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04 setembro 2025

A frase "fazer o bem, não importa a quem"

No dia 21 de Gutenberg de 171 (2.9.2025) realizamos nossa prédica, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte - doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores).

No sermão abordamos a frase popular "fazer o bem, não importa a quem", indicando que, se ela tem bons sentimentos, sua orientação é cega e tem resultados daninhos e injustos.

No final do sermão apresentamos trechos do belíssimo poema de Raimundo Teixeira Mendes, Exortação à Fraternidade.


As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *


A expressão “Fazer o bem, não importa a quem”

(21.Gutenberg.171/2.9.2025) 

1.       Invocação inicial

2.       Datas e celebrações:

2.1.    Dia 23 de Gutenberg (4.9): nascimento de Richard Congreve (1818 – 207 anos)

2.2.    Dia 24 de Gutenberg (5.9): transformação de Augusto Comte (1857 – 168 anos); comemoração de Sofia Bliaux

2.3.    Dia 25 de Gutenberg (6.9): nascimento de Henrique Oliveira (1908 – 117 anos)

2.4.    Dia 26 de Gutenberg (7.7): Independência do Brasil (1822 – 203 anos); glorificação de José Bonifácio

3.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

3.1.    Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

3.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

3.1.1.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

3.1.1.2.             Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

3.2.    Outras observações:

3.2.1. Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

3.2.2. O capítulo em que estamos é a “Primeira Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”

3.3.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

4.       Exortações

4.1.    Sejamos altruístas!

4.2.    Façamos orações!

4.3.    Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

4.4.    Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

5.       Sermão: a fórmula “fazer o bem, não importa a quem”

5.1.    O sermão de hoje abordará alguns temas que se referem a situações com que todos nós defrontamo-nos todos os dias e que, além disso, também se referem diretamente à Religião da Humanidade: a obrigação de sermos corteses, a tolerância mútua como base da fraternidade

5.2.    Comecemos com a máxima popular “fazer o bem, não importa a quem”

5.2.1. Essa fórmula apresenta um imperativo que, a princípio, é convergente com a Religião da Humanidade: nossa obrigação de sermos altruístas

5.2.2. Todavia, essa fórmula é extremamente vaga – e essa vagueza é fatal

5.2.3. Adiantando o tema, convém desde já reconhecer que, apesar da vagueza da fórmula, ainda assim ela procura resolver uma condição que é difícil por si só

5.3.    Ainda antes de seguirmos adiante, também vale a pena indicar que esse tema na verdade foi-me perguntado pelo nosso correligionário Eugênio Macedo

5.3.1. A dúvida do Eugênio era pessoal, dele, mas evidentemente ela pode e deve ser tratada de maneira mais ampla, na medida em que afeta todos nós e que, de qualquer maneira, mesmo que não fosse comum a todos nós, poderia interessar a outras pessoas

5.3.1.1.             É claro que essa dúvida pode ser tratada publicamente sem dificuldades, isto é, sem criar nenhum constrangimento

5.3.1.2.             O “viver às claras” refere-se aos nossos atos, mas também às motivações de nossas ações; a publicidade de nossas vidas não pode corresponder a indiscrições nem a situações vexaminosas

5.3.2. Transformar dúvidas individuais de nossos correligionários em temas de sermões é uma forma simples e eficiente de ajudar as pessoas e de demonstrar que o Positivismo é, e deve ser, útil

5.3.2.1.             Dessa forma, fica aqui o convite e o estímulo: quem tiver dúvidas, questões, comentários, apresente-os sem medo, que procuraremos responder, orientar e aconselhar

5.4.    A Religião da Humanidade proclama que a lei do dever e a fórmula da felicidade são uma única: é o “viver para outrem”

5.4.1. Devemos notar que a fórmula positivista tem um imperativo geral – devemos ser altruístas e dedicarmo-nos aos demais –, mas não é um imperativo vago; além disso, ela pressupõe o cuidado com nós mesmos e veda a autoimolação

5.5.    O problema da vagueza da fórmula popular é que ela não faz distinções de merecimento das pessoas que receberão o benefício, nem afirma os cuidados com nós mesmos

5.5.1. No que se refere ao mérito dos beneficiários: devemos, sim, considerar quem recebe o bem, pois diferentes pessoas têm diferentes comportamentos, diferentes necessidades, diferentes possibilidades; evidentemente, algumas são melhores que outras, enquanto algumas são piores que outras: tudo isso deve necessariamente ser levado em conta

5.5.2. O nosso dever de altruísmo não é unilateral; na verdade, como se trata de um dever, é uma relação, ou seja, é uma obrigação mútua: assim como cada um de nós deve ser altruísta, os demais também devem ser altruístas; a reciprocidade deve ser levada em conta e valorizada

5.5.2.1.             O “fazer o bem, não importa a quem”, especialmente na parte do “não importa a quem”, deixa de lado o aspecto relacional da vida humana; portanto, ele ignora de verdade o seu caráter de dever, apenas criando direitos para os outros, sem lhes impor também deveres mútuos

5.5.3. Devemos considerar também a justiça de nossas ações: pessoas boas que sofrem injustiças devem ser bem tratadas; pessoas que erraram mas que manifestam desejar melhorar também devem ser valorizadas; a quem errou deve ser dada a oportunidade real de emendar-se; mas quem errou, persistiu no erro e rejeitou a emenda, qual o sentido de fazer indefinidamente o bem para ela?

5.5.4. Assim, há um aspecto de valorizar a bondade e de punir a maldade – sem que haja injustiça, crueldade nem que se vede a possibilidade de emendar-se o mal

5.6.    À parte esses graves problemas de mérito e de justiça – que a fórmula popular “fazer o bem, não importa a quem” é incapaz de enfrentar –, devemos convir que a dificuldade prática nessa condição é que, qualquer que seja a fórmula – “viver para outrem”, ou “fazer o bem, não importa a quem” –, desejamos ser altruístas e generosos, mas defrontamo-nos com a necessidade concreta de limitarmos esse altruísmo e mesmo de fazermos valer o nosso egoísmo

5.6.1. Indiscutivelmente, essa é uma situação frustrante; não há como a evitar

5.6.2. Um aspecto que se evidencia a partir dela é que o também altruísmo deve ser bem orientado

5.6.2.1.             Na verdade, a correta orientação do altruísmo foi afirmada por Augusto Comte quando ele apreciou o comunismo, que, para ele, consistia em uma orientação incorreta do altruísmo e que, mesmo por isso, era superior ao individualismo liberal-burguês, que consiste no exagero do egoísmo

5.6.3. A solução para esse problema, parece-me, consiste em que devemos ser generosos, tolerantes e ter uma orientação altruísta geral; além disso, devemos considerar que todos a princípio merecem nosso respeito, nossa estima, nosso altruísmo; mas essa estima básica também deve ser confirmada cotidianamente, especialmente lembrando que o viver para outrem é uma obrigação mútua

5.6.4. O “fazer o bem, não importa a quem” tenta lidar com o egoísmo por meio da sua negação; mas, ao negar, ele não lida de verdade com ele e, em particular, ele não regula o egoísmo: mas a questão, no caso, é exatamente essa: é necessário ao mesmo tempo estimular o altruísmo e regular (pelo altruísmo) o egoísmo

5.7.    Um outro aspecto que devemos considerar é que, se devemos viver para outrem, o nosso altruísmo não se desenvolve nem se mantém no vazio, como pura abstração: ele exige objetos concretos, relações reais

5.7.1. Em outras palavras, o desenvolvimento e a manutenção iniciais do altruísmo necessitam de focalização e personalização

5.7.2. Nosso mestre indicou com clareza, na parte do culto, os objetos de nosso altruísmo; eles são ascendentes, passando de relações pessoais para relações familiares, então para relações cívicas e daí para relações universais

5.7.3. Em outras palavras, começamos com nossas mães, nossos cônjuges, nossos filhos, pais e irmãos; seguimos para nossas famílias ampliadas; então vamos para as relações cívicas (colegas de trabalho, chefes, subordinados, concidadãos, líderes); ampliamos então para a Humanidade; tudo isso começando com relações objetivas mas logo devendo estender-se também para as relações subjetivas

5.7.4. Bem vistas as coisas, essa seqüência ascendente corresponde a uma aplicação da terceira lei dos três estados, ou seja, da lei afetiva (de que tratamos em uma prédica anterior)

5.7.5. Esse desenvolvimento progressivo do altruísmo, para o que estamos tratando aqui, consiste também na ampliação progressiva do “fazer o bem” – mas que, como estamos afirmando, não pode ser “não importa a quem”

5.8.    Um problema relacionado com o do “fazer o bem, não importa a quem” é: como estimular o altruísmo?

5.8.1. A teologia e a metafísica prometem recompensas ou punições; em qualquer caso, os móveis são sempre egoístas

5.8.2. A Religião da Humanidade, a partir da experiência cotidiana e multimilenar, afirma que o altruísmo é a própria recompensa

5.8.3. Como sintetizou com beleza Clotilde de Vaux, “Não há prazeres maiores que os da dedicação”

5.9.    Para concluir estes comentários, quero aproveitar para referir-me a um poema de Teixeira Mendes

5.9.1. Trata-se do Exortação à Fraternidade, que foi composto no aniversário de transformação de Clotilde, ou seja, em 5 de abril de 1911

5.9.2. Esse poema tem o seguinte comentário explicativo: “Ensaio de uma paráfrase positivista do Capítulo XVI, Livro I, da Imitação de Tomás de Kempis, segundo a tradução em verso de Corneille: Como se deve sofrer os defeitos de outrem

5.9.3. Em outras palavras, Teixeira Mendes afirma, ou lembra, que a fraternidade exige que todos tenhamos paciência uns com os outros, pois todos temos defeitos

5.9.4. É claro que o poema todo vale a pena; mas citaremos só as partes III e IV

III. Queremos cada qual sujeito à disciplina,

            Sofrendo a necessária correção;

Revolta-nos, porém, se alguém nos examina,

E à conduta nossa o seu valor assina,

            Realçando qualquer imperfeição.

 

Exprobramos aos mais o quanto d’indulgência

            Consigo têm e o que se dão de gozos;

E é ofensa atroz não ter-se a complacência

De nada recusar, com suma deferência,

            Aos nossos movimentos caprichosos.

 

Estatutos prendendo em rigoroso laço

            Severamente aos outros desejamos;

E, seja de quem for, o mais ligeiro traço,

Ao nosso bel-prazer, criando um embaraço

            D’império absoluto, a mal levamos.

 

Onde se esconde, pois, o férvido Altruísmo,

            Que Viver para outrem nos sugere?

E como então sentir que, ou seja no heroísmo,

Ou na dedicação comum, ou no ascetismo,

            Prazer algum não há que os seus supere.

 

No Mundo, a imperfeição por toda parte abunda,

            A jerarquia eterna acompanhando,

Que, sob a mais grosseira, a lei mais nobre funda;

Somente a paciência, em méritos fecunda

            Essa ordem fatal vai mitigando.

 

IV. É pois na sujeição qu’ensina a Humanidade

            O aperfeiçoamento basear-se;

Não há beleza inteira, ou íntegra bondade;

Assim é dever nosso e nossa felicidade

            Uns aos outros o fardo aliviar-se.

 

Ninguém é sem senão, ninguém é sem fraqueza;

            Ninguém sem precisar d’algum amparo;

Ninguém tem de ciência, em si, assaz riqueza;

Ninguém é forte assaz com a própria fortaleza.

            Para não sentir faltar-lhe apoio caro.

 

Urge pois entre-amar-se, urge pois entre-instruir-se

            Urge pois, em tudo, entre-auxiliar-se;

Urge entre-prestar-se o olhar a dirigir-se;

Urge entre-estender-se a mão conduzir-se;

            Urge um ao outro dar com quem curar-se.

 

Quanto maior a dor, mais fácil prova of’rece

            Até que ponto fora alguém perfeito;

E os golpes mais cruéis que uma alma então padece

Não são que a fazem fraca; apenas se conhece

            Assim o que ela vale com efeito.

6.       Invocação final

 

Referências

- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva (Paris, Société Positiviste, 5e ed., 1893)

- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, L. Mathias, 1851-1854)

- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.

- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934)

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.), Prédica "O início do Positivismo: as três leis dos três estados" (Curitiba, Igreja Positivista Virtual, 26.8.2025): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/08/o-inicio-do-positivismo-as-tres-leis.html

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), As últimas concepções de Augusto Comte (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-i e https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-ii.

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.

- Raimundo Teixeira Mendes (port.): Exortação à Fraternidade (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1911; opúsculo n. 316): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/08/teixeira-mendes-exortacao-fraternidade.html