês as seguintes figuras:

o   Clotilde de Vaux (1815-1846) – nascimento e morte (9.Arquimedes – 3.abr.; 11.Arquimedes – 5.abr.)

o   David Carneiro (1904-1990) – nascimento (4.Arquimedes – 29.mar.)

o   Eduardo de Sá (1866-1940) – nascimento (7.Arquimedes – 1º.abr.)

o   Antonin Dubost (1842-1921) – morte (22.Arquimedes – 16.abr.)

o   Dia do Índio (25.Arquimedes – 19.abr.)

o   Dia de Tiradentes (1791) (27.Arquimedes – 21.abr.)

o   Descobrimento do Brasil (1500) (28.Arquimedes – 22.abr.)











 

Referências bibliográficas

Augusto Comte: Sistema de filosofia positiva, Sistema de política positiva, Catecismo positivista, Síntese subjetiva

Frederic Harrison: O novo calendário dos grandes homens

Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte

David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos

Ângelo Torres: Calendário Filosófico

Comité des travaux historiques et scientifiques: Sociétés savantes de France

Roteiro da exposição sobre o terceiro mês dos calendários positivistas (Aristóteles e Paternidade)

O vídeo correspondente ao roteiro abaixo encontra-se disponível aqui.


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Roteiro da exposição sobre o terceiro mês dos calendários positivistas

 

Parte I – Mês concreto: Aristóteles

 



-        3º mês do calendário positivista concreto

o   Considerando o ano júlio-gregoriano de 2021, o mês de Aristóteles começa em 26 de fevereiro e termina em 25 de março

o   O segundo mês concreto representa a filosofia antiga

§  É o terceiro mês da Antigüidade

§  Ele é antecedido por Moisés (a teocracia inicial) e Homero (a poesia antiga) e seguido pelos outros dois meses da Antigüidade (Arquimedes e César)

-        A filosofia foi o segundo ramo intelectual a separar-se da árvore teocrática, após a poesia e antes da ciência

o   Os primeiros filósofos gregos têm suas elaborações ainda muito próximos da teologia, utilizando mitos antigos para refletir sobre o mundo, mas, ao mesmo tempo, tendendo à positividade; assim, há um caráter geral metafísico permeando essa filosofia

o   A filosofia grega tem o caráter próprio à filosofia conforme Augusto Comte usa essa expressão, isto é, reflexão geral e sistemática sobre o mundo e o homem

§  Ao mesmo tempo em que os filósofos refletiam sobre o mundo, eles também refletiam sobre o homem, de sorte que eles pensavam em termos ao mesmo tempo cosmológicos e morais: Tales e, ainda mais, Pitágoras e sua escola são totalmente exemplares a esse respeito

o   A filosofia grega raciocina em termos estáticos, repelindo a dinâmica – desde a Matemática até a Moral –; isso pode ser visto com clareza tanto na filosofia quanto na ciência; assim, no máximo os gregos desenvolveram concepções de ordem, mas não de progresso (para o qual faltava também um longo registro histórico, que permitisse claramente a noção de sucessão)

o   Eis como nosso mestre resume a evolução intelectual grega:

§  “Nessa longa elaboração mental [grega], cumpre distinguir três fases desiguais fielmente caracterizadas no quadro concreto [isto é, no calendário positivista concreto]. O movimento começa pela arte de que Homero é o eterno representante. Forçoso era que a poesia, ao mesmo tempo mais independente e mais peada, fosse a primeira a desprender-se do tronco teocrático, de modo a começar a emancipação ocidental. Ela prepara o advento da filosofia que, em princípio esboçada por Tales e Pitágoras, personifica-se enfim no incomparável Aristóteles, por tal forma superior ao seu tempo que só pode ser apreciado na Idade Média. Sob a presidência de sua eterna elaboração, este segundo surto fica assaz caracterizado a ponto de fazer sentir em breve aos verdadeiros pensadores a impossibilidade de ultrapassá-lo sem um longo preâmbulo científico que pudesse desenvolver suficientemente sua primordial base positiva. Então a ciência real, admiravelmente representada por Arquimedes, tornou-se, por sua vez, o objeto principal do gênio grego, cuja aptidão estética e força filosófica se achavam irrevogavelmente exaustas” (Catecismo, p. 412-413)

-        Aristóteles em particular é um dos nomes mais importantes para Augusto Comte, sendo citado inúmeras vezes – sempre da maneira mais elogiosa possível – no Catecismo positivista

o   Antes de mais nada, importa notar que Aristóteles é definido por nosso mestre como um de seus antecessores – nomeadamente, Aristóteles é o grande nome da Antigüidade

§  Aristóteles é ligado em termos intelectuais à modernidade por meio de Tomás de Aquino, Rogério Bacon e Dante na Idade Média; os pensadores modernos que Augusto Comte identifica como seus antecessores são vários, em diversos âmbitos: o seu pai espiritual é Condorcet, integrando a escola filosófica do século XVIII (dos enciclopedistas) de Fontenelle, David Hume e Diderot; Kant é ligado a Hume e José de Maistre, a Condorcet; Bichat e Gall também são antecessores científicos: esses seis nomes (Hume e Kant, Condorcet e De Maistre, Bichat e Gall) ligam Augusto Comte aos três fundadores da verdadeira filosofia moderna (Descartes, Bacon e Galileu) (Catecismo, p. 5-6)

o   Além disso, nosso mestre considera que, se a primeira carreira de nosso mestre (com a redação do Sistema de filosofia positiva) fê-lo um Aristóteles moderno, a sua segunda carreira (do Sistema de política positiva) fê-lo um São Paulo moderno, a partir da inspiração de Clotilde de Vaux:

§  “Sem ela [sem Clotilde], nunca eu poderia podido fazer suceder ativamente a carreira de S. Paulo à de Aristóteles, fundando a religião universal sobre a sã filosofia, depois de ter tirado esta da ciência real” (Catecismo, p. 15)

o   Para Augusto Comte, caso o ambiente social em que Aristóteles surgiu fosse mais próprio à poesia, ele seria tão genial quanto Dante ou quanto foi em filosofia; inversamente, se, por exemplo, Dante tivesse nascido em um ambiente mais filosófico, teria sido tão genial quanto foi Aristóteles ou em poesia (Catecismo, p. 112)

-        Embora limitado às considerações estáticas, como todos na Grécia (ou melhor, como todos na Antigüidade), Aristóteles foi um pensador de âmbito universal e enciclopédico, tendo lançado bases fundamentais para o estudo estático das ciências superiores (Biologia, Sociologia e Moral)

o   na Biologia, ele propôs o esquema (necessariamente subjetivo) da classificação de seres vivos, fez observações importantes sobre a simetria dos animais superiores e, além de muitas outras observações, lançou as bases da Biologia, que só seria fundada de fato por Bichat, no século XIX (Catecismo, p. 233-234)

o   Na Sociologia, fez comparações sistemáticas sobre as cidades gregas e bárbaras, formulando no início da sua Política o fundamento da estática social, ou seja, a separação dos ofícios e a convergência dos esforços

o   Na Moral, especialmente na sua Ética Nicomaquéia, elaborou reflexões fundamentais sobre a felicidade, o dever, a responsabilidade; novamente na Política também afirmou a superioridade moral das mulheres: “a principal força da mulher consiste em superar a dificuldade de obedecer” (Catecismo, p. 349)

o   Em termos de Lógica, Aristóteles também foi fundamental, ao propor a lei estática fundamental do entendimento humano: “nada há no entendimento que não provenha primeiramente dos sentidos” (Catecismo, p. 174-175)

o   Em virtude dessas características todas, Aristóteles estava muito à frente de seu tempo e só foi avaliado plenamente, isto é, respeitado e levado em consideração, na Idade Média (a obra de Tomás de Aquino representa o reconhecimento católico dessa superioridade e a necessidade de, de alguma forma, o catolicismo incorporar o aristotelismo)

o   O poderoso gênio positivo de Aristóteles tinha que se limitar ao ambiente teológico-metafísico geral da Grécia em que viveu; em particular, ele concebia uma divindade monoteica

§  Vale lembrar que esse monoteísmo já era concebido pelo menos desde Sócrates e que, por meio de Platão, influenciará decisivamente a constituição do catolicismo; esse monoteísmo, além disso, é a via orgânica própria ao Ocidente na constituição do monoteísmo, que será elaborado plenamente por São Paulo, alguns séculos depois

§  O monoteísmo de Aristóteles não reconhecia o voluntarismo próprio ao politeísmo ou o presente no mosaísmo; o deus aristotélico limitava-se a criar o mundo e a pô-lo em movimento, afastando-se então da realidade

-        A importância de Aristóteles é tão grande que ele é celebrado pelo menos três vezes nos calendários positivistas:

1)      Sendo o titular do terceiro mês do calendário concreto;

2)      Sendo celebrado na primeira semana do oitavo mês do calendário abstrato, dedicada ao politeísmo intelectual (Catecismo, p. 477) à essa semana celebra a batalha de Salamina, isto é, a vitória do gênio grego sobre a teocracia persa, bem como diversos outros nomes além do de Aristóteles: Homero, Ésquilo, Fídias, Tales, Pitágoras, Aristóteles, Hipócrates, Arquimedes, Apolônio, Hiparco

3)      Sendo o titular da celebração dos dias das semanas (Catecismo, p. 155):

Lunedia: Homero

Martedia: Aristóteles

Mercuridia: César

Venerdia: São Paulo

Jovedia: Carlos Magno

Sábado: Dante

Domingo: Descartes

-        O mês e as semanas do mês de Aristóteles correspondem ao seguinte:

o   Aristóteles – é o conjunto da contribuição filosófica dos nossos antecedentes gregos

o   Tales – reúne os grandes pensadores iniciais da Grécia, que buscavam explicar o mundo com base em algum princípio geral; também inclui pensadores que buscavam desenvolver o que chamaríamos depois de ciência

o   Pitágoras – reúne os moralistas gregos preocupados com os destinos coletivos e também aqueles que procuraram usam a ciência como base da moralidade

o   Sócrates – reúne os pensadores morais em termos individuais; a presença de Zenão incorpora o estoicismo e, daí, a presença de pensadores romanos (Cícero; Plínio, o Jovem; Tácito)

o   Platão – reúne os pensadores metafísicos que constituirão, depois, o monoteísmo católico

 

Parte II – Mês abstrato: a paternidade

-        O terceiro mês do calendário positivista abstrato celebra a paternidade

o   É o segundo mês que celebra os laços fundamentais, em número de cinco: casamento, paternidade, filiação, fraternidade e domesticidade

-        A paternidade corresponde a pelo menos dois tipos de relações:

o   Por um lado, é a responsabilidade masculina de manter a ordem no âmbito doméstico e de prover as necessidades familiares, para isso sofrendo a influência moral, isto é, moderadora das mulheres;

o   Por outro lado, é a responsabilidade paterna de cuidar dos filhos, isto é, de desenvolver os sentimentos de bondade para com aqueles que são, ao mesmo tempo, mais fracos, inferiores e posteriores a si. Este aspecto é o que caracteriza propriamente a “paternidade”, mas é claro que ele tem o aspecto anterior como seu requisito sociológico e moral.

§  Assim, a paternidade estabelece a relação que é completada pela filiação e que é sistematizada em termos morais, tanto no âmbito doméstico quanto no cívico, pela fórmula: “dedicação dos fortes pelos fracos, veneração dos fracos para com os fortes”

-        São quatro as modalidades determinadas por nosso mestre na paternidade, com as respectivas festas semanais; elas vão das mais completas, fortes e íntimas para as mais incompletas e fracas:

1)      Natural – são os laços completos e por vezes involuntários que ligam os pais aos filhos, mas em todo caso sendo laços de origem biológica

2)      Artificial – os laços criados voluntariamente entre pais e filhos, por meio das adoções

3)      Espiritual – são os laços de apoio principalmente moral, mas também intelectual e artístico

4)      Temporal – são os laços de patrocínio material

 

Parte III – Comemorações de aniversários e feriados cívicos

-        Em termos de aniversários, comemoramos neste mês a seguinte figura:

o   Justin Dévot (1867-1921) – morte (2.Aristóteles – 27.fev.)

o   Início do outono (23.Aristóteles – 20.mar.)

 




 

Referências bibliográficas

Augusto Comte: Sistema de filosofia positiva, Sistema de política positiva, Catecismo positivista, Síntese subjetiva

Frederic Harrison: O novo calendário dos grandes homens

Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte

David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos, v. 2

Ângelo Torres: Calendário Filosófico

Comité des travaux historiques et scientifiques: Sociétés savantes de France