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17 setembro 2024

Responsabilidade política

No dia 9 de Shakespeare de 170 (17.9.2024) tivemos nossa prédica positiva, com a leitura comentada do Catecismo positivista (iniciando a décima terceira conferência, dedicada à  tríplice transição ocidental).

Na parte do sermão abordamos a responsabilidade política.

Além disso, antes do sermão, falamos sobre alguns filmes para a cinemateca positivista e também abordamos um livro de Alberto Cupani.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/miPwS) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/dNWrD).

Os tempos da prédica foram os seguintes:

00 min 00 s - início

03 min 28 s - exortações iniciais

16 min 44 s - efemérides

21 min 10 s - cinemateca positivista

46 min 10 s - comentário sobre livro

55 min 09 s - leitura comentada do Catecismo Positivista

1 h 21 min 50 s - sermão

2 h 22 min 10 s - exortações finais

2 h 30 min 04 s - término

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Prédica positiva

(9.Shakespeare.170/17.9.2024) 

1.       Início

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.1.1. De modo específico 1: não sejamos imaturos nem mesquinhos

2.1.2. De modo específico 2: cuidemos do meio ambiente, melhoremos o padrão de consumo, apoiemos a transição energética, combatamos o aquecimento global, as queimadas, o negacionismo climático

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides:

3.1.    2 de Shakespeare (10.9): nascimento do nosso correligionário italiano Mattia Caneppele (2004)

3.2.    9 de Shakespeare (17.9): transformação de Rodolfo Paula Lopes (1984)

3.3.    13 de Shakespeare (21.9): nascimento de Luís Lagarrigue (1854)

3.4.    14 de Shakespeare (22.9): início da primavera

4.       Cinemateca positiva

4.1.    Julie e Júlia (EUA, 2009, direção de Nora Ephron)

4.1.1. É um filme que combina comédia romântica com comédia dramática, de maneira muito simpática

4.1.2. Podemos considerá-lo positivista porque apresenta a importância que a história tem para as pessoas; porque indica que a influência subjetiva, após a transformação, por vezes é maior que a influência objetiva; porque indica que essa influência subjetiva pode ser benfazeja e dar sentido (e sentido positivo) à vida das pessoas

4.2.    Sobre Pollyanna

4.2.1. Na semana passada nosso amigo e correligionário Eugênio Macedo perguntou-nos se o livro e filme Poliana poderiam ser enquadrados na Biblioteca e na cinemateca positivista; naquele momento não conseguimos responder, mas agora podemos

4.2.2. O livro Poliana foi escrito em 1913 pela estadunidense Eleanor H. Porter (1868-1920)

4.2.3. A personagem Poliana enfrenta problemas na vida e, para isso, joga o “jogo do contente”, em que, em face de dificuldades, procurava encontrar sempre o lado bom das coisas

4.2.3.1.             Por exemplo: “Uma vez eu tinha pedido bonecas e ganhei muletas. Mas fiquei feliz porque não precisava delas [das muletas]” (citação extraída da Wikipédia)

4.2.4. Em si mesmo, o “jogo do contente” pode ser entendido como uma técnica para manter o bom humor e, no limite, para manter a sanidade quando enfrentamos graves e/ou contínuos problemas na vida

4.2.5. Entretanto, há que se ter muito cuidado com isso, pois com facilidade pode converter-se em uma forma de alienação sistemática

4.2.5.1.             Por exemplo: quando ocorre um acidente de trânsito com ônibus (ou acidente aéreo) e morrem todos menos uma pessoa: no jogo do contente considera-se bom que uma pessoa tenha sobrevivido: por certo que essa vida tem que ser valorizada, mas valorizá-la mais que a morte de todos os outros é uma forma grosseira e mesquinha de alienação

4.2.6. Augusto Comte era contrário a essa forma de alienação, que ele chamava de “otimismo” e que nos dias atuais podemos chamar de “providencialismo teológico”

4.2.6.1.             Uma versão satírica e extremada desse otimismo – que, vale insistir, com enorme facilidade descamba para o providencialismo teológico – foi descrida por Voltaire no livro Cândido, ou o otimismo (de 1759)

4.2.7. Em face disso, o livro e o filme Poliana não se enquadram precisamente no espírito positivo; como dissemos, o otimismo da personagem Poliana aproxima-se mais da alienação providencialista que do verdadeiro espírito positivo

4.2.7.1.             Em contraposição, vale notar que Augusto Comte recomendava a leitura de livros (e a assistência de óperas) que têm conteúdos duríssimos: basta considerarmos as obras de Homero e de Shakespeare

4.2.7.1.1.                   Homero compôs a Ilíada, que não apenas é o relato de uma guerra como, em particular, aborda o episódio da “ira de Aquiles”

4.2.7.1.2.                   Shakespeare compôs peças por vezes belas e leves, como A tempestade e Sonhos de uma noite de verão, mas também peças pesadas, como Otelo, Macbeth e mesmo Romeu e Julieta

5.       Comentário sobre livro

5.1.    Livro Sobre a ciência (https://fil.cfh.ufsc.br/livro-alberto-cupani-sobre-a-ciencia-estudos-de-filosofia-da-ciencia/), de Alberto Cupani (Florianópolis, UFSC, 2023, 2ª ed.)

5.1.1. Esse livro expõe debates e reflexões contemporâneos sobre as ciências

5.1.2. Esse livro tem duas qualidades em particular:

5.1.2.1.             Por um lado, ele é muito didático, ao expor com clareza e ao explicar os debates, as polêmicas etc.

5.1.2.2.             Por outro lado, embora o autor não cite Augusto Comte e embora (repetindo o senso comum academicista) considere que o “positivismo” é o Círculo de Viena e concepções objetivistas, reducionistas etc., o fato é que suas preocupações e suas perspectivas são positivistas ou, pelo menos, são muito próximas a nós

6.       Leitura comentada do Catecismo positivista

6.1.    Início da décima terceira (e última) conferência, dedicada à exposição do desenvolvimento histórico da evolução humana, ou seja, do desenvolvimento da religião, em particular da transição própria ao Ocidente

7.       Sermão: sobre a responsabilidade política

7.1.    O tema de hoje relaciona-se diretamente com o Positivismo e, ao mesmo tempo, com as nossas vidas cívicas, seja no Brasil, seja no mundo: a responsabilidade de nossas ações

7.1.1. O que exporemos são apenas algumas indicações sobre a responsabilidade política e sobre os mecanismos de responsabilização; não temos nenhuma intenção de esgotar o assunto

7.2.    Como veremos, ao tratar das responsabilidades, há algumas confusões que convém desfazer, assim como há separações duras que convém também desfazer

7.2.1. Ao tratarmos das “responsabilidades políticas”, o Positivismo tem clareza que uma coisa são as responsabilidades políticas e outra são as responsabilidades sociais: entretanto, para nós, embora distintas, elas não são (e não podem ser) radicalmente separadas – embora a reflexão sociopolítica atual, muito marcada pelo academicismo, faça questão de separá-las com dureza

7.2.2. De maneira semelhante, no Positivismo reconhecemos que há o âmbito doméstico e o âmbito cívico, assim como há o Estado e a chamada “iniciativa privada”: são distinções importantes que devem ser preservadas e respeitadas; ainda assim, não se pode nem se deve opor de maneira dura e radical esses âmbitos: para o Positivismo, o cívico e o doméstico são complementares, da mesma forma que, como todos trabalhamos para o benefício de todos, devemos considerar que todos somos “servidores públicos”, ou seja, que nossas ações visam ao bem comum

7.2.3. Atualmente, quando se fala em “responsabilidade política”, a preocupação central é com a responsabilização pelas más ações, pelas omissões, pela incompetência – ou seja, o viés é negativo e com um quê de punitivismo –; entretanto, uma teoria sociopolítica verdadeira tem que considerar antes de mais nada e acima de tudo o viés positivo, reservando o viés negativo para uma situação extrema e anormal: o Positivismo adota essa perspectiva e desenvolve sua teoria sociopolítica com essa preocupação

7.3.    Passemos então ao tema das responsabilidades

7.4.    Tudo na vida exige responsabilidade; crescer, amadurecer, virar adulto consiste justamente em assumir responsabilidades

7.4.1. Uma parte importantíssima da ação das famílias consiste, justamente, em preparar os infantes para assumirem responsabilidades, vinculando, assim, a vida doméstica à vida pública

7.4.1.1.             Essa vinculação é afirmada com todas as letras pelo Positivismo

7.4.1.1.1.                   O Positivismo, sendo uma religião positiva, isto é, real, útil, relativa e simpática, é a única religião que estabelece os objetivos da família, que estabelece os objetivos da sociedade cívica e que estabelece as relações mútuas entre ambas (em particular no sentido indicado acima)

7.4.1.2.             Vale notar que, infelizmente, nas últimas décadas, a tendência moral – e comercial! – é no sentido da infantilização dos adultos e da manutenção das pessoas em condições mentais e morais próximas da infância, isto é, em infâncias perpétuas

7.4.1.3.             Nessa tendência, o que se apresenta, ou melhor, o que se vende é a concepção de que uma boa vida é a vida sem responsabilidades

7.4.1.4.             Deveria ser evidente que nenhum país pode manter-se, que dirá desenvolver-se, com a mentalidade infantilizadora que permeia nossas sociedades – o que é agravado pelos seriíssimos problemas que enfrentamos (crise climática, desinformação sistemática, radicalização política, graves conflitos internacionais)

7.5.    Assumir responsabilidades é assumir obrigações; em outras palavras, assumir responsabilidades significa cumprir deveres

7.5.1. Esses deveres são autoimpostos e/ou impostos “externamente” (pelas nossas relações familiares, pelos nossos empregos, pelas nossas profissões, pelas nossas carreiras públicas de modo geral)

7.5.2. Novamente, o Positivismo afirma com clareza: todos nós temos deveres de todos para com todos: viver em sociedade e, ainda mais, viver de maneira altruísta implica necessariamente assumir e cumprir nossos deveres

7.5.3. Vale notar que cumprir nossos deveres não significa não viver com alegria, com satisfação e/ou com leveza; mas, inversamente, significa não entender os deveres, as obrigações, as responsabilidades como ônus, como fardos, como sempre e necessariamente coisas ruins e desagradáveis (e ruins e desagradáveis em particular porque nos obrigam a sair de nossos egoísmos)

7.6.    Por outro lado, assumir responsabilidades também significa “responsabilizar-se por” algo, ou seja, significa assumir os ônus nos casos de problemas com aquilo a nosso cargo

7.6.1. Como sabemos, esse é o sentido habitual de “responsabilizar-se” por algo

7.6.2. Uma possível conseqüência extrema da responsabilização é a eventual destituição do cargo, da função ou, em todo caso, da responsabilidade

7.7.    Vale notar que a responsabilização só pode acontecer quando encaramos as ações como especificamente humanas: o que está acima ou abaixo do ser humano (“deus ou besta”, como dizia Aristóteles) é “irrresponsável”, ou seja, irresponsabilizável

7.7.1. A política e as ações teológicas são indiscutíveis e irresponsáveis – logo, são irresponsabilizáveis

7.7.2. Mas a “soberania popular” e a “vontade popular”, na medida em que estão “sempre certas”, também são irresponsáveis e irresponsabilizáveis: não por acaso, a soberania popular é a corrupção metafísica da “soberania divina” dos reis

7.7.2.1.             Rousseau era muito claro nesse aspecto: a democracia nunca erra, por piores que sejam suas decisões!

7.8.    Na vida política, o tema da responsabilização vincula-se estreitamente à reflexão republicana; isso significa que somente quando se leva a sério o conceito de república é que se pode falar com seriedade em responsabilidades

7.8.1. Uma das formas de levar a sério a república é falar-se em “cidadania” – embora isso seja um caminho meio enviesado, que assume o republicanismo travestindo-o de democracia, ao mesmo tempo em que se finge que a democracia à la Rousseau não é irresponsável e irresponsabilizável

7.8.2. Evidenciar o vínculo entre republicanismo e cidadania pode parecer banal, mas não é

7.8.2.1.             Por um lado, como vimos, a democracia à la Rousseau rejeita a noção de responsabilidade

7.8.2.2.             Por outro lado, o marxismo condena como sendo “burguês” (ou seja, falso, alienante, formalista, hipócrita) o republicanismo e toda a preocupação com a responsabilidade pública

7.8.2.2.1.                   Vale notar que, atualmente, o marxismo acabou aceitando a noção de “cidadania”; mas desde Marx até a derrocada do marxismo soviético em 1989-1991, os marxistas (e, daí, o conjunto da esquerda e dos “progressistas”) rejeitavam o republicanismo e a cidadania como tolices hipócritas, cínicas, formalistas – burguesas, enfim

7.9.    Para que a responsabilização por algo seja possível, são necessárias pelo menos duas condições, uma social e outra institucional:

7.9.1. A condição social é a existência da sociedade civil, em particular da sociedade civil organizada, isto é, com órgãos próprios que expressem as opiniões

7.9.2. A condição institucional é que sejam garantidas as liberdades fundamentais, que são as liberdades de consciência (e de pensamento), de expressão e de associação

7.9.3. Na verdade, Augusto Comte, no Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo, nota que as condições são três e não somente duas: o público (a sociedade civil), o sacerdócio (um órgão de interpretação) e uma doutrina sociopolítica (o Positivismo); adicionalmente, incluímos também as liberdades

7.9.3.1.             O Positivismo é tanto a doutrina quanto o órgão de interpretação e fiscalização; da mesma forma, a existência, a relevância, a autonomia da sociedade civil e das liberdades são afirmadas e defendidas pelos positivistas; por fim, como vimos antes, também defendemos a noção de deveres (e, portanto, de responsabilidades)

7.9.3.2.             Convém notar que as responsabilidades são públicas, ou seja, de todos para com todos, quer sejam do Estado, quer sejam da iniciativa privada, quer sejam da sociedade civil

7.9.4. O Positivismo também afirma outro princípio político fundamental para a responsabilização: trata-se do “viver às claras”

7.9.4.1.             A importância do viver às claras torna-se evidente quando se considera que, sem o que se chama atualmente de “transparência”, é impossível que a sociedade civil acompanhe as ações dos governantes, ou melhor, dos líderes (quer sejam do governo, quer sejam da sociedade civil)

7.10.                     Atualmente a reflexão sobre as responsabilidades políticas assume o nome pomposo, necessariamente em inglês, de “accountability[1]

7.10.1.   A palavra accountability indica a propriedade de ser accountable, ou seja, responsabilizado por algo, de prestar contas por algo

7.10.2.   Na verdade, a concepção da accountability é restrita à responsabilização, pouco preocupada com o exercício das responsabilidades

7.10.2.1.          Há um certo elemento de punitivismo na preocupação da teoria da accountability com a responsabilização: não por acaso, os autores que tratam da accountability reconhecem a origem liberal dessas reflexões

7.10.2.2.          Infelizmente, o exercício efetivo das atividades públicas (governamentais ou não), mesmo quando se emprega o rótulo geral de “república”, é considerado sob a luz do liberalismo, ou seja, não como uma função pública que exige dedicação e seriedade, mas como gastos a serem a todo momento justificados

7.10.3.   Em termos da responsabilização, a accountability considera dois ou três aspectos: (1) o acompanhamento pelo público das ações dos líderes; (2) a imputação de culpa nos casos de fracasso ou má gestão; (3) a imputação de penas àqueles considerados responsáveis

7.10.4.   Por outro lado, reconhecem-se dois ou três mecanismos institucionais gerais para a prática da accountability:

7.10.4.1.          Mecanismos verticais: de cima para baixo, são as eleições

7.10.4.2.          Mecanismos horizontais: são os controles institucionais internos (no caso do Estado brasileiro, são órgãos como o Tribunal de Contas, a Controladoria-Geral da União e até o Ministério Público)

7.10.4.3.          Mecanismos sociais: a fiscalização realizada pela própria sociedade

7.10.5.   É notável que apenas os mecanismos eleitorais e institucionais sejam “classicamente” (isto é, nos últimos 50 anos) considerados; como Rodrigo Horochovski nota, apenas recentemente se passou a levar em consideração os mecanismos sociais – logo esses mecanismos, que são anteriores lógica, social e historicamente aos outros!

7.10.6.   Os mecanismos sociais são os mais claros, na medida em que indicam os critérios e os objetivos das ações e também avaliam o desenvolvimento, os resultados, a eficiência e a eficácia e a moralidade das ações

7.10.6.1.          Não é por acaso que o Positivismo afirma a centralidade dos mecanismos sociais

7.10.7.   Os mecanismos institucionais têm lá sua importância; embora interfiram bastante no desenvolvimento das ações públicas, com freqüência são opacos em seus critérios e seus objetivos

7.10.8.   Já os mecanismos eleitorais são confusos, pois misturam mudanças dos governantes com avaliação de políticas públicas com responsabilização por efeitos e comportamentos; isso tudo além de considerar-se que as eleições são fonte de legitimação e, claro, que “a soberania popular nunca erra”

7.10.8.1.          Vale notar que os liberais dividem-se a respeito dos mecanismos eleitorais e sociais: alguns aferram-se ao formalismo eleitoral desprezando a sociedade civil e seus órgãos; outros desprezam o elemento popular que se manifesta na sociedade e/ou nas eleições

7.10.8.2.          Os mecanismos eleitorais, além de misturarem e confundirem inúmeras questões, apresentam dois graves problemas fundamentais:

7.10.8.2.1.                Travestem questões qualitativas em problemas quantitativos; ou seja, fingem que a qualidade governativa e a responsabilidade social são meras questões de número

7.10.8.2.2.                Transportam para os “representantes” a expressão das opiniões da sociedade, o que na prática desautoriza a sociedade de representar e expressar a si própria com autonomia

7.11.                     Em suma:

7.11.1.   Ao tratarmos das responsabilidades, há algumas confusões correntes, assim como algumas divisões profundas – tanto umas quanto outras o Positivismo recusa

7.11.1.1.          As responsabilidades políticas e as responsabilidades sociais não podem ser separadas de maneira radical e profunda

7.11.1.2.          A noção de responsabilidade não pode limitar-se ao viés negativo e potencialmente punitivista de “responsabilizar-se por”, mas deve considerar, antes, os parâmetros positivos que estabelecem os objetivos, as metas, os critérios da vida social e que definem os deveres de todos para com todos

7.11.2.   O Positivismo afirma com clareza, desde o início, que todos devemos cumprir com seriedade e da melhor maneira possível as nossas obrigações quaisquer: esse é o sentido fundamental de “ter responsabilidade” ou de “ser responsável”

7.11.2.1.          Assim, o Positivismo afirma que todos temos deveres com todos

7.11.3.   O Positivismo também considera que “ter responsabilidade” significa “ser responsabilizado” pelas ações ou pelas omissões, no caso de fracasso, imperícia ou erros

7.11.4.   Para o Positivismo, a “responsabilização” anda em conjunto com o “viver às claras”

7.11.5.   Para o Positivismo, tanto as responsabilidades positivas quanto a responsabilização negativa é feita pela sociedade, por meio de seus órgãos, que estabelece os objetivos das ações e os critérios de avaliação, além de acompanhar a realização dessas ações, eventualmente exigindo a substituição de incompetentes e/ou a punição dos faltosos

8.       Exortações finais

9.       Término da prédica 



[1] Para muito dos comentários sobre a literatura técnica sobre a accountability, baseio-me largamente no artigo de Rodrigo R. Horochovski, “A accountability e seus mecanismos: um balanço teórico” (disponível aqui: https://www.researchgate.net/profile/Rodrigo-Horochovski/publication/359415384_ACCOUNTABILITY_E_SEUS_MECANISMOS_UM_BALANCO_TEORICO/links/623afe32b0cf7d78ec6d55e2/ACCOUNTABILITY-E-SEUS-MECANISMOS-UM-BALANCO-TEORICO.pdf). É importante realçar, entretanto, que me basear é diferente de reproduzir: vários conceitos que apresento são interpretações minhas.

18 maio 2023

Teoria positiva da confiança

No dia 24 de César de 169 (16.5.2023) realizamos nossa prédica positiva. Após darmos continuidade à leitura comentada da sexta conferência do Catecismo positivista (dedicada ao conjunto do dogma positivo), proferimos um sermão sobre a teoria positiva da confiança. As anotações que serviram de base para essa exposição, acrescidas de comentários sugeridos pelo público, estão reproduzidas abaixo.

A prédica pode ser vista nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/gl2k6) e Apostolado Positivista do Brasil (aqui: https://l1nk.dev/vPER3). O sermão pode ser visto a partir de 41' 45".

*    *    *


Sobre a confiança

 -        Podemos dizer que a confiança é a base todas as relações sociais

o   Assim, a confiança é um dos conceitos sociais, políticos e morais mais importantes de qualquer sociedade e de qualquer pessoa

o   A confiança seria importante para o Positivismo de qualquer maneira; mas, além disso, o Positivismo fundamenta de diferentes maneiras e tira inúmeras conseqüências da confiança

-        A confiança em si mesma tem aspectos subjetivos e outros objetivos

-        À primeira vista, a confiança seria apenas subjetiva e individual

o   Podemos defini-la basicamente como a crença de que alguém e/ou alguma instituição merece respeito e apoio

§  Em certo sentido, a confiança aproxima-se da esperança: mas, enquanto a esperança tem um aspecto mais abstrato e de longo prazo, a confiança é mais concreta e de curto prazo

o   Mais do que apoio e respeito: trata-se da crença de que, em um determinado âmbito da vida, podemos confiar no julgamento e nas ações tomadas por outras pessoas e/ou instituições

§  Assim, esse aspecto puramente subjetivo assume um âmbito coletivo e tem conseqüências diretas também coletivas

o   Um outro aspecto importante, também subjetivo e objetivo, individual e coletivo: a confiança exige sempre a liberdade e, portanto, a autonomia dos indivíduos

§  Inversamente, isso equivale a dizer que em face do medo, da coerção, da ameaça de violência, não é possível a confiança

 

[Comentários de Hernani Gomes da Costa, feitos em 14.5.2023.]

Boa tarde, Gustavo! Tudo bem? Acabei de ler a sinopse de seu próximo sermão. Pareceu-me capaz de fornecer as bases necessárias para uma apresentação completa do assunto em seu próprio âmbito.

Assim, tenho pois a acrescentar aqui apenas uma sugestão, que embora me pareça acessória (e dispensável, portanto, à compreensão do assunto) proveria o sermão de uma base mais geral e sistemática.

Ela consiste em ligar o tema específico da confiança fazendo-o derivar do conjunto inteiro do dogma, isto é, vinculando-o à concepção fundamental deste.

Se a base da nossa confiança reside na fé demonstrável segundo a qual a Humanidade habita um mundo onde os fenômenos quaisquer seguem leis apreciáveis, é esta precisamente a confiança que nos haverá de conferir toda a segurança emocional necessária à nossa harmonia mental nas relações humanas. O “mundo assombrado pelos demônios”, de que fala Carl Sagan, é o mundo onde se imagina que “tudo pode acontecer”, e que longe de nos favorecer a confiança seja lá no que for, apenas pode nos fazer mergulhar a mente nas mais delirantes e antipáticas possibilidades todas elas tornadas igualmente plausíveis.

Einstein em contrapartida (que costumava “jogar pra a platéia” servindo-se de metáforas teológicas para exprimir seu pensamento, de maneira atraente) certa vez afirmou que “o Senhor é sutil mas não malicioso”, querendo, no fundo, dizer com isso que a Natureza não se furta nunca a dar-se a conhecer à Humanidade, podendo cada um de nós, confiar nela tal como confiaria em alguém radicalmente honesto. Essa fé na regularidade dos fenômenos quaisquer corresponde à mais longínqua referência a que podemos levar o conceito de confiança.

Aquele mesmo pensamento que Einstein exprimiu em termos teológicos, Carl Rogers o expressou vantajosamente em termos fetíchicos, quando afirmou que “os fatos são amigos”. Ora se um amigo é fundamentalmente digno de confiança, nada nos impede de dizer, inversamente, que o que é digno de confiança é amigo.

Assim, a transparência que fundamenta as relações fraternas entre os homens não é um sentimento que precise ser procurado e desenvolvido apenas no interior da ordem moral. Ao contrário ele nos é desde sempre e o tempo todo exemplificado e robustecido por uma concepção diretamente sugerida já pela própria ordem física e mesmo pela ordem lógica. Com efeito, o mundo espontaneamente se oferece à Humanidade tal como sistematicamente as pessoas se propõem a fazê-lo guiadas pelo altruísmo. Ao apenas ser tal como é, e portanto ao tão só manifestar-se a nós apenas (e totalmente) pelo que é, o mundo vem assim a nos prover do mais recuado exemplo físico e lógico de tudo aquilo que nós devemos ser e desenvolver moralmente.

Um outro ponto que talvez merecesse comentar é o contraste radical entre os conceitos teológico e positivo de confiança: o mesmo teologismo que nos convida (ou antes nos intima) a confiar cegamente num ser que - a menos de ser concebido a priori como bom - não poderia deixar de ser tomado como o responsável direto por todas as nossas misérias (sempre então imaginadas como devendo obedecer a algum propósito maior que nos escapa) esse mesmo teologismo, dizia, é também aquele que não hesita em pôr sob suspeita e em difamar a Humanidade inteira, declarando maldito o homem que confia no próprio homem; e isso, note-se, não importando quais possam ter sido as maiores e as mais numerosas provas reconhecíveis e decisivas de sua sempre e inconfundível benevolência progressiva para com seus filhos.

 

-        A confiança exige comportamentos práticos reiterados:

o   É uma questão (1) de honestidade; (2) de coerência dos comportamentos entre si ao longo do tempo; (3) de coerência das idéias e dos valores entre si ao longo do tempo; (4) de coerência entre idéias/valores e atos ao longo do tempo

o   Daí, portanto, o “viver às claras”: sem a publicidade dos atos, é impossível averiguar a coerência e a constância dos comportamentos

-        A Religião da Humanidade estabelece que o dever de simpatia implica uma postura geral de boa vontade de todos para com todos: essa boa vontade implica, por sua vez, uma boa-fé generalizada, o que equivale a uma confiança generalizada

o   Essa é uma das conseqüências da lei-mãe da Filosofia Primeira, “formular a hipótese mais simples, mais estética e mais simpática que comporte os dados disponíveis”

o   Entretanto, como indicamos antes, a confiança tem que ser comprovada e merecida na prática

§  Os atributos que nos permitem desenvolver a confiança são pelo menos estes: liberdade (e/ou autonomia), honestidade, coerência, constância (ou consistência), publicidade

o   Aquele que deixa de merecer a confiança de outrem tem que tratar de reconstituí-la, agindo de maneira adequada

§  Nesse caso, evidentemente, o esforço de recuperar a confiança é daquele que a perdeu, não daquele(s) que foi(ram) frustrado(s)

-        Dois aspectos do “viver às claras”, ambos evidentemente relacionados entre si: um mais moral, outro mais político

o   O sentido moral é o sentido básico e corresponde à moralidade dos atos quaisquer, em que se deve sempre poder justificar publicamente nossas condutas e nossas decisões

o   O sentido político é o da publicidade dos atos quaisquer, sejam públicos, sejam privados

-        A confiança abrange também aspectos sociais e mais objetivos:

o   Há a confiança diretamente nas instituições

§  Exemplos: na ciência; no Estado; nas igrejas; nas escolas

o   Diferentes sociedades, filosofias e modos de entender a realidade estimulam mais ou menos a confiança nas pessoas e/ou nas instituições

§  Exemplo positivo, que comprova diretamente a importância e a validade da confiança: na China pré-comunista, havia uma confiança generalizada e espontânea no governo

§  Exemplos negativos, que comprovam indiretamente a importância da confiança: (1) a teoria política ocidental, herdando a concepção monoteísta e teológica de que qualquer crítica ao governo é uma sublevação (quase) herética, tende a consagrar a revolta sistemática como sinal de afirmação da liberdade; (2) da mesma forma, herdando no fundo uma concepção absolutisto-monoteísta, a teoria política ocidental tende a considerar que a liberdade é ausência de qualquer parâmetro, ou seja, que a liberdade é anárquica e/ou caprichosa; (3) a metafísica consagra a concepção de que todos os poderes e, no fundo, todas as instituições são imerecedoras de confiança

§  Devemos insistir, a partir das considerações acima, em que a metafísica, com seu caráter corrosivo, é completamente contrária à confiança

§  Como, no Ocidente, vivemos em uma época metafísica, a valorização efetiva da confiança torna-se uma tarefa complicada, difícil e até heróica

-        O Positivismo distingue vários tipos de relações sociais; daí, podemos determinar várias “direções” da confiança:

o   Sentidos vertical e horizontal da confiança:

§  Sentido horizontal: entre “iguais” (amigos, correligionários, namorados, cônjuges etc.)

§  Sentido vertical de baixo para cima: dos seguidores para os líderes

§  Sentido vertical de cima para baixo: dos líderes para os seguidores

o   Sentidos restrito e ampliado da confiança:

§  Assim como todo ser humano é um servidor da Humanidade (nesse sentido amplo e um tanto figurado, um “servidor público”) e tem uma atuação restrita (sua profissão, seu ofício) e outra ampliada (a preocupação com as atividades coletivas e a respectiva fiscalização), podemos dizer que a confiança também tem um âmbito restrito e outro ampliado

§  Sentido restrito: confiança nas atividades específicas e limitadas de cada qual (exemplos: nos médicos que nos atendem, nos professores que nos ensinam)

§  Sentido ampliado: confiança que depositamos em alguém e/ou alguma instituição de caráter geral (exemplo: no sacerdócio positivo)

·         É importante lembrar que somos todos servidores da Humanidade, quer trabalhemos no setor “privado”, quer trabalhemos no setor “público”

-        Há um aspecto diretamente político da confiança (“político” no sentido de “pólis”, isto é, de vida coletiva):

o   Toda função social sempre se baseia na confiança

§  Isso quer dizer que não é possível a ninguém desempenhar suas funções (sejam elas estritamente privadas, sejam elas públicas) sem que o conjunto da sociedade e os demais concidadãos confiem uns nos outros

§  Sem essa confiança, o exercício das funções e a eficácia social das atividades fica seriamente prejudicada

o   A plena responsabilidade dos atos e do cumprimento das funções sociais baseia-se sempre na plena confiança

§  Ao dever geral de confiança (ou seja, de confiarmos uns nos outros) corresponde, em contrapartida, o dever específico de que os servidores da Humanidade sejam sempre responsáveis perante o conjunto da sociedade e os demais concidadãos

·         Convém lembrar que a “responsabilidade” significa aqui tanto a efetiva capacidade de ação quanto a responsabilização dos servidores da Humanidade

·         Também importa lembrar que, quanto maiores as responsabilidades, maiores os poderes necessários