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19 janeiro 2025

Celebração do nascimento de Augusto Comte e de Rosália

No dia 19 de Moisés de 171 (19.1.2025) realizamos a celebração do nascimento de Augusto Comte e, de maneira complementar, também de sua mãe, Rosália Boyer.

A celebração foi transmitida no canal da Igreja Positivista Virtual e está disponível aqui e aqui.

As anotações que serviram de base para a exposição oram encontram-se reproduzidas abaixo.

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Celebração de Augusto Comte e Rosália Boyer (171/2025)

 1.      Invocação inicial

2.      O início de todo ano é sempre um período de grandes alegrias e satisfações para nós, positivistas; além de ser um período de férias e aproximação com as famílias, também é uma época em que celebramos, no período de três semanas, três ou quatro das mais importantes festas da Religião da Humanidade:

2.1.   O último dia do ano, que no calendário positivista é um dia complementar, é consagrado à Festa Geral dos Mortos;

2.2.   Nos anos bissextos, o segundo dia complementar é consagrado à Festa das Mulheres Santas;

2.3.   Essas festas que terminam um ano preparam a celebração do primeiro dia do ano, reiniciando o ciclo e que tem a mais importante festividade positivista, a Festa da Humanidade;

2.4.   Então, no dia 19 de Moisés/janeiro, temos a celebração do nascimento de Augusto Comte e da memória de sua mãe, Rosália Boyer

3.      Assim, é com grande alegria e satisfação que celebramos a memória de nosso mestre, fundador da Religião da Humanidade, o grande Augusto Comte, no dia de hoje (19 de Moisés/janeiro), que é justamente o seu aniversário de nascimento

3.1.   Nossas prédicas costumam ocorrer nas terças-feiras, no início da noite; entretanto, a importância desta celebração leva-nos a realizar a prédica na manhã de um domingo

4.      Celebrar a memória de alguém é valorizar a sua vida, as suas realizações; é claro então que, para que a vida de alguém ser celebrada, essa vida tem que merecer ser celebrada

4.1.   A celebração da memória de nossos grandes antepassados, de nossos grandes concidadãos, integra o culto público e o culto privado, em práticas que espontaneamente sempre se realizaram e que a Religião da Humanidade sistematiza

4.1.1.     O culto histórico, celebrando a memória de alguém, permite a confluência de muitas concepções e práticas humanas, humanistas, relativas e altruístas: sendo a lei do dever e da felicidade o “viver para outrem”, a nossa paga consiste em revivermos em outrem; da mesma forma, como após a morte não existe mais vida objetiva para quem morreu, a eternidade consiste na memória que merecemos de nossos contemporâneos e de nossos descendentes, na vida subjetiva: como dizia Elisa Mercoeur, “a glória é a outra vida”

4.1.2.     Se devemos viver para outrem para reviver em outrem, nossas vidas objetivas têm que ser orientadas para o bem comum, para o altruísmo; ainda assim, as dificuldades próprias à vida humana, que por toda parte estimulam o egoísmo, levam a que, por vezes, nossos esforços objetivos altruístas não sejam atingidos, ou que não se afirmem, ou que sejam distorcidos; dizendo de outra forma, se objetivamente somos todos, sempre e necessariamente, servidores da Humanidade, somente mereceremos o respeito público realizado no culto sociolátrico após a transformação da nossa vida objetiva em vida subjetiva – e, de maneira ainda mais específica, por meio da incorporação à Humanidade, com a apreciação da vida objetiva sete anos após a transformação

4.1.3.     Celebrar a memória de alguém, portanto, não é algo banal, nem é algo secundário; é o único meio real e efetivo de obtermos a imortalidade, ao mesmo tempo em que coroamos os nossos esforços contínuos resumidos na lei do dever e da felicidade – viver para outrem

4.1.4.     O nascimento de alguém é sempre um momento de alegria e de felicidade; para os pais, familiares e amigos, um novo filho geralmente é motivo de alegria e esperança, de atenção e carinho; para o público, é a continuidade de nossa existência; mas, em qualquer caso, para além do amor e da alegria, o nascimento de alguém é apenas esperança, ou seja, são promessas a serem cumpridas, nada além disso

4.1.5.     Inversamente, a morte de alguém, mesmo que seja sempre um evento triste, por vezes catastrófico e calamitoso, não é verdadeiramente o fim dessa pessoa; como o nome do oitavo sacramento indica, ocorre uma transformação na existência dessa pessoa, em que sua atividade concreta e objetiva cede lugar à sua influência abstrata e subjetiva; para além disso, a morte de alguém pode ser triste, catastrófica ou calamitosa justamente porque essa pessoa viveu, agiu, foi um verdadeiro servidor da Humanidade, em que a esperança dada pelo nascimento mais ou menos se cumpriu

4.1.6.     O resultado das reflexões acima, então, é que se não há existência objetiva sem o nascimento, o fato é que é a transformação que assinala uma vida boa, correta, produtiva, bem vivida

4.1.6.1.           No nascimento de alguém, o papel da mãe é indiscutível; a celebração do nascimento é também a celebração da mãe e da maternidade: é por isso que a Igreja Positivista do Brasil estabeleceu piedosamente a celebração de Rosália Boyer no dia do nascimento de Augusto Comte

4.2.   Ao tratar da celebração da memória de nossos grandes antecessores e, em particular, da importância que suas vidas tiveram, não consigo deixar de lembrar-me de uma decisão vigente há algumas décadas no Brasil:

4.2.1.     Já comentamos algumas vezes que desde os anos 1990 vige uma orientação oficial curiosa, no âmbito dos selos emitidos pela Empresa de Correios e Telégrafos: os selos comemorativos de pessoas têm que celebrar os nascimentos, não as mortes

4.2.2.     Como sabemos, os selos são um dos mais conhecidos, tradicionais e importantes meios de celebrar publicamente a memória de nossos antecedentes; paulatinamente, desde que eles surgiram na Inglaterra no século XIX, cada vez mais todos os países usam os selos postais como formas de celebrar – e isso mesmo apesar da virtual obsolescência das cartas como meio de comunicação

4.2.3.     A diretriz dos Correios, estabelecida pelo Ministério das Comunicações, não apresenta nenhuma justificativa para proibir a celebração das mortes e ao impor apenas a celebração dos nascimentos; podemos apenas supor que tal decisão baseia-se em uma concepção infantil, meio supersticiosa e totalmente contrária às práticas cultuais religiosas históricas, segundo a qual a morte seria “macabra”

4.2.4.     Ao mesmo tempo, não há nenhuma norma interna aos Correios, emitida ou não pelo Ministério das Comunicações, que afirme a laicidade do Estado: o resultado é que um dos principais meios oficiais de celebrar as atividades públicas dos cidadãos adota um parâmetro infantil e piegas, sem impedir que os selos sejam agressivamente empregados como instrumentos do clericalismo

5.      Devemos apresentar algumas breves notas biográficas sobre Augusto Comte; não pretendemos com elas expor um resumo completo de sua vida nem sermos detalhados, nem mesmo apresentar nenhuma novidade: o que importa é indicar as principais etapas de sua vida

5.1.   Comte nasceu Isidoro Augusto Francisco Xavier Comte, em 19 de janeiro de 1798, em Mompilher (Montpellier), no Sul da França, no departamento do Hérault; era filho de Luís-Augusto Comte e de Rosália Boyer Comte; teve dois irmãos menores, Alice (1800) e Adolfo (1802)

5.2.   Ele fez seus estudos iniciais em sua cidade natal; apresentava uma prodigiosa memória; com 16 anos, em 1814, foi aprovado em primeiro lugar para a Escola Politécnica, para cursar Engenharia em Paris, para lá se dirigindo em seguida; na capital conjugava estudos das ciências com estudos históricos, filosóficos e políticos, em um ambiente de republicanismo; mas foi expulso da Escola devido a uma sublevação estudantil

5.3.   Voltou a Mompilher, onde estudou Medicina por seis meses na famosa escola médica local; por decisão própria, voltou a Paris, onde obteve emprego como jornalista, com Saint-Simon; ele trabalhou com esse conde entre 1817 e 1824 enquanto continuava seus estudos e elaborava os fundamentos de sua obra; assim, em 1822 redigiu o seu “opúsculo fundamental”, o Plano dos trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade, reeditado em 1824 e no qual fundou a Sociologia, ao apresentar a lei dos três estados, a lei da classificação das ciências e uma densa interpretação histórica da Europa moderna; também em 1825 casou-se com Carolina Massin, em um arroubo de generosidade somado à solidão que sentia

5.4.   Em 1826 suas reflexões científicas fundamentais estavam formuladas e começou a expor publicamente o Curso de filosofia positiva; entretanto, logo no início teve que suspender as exposições, pois sofrera um colapso nervoso, devido à tensão do curso, aos problemas conjugais (Carolina Massin era agressiva e infiel) e aos problemas financeiros; isso o levou a um internamento em uma clínica psiquiátrica, onde ficou por um ano e meio; depois que saiu, a fragilidade de sua situação levou-o ainda a tentar o suicídio: durante toda a recuperação, teve o apoio de sua mãe, Rosália, que, idosa, foi de Mompilher a Paris para ajudá-lo, e de sua esposa, Carolina, que, apesar dos pesares, soube cuidar do marido nessa fase; em 1828 Comte estava novamente em boas condições

5.5.   Em 1830 começou a publicação do Sistema de filosofia positiva, inicialmente chamado de Curso de filosofia positiva; deveria ter quatro volumes, mas teve seis e foi escrito até 1842; em 1842 Sofia Bliaux entrou para o serviço de Comte e, em seguida, Carolina saiu de casa pela última vez, embora o casamento não tenha sido rompido

5.6.   Em abril de 1845 Augusto Comte conheceu a irmã de seu aluno Maximilien Marie, Clotilde; apaixonou-se por ela e procurou aproximar-se dela (era amigo da família); ela era uma pessoa sofrida, que impôs limites; aos poucos o relacionamento amadureceu e a confiança mútua desenvolveu-se, com Augusto Comte moderando-se e com Clotilde abrindo-se para ele; os problemas de saúde de Clotilde, agravados por sua situação pessoal e familiar resultaram em seu óbito, em abril de 1846, após um “ano sem par”; a correspondência entre ambos é belíssima, notável e apresenta muitas das mais importantes produções do Positivismo, como as cartas filosóficas sobre a comemoração social, sobre o casamento, sobre o batismo, além das sete máximas, os poemas e as novelas de Clotilde (alguns dos quais, todavia, não eram inéditos); esse relacionamento, com uma mulher excepcional, foi o que permitiu e realizou a fundação da Religião da Humanidade e a ultrapassagem do cientificismo da Filosofia positiva

5.7.   Em 1848 Augusto Comte funda a Sociedade Positivista; nesse ano também começa a publicar as várias obras religiosas: o manifesto político-filosófico Discurso sobre o conjunto do Positivismo, no qual fala publicamente da Religião da Humanidade e do dogma da Humanidade; entre 1851 e 1854 publica a sua obra maior, o Sistema de política positiva, cujo subtítulo resume o seu objeto: “tratado de sociologia instituindo a Religião da Humanidade”; em 1852 publica o Catecismo positivista, em 1855 o Apelo aos conservadores, em 1856 o volume primeiro e único da Síntese subjetiva, além de uma extensa correspondência e um crescente círculo de discípulos

5.8.   Augusto Comte faleceu em 5 de setembro de 1857, talvez devido a câncer do estômago, deixando várias obras inconclusas e projetadas: os volumes 2 a 4 da Síntese subjetiva, livros didáticos, poemas épicos

6.      Após esse breve e superficial resumo biográfico de Augusto Comte, que é um pouco formal, devemos considerar as suas criações, ou seja, o conteúdo de sua produção

6.1.   Ainda assim, vale a pena considerar a homenagem prestada a Augusto Comte: é normal, é natural que nós, positivistas, homenageemos nosso fundador; essa homenagem procura evidentemente seguir os parâmetros da Religião da Humanidade, isto é, do culto público, seguindo a orientação humanista, relativa, altruísta do Positivismo

6.2.   Nossa sociedade, seguindo um impulso que vem pelo menos desde o século XVIII, mas que lamentavelmente se intensificou no século XX, combina os hábitos mentais teológicos e a crítica destruidora metafísica, resultando em um ambiente mental e moral degradado, meio podre, em que as noções de religião e de homenagem religiosa são entendidas como adoração teológica, isto é, com uma forma de adoração mística, fanática, intolerante, incapaz de realismo e de apreciação relativista: é dessa forma que, de maneira hipócrita e contraditória, tanto os teológicos e os metafísicos místicos quanto os metafísicos academicistas encaram o Positivismo, ou melhor, a Religião da Humanidade e o culto público: enquanto quem se mantém mais ou menos vinculado às ficções das divindades considera que a única forma verdadeiro de culto é a sua própria, aqueles que defendem o negativismo antiteológico, em sua emancipação incompleta, rejeitam qualquer forma de culto

6.3.   Esse amálgama de podridão moral e intelectual, misto de teologia e metafísica, atinge mesmo pessoas que se dizem positivistas ou que, de qualquer maneira, estão próximas de nós, na medida em que elas dizem que é necessário “ultrapassar” Augusto Comte ou, então, dizem ao mesmo tempo que a elaboração filosófica e política de Comte da fase da Religião da Humanidade apresenta aspectos brilhantes mas que a religião é uma concepção de um louco – repetindo, neste último caso, a difamação estimulada por Carolina Massin a fim de lucrar com a Filosofia e de destruir toda a produção religiosa de Augusto Comte (resultante, em última análise, de sua relação com Clotilde)

6.4.   O culto público, como, de resto, a parte cultual da Religião da Humanidade não é nenhuma forma de misticismo ou de fanatismo; é o reconhecimento da dívida de gratidão e de dívidas morais, intelectuais e práticas que todos temos para com nossos antecessores; assim como um servidor da Humanidade deve merecer o culto, a contrapartida desse merecimento é exatamente a dívida de gratidão que devemos saldar e honrar; além disso, vinculado ao culto e ao dogma da Religião da Humanidade, o neofetichismo fundamenta e dá corpo a essas práticas, satisfazendo necessidades fundamentais do ser humano, em termos de sentimentos, de imaginação, de relacionamento com o ambiente, com os animais, com os outros seres humanos: o culto da Religião da Humanidade, então, não é algo místico e fanático, mas, ao contrário, essas críticas é que são o podre amálgama de ciumento exclusivismo e de um seco intelectualismo

6.4.1.     Como exemplo e caso particular desse amálgama retrógrado-crítico, a idéia de “ultrapassar” Comte mistura (1) a incompreensão do aspecto cultual do respeito a Augusto Comte, (2) a incompreensão radical do papel desempenhado por Augusto Comte na história da Humanidade, (3) o impulso destruidor do academicismo e do cientificismo, (4) o frenesi presentista e “novidadista” e, last but not the least, (5) a arrogância intelectualista

6.4.1.1.           É claro que é necessário rever muitos aspectos específicos de Augusto Comte, especialmente em termos de teorias e descobertas científicas; da mesma forma, muitos aspectos de Augusto Comte têm que ser desenvolvidos; mas a afirmação de que é necessário “ultrapassar” Augusto Comte implica necessariamente fazer tabula rasa de sua obra, considerando-a passível de ser jogada fora, bem como considera que aquele que a “ultrapassa” é superior a Augusto Comte em termos morais e intelectuais; assim, radicalmente não entende o que é nem para que serve o Positivismo, submetendo-o ao processo irracional (e imoral) pelo qual se move de maneira “crítica” a ciência moderna, que avança sem saber para onde vai; nessa tabula rasa está incluída a negação das vistas de conjunto e das vistas históricas e, portanto, a impossibilidade da conciliação entre ordem e progresso

6.5.   Dito isso, podemos relacionar – mas sem nos estendermos a respeito – alguns dos elementos mais importantes da obra de Augusto Comte, ou seja, alguns dos elementos que justificam o culto público dedicado a ele:

6.5.1.     Em nossas prédicas temos procurado sempre nos referir a produções de positivistas nossos antecessores, de modo a também os homenagear, a valorizar seus esforços e, assim, a combinar a ordem (no caso, a produção de nossos antecessores) com o progresso (nossa própria produção, feita considerando as questões contemporâneas a nós); assim, em 1915, o positivista inglês John Henry Bridges publicou o artigo “The Seven New Thoughts of the Positive Polity” no livro Ilustrações do Positivismo (p. 309-332), em que apresenta sete idéias centrais da Política positiva[1]; são elas:

1)      A Humanidade

2)      O método subjetivo

3)      A teoria cerebral

4)      A Moral como ciência suprema

5)      A sociocracia baseada na separação entre os poderes Temporal e Espiritual

6)      A afinidade entre o fetichismo e o Positivismo

7)      O culto superior ao dogma

6.5.2.     A relação acima é impressionante e de fato cobre várias das mais importantes concepções de Augusto Comte; vale notar que o fato de elas não serem muito conhecidas, mesmo hoje em dia, indica com clareza as limitações morais, intelectuais e políticas da nossa época

6.5.3.     Além da relação acima, modestamente eu sugiro alguns outros itens, sem a menor pretensão de esgotar as possibilidades:

1)      A Religião da Humanidade

2)      As três leis dos três estados

3)      A Sociologia

4)      A classificação das ciências

5)      A teoria da classificação

6)      As concepções de ordem e progresso e a conciliação radical entre ordem e progresso

7)      A noção de altruísmo e sua compatibilidade com o egoísmo

8)      O conjunto do culto positivo

9)      A noção positiva dos “anjos da guarda”

7.      Passemos agora para a celebração de Rosália Boyer

7.1.   Como dissemos antes, se o nascimento é acima de tudo promessa e esperança e é de fato com a transformação que se pode começar a apreciar as contribuições positivas de qualquer servidor da Humanidade, o nascimento deve também permitir a valorização da mãe do nascido; por esse motivo, a Igreja Positivista do Brasil estabeleceu que o dia 19 de janeiro é também a celebração de Rosália Boyer, prática que seguimos

7.2.   Embora devamos sempre buscar uma certa originalidade, nesta celebração de Rosália limitar-nos-emos a repetir as palavras que proferimos um ano atrás, na celebração de Augusto Comte e Rosália de 170 (2024)[2]:

Celebração de Rosália Boyer

No dia 19 de Moisés (19 de janeiro) celebra-se o nascimento de Augusto Comte; conforme o belo calendário estabelecido para os cultos públicos da Igreja Positivista do Brasil, também nessa data se celebra Rosália Boyer, mãe de nosso mestre e um de seus anjos da guarda. (Da mesma forma, no dia 5 de setembro celebra-se a transformação de nosso mestre – e Sofia Bliaux.)

Apesar da importância de Rosália, é notável que haja pouquíssimas indicações de sua vida. As biografias de Augusto Comte escritas pelo dr. Robinet (Notíciasobre a vida e a obra de Augusto Comte) e por José Longchampt (Epítome da vida e dos escritos de Augusto Comte) apresentam apenas indicações gerais sobre ela, de modo geral relativas ao episódio da crise cerebral de 1826-1827. A biografia que apresenta mais dados sobre Rosália é a de Mary Pickering (Auguste Comte, An Intellectual Biography, v. 1), a despeito do desprezo da autora por Augusto Comte e pelo positivismo e do seu desejo de contradizer tudo o que a tradição positivista (e mesmo a não positivista, a exemplo de Henri Gouhier) disse sobre a vida de Augusto Comte[3]. Também nos valemos do belo volume cultual de Teixeira Mendes, Comte et Clotilde.

Rosália Boyer Comte nasceu Félicité-Rosalie Boyer em 28 de janeiro de 1764, na pequena comuna de Jonquières (no departamento do Hérault), e faleceu em 3 de março de 1837, em Montpellier (sede do Hérault) – portanto, com a idade de 73 anos.

A família de Rosália era de Jonquières; seu pai era mercador e vinha de uma conhecida família de doutores. Casou-se com 32 anos, em 1796, em Montpellier, e teve quatro filhos: Augusto (1798), Alice (1800), um logo falecido (em 1801) e Adolfo (1802). Na medida em que seu marido, Luís-Augusto Comte, passava a maior parte do tempo fora de casa, no trabalho, Rosália era a figura mais importante da casa; segundo a expressão de Augusto Comte em 1837, após a morte de sua mãe, ela também era a “figura mais apaixonada” da casa. Ainda segundo nosso mestre, fisicamente ele parecia-se com seu pai, mas suas características morais eram mais conforme sua mãe: seus sentimentos, sua inteligência, seu caráter. Apesar disso, as relações de Comte com sua mãe (e com seu pai) não eram muito próximas durante a infância de nosso mestre; os seus estudos foram realizados no liceu local, o que o afastava dos pais (e principalmente da mãe); mais tarde, com sua mudança para Paris, essa distância aumentou ainda mais, em particular devido às diferenças de opinião entre eles. Rosália era católica praticante e levava a sério as explicações teológicas da vida; além disso, ela compartilhava as opiniões monarquistas do seu marido.

Com a idade de 16 anos Augusto Comte foi admitido na Escola Politécnica, tendo obtido o primeiro lugar nos exames do Centro-Sul do país; a partir daí, apesar de uma temporada de retorno a Montpellier, Paris tornou-se a cidade do filósofo. Apesar disso, em Paris, as dificuldades financeiras, as opiniões políticas e filosóficas, as relações sociais (incluindo Saint-Simon) e, depois, também o casamento com Carolina Massin foram motivos de grande tensão entre Augusto Comte e seus pais.

A correspondência entre Augusto Comte e sua família (mãe, pai, irmã) indica reiterados pedidos de dinheiro da parte do filósofo, assim como cobranças da parte da família para que ele estabelecesse-se na vida, obtivesse um bom emprego, afastasse-se das más companhias, voltasse à religião católica etc. Isso gerou animosidade profunda de parte a parte, que só foi começou a ser revertida após a morte de Rosália, em 1837, e que só mudou efetivamente em 1855, com a reconciliação de Augusto Comte com seu pai.

Além dessa tensa e constante troca de cartas, o episódio mais importante da vida de Rosália para Augusto Comte já adulto foi o do acompanhamento da crise cerebral de 1826 e 1827.

Como se sabe, em 19.2.1825 Augusto Comte casou-se com Carolina Massin, contra a mais viva resistência dos pais. Um ano depois, em 2.4.1826, ele começou as aulas orais do “Curso de filosofia positiva”: entretanto, as enormes exigências intelectuais do curso, somadas ao comportamento reprovável de Carolina, bem como às dificuldades materiais do casal, conduziram Augusto Comte a uma crise nervosa após a terceira sessão do curso. Em 18.4.1826 Augusto Comte foi recolhido à clínica psiquiátrica do Esquirol, com o auxílio de Blainville. Mais tarde, no “Prefácio pessoal” do v. 6 do Sistema de filosofia positiva, de 1842, Augusto Comte observaria que essa crise por si só se resolveria naturalmente, caso o tratamento dispensado fosse o cuidado físico e a proteção moral; mas tanto o tratamento físico quanto os remédios aplicados por Esquirol e o ambiente alienado de sua clínica mantiveram e agravaram seu estado alterado.

Enfim, essa internação foi mantida em sigilo, para evitar prejudicar a reputação de Augusto Comte, de modo que nem a família Comte em Montpellier sabia do ocorrido. Mas o pai de Carolina escreveu uma carta à família Comte descrevendo o ocorrido; essa carta chegou em 17.5.1826: no dia seguinte Rosália partiu rumo a Paris, apesar da dureza e da duração da viagem e apesar de ter, à época, 62 anos e uma saúde mais ou menos frágil.

Sendo católica e detestando Carolina Massin, as primeiras ações de Rosália em Paris foram no sentido de tentar tirar Augusto Comte do Esquirol e ou levá-lo para Montpellier ou interná-lo em alguma instituição católica. Como ambas essas iniciativas falharam, ela tentou em seguida realizar uma “intervenção” judicial, em que Augusto Comte seria tutelado por seu pai e residiria em Montpellier: uma reunião para essa intervenção realmente ocorreu, em 15.6.1826, mas, em face do estado do doente, foi necessária uma nova reunião subseqüente, que foi obstada por Carolina. A participação de Carolina em ambos os episódios foi depois considerada por Augusto Comte como a única ação verdadeiramente digna da moça.

A partir daí, Rosália e Carolina mais ou menos fizeram as pazes em prol do restabelecimento de Augusto Comte. Rosália só conseguiu autorização de Esquirol para ver o filho em 15.9.1826; em todo caso, Rosália ia à clínica todos os dias. Com a persistência do problema – e considerando os altos custos da clínica –, decidiu-se que seria melhor tirar Augusto Comte de lá, talvez para levá-lo a Montpellier; em 2.12.1826 ele voltou para o lar conjugal, onde, por insistência de Rosália e graças à intermediação do padre Lammenais, realizou-se imediatamente uma cerimônia católica de casamento, apesar de Augusto Comte não estar nas mínimas condições de participar dela. Após isso, Rosália partiu de Paris; reinstalado em sua casa, em um ambiente mais sadio, aos poucos ele recuperou sua normalidade. (Apesar disso, ao longo de 1827 ele manteve-se tenso e suscetível; assim, em abril desse ano ele tentou o suicídio no rio Seno, durante o dia. Salvo por um guarda real, envergonhado por sua ação, ele tomou a decisão de buscar ativamente o restabelecimento.)

Em agosto de 1828 Augusto Comte publicou o oitavo e último dos seus “opúsculos de juventude”, o exame do livro de Broussais sobre a irritação e a loucura. Por fim, em 4.1.1829, dois anos e meio após o início da primeira exposição oral do “Curso de filosofia positiva”, Augusto Comte reiniciou, desde a primeira lição, o curso.

Enfim: após a saída de Augusto Comte da clínica de Esquirol e a cerimônia católica de casamento, Rosália voltou a Montpellier; ela nunca mais veria o filho e este, desde 1825 (após o casamento com Carolina), nunca mais viu a mãe em condições de plena sanidade. Ainda assim, ao longo do primeiro semestre de 1827, ela enviou-lhe regularmente pequenas economias, para ajudar Augusto Comte.

Quando Rosália faleceu em 1837, Augusto Comte aproveitou as viagens que ele fazia pelo Centro-Sul da França como examinador da Escola Politécnica para ir a Montpellier e visitar a família, hospedando-se na casa dos pais. Foi então que afirmou a importância da mãe em sua infância e em seu caráter; da mesma forma, a partir daí reconheceu – e lamentou – a relativa pouca influência que ela teve sobre ele, devida em parte ao sistema educacional de que participou, em parte devido ao que ele desejava para sua vida.

As limitações nas relações com sua mãe foram parcialmente corrigidas, e acima de tudo foram valorizadas e cultuadas, durante a carreira religiosa de Augusto Comte:

1) com o reconhecimento e com o lamento, no “prefácio” ao v. 1 do Sistema de política positiva, da sua falta de ternura para com sua mãe;

2) no Catecismo positivista, com a instituição dos “anjos da guarda”, em particular com os três anjos particulares de Augusto Comte: Clotilde, Rosália e Sofia;

3) com a previsão de dedicatória dos dois volumes da Moral positiva (volumes 2 e 3 da Síntese subjetiva, dedicados respectivamente à Moral Teórica e à Moral Prática) a Rosália;

4) com as suas preces cotidianas sendo dirigidas principalmente a Clotilde, mas também a Rosália e a Sofia;

5) com a sua planejada inumação entre seus três anjos da guarda.

No velório de Augusto Comte, de 5 para 8 de setembro de 1857, lia-se a seguinte inscrição no caixão: “À la digne mère d’Auguste Comte, Rosalie Boyer, née le 28 janvier 1764, à Jonquières (Hérault), et dècèdée le 3 mars 1837, à Montpellier”[4].

Rosália teve seus defeitos e, por vezes, agiu de maneira que não foi valorizada por Augusto Comte. Apesar disso – e essa restrição, o “apesar disso”, é central para nós –, ela foi uma pessoa que se preocupou, ao longo de toda a sua vida, com seus filhos e com sua família, mesmo que à distância; assim, literalmente, ela foi um anjo da guarda para Augusto Comte. Isso representa bem em que consiste a idealização proposta pelo Positivismo, ou melhor, pela Religião da Humanidade, especialmente no caso das mulheres: a dedicação com vistas ao aperfeiçoamento moral dos seres humanos.

8.      Invocação final



[3] Vale notar que as opiniões da autora são expostas ao mesmo tempo em que ela cita – mas não reproduz! – centenas de documentos, muitos dos quais inéditos; assim, os leitores temos pura e simplesmente que confiar na autoridade da autora. Inversamente, postura bem diversa foi adotada pelos positivistas: Miguel Lemos e Teixeira Mendes citavam extensa e profusamente Augusto Comte, tanto em português quanto em francês; da mesma forma, o dr. Robinet incluía em seus livros centenas de páginas de “peças justificativas”: com isso, qualquer leitor podia, como pode, avaliar as opiniões dos autores e historiadores a partir do cotejo direto com as personalidades citadas. Isso é precisamente o que o historiador paranaense Denisson de Oliveira chama de “história hipertextual”.

[4] “À digna mãe de Augusto Comte, Rosália Boyer, nascida em 28 de janeiro de 1764, em Jonquières (Hérault), e falecida em 3 de março de 1837, em Montpellier”.

20 janeiro 2024

Celebração de Augusto Comte e de Rosália Boyer

No dia 19 de Moisés de 170 (19.1.2024) realizamos a celebração do nascimento de Augusto Comte;  além disso, seguindo a tradição estabelecida pela Igreja Positivista do Brasil, na mesma data realizamos a celebração da mãe de Augusto Comte, Rosália Boyer. A Igreja Positivista do Rio Grande do Sul associou-se a nós nessa celebração.

Ambas as celebrações foram transmitidas no canal Positivismo e estão disponíveis aqui: https://l1nq.com/GzhjG.

A honra da celebração do próprio Comte coube ao nosso amigo e correligionário Hernani Gomes da Costa. A sua participação começa aos 39 min 53 s.

A celebração de Rosália coube a nós mesmos. As anotações que serviram de base para a nossa exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

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Celebração de Rosália Boyer 

No dia 19 de Moisés (19 de janeiro) celebra-se o nascimento de Augusto Comte; conforme o belo calendário estabelecido para os cultos públicos da Igreja Positivista do Brasil, também nessa data se celebra Rosália Boyer, mãe de nosso mestre e um de seus anjos da guarda. (Da mesma forma, no dia 5 de setembro celebra-se a transformação de nosso mestre – e Sofia Bliaux.)

Apesar da importância de Rosália, é notável que haja pouquíssimas indicações de sua vida. As biografias de Augusto Comte escritas pelo dr. Robinet (Notícia sobre a vida e a obra de Augusto Comte) e por José Longchampt (Epítome da vida e dos escritos de Augusto Comte) apresentam apenas indicações gerais sobre ela, de modo geral relativas ao episódio da crise cerebral de 1826-1827. A biografia que apresenta mais dados sobre Rosália é a de Mary Pickering (Auguste Comte, An Intellectual Biography, v. 1), a despeito do desprezo da autora por Augusto Comte e pelo positivismo e do seu desejo de contradizer tudo o que a tradição positivista (e mesmo a não positivista, a exemplo de Henri Gouhier) disse sobre a vida de Augusto Comte[1]. Também nos valemos do belo volume cultual de Teixeira Mendes, Comte et Clotilde.

Rosália Boyer Comte nasceu Félicité-Rosalie Boyer em 28 de janeiro de 1764, na pequena comuna de Jonquières (no departamento do Hérault), e faleceu em 3 de março de 1837, em Montpellier (sede do Hérault) – portanto, com a idade de 73 anos.

A família de Rosália era de Jonquières; seu pai era mercador e vinha de uma conhecida família de doutores. Casou-se com 32 anos, em 1796, em Montpellier, e teve quatro filhos: Augusto (1798), Alice (1800), um logo falecido (em 1801) e Adolfo (1802). Na medida em que seu marido, Luís-Augusto Comte, passava a maior parte do tempo fora de casa, no trabalho, Rosália era a figura mais importante da casa; segundo a expressão de Augusto Comte em 1837, após a morte de sua mãe, ela também era a “figura mais apaixonada” da casa. Ainda segundo nosso mestre, fisicamente ele parecia-se com seu pai, mas suas características morais eram mais conforme sua mãe: seus sentimentos, sua inteligência, seu caráter. Apesar disso, as relações de Comte com sua mãe (e com seu pai) não eram muito próximas durante a infância de nosso mestre; os seus estudos foram realizados no liceu local, o que o afastava dos pais (e principalmente da mãe); mais tarde, com sua mudança para Paris, essa distância aumentou ainda mais, em particular devido às diferenças de opinião entre eles. Rosália era católica praticante e levava a sério as explicações teológicas da vida; além disso, ela compartilhava as opiniões monarquistas do seu marido.

Com a idade de 16 anos Augusto Comte foi admitido na Escola Politécnica, tendo obtido o primeiro lugar nos exames do Centro-Sul do país; a partir daí, apesar de uma temporada de retorno a Montpellier, Paris tornou-se a cidade do filósofo. Apesar disso, em Paris, as dificuldades financeiras, as opiniões políticas e filosóficas, as relações sociais (incluindo Saint-Simon) e, depois, também o casamento com Carolina Massin foram motivos de grande tensão entre Augusto Comte e seus pais.

A correspondência entre Augusto Comte e sua família (mãe, pai, irmã) indica reiterados pedidos de dinheiro da parte do filósofo, assim como cobranças da parte da família para que ele estabelecesse-se na vida, obtivesse um bom emprego, afastasse-se das más companhias, voltasse à religião católica etc. Isso gerou animosidade profunda de parte a parte, que só foi começou a ser revertida após a morte de Rosália, em 1837, e que só mudou efetivamente em 1855, com a reconciliação de Augusto Comte com seu pai.

Além dessa tensa e constante troca de cartas, o episódio mais importante da vida de Rosália para Augusto Comte já adulto foi o do acompanhamento da crise cerebral de 1826 e 1827.

Como se sabe, em 19.2.1825 Augusto Comte casou-se com Carolina Massin, contra a mais viva resistência dos pais. Um ano depois, em 2.4.1826, ele começou as aulas orais do “Curso de filosofia positiva”: entretanto, as enormes exigências intelectuais do curso, somadas ao comportamento reprovável de Carolina, bem como às dificuldades materiais do casal, conduziram Augusto Comte a uma crise nervosa após a terceira sessão do curso. Em 18.4.1826 Augusto Comte foi recolhido à clínica psiquiátrica do Esquirol, com o auxílio de Blainville. Mais tarde, no “Prefácio pessoal” do v. 6 do Sistema de filosofia positiva, de 1842, Augusto Comte observaria que essa crise por si só se resolveria naturalmente, caso o tratamento dispensado fosse o cuidado físico e a proteção moral; mas tanto o tratamento físico quanto os remédios aplicados por Esquirol e o ambiente alienado de sua clínica mantiveram e agravaram seu estado alterado.

Enfim, essa internação foi mantida em sigilo, para evitar prejudicar a reputação de Augusto Comte, de modo que nem a família Comte em Montpellier sabia do ocorrido. Mas o pai de Carolina escreveu uma carta à família Comte descrevendo o ocorrido; essa carta chegou em 17.5.1826: no dia seguinte Rosália partiu rumo a Paris, apesar da dureza e da duração da viagem e apesar de ter, à época, 62 anos e uma saúde mais ou menos frágil.

Sendo católica e detestando Carolina Massin, as primeiras ações de Rosália em Paris foram no sentido de tentar tirar Augusto Comte do Esquirol e ou levá-lo para Montpellier ou interná-lo em alguma instituição católica. Como ambas essas iniciativas falharam, ela tentou em seguida realizar uma “intervenção” judicial, em que Augusto Comte seria tutelado por seu pai e residiria em Montpellier: uma reunião para essa intervenção realmente ocorreu, em 15.6.1826, mas, em face do estado do doente, foi necessária uma nova reunião subseqüente, que foi obstada por Carolina. A participação de Carolina em ambos os episódios foi depois considerada por Augusto Comte como a única ação verdadeiramente digna da moça.

A partir daí, Rosália e Carolina mais ou menos fizeram as pazes em prol do restabelecimento de Augusto Comte. Rosália só conseguiu autorização de Esquirol para ver o filho em 15.9.1826; em todo caso, Rosália ia à clínica todos os dias. Com a persistência do problema – e considerando os altos custos da clínica –, decidiu-se que seria melhor tirar Augusto Comte de lá, talvez para levá-lo a Montpellier; em 2.12.1826 ele voltou para o lar conjugal, onde, por insistência de Rosália e graças à intermediação do padre Lammenais, realizou-se imediatamente uma cerimônia católica de casamento, apesar de Augusto Comte não estar nas mínimas condições de participar dela. Após isso, Rosália partiu de Paris; reinstalado em sua casa, em um ambiente mais sadio, aos poucos ele recuperou sua normalidade. (Apesar disso, ao longo de 1827 ele manteve-se tenso e suscetível; assim, em abril desse ano ele tentou o suicídio no rio Seno, durante o dia. Salvo por um guarda real, envergonhado por sua ação, ele tomou a decisão de buscar ativamente o restabelecimento.)

Em agosto de 1828 Augusto Comte publicou o oitavo e último dos seus “opúsculos de juventude”, o exame do livro de Broussais sobre a irritação e a loucura. Por fim, em 4.1.1829, dois anos e meio após o início da primeira exposição oral do “Curso de filosofia positiva”, Augusto Comte reiniciou, desde a primeira lição, o curso.

Enfim: após a saída de Augusto Comte da clínica de Esquirol e a cerimônia católica de casamento, Rosália voltou a Montpellier; ela nunca mais veria o filho e este, desde 1825 (após o casamento com Carolina), nunca mais viu a mãe em condições de plena sanidade. Ainda assim, ao longo do primeiro semestre de 1827, ela enviou-lhe regularmente pequenas economias, para ajudar Augusto Comte.

Quando Rosália faleceu em 1837, Augusto Comte aproveitou as viagens que ele fazia pelo Centro-Sul da França como examinador da Escola Politécnica para ir a Montpellier e visitar a família, hospedando-se na casa dos pais. Foi então que afirmou a importância da mãe em sua infância e em seu caráter; da mesma forma, a partir daí reconheceu – e lamentou – a relativa pouca influência que ela teve sobre ele, devida em parte ao sistema educacional de que participou, em parte devido ao que ele desejava para sua vida.

As limitações nas relações com sua mãe foram parcialmente corrigidas, e acima de tudo foram valorizadas e cultuadas, durante a carreira religiosa de Augusto Comte:

1)      com o reconhecimento e com o lamento, no “prefácio” ao v. 1 do Sistema de política positiva, da sua falta de ternura para com sua mãe;

2)      no Catecismo positivista, com a instituição dos “anjos da guarda”, em particular com os três anjos particulares de Augusto Comte: Clotilde, Rosália e Sofia;

3)      com a previsão de dedicatória dos dois volumes da Moral positiva (volumes 2 e 3 da Síntese subjetiva, dedicados respectivamente à Moral Teórica e à Moral Prática) a Rosália;

4)      com as suas preces cotidianas sendo dirigidas principalmente a Clotilde, mas também a Rosália e a Sofia;

5)      com a sua planejada inumação entre seus três anjos da guarda.

No velório de Augusto Comte, de 5 para 8 de setembro de 1857, lia-se a seguinte inscrição no caixão: “À la digne mère d’Auguste Comte, Rosalie Boyer, née le 28 janvier 1764, à Jonquières (Hérault), et dècèdée le 3 mars 1837, à Montpellier”[2].

Rosália teve seus defeitos e, por vezes, agiu de maneira que não foi valorizada por Augusto Comte. Apesar disso – e essa restrição, o “apesar disso”, é central para nós –, ela foi uma pessoa que se preocupou, ao longo de toda a sua vida, com seus filhos e com sua família, mesmo que à distância; assim, literalmente, ela foi um anjo da guarda para Augusto Comte. Isso representa bem em que consiste a idealização proposta pelo Positivismo, ou melhor, pela Religião da Humanidade, especialmente no caso das mulheres: a dedicação com vistas ao aperfeiçoamento moral dos seres humanos.

 

Alto-relevo de Rosália no Cemitério Père-Lachaise, em Paris[3]

 

“Rosália Boyer, mãe de Augusto Comte, votando seu filho à regeneração social” (Eduardo de Sá, IPB, Rio de Janeiro)[4]

 

“Augusto Comte refletindo sob a inspiração de seus anjos da guarda” (Antônio Etex, 1853?)




[1] Vale notar que as opiniões da autora são expostas ao mesmo tempo em que ela cita – mas não reproduz! – centenas de documentos, muitos dos quais inéditos; assim, os leitores temos pura e simplesmente que confiar na autoridade da autora. Inversamente, postura bem diversa foi adotada pelos positivistas: Miguel Lemos e Teixeira Mendes citavam extensa e profusamente Augusto Comte, tanto em português quanto em francês; da mesma forma, o dr. Robinet incluía em seus livros centenas de páginas de “peças justificativas”: com isso, qualquer leitor podia, como pode, avaliar as opiniões dos autores e historiadores a partir do cotejo direto com as personalidades citadas. Isso é precisamente o que o historiador paranaense Denisson de Oliveira chama de “história hipertextual”.

[2] “À digna mãe de Augusto Comte, Rosália Boyer, nascida em 28 de janeiro de 1764, em Jonquières (Hérault), e falecida em 3 de março de 1837, em Montpellier”.

[3] Fonte: Amiset Passionnés du Père-Lachaise. Doação do positivista brasileiro, o Almirante Henrique Batista da Silva Oliveira.

[4] Fonte: Raimundo Teixeira Mendes, Comte et Clotilde.