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21 agosto 2025

Teixeira Mendes: Exortação à Fraternidade





Igreja e Apostolado Positivista do Brasil

 

O Amor por princípio e a Ordem por base;

O Progresso por fim.

 

Viver para outrem.                              Viver às claras.

 

Exortação à Fraternidade

Aos pés de Augusto Comte, ajoelhado junto ao leito fúnebre de Clotilde

 

(Ensaio de uma paráfrase positivista do Capítulo XVI, Livro I, da Imitação de Tomás de Kempis, segundo a tradução em verso de Corneille: Como se deve sofrer os defeitos de outrem)

 

Conciliante de fato, inflexível em princípio.

Augusto Comte.       

Gradualmente expurgado por ti (Clotilde) de todo azedume, e espontaneamente confirmado, na minha regeneração, mediante o exemplo contínuo de tua imortal irmã (Sofia Bliaux)...

Augusto Comte – 11ª Santa Clotilde.

 

[Transcrição de trechos do opúsculo n. 316 da Igreja Positivista do Brasil – 5 de abril de 1911.]

 


Exortação à Fraternidade

Aos pés de Augusto Comte, ajoelhado junto ao leito fúnebre de Clotilde

 

(Ensaio de uma paráfrase positivista do Capítulo XVI, Livro I, da Imitação de Tomás de Kempis, segundo a tradução em verso de Corneille: Como se deve sofrer os defeitos de outrem)

 

Conciliante de fato, inflexível em princípio.

Augusto Comte.       

Gradualmente expurgado por ti (Clotilde) de todo azedume, e espontaneamente confirmado, na minha regeneração, mediante o exemplo contínuo de tua imortal irmã (Sofia Bliaux)...

Augusto Comte – 11ª Santa Clotilde.

 

I. Em todos e em ti mesmo, aceita com humildade

            Tudo o que não possas emendar;

Até que enfim o Espaço, a Terra, e a Humanidade,

Com as suas leis fatais e doce potestade,

            Hajam, acaso, um dia de o mudar.

 

Para provar-te a força inda melhor, derreia

            Por ventura teus ombros essa cruz;

Teu mérito assim melhor se patenteia;

            E, si, nas provações, teu ânimo fraqueia,

            Seu peso a quase nada se reduz.

 

À nossa humilde Deusa, orar, porém, fervente

            Deves, nesse tenaz impedimento;

A fim que o seu Amor o coração te isente

Das tuas aflições, de todo, ou te sustente,

            Tornando mais suave o sofrimento.

 

II. Se, por conselhos teus, uma alma esclarecida,

            Na sua resistência persevera,

Entrega à Providência endireitar-lhe a vida,

E não te obstines mais, em porfiada lida,

            Perseguindo-a, a mostrar-lhe a senda vera.

 

A santa evolução por nada se transvia:

            Apesar das erronias do Presente,

Que te punge ou surpreende a pobre fantasia,

O homem só se agita, e a Humanidade o guia,

            Do mal tirando o bem frequentemente.

 

Sofre sem murmurar dos outros mesmo extremos

            Defeitos com que possas deparar;

E cuida com que, também, de fato, todos temos

Os nossos que, a seu turno, a tolerar os vemos

            Inda com mais indômito pesar.

 

Se o Altruísmo teu encontra óbice tanto

            Sempre, em ti mesmo, ao seu melhor desvelo,

Como querer d’alguém o portentoso encanto

De agir a teu sabor, por tudo, e em tudo quanto

            Lhe haja d’exigir o teu anelo?

 

Não é trata-lo, pois, sem mínima equidade,

            Querer que outrem seja o mais perfeito,

E não quereres tu fugir de uma maldade,

A fim que o exemplo teu, com mais facilidade,

            Ajude-o a conseguir tamanho efeito?

 

III. Queremos cada qual sujeito à disciplina,

            Sofrendo a necessária correção;

Revolta-nos, porém, se alguém nos examina,

E à conduta nossa o seu valor assina,

            Realçando qualquer imperfeição.

 

Exprobramos aos mais o quanto d’indulgência

            Consigo têm e o que se dão de gozos;

E é ofensa atroz não ter-se a complacência

De nada recusar, com suma deferência,

            Aos nossos movimentos caprichosos.

 

Estatutos prendendo em rigoroso laço

            Severamente aos outros desejamos;

E, seja de quem for, o mais ligeiro traço,

Ao nosso bel-prazer, criando um embaraço

            D’império absoluto, a mal levamos.

 

Onde se esconde, pois, o férvido Altruísmo,

            Que Viver para outrem nos sugere?

E como então sentir que, ou seja no heroísmo,

Ou na dedicação comum, ou no ascetismo,

            Prazer algum não há que os seus supere.

 

No Mundo, a imperfeição por toda parte abunda,

            A jerarquia eterna acompanhando,

Que, sob a mais grosseira, a lei mais nobre funda;

Somente a paciência, em méritos fecunda

            Essa ordem fatal vai mitigando.

 

IV. É pois na sujeição qu’ensina a Humanidade

            O aperfeiçoamento basear-se;

Não há beleza inteira, ou íntegra bondade;

Assim é dever nosso e nossa felicidade

            Uns aos outros o fardo aliviar-se.

 

Ninguém é sem senão, ninguém é sem fraqueza;

            Ninguém sem precisar d’algum amparo;

Ninguém tem de ciência, em si, assaz riqueza;

Ninguém é forte assaz com a própria fortaleza.

            Para não sentir faltar-lhe apoio caro.

 

Urge pois entre-amar-se, urge pois entre-instruir-se

            Urge pois, em tudo, entre-auxiliar-se;

Urge entre-prestar-se o olhar a dirigir-se;

Urge entre-estender-se a mão conduzir-se;

            Urge um ao outro dar co quem curar-se.

 

Quanto maior a dor, mais fácil prova of’rece

            Até que ponto fora alguém perfeito;

E os golpes mais cruéis que uma alma então padece

Não são que a fazem fraca; apenas se conhece

            Assim o que ela vale com efeito.

 

R. Teixeira Mendes.

 

Rio, 11 de Arquimedes de 57/123 (5de Abril de 1911). 


10 agosto 2025

Quadro sinóptico da transição orgânica

O quadro abaixo corresponde à sistematização feita pelo Apóstolo da Humanidade Raimundo Teixeira Mendes para as fases da transição orgânica que deve terminar a transição revolucionária ocidental (iniciada com o término da Idade Média) e a transição humana em geral. Esse esquema baseia-se nas indicações apresentadas por Augusto Comte em suas várias obras, especialmente no cap. 5 do Sistema de política positiva, v. IV, de 1854, e no Apelo aos Conservadores, de 1855.

Incluímos duas versões abaixo: a primeira corresponde a uma foto do original de Teixeira Mendes; a segunda é uma versão atualizada do esquema, um pouco mais simples, para caber em uma página A4 (com as margens estreitadas). A segunda versão está reproduzida em seguida.






Quadro sinóptico da TRANSIÇÃO ORGÂNICA, começada em 1855, segundo Augusto COMTE

(Sistema de Política Positiva, tomo IV, Cap. 5)

A Transição orgânica sucedeu à Transição revolucionária começada no décimo quarto século.

A Revolução francesa inaugura a Grande crise ocidental, que constitui mais a estréia da regeneração final do que a conclusão da vida preparatória (Apelo aos conservadores, p. 117)

 

Primeiro período, no qual a transição orgânica permanece espontânea, sob a ditadura monocrática e o ascendente gradual da Religião da HUMANIDADE

Caráter temporal: advento da ditadura republicana ainda alheia à Religião da HUMANIDADE, baseando-se na inteira separação dos dois poderes, espiritual e temporal, mediante o escrupuloso respeito da liberdade teórica e da liberdade industrial, eliminando a política legista e militarista. Isso exige a supressão atual de todo orçamento teórico, tanto teológico, como universitário e acadêmico, isto é, metafísico e científico, o governo limitando-se à livre manutenção da instrução primária, reduzida à leitura, a escritura, o cálculo elementar, o canto e o desenho. Cumpre portanto abolir todos os privilégios profissionais, ligados aos títulos quaisquer, literários e científicos, inclusive os dos médicos, dos farmacêuticos e dos enfermeiros ou enfermeiras, tanto religiosas como leigas.

Primeira fase, na qual a transição orgânica permanece espontânea. Aceitação da divisa política e científica Ordem E Progresso, inscrita nas bandeiras atuais das repúblicas ocidentais.

Caráter temporal: atitude indiferente ou mesmo, no começo, hostil, da ditadura republicana para com a Religião da HUMANIDADE.

Caráter espiritual: livre ascendente social cada vez mais decisivo do Culto da HUMANIDADE; quanto ao culto público, sobretudo concreto, segundo o Calendário histórico.

Anúncio do culto abstrato, segundo as três Festas:

da HUMANIDADE, no primeiro dia do ano;

da Mulher, segundo o tipo da Virgem-Mãe, a 15 de Agosto;

a Festa Universal dos Mortos, no último dia dos anos comuns.

No último dia dos anos bissextos, Festa geral das Santas Mulheres.

 

Segunda fase, na qual a transição orgânica começa a tornar-se científica. Aceitação da divisa moral e científica Viver para Outrem, inscrita na outra face das bandeiras atuais das repúblicas ocidentais, anunciando a adesão feminina à política republicana.

Caráter temporal: atitude regeneradora da ditadura republicana, tornada francamente simpática à Religião da HUMANIDADE, mediante a constatação da aptidão orgânica dessa Religião.

Sustentação das Escolas positivas.

Caráter espiritual: advento do sacerdócio definitivo, concentrado a princípio, mesmo subjetivamente, no seu

Fundador,

em virtude do acabamento da Religião da HUMANIDADE, inaugurando o ascendente teórico, tanto moral como intelectual, dessa Religião.

Caráter espiritual: desenvolvimento do culto público, mediante a Festa das Máquinas, celebrada no fim do outono;

livre advento do ascendente social do

dogma

da Religião da HUMANIDADE.

Segundo período, no qual a transição orgânica torna-se sistemática, sob o triunvirato positivista e a livre aceitação universal da Religião da HUMANIDADE

Caráter temporal: advento do triunvirato positivista, sucedendo à ditadura republicana, mediante a livre escolha do ditador, utilizando a instituição ministerial, esclarecida pelos conselhos do Grande Sacerdote da HUMANIDADE. Esse triunvirato presidirá à instalação das Pátrias normais ou Mátrias, resultantes da pacífica decomposição dos grandes Estados revolucionários atuais.

Terceira fase, na qual a transição orgânica tornada sistemática anunciará a terminação direta da revolução ocidental, arvorando, desde o início, a bandeira normal das Mátrias.

Essa bandeira deriva da bandeira da Humanidade, ajuntando ao fundo verde uma simples orla, com as cores atuais da população correspondente.

Aceitação da divisa política Viver às Claras, inscrita nas moedas.

Caráter temporal: triunvirato positivista, sucedendo pacificamente à ditadura republicana.

Caráter espiritual: ascendente social e político da Religião da HUMANIDADE, segundo o livre reconhecimento universal do regime positivista, isto é, pacífico-industrial.

Caráter espiritual: desenvolvimento do culto público, introduzindo, com um ano de intervalo, três Festas:

primeiro da Imprensa,

depois do Correio,

enfim da Polícia.

Extensão popular do Dogma;

livre ascendente social do Regime da

Religião da HUMANIDADE.

 

Conclusão. Festa própria para caracterizar a terminação geral da transição orgânica, completando o culto concreto da Humanidade pela solene instalação de seus melhores órgãos na Igreja de Notre-Dame de Paris, o templo central da deusa das cruzadas (Sistema de Política Positiva, tomo IV, cap. 5, p. 501).

Anexo ao tomo segundo, primeira parte, do Esboço sobre a vida e obra de CLOTILDE de Vaux e Augusto COMTE, p. 752, publicado por ocasião do primeiro Centenário de Nascimento de Clotilde,

4 de Bichat de 62/128 (5 de Dezembro de 1916).


20 julho 2025

Teixeira Mendes: Relações entre absolutismo, egoísmo, materialismo, metafísica

No trecho abaixo Teixeira Mendes relaciona o absolutismo, o egoísmo, a metafísica e o materialismo, opondo-os ao relativismo, ao amor, ao altruísmo e à positividade; em outras palavras, ele relaciona os aspectos afetivos, intelectuais e práticos do ser humano. O poder de síntese nesses trechos é impressionante e os esclarecimentos que fornecem recomendam altamente a sua divulgação: daí os republicarmos agora.

O trecho abaixo foi publicado no opúsculo "O Positivismo e a questão social. A propósito da propaganda anarquista" (Série da IPB, n. 383. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1915, p. 47-49; 2ª ed. de 2025, p. 30-31.).

*   *   *

Assim procedendo, o espírito materialista, que se compraz em substituir verbalmente a variedade real dos fenômenos pela unidade fantástica do mais grosseiro. Impossibilita a inteligência de resolver o único problema mental que interessa à Humanidade. Porque, dado o fatal relativismo dos nossos conhecimentos, nada podemos e nada precisamos saber em absoluto. Só o que é acessível ao espírito humano é conceber um mundo ideal representando o mundo real com o grau de aproximação exigido pelo conjunto das nossas necessidades morais, intelectuais e práticas. E, para isso, o conjunto da revolução científica evidencia que a razão teórica deve limitar-se a prolongar a razão popular, instituindo, como o bom senso vulgar, por toda parte, a hipótese mais simples e mais simpática, de acordo com o conjunto dos dados adquiridos. Tal é o característico do espírito positivo, sempre real, útil, claro, preciso, orgânico, relativo e simpático.

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Deixando-nos seduzir pelo absolutismo metafísico, tanto materialista como espiritualista, ficamos expostos aos arrastamentos nos vários pendores egoístas, e tornamo-nos incapazes de modificar, em proveito da Humanidade, quer a Terra, quer a sociedade e os indivíduos. Os horrores da guerra atual constituem a mais cruel demonstração das devastações é que o absolutismo materialista é capaz de conduzir os governos e os povos. Sem as descobertas científicas, seriam impossíveis as modernas máquinas de morticínio e destruição. Mas essas máquinas só foram construídas pelo ascendente dos pendores egoístas a que o absolutismo materialista pretende reduzir a natureza humana. Sem o predomínio de tais pendores, exaltados pelo materialismo pseudocientífico como únicos reconhecidos em nossa constituição moral, não se chegaria à monstruosa pretensão de tudo esperar obter da força bruta, quer de um indivíduo, quer de milhares ou milhões de indivíduos, orgulhosos e desvanecidos com a sua cultura, mental e industrial, tanto pessoal como nacional. Desconhece-se assim, com a mais negra ingratidão, que a ciência em e a indústria não existiriam sem a inateidade dos pendores altruístas, cujos efeitos os nossos antepassados sistematizaram pelas crenças teológicas, atribuindo-os à graça divina.

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Ao passo que, constatada a existência inata dos pendores altruístas, todas as manifestações egoístas, desde a cobiça até o orgulho e a vaidade – quer se trate da fraude, do roubo, do homicídio perpetrados por um indivíduo, quer se trate das revoluções e das guerras – cessam de ser títulos de glória. Em vez de estimulá-las, sente-se que cumpre acautelar-nos contra elas, a fim de evitar que elas comprometam a existência social e a existência moral.

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Se o Amor é uma força moral real, como o calor, a luz, a eletricidade etc., são forças físicas reais, só nos resta descobrir as leis naturais que regem os pendores egoístas e os pendores altruístas, para atingir à felicidade ao alcance real da Humanidade, mediante a subordinação cada vez mais completa de tudo à fraternidade universal. E se o Amor não existisse naturalmente, não haveria a combinação capaz de o fazer surgir, a existência terrena estaria, enquanto durasse, votada a dominação da força bruta, sob o jugo do egoísmo servido por uma inteligência sempre rudimentar. Isto é, a Humanidade não existiria nem as famílias e as cidades.

(Raimundo Teixeira Mendes, O Positivismo e a questão social. A propósito da propaganda anarquista. Série da IPB, n. 383. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1915, p. 47-49; 2ª ed. de 2025, p. 30-31.).

Teixeira Mendes: O ódio não é manifestação do amor

No trecho abaixo, Raimundo Teixeira Mendes faz um belíssimo elogio do amor e da sua importância na vida humana, seja coletiva, seja individual. Mas o principal aspecto que nos motiva a republicar esse trecho é a afirmação simples, poderosa e tristemente atualíssima de que o ódio não é manifestação do amor.

Esse trecho foi publicado no opúsculo "O Positivismo e a questão social. A propósito da propaganda anarquista" (Série da IPB, n. 383. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1915, p. 40-41; 2ª ed. de 2025, p. 26.)

*   *   *

Tudo quanto precede evidencia que o ódio não pode ser jamais manifestação de amor. Manifestação do amor é só a dedicação, seja para quem for, pelos bons e mesmo pelos maus, conforme a máxima de Clotilde de Vaux que lembramos na nossa carta: “os maus precisam muitas vezes mais de piedade do que os bons”. O ódio é manifestação do orgulho, da vaidade, do instinto destruidor e até do instinto conservador ou nutritivo.

O amor leva-nos a subordinar a nossa existência, à existência dos entes amados; “a só amar-nos por amor de outrem”, como disse São Bernardo. Portanto, o que leva-nos a aplicar ao conseguimento do bem do ente amado, os meios que a nossa inteligência nos indicar, se esses meios estiverem a nosso alcance. Nestas condições, podemos ser forçados – ou nos acreditarmos forçados – a recorrer aos pendores egoístas como a qualquer outro instrumento. Mas servindo nos desses pendores egoístas para satisfazer os votos do altruísmo, os sentimentos e os atos resultantes do egoísmo não se transformam em manifestações do amor. O egoísmo fica sempre egoísmo; da mesma sorte que a nutrição é nutrição sempre, a visão é visão simples etc.

Esta observação é capital; porque ela patenteia quanto o uso de precaver-vos contra solicitações egoístas, isto é, contra as tentações, como se diz na linguagem teológica. De fato, o Amor nos prescreveu sempre servir-nos dos pendores egoístas, reduzindo-os ao estritamente indispensável e sempre prevenidos contra os sofismas a que a energia deles arrasta a fraqueza da inteligência. Assim, no exemplo figurado, que necessidade temos, para defender a sociedade, de odiar os desgraçados, isto é, os que fazem mal? Em que semelhante defesa fica comprometida em aliar-se com a piedade para com todos?

(Raimundo Teixeira Mendes, O Positivismo e a questão social. A propósito da propaganda anarquista. Série da IPB, n. 383. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1915, p. 40-41; 2ª ed. de 2025, p. 26.)

25 maio 2025

Raimundo Teixeira Mendes: metafísica como intermediária equívoca

O trecho abaixo, de autoria de Raimundo Teixeira Mendes, apresenta com sua excepcional capacidade de síntese o papel intermediário e extremamente equívoco da metafísica. Por um lado, ela dissolve a teologia; ao mesmo tempo, prepara a ciência (e, daí, a positividade). Quando a metafísica limita-se às ciências inferiores (isto é, às chamadas “ciências naturais”), a transição da teologia para a ciência passando pela metafísica ocorre sem maiores problemas; mas no caso das ciências superiores (as chamadas “ciências humanas”, englobadas na classificação das ciências de Augusto Comte pela Sociologia e ciência da Moral) a metafísica na verdade atravanca o desenvolvimento, sendo um empecilho muito maior à positividade que originalmente o fora a teologia.

Essa descrição do aspecto equívoco (e equivocado) da metafísica foi redigida em 1900, a partir das reflexões que desde 1822 Augusto Comte fazia: ora, neste início do século XXI, as observações de Teixeira Mendes são desgraçada e lamentavelmente atuais. De fato, a metafísica reina altaneira na Sociologia (chamada – aliás, conforme os hábitos da metafísica academicista, de “ciências sociais”) e na Moral (chamada – conforme a dupla metafísica academicista e espiritualista – de “Psicologia”). Essa metafísica pode ser verificada das mais variadas maneiras, das quais citamos apenas algumas, mas sem a pretensão de esgotar as possibilidades:

- na concepção de que as ciências superiores têm que ser sempre, necessária e unicamente “críticas”, isto é, corrosivas e destrutivas

- na concepção de que toda ordem rejeita o progresso e, inversamente, que todo progresso rejeita a ordem

- nas concepções teóricas indemonstráveis

- nas pesquisas do absoluto

- na antropomorfização das abstrações

- na reiteração de abstrações criptoteológicas, como a “alma” e o “povo”

- na manutenção de oposições teológicas como “livre arbítrio versus determinismo” ou “cultura versus natureza”

- no desprezo do altruísmo natural e na valorização única do egoísmo

- nos hábitos cientificistas, que desprezam a visão de conjunto, valorizam a visão de detalhe e rejeitam a moralização da ciência.

O trecho abaixo foi extraído da seguinte obra: Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 662.

 

*          *          *

 


"[...] Essa filosofia bastarda [a metafísica] constitui um simples dissolvente da primeira [a teologia], preparando o ascendente da ciência, mediante uma combinação empírica e inconsciente dos dois métodos antagônicos [a teologia e a ciência]. Dessa quimérica tentativa resultaram a dissolução da teologia e uma anarquia mental e social favorável ao surto [i. e., desenvolvimento] inicial do gênio positivo. Semelhante utilidade limita-se, porém, ao estudo dos fenômenos mais grosseiros. Desde que a suficiente exploração destes permite e exige que o espírito positivo penetre nos domínios supremos da Política e da Moral, o espírito metafísico torna-se-lhe mais antipático do que o espírito teológico. Com efeito, ele tende então a manter indefinidamente a união híbrida entre a teologia e a ciência, impedindo, ao mesmo tempo, a ordem e o progresso, pela fomentação simultânea da anarquia e da retrogradação".

(Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 662.)

22 maio 2025

Mais alguns livros positivistas disponíveis na internet

Mais alguns livros e publicações positivistas foram recentemente incluídos no repositório eletrônico Internet Archive:


- Juillerat – “Notícia sobre a vida e os escritos de Daniel Encontre” (1898); disponível aqui: https://archive.org/details/n.-178-noticia-sobre-vida-e-escritos-de-daniel-encontre

- Raimundo Teixeira Mendes – “Comte e Clotilde” (1903); disponível aqui: https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-comte-e-clotilde

- IPB - Expedientes (1924); disponível aqui: https://archive.org/details/expedientes-da-ipb-1919

- J. Montenegro Cordeiro – “O apóstolo Teixeira Mendes” (1927); disponível aqui: https://archive.org/details/j.-montenegro-cordeiro-o-apostolo-teixeira-mendes 

João Montenegro Cordeiro: "O Apóstolo Teixeira Mendes (Narração aos moços)"



O APÓSTOLO TEIXEIRA MENDES

1855-1927

João Montenegro Cordeiro                    

  

O APÓSTOLO TEIXEIRA MENDES

(Narração aos moços)


Vi-o no albor da vida, em sôfregos elances,

Matemática ler como outros lêem romances...

Fervoroso, entretanto, olhos levar e ouvidos

Ao quadro de aflições, ao coro de gemidos

Que o Mundo ora apresenta em seu vasto recinto,

E em vez de se perder no icário labirinto

Das ciências sem termo e sem continuidade,

Mais alto o arrebatar o anseio da verdade

Para a Concórdia humana!

 

                        Ardego vi-o então

O rumo demandar que lhe apontava a mão

Destra e forte e leal do gênero que primeiro

A estrela da manhã, perspícuo, alvissareiro,

Lobrigou entre nós.

 

                        Sem falsos tateamentos,

O ímpeto a refrear dos pessoais intentos,

Alheio a glórias vãs, a mundanos agrados,

Pelos firmes degraus dos volumes sagrados,

Vi-o a escada subir – lógico moralista! –

Que do número leva à síntese altruísta.

 

E a luta começou!... Luta antiga, porém

Sempre nova e sem fim; luta entre o Mal e o Bem.

Luta entre o Anjo e o Demônio; a alma livre e a alma escrava,

Que em torrentes de sangue e lágrimas se trava

Fora e dentro de nós, sem tréguas, noite e dia,

Em busca do equilíbrio, em prol da simpatia.

 

Do norte ao sul vi neste país inteiro,

Trêmulo de emoção vi também no estrangeiro.

Sua alma, confundida à do maior Andrada,

Palpitar na bandeira aos ventos desfraldada.

 

E em meio ao turbilhão efêmero e cambiante

Onde se agita e passa a turba delirante

Grandezas desejando e misérias sofrendo

Num choque de ambições desesperado e horrendo,

Nesse culto ideal de pureza e bondade,

Feito com devoção no altar da Humanidade,

Quem viu um facho igual, de tamanho fulgor,

Sem esmorecimento a irradiar o Amor,

Qual possante farol na escuridão cerrada

Ao náufrago, indicando o porto de chegada?!...

 

Exultante de fé vi-o na praça pública

O monumento erguer do obreiro da República

Onde à população se ostenta, soberana,

A estátua universal a Providência humana!

 

Velho, mas sempre moço, eu vi-o finalmente

Reacender entre nós a um público descrente,

A leiga admiração ao católico santo

Cuja feição moral ele nos lembra tanto.

Graças a isso o homem triste, arrastando o seu tédio

P’las ruas da cidade em busca de remédio,

Vai d’ora avante achar, como fonte de alívio

As males da consciência, em afável convívio,

S. Francisco de Assis aos pés de Santa Clara,

Cheio de meiga unção e na atitude cara,

No cérebro extasiado ouvindo murmurar

Prelúdios do Hino ao Sol, místico e popular...

 

Curado o enfermo aí do estéril desalento,

Renascendo ao Amor pelo apaziguamento

De instintos pessoais, de errôneas opiniões,

Herdeiro sentir-se-á das idas gerações

Compreendendo enfim que às gerações futuras

Algo cumpre legar de inefáveis venturas,

E alegre, ao assumir uma nova conduta,

O homem regenerado antes de entrar na luta,

Bendirá certamente o apóstolo moderno

Que esse marco plantou no transitar eterno.

 

Em nume subjetivo o transformando a Morte,

O Mundo a levantar com seu ânimo forte,

Vejo-o hoje ancião glorioso, e entanto, pobre e humilde,

Mas filho espiritual de Comte e de Clotilde!

 

Rio de Janeiro, 2 de Dante de 139

                                    17 de julho de 1927

 

Montenegro Cordeiro.

18 abril 2025

Livro disponível na internet: "A mulher"

Está disponível no Internet Archive o famoso e importante opúsculo de Raimundo Teixeira Mendes intitulado A mulher. Ele documento integra a coleção da Igreja Positivista do Brasil sob o número 273 e corresponde à versão escrita de uma conferência feita pelo apóstolo da Humanidade em 26 de Frederico de 54/110 (30.11.1908).

A publicação está disponível aqui: https://archive.org/details/n.-273-a-mulher.



11 março 2025

Augusto Comte: A dinâmica retrógrado-anárquica entre teologia e metafísica

No trecho abaixo, Augusto Comte apresenta em traços rápidos a dinâmica retrógrada e anárquica que se estabeleceu entre a teologia e a metafísica nos últimos séculos (desde o século XIV e, infelizmente, estendendo-se até o dias atuais). 

Essa reflexão foi elaborada considerando uma exposição mais ampla sobre o casamento e os vínculos domésticos, pedida a Comte por Clotilde de Vaux.

Devido à enorme capacidade de síntese do fundador da Sociologia, reproduzimos abaixo o trecho, que é realmente exemplar e explicativo. Essa síntese é ao mesmo tempo histórico-sociológica, filosófica e moral.

A tradução é da lavra de Raimundo Teixeira Mendes, feita para o seu livro O ano sem par, de 1900.

*   *   *


Augusto Comte: A dinâmica retrógrado-anárquica entre teologia e metafísica[1]

 

“Um sofisma característico, que continha em germe todas as aberrações ulteriores, conduziu a metafísica revolucionária, no seu mais eloqüente órgão[2], a condenar radicalmente toda sociedade, fazendo prevalecer a quimérica concepção de um prévio estado de natureza, que um pretendido contrato originário havia feito degenerar cada vez mais em existência social. Essa perigosa hipótese fornecia então o único meio de imprimir bastante energia, quer ativa, quer mesmo especulativa, para desprender a vanguarda da humanidade dos laços opressivos de uma organização caduca, a fim de arrastá-la para uma regeneração total. Todavia, tais concepções constatavam espontaneamente a impotência radical do espírito metafísico para apossar-se convenientemente do domínio social, sempre antipático ao seu caráter essencialmente individual. A sua tendência crítica teve por tempo demasiado longo, e ainda conserva, uma verdadeira utilidade política, aplicando-se ao antigo regime. Mas desde que essa aplicação acha-se assaz completa para haver manifestado a necessidade de um sistema novo, esse espírito negativo, doravante privado da sua principal destinação, é arrastado, pela sua natureza absoluta, a uma atividade moral cada vez mais desastrosa, cegamente voltada contra as bases elementares da sociabilidade humana, de maneira a constituir um obstáculo direto à regeneração final, opondo-se a todo e qualquer verdadeiro regime. O inevitável transbordamento das utopias anárquicas, limitadas a princípio à ordem política propriamente dita, estende-se agora até o tríplice fundamento universal da existência social, a saber, a propriedade, a família e o casamento.

Procura-se em vão conter essas devastações metafísicas empenhando-se em reanimar o espírito religioso[3], cuja tendência, finalmente retrógrada, foi só o que acreditou tal abuso do raciocínio. Esses esforços empíricos só conseguem realmente perpetuar e agravar o mal inspirando à razão moderna inquietações próprias para manter o ofício transitório do espírito crítico, que, sem isso, ficaria entregue à sua inoportunidade atual, por falto de qualquer importante aplicação. A inaptidão evidente das crenças teológicas para conservar o seu antigo império intelectual demonstra assaz a sua impotência radical para proteger realmente as noções sociais deixadas sob o seu perigoso patrocínio. É certo, ao contrário, que tal solidariedade compromete hoje cada vez mais todas as sãs máximas morais como todos os verdadeiros princípios políticos, fazendo recair sobre eles o descrédito crescente de uma ordem de idéias que se tornou há muito incompatível com o nosso surto[4] mental. Todas as noções elementares sobre o casamento e a família[5] são por tal modo conformes às tendências espontâneas das populações modernas que elas não têm, a dizer a verdade, para as inteligências atuais, outro defeito essencial senão a forma religiosa[6] ainda inerente à sua concepção dogmática. É pois exclusivamente ao espírito positivo que está hoje reservada a criteriosa consolidação dessas máximas fundamentais, que só ele pode desprender dos sofismas metafísicos. O abuso do raciocínio não pode ser condito por uma filosofia hostil ao surto final da razão humana, porém unicamente por aquela que o desenvolve regularizando-o, e que, a este título, pode só doravante superar inevitáveis discussões”.

 

 



[1] Fonte: Augusto Comte, “Carta filosófica sobre o casamento. Composta para Madame Clotilde de Vaux, a seu pedido, pelo autor do Sistema de filosofia positiva [11 de janeiro de 1846]” (in: Teixeira Mendes, Raimundo. 1900. O ano sem par. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil; p. 625-626).

[2] Nota de Raimundo Teixeira Mendes: “João Jacques Rousseau”.

[3] Nota de Raimundo Teixeira Mendes: “Religioso é aqui sinônimo de teológico”.

[4] “Surto” significa, aí, “desenvolvimento”.

[5] Essas concepções são a monogamia, a indissolubilidade do casamento e a viuvez eterna. Não se trata, portanto, nem do divórcio, nem das múltiplas núpcias nem do atual retorno aberrante à poligamia chamada – para efeitos de propaganda e desinformação – de “poliamor”.

[6] Nota de Raimundo Teixeira Mendes: “Religioso é aqui sinônimo de teológico”.