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27 novembro 2015

Reginaldo Prandi: "Terrorismo contra o Estado laico"

Artigo de opinião publicado em 27.11.2015, na Folha de S. Paulo; a versão eletrônica original pode ser lida aqui.

Um aspecto central da argumentação de R. Prandi e R. W. Santos é a seguinte: não foi a civilização "cristã" que foi alvejada no dia 13.11, mas a instituição da laicidade. Além disso, noto que esse aspecto é determinante, tanto para o Ocidente quanto para os terroristas: há séculos o Ocidente não se caracteriza mais pelo "cristianismo", mas pela laicidade crescente e pela tolerância. A laicidade do Estado, aliás e não por acaso, é repudiada pelo Islã.

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REGINALDO PRANDI E RENAN WILLIAM DOS SANTOS

Terrorismo contra o Estado laico

Ouvir o texto

Além do abominável dano real das vidas perdidas, os ataques terroristas têm um efeito essencialmente simbólico. Seu verdadeiro alvo é a autoimagem da sociedade golpeada. Em um ato que se expande para além dos corpos mortos e feridos, o objetivo fundamental é atingir, pelo terror, a alma da própria civilização do país agredido.

Foi assim com as torres gêmeas, derrubadas no 11 de Setembro de 2001. Suas ruínas simbolizaram o fim do sentimento norte-americano de invulnerabilidade.

Já a França, o país com maior população muçulmana da Europa ocidental, atacada de novo, agora pelo Estado Islâmico, representa historicamente o que esses fanáticos mais querem ver destruídas: as barreiras que separam o Estado da religião. Para esse terrorismo, que ataca em qualquer lugar, porque por toda parte pode enxergar a negação de seus valores, a França é o ícone máximo da civilização edificada com aquela separação. O ataque a Paris é, acima de tudo, um ataque ao Estado laico.

Esqueça a liberdade de pensamento, a liberdade de ter qualquer crença, ou nenhuma. Esqueça a igualdade de direitos e deveres entre cidadãos, independentemente da filiação religiosa. Esqueça a autonomia do Estado frente à religião.

O que esses terroristas querem é um mundo "livre" de tudo isso, no qual é justo matar quem tenha crenças diferentes das deles. No qual seja legítimo excluir quem não professe a religião "certa". No qual o Estado seja o braço armado a serviço da perseguição de fins religiosos, ou inspirados por uma leitura particular da religião.

Nas democracias do mundo secularizado, intoleráveis para aqueles religiosos intolerantes, o que evidentemente não inclui todos os religiosos, as religiões podem ter participação ativa na esfera política, desde que aceitem as regras do jogo: seus representantes devem ser democraticamente eleitos, pelo voto, e não conduzidos ao poder pelo carisma religioso ou cargo eclesiástico.

Mesmo aderindo às regras da representação democrática, contudo, os fundamentalistas, islâmicos ou não, ainda se enfrentariam com um Estado laico, que garante a livre escolha religiosa, mas submete as "leis de Deus", estabelecidas pela resolução teológica baseada em verdades imutáveis e mandamentos escritos em um texto sagrado, ao crivo das "leis dos homens", criadas pela deliberação política e sempre sujeitas a mudanças.

Um Estado que certamente condenaria Abraão por tentativa de infanticídio, por mais que ele acreditasse estar seguindo uma ordem divina ao pretender sacrificar o próprio filho.

No fim das contas, essa variante da religião que se manifesta no terror teria, para se firmar, que pôr a sociedade ocidental, e outras, de cabeça para baixo. Como fez o cristianismo, com ações não menos agressivas, com sociedades indígenas e do velho paganismo.

De todo modo, a matança em Paris pode ter feito crescer, aos olhos do mundo ocidental, a aversão a essa mistura promíscua entre religião e poder político. Ao invés de destruir, a ação terrorista pode ter acrescentado algumas fileiras de tijolos nos muros que separam o Estado da religião nas democracias do mundo contemporâneo. E tijolos mais firmes do que nunca, porque assentados com argamassa do sangue de inocentes.


REGINALDO PRANDI, 69, é professor sênior do Departamento de Sociologia da USP e autor, entre outros livros, de "Os Mortos e os Vivos" (ed. Três Estrelas).
RENAN WILLIAM DOS SANTOS, 23, é mestrando em sociologia na USP e bolsista da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

24 junho 2015

Declaração da União Humanista sobre o massacre contra Charlie Hebdo

Reproduzo abaixo a declaração da União Humanista Ética Internacional (IHEU, na sigla em inglês) a propósito do massacre realizado por fanáticos muçulmanos em 7.1.2015, contra o semanário francês Charlie Hebdo. O original pode ser lido aqui.

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Twelve people including two police officers, three cartoonists, and seven journalists have been killed today, with at least 5 other victims in critical condition. The gunmen, who were filmed shouting “Allahu Akbar” and “We have avenged the prophet” as they stormed the offices of the satirical magazine Charlie Hebdo, can be assumed to be Islamist terrorists responding to satirical images published in the magazine.
Stéphane "Charb" Charbonnier, publisher of Charlie Hebdo, has been named among those killed today
Stéphane “Charb” Charbonnier, publisher of Charlie Hebdo, has been named among those killed today
“The International Humanist and Ethical Union (IHEU) is appalled and deeply saddened by the attack on the offices of the magazine Charlie Hebdo in Paris, France, today.
This is an horrific and profoundly illiberal attack. It is an act of Islamo-fascist terrorism, aimed at silencing freedom of expression about religious beliefs, and about Islam in particular.
No person who genuinely recognises the humanity of their fellow citizens, or who is remotely interested in the good of society at large or for any section of society, could ever justify this terrorism. Reading words and seeing images that satirise your beliefs is as far removed from a warrant to murder as it is possible to get.
Europe has a tradition of humanism, in which both freedom of expression, and freedom of thought and belief, including freedom of religion, are respected and upheld in law. To criticise beliefs, including through satire and ridicule, does not contravene others’ freedom of belief. Rather, criticism is essential to freedom of expression. Murder on the other hand is the ultimate nullification of all a person’s freedoms and being.
It is our true hope that Europe will neither bow to this violence, nor rise to it. We will not be provoked into an equal savagery. We will resist all terror, and we will defend freedom of thought and expression: essential values for free and meaningful lives.”
— Sonja Eggerickx, president of the International Humanist and Ethical Union (IHEU)



Logomarca da União Humanista Ética Internacional em homenagem aos mortos no massacre contra o semanário Charlie Hebdo, em 7.1.2015