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08 novembro 2015

Demétrio Magnoli: "Proposta do MEC para a História mata a temporalidade"

Devido à gravidade do problema, reproduzo abaixo um artigo de Demétrio Magnoli e Elaine Barbosa, desenvolvendo um tema de que eles trataram há algumas semanas - a saber, as novas diretrizes para o ensino de História, propostas pelo Ministério da Educação. 

Essas novas diretrizes acabam com a própria idéia de "história", isto é, de cronologia, propondo em seu lugar um ajuntamento de perspectivas isoladas. 

Convém notar que, ao contrário dos preconceitos fortemente correntes, o Positivismo é radicalmente contra essa concepção ao mesmo tempo anti-histórica e particularística de história. Em outras palavras, o Positivismo é contra essa concepção revisionista e "acrítica".

Os autores do texto abaixo, embora tenham completa razão em sua crítica às propostas reacionárias do MEC, erram totalmente quando se referem ao Positivismo, evidenciando também o seu preconceito contra a doutrina e a prática fundada por Augusto Comte e desenvolvida em TODOS os continentes.

Para algumas considerações positivistas em apoio aos textos de Demétrio Magnoli e Elaine Barbosa, ver a postagem intitulada "Demétrio Magnoli: 'História sem tempo'" (disponível aqui).

Para uma pequena refutação da idéia do Positivismo como eurocentrismo, ver a minha postagem justamente intitulada "Positivismo como eurocentrismo" (disponível aqui).

Para uma discussão sobre a ignorância geral sobre o Positivismo, prevalecente no Brasil, ver a minha postagem "A impossibilidade de 'estudos comtianos' no Brasil" (disponível aqui).

O texto abaixo foi publicado na Folha de São Paulo de 8.11.2015; o original pode ser lido aqui.

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Proposta do MEC para ensino de história mata a temporalidade


Ouvir o texto
RESUMO Este texto critica a visão de história da Base Nacional Comum Curricular proposta pelo Ministério da Educação. Ao abandonar a temporalidade em prol de certa noção de cultura, a BNC bane a ideia de história em construção e apaga dos livros didáticos as páginas consagradas à formação das modernas sociedades ocidentais.
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O ensino de história deve se basear "em ensinamento crítico, mas sem descambar para ideologia". A recomendação apareceu no Facebook do já então ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, como uma crítica explícita à Base Nacional Comum Curricular (BNC) de história, divulgada quando ele ainda chefiava a pasta.

Por uma dessas extraordinárias coincidências, Janine pronunciou-se horas depois da publicação de artigo de nossa autoria sobre o mesmo assunto ("História sem tempo", "O Globo", 8/10). E, casualmente, ele repetiu um argumento nuclear daquele artigo. "Não havia, na proposta, uma história do mundo", escreveu, cutucando a ferida de um programa que ignorava "quase por completo o que não fosse Brasil e África".

Janine tem razão quando enquadra o debate na moldura dos direitos dos estudantes e enfatiza o tema, tão esquecido, da pluralidade. "É direito de todo jovem saber o trajeto histórico do mundo. Precisa saber sobre a Renascença, as revoluções, muita coisa. Mas não há uma interpretação única de nenhum desses fenômenos. E é esta diversidade que a educação democrática e de qualidade deve garantir." Aloizio Mercadante, novo titular do ministério, parece igualmente convencido de que há algo de fundamentalmente errado num documento com "muita África e história indígena e pouca história ocidental".

As críticas de Janine e Mercadante têm peso político suficiente para provocar algum tipo de reforma na BNC, mas apenas roçam a superfície do problema: atrás da abolição da "história ocidental" encontra-se a supressão do próprio sentido temporal que define a disciplina.

Marc Bloch disse que "a história é a ciência dos homens no tempo". Na direção oposta, os autores (anônimos e, assim, "especialistas") do documento do MEC investiram numa sociologia do multiculturalismo que esvazia a temporalidade e, com ela, a gramática da historiografia. De fato, se aplicada, a proposta oficial significará o cancelamento do ensino de história. A narrativa histórica canônica estrutura-se sobre um esquema temporal clássico: Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna, Idade Contemporânea. De acordo com a BNC, alunos do 6º ano do ensino fundamental, com 11 ou 12 anos de idade, devem aprender a "problematizar" o "modelo quadripartite francês". Dali em diante, até o fim do ensino médio, o "modelo" nunca mais aparece.

Junto com ele, desintegra-se o ensino da Grécia clássica, do medievo das catedrais, do comércio e das cidades e, ainda, das rupturas filosóficas, culturais e religiosas que anunciaram a modernidade.

No lugar disso, segundo o documento do MEC, o ensino médio é chamado a se concentrar no estudo dos "mundos ameríndios, africanos e afro-brasileiros" (1º ano), dos "mundos americanos" (2º ano) e dos "mundos europeus e asiáticos" (3º ano). Assim, expulsa da escola, a temporalidade é substituída por supostos atores coletivos, construídos a partir de uma tosca noção de cultura.

TEMPORALIDADE

A história entrou na escola pelas mãos do Estado-Nação europeu, no século 19. Inexiste novidade na crítica ao paradigma temporal clássico, impregnado de positivismo, evolucionismo e eurocentrismo. Contudo superá-lo não implica suprimir a gramática da temporalidade.

O programa (mal) camuflado da BNC não é incorporar a África, a Ásia e a América pré-colombiana ao ensino de história, mas recortar dos livros didáticos as páginas consagradas à formação das modernas sociedades ocidentais, erguidas sobre o princípio da igualdade dos indivíduos perante a lei.

Numa primeira versão da proposta, informa Janine, os autores orientavam o estudo de revoltas coloniais com a participação de escravos ou índios, mas "deixavam de lado a Inconfidência Mineira". Seria um equívoco concluir daí que a exclusão decorria, principalmente, da ausência de escravos ou índios no movimento dos inconfidentes. O alvo da censura situa-se mais abaixo: na presença das ideias iluministas que conectam Tiradentes às revoluções Americana e Francesa.

Há método no caos da BNC. Sem a ágora grega, praça de mercado e praça pública, os estudantes ignorarão as origens do individualismo e da democracia –e a relação que existe entre ambos. Sem a Idade Média europeia, jamais entenderão a importância das religiões monoteístas na formação de sociedades que, pela primeira vez, englobaram grupos geográfica e culturalmente diversos por meio de valores éticos universalistas. Sem o Antigo Regime, não serão apresentados à filosofia das Luzes, base do contrato político da cidadania e fonte da ideia de que as pessoas são donas de suas escolhas e seus destinos. Sem a contestação socialista ao liberalismo, que emergiu na Europa novecentista, não compreenderão a trajetória de afirmação dos direitos sociais e trabalhistas.
O vácuo dessas múltiplas ausências será preenchido pelo ensino de histórias paralelas de povos separados pela intransponível muralha da "cultura".

A "história ocidental" mencionada por Mercadante converteu-se, num certo ponto, em história universal, pois a expansão dos Estados europeus –um percurso balizado pelas navegações, pela Revolução Industrial e pelo imperialismo– entrelaçou o mundo inteiro. O paradigma temporal clássico refletia a idealização desse processo. Uma educação democrática tem o dever de narrá-lo na sua inteireza, evidenciando suas luzes e suas sombras.

A herança ocidental abrange tanto a liberdade quanto a opressão: o habeas corpus e o tráfico escravista, a soberania popular e a tirania, a independência nacional e o colonialismo, a igualdade política e o racismo, os direitos humanos e o totalitarismo, a vacinação e a morte radioativa. A educação escolar tem o desafio de investigar tais complexidades e contradições. Mas, à abordagem dos educadores, a BNC contrapõe o método típico dos doutrinadores, fornecendo uma narrativa sobre mocinhos e bandidos que infantiliza professores e estudantes.

Quando Bloch define a história pela dimensão temporal, ele quer enfatizar seu caráter cronológico: o sentido de "processo", isto é, as relações e interações que promovem constantes mutações sociais.

A "história em construção" é precisamente aquilo que os formuladores da BNC pretendem dissolver, de modo a fabricar sujeitos a-históricos: grupos étnicos ou raciais identificados por supostas essências culturais e, portanto, impermeáveis à mudança. Eles não querem, como alegam, conferir visibilidade à história da África, da Ásia ou da América pré-colombiana, mas fabricar a "história dos africanos", a "história dos ameríndios" e a "história dos asiáticos", numa cartolina que incluiria, ainda, a "história dos europeus".

FETICHIZAÇÃO

Seria um equívoco interpretar a BNC como uma revolta contra o "ocidentalismo". De fato, não há nada mais "ocidental" que a fetichização da cultura. O essencialismo cultural deita raízes na "ciência das raças", elaborada à sombra do imperialismo, que falava do "fardo do homem branco" e produzia quadros descritivos sobre os "negros" (africanos), os "amarelos" (asiáticos) e os "vermelhos" (ameríndios). Atualmente, sob o mesmo registro operativo, difunde-se a tese neoconservadora do "choque de civilizações". Os autores convocados pelo MEC usam a linguagem e os conceitos do "choque de civilizações", fabricando uma cópia invertida da célebre narrativa sobre a "missão civilizatória" dos europeus.

A escritura da história segue caminhos diversos. A historiografia liberal enfatiza a política e o indivíduo. Os historiadores marxistas colocam os holofotes sobre as classes sociais e a economia. Mais recentemente, a nova história alargou e fragmentou o campo de investigação, abordando as mentalidades, ou seja, as representações sociais. A BNC, contudo, rejeita em bloco todo esse variado repertório, pois recusa a temporalidade. Nesse passo, acende uma fogueira destinada a consumir as obras consagradas e a melhor produção historiográfica acadêmica.

Para que serve o ensino de história? Na sua origem, a história escolar servia para inscrever a pátria no mármore da eternidade. A antiga visão utilitária reaparece, sob roupagem atualizada, na BNC.

Reagindo à crítica tardia de Janine, a professora Márcia Elisa Ramos, da Universidade Estadual de Londrina, defendeu a proposta do MEC recorrendo a uma alegação orwelliana de aparência banal: "O ensino de história deve não apenas estudar as diferenças mas compreender para respeitar. O currículo apenas contempla os objetivos do ensino de história, que são respeito à diversidade, pluralidades étnico-raciais, religiosa, de gênero etc.".

Não se ensina biologia para que os jovens aprendam regras de saúde e higiene. Não se ensina química para evitar a ingestão de substâncias tóxicas pelos alunos. Não se ensina física para alertar sobre o perigo de saltar da janela do edifício. Não se ensina português para treinar a habilidade de redigir solicitações de emprego. Não se ensina matemática para calcular os rendimentos da poupança. Tudo isso, bem como a aversão a preconceitos étnicos, raciais, religiosos ou de gênero, são subprodutos úteis da educação escolar. Mas o conhecimento serve a si mesmo: é um passaporte que garante acesso ao diálogo do mundo.
Diferentes indivíduos leem o mundo de formas diversas. Escola não é igreja: não é lugar de pregação, de tutela ou de retificação de mentes "desviantes".

A história, como as outras disciplinas, serve para acender a chama da curiosidade intelectual, ensinar os fundamentos do pensamento científico, habilitar os jovens para investigar, interpretar e refletir. Nossos doutrinadores de plantão, sábios "especialistas" que não declinam seus nomes, jamais concordarão com isso.


DEMÉTRIO MAGNOLI, 57, sociólogo e doutor em geografia humana, é colunista da Folha.

ELAINE SENISE BARBOSA, 50, é professora de história, autora de "História das Guerras" (Contexto). 

08 outubro 2015

Demétrio Magnoli: "História sem tempo"

Embora este blogue dedique-se a temas bastante específicos - em particular o Positivismo de Augusto Comte e a separação entre Igreja e Estado -, o texto abaixo expõe um problema suficientemente sério e grande para que abramos uma exceção em nossa política editorial.

Na verdade, o problema descrito no texto de Demétrio Magnoli e Elaine Senise Barbosa refere-se diretamente ao Positivismo, seja porque há uma referência explícita ao que cientistas sociais e historiadores erroneamente chamam de "positivismo", seja porque a política educacional decretada pelo Ministério da Educação durante o curtíssimo mandato do "filósofo" Renato Janine Ribeiro põe-se radicalmente contra os valores e as propostas positivistas.

Quais são os valores e as propostas positivistas negados pelas novas diretrizes pedagógicas? Entre inúmeros outros, podemos indicar pelo menos estes:

  • o universalismo nos valores sociais, sociológicos e nas políticas públicas; 
  • a concepção de que o ser humano é um ser histórico; 
  • a rejeição da importância política e sociológica das "raças" e das "culturas" (perenes); 
  • a afirmação da fraternidade universal; 
  • a concepção de que o Brasil resulta da interação combinada e desigual entre três grandes sociais (portugueses, índios e negros africanos), sob a liderança do elemento português, no movimento de expansão política, social e econômica da Europa, a partir do século XV;
  • a concepção de que, apesar dos sérios crimes e problemas envolvidos na constituição social e política do Brasil, a interação entre esses grupos sociais tem resultados positivos e deve ser valorizada e incentivada;
  • a concepção de que as interações humanas e as trocas culturais, sociais, políticas e econômicas devem ser incentivadas e que, com base nos valores do humanismo e da fraternidade universal, são em última análise o único instrumento verdadeiro para solução dos problemas humanos.

As novas diretrizes pedagógicas decretadas pelo MEC apresentam, portanto, sérios problemas científicos e políticos, em que a ciência torna-se servil a projetos políticos exclusivistas e excludentes.

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O texto abaixo foi publicado em 8.10.2015 no jornal Gazeta do Povo; o original encontra-se disponível aqui.

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ARTIGO

História sem tempo

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Texto publicado na edição impressa de 08 de outubro de 2015

Renato Janine, o Breve, transitou pela porta giratória do MEC em menos de seis meses. No curto reinado, antes da devolução do ministério a um “profissional da política”, teve tempo para proclamar a Base Nacional Comum (BNC), que equivale a um decreto ideológico de refundação do Brasil. Sob os auspícios do filósofo, a História foi abolida das escolas. No seu lugar, emerge uma sociologia do multiculturalismo destinada a apagar a lousa na qual gerações de professores ensinaram o processo histórico que conduziu à formação das modernas sociedades ocidentais, fundadas no princípio da igualdade dos indivíduos perante a lei.
O ensino de História, oficializado pelo Estado-nação no século 19, fixou o paradigma da narrativa histórica baseado no esquema temporal clássico: Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna, Idade Contemporânea. A crítica historiográfica contesta esse paradigma, impregnado de positivismo, evolucionismo e eurocentrismo, desde os anos 60. Mas o MEC joga fora o nenê junto com a água do banho, eliminando o que caracteriza o ensino de História: uma narrativa que se organiza na perspectiva temporal. Segundo a BNC, no 6.º ano do ensino fundamental, alunos de 11 anos são convidados a “problematizar” o “modelo quadripartite francês”, que nunca mais reaparecerá. Muito depois, no ensino médio, aquilo que se chamava História Geral surgirá sob a forma fragmentária do estudo dos “mundos ameríndios, africanos e afrobrasileiros” (1.º ano), dos “mundos americanos” (2.º ano) e dos “mundos europeus e asiáticos” (3.º ano).
O esquema temporal clássico reconhecia que a mundialização da história humana derivou da expansão dos Estados europeus, num processo ritmado pelas Navegações, pelo Iluminismo, pela Revolução Industrial e pelo imperialismo. A tradição greco-romana, o cristianismo, o comércio, as tecnologias modernas e o advento da ideia de cidadania difundiram-se nesse amplo movimento que enlaçou, diferenciadamente, o mundo inteiro. A BNC rasga todas essas páginas para inaugurar o ensino de histórias paralelas de povos separados pela muralha da “cultura”. Os educadores do multiculturalismo que a elaboraram compartilham com os neoconservadores o paradigma do “choque de civilizações”, apenas invertendo os sinais de positividade e negatividade.
No altar de uma educação ideológica, voltada para promover a “cultura”, a etnia e a raça, o MEC imolava o universalismo


A ordem do dia é esculpir um Brasil descontaminado de heranças europeias. Na cartilha da BNC, o Brasil situa-se na intersecção dos “mundos ameríndios” com os “mundos afrobrasileiros”, sendo a Conquista, exclusivamente, uma irrupção genocida contra os povos autóctones e os povos africanos deslocados para a América Portuguesa. A mesma cartilha, com a finalidade de negar legitimidade às histórias nacionais, figura os “mundos americanos” como uma coleção das diásporas africana, indígena, asiática e europeia, “entre os séculos 16 e 21”. O conceito de nação deve ser derrubado para ceder espaço a uma história de grupos étnicos e culturais encaixados, pela força, na moldura das fronteiras políticas contemporâneas.
A historiografia liberal articula-se em torno do indivíduo e da política. A historiografia marxista organiza-se ao redor das classes sociais e da economia. Nas suas diferenças, ambas valorizam a historicidade, o movimento, a sucessão de “causas” e “consequências”. Já a Sociologia do Multiculturalismo é uma revolta reacionária contra a escritura da história. Seus sujeitos históricos são grupos etnoculturais sempre iguais a si mesmos, fechados na concha da tradição, que percorrem como cometas solitários o vazio do tempo. Na História da BNC, o que existe é apenas um recorrente cotejo moralista entre algoz e vítima, perfeito para o discurso de professores convertidos em doutrinadores.
Na BNC, não há menção à Grécia Clássica: sem a Ágora, os alunos nunca ouvirão falar das raízes do conceito de cidadania. Igualmente, inexistem referências sobre o medievo das catedrais, das cidades e do comércio: sem elas, nossas escolas cancelam o ensino do “império da Igreja” e das rupturas que originaram a modernidade. O MEC também decidiu excluir da narrativa histórica o Absolutismo e o Iluminismo, cancelando o estudo da formação do Estado-nação. A Revolução Francesa, por sua vez, surge apenas de passagem, no 8.º ano, como apêndice da análise das “incorporações do pensamento liberal no Brasil”.
Sob o sólido silêncio de nossas universidades, o MEC endossa propostas pedagógicas avessas à melhor produção universitária, que geram professores “obsoletos” em seus conhecimentos e métodos. Marc Bloch disse que “a História é a ciência dos homens no tempo”. Suas obras consagradas, bem como as de tantos outros, como Peter Burke, Jules Michelet, Perry Anderson, Maurice Dobb, Eric Hobsbawm, Joseph Ki-Zerbo, Marc Ferro, Albert Hourani, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda e José Murilo de Carvalho, não servem mais como fontes de inspiração para o nosso ensino. A partir de agora, em linha com o decreto firmado pelo ministro antes da defenestração, os professores devem curvar-se a autores obscuros, que ganharão selos de autenticidade política emitidos pelo MEC.
Não é incompetência, mas projeto político. Num parecer do Conselho Nacional de Educação de 2004, está escrito que o ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana “deve orientar para o esclarecimento de equívocos quanto a uma identidade humana universal”. Equívocos! No altar de uma educação ideológica, voltada para promover a “cultura”, a etnia e a raça, o MEC imolava o universalismo, incinerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A trajetória iniciada por meio daquele parecer conclui-se com uma BNC que descarta a historicidade para ocultar os princípios originários da democracia.
Doutrinação escolar? A intenção é essa, mas o verdadeiro resultado da abolição da História será um novo e brutal retrocesso nos indicadores de aprendizagem.
Demétrio Magnoli é sociólogo. Elaine Senise Barbosa é historiadora.