Mostrando postagens com marcador Conservadores. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Conservadores. Mostrar todas as postagens

04 dezembro 2024

Continuação da leitura comentada do "Apelo aos conservadores"

No dia 2 de Bichat de 170 (3.12.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=MBd7OTbZJaA) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/1311730350195534).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Leitura comentada do Apelo aos conservadores

(2 de Bichat de 170/3.12.2024) 

1.       Abertura

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides e calendário das próximas atividades:

3.1.    Dia 4 de Bichat (5 de dezembro): transformação de Sofia Bliaux (1861)

3.2.    Dia 11 de Bichat (12 de dezembro): Live AOP com Érlon Jacques de Oliveira, celebrando Pedro Cappeli

3.3.    Dia 23 de Bichat (24 de dezembro): não haverá prédica

3.4.    Faremos a celebração da Festa Geral das Santas Mulheres (31 de dezembro) em conjunto com a Festa Universal dos Mortos

3.5.    No dia 1º de Moisés (1º de janeiro) celebraremos a Festa da Humanidade

4.       Pedido de sugestões de temas para os sermões das prédicas positivas

4.1.    As sugestões são bem-vindas e necessárias, não somente para podermos fazer comentários interessantes, mas também para satisfazer anseios e preocupações do público

4.2.    Além disso, as sugestões públicas são uma forma de atualizarmos o Positivismo

4.3.    Cabe aqui uma cobrança pública:

4.3.1. Em face de cobranças e admoestações para “atualizar o Positivismo”, ainda que tenhamos pessoalmente muitas limitações, parece-me que estamos na direção certa e que a experiência prática de dois anos e meio de prédica positiva já comprovou fartamente que essa exigência de “atualização” não é tão evidente quanto se considera de maneira ingênua à primeira vista

4.3.2. Da mesma forma, até o momento ninguém que cobra, ou cobrava, “atualizações” manifestou apoio ou reconhecimento por nossos esforços ou, em sentido oposto, ninguém que cobra, ou cobrava, as atualizações ofereceu sugestões concretas, efetivas e com a própria colaboração para tais “atualizações”

5.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

5.1.    Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

5.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

5.1.1.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

5.1.1.2.             Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

5.1.2. Como nosso amigo Hernani G. Costa sempre realça, é necessário insistir em uma idéia que o materialismo e o ceticismo contemporâneos desprezam: não é possível entender a política proposta pelo Positivismo isoladamente da Religião da Humanidade

5.1.2.1.             Aliás, o desejo de separar a política dos valores e das concepções gerais de fundo é precisamente um dos problemas contemporâneos, é precisamente um dos sintomas da anarquia contemporânea

5.1.3. A religião estabelece parâmetros morais, intelectuais e práticos para a existência humana e, portanto, orienta a política, estabelece as suas metas, as suas possibilidades e os seus limites

5.1.3.1.             Outro lembrete: a religião, conforme o Positivismo estabelece, não é sinônima de “teologia”

5.2.    Últimas observações preliminares:

5.2.1. Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

5.2.2. O capítulo em que estamos é a “Introdução”, cujo subtítulo é “Advento dos verdadeiros conservadores”

5.2.2.1.             Os demais capítulos são dedicados a caracterizar o Positivismo (cap. 1), indicar como os conservadores regenerados e orientados pelo Positivismo devem portar-se em relação aos retrógrados (cap. 2) e em relação aos revolucionários (cap. 3), para finalmente indicar em que consiste a missão específica de tais conservadores (Conclusão)

5.3.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

6.       Exortações finais

6.1.    Sejamos altruístas!

6.2.    Façamos orações!

6.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

7.       Término da prédica

15 outubro 2024

Monitor Mercantil: "O caso Sílvio Almeida e três padrões da moralidade pública"

No dia 8 de Descartes de 170 (14.10.2024) foi publicado um artigo de nossa autoria no jornal carioca Monitor Mercantil; o artigo intitula-se "O caso Sílvio Almeida e três padrões da moralidade pública".

O artigo pode ser lido no portal do periódico, aqui: https://monitormercantil.com.br/o-caso-silvio-almeida-e-tres-padroes-da-moralidade-publica/

Reproduzimos abaixo o texto.

*   *   *

O caso Sílvio Almeida e três padrões da moralidade pública 

Em 6 de setembro de 2024 o Ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, foi demitido, sob a grave acusação de assédio sexual – assédio que ocorreria desde final de 2022, seria praticada por um Ministro de Estado, contra uma colega Ministra de Estado (Anielle Franco, titular do Ministério da Igualdade Racial) (além de contra outras mulheres) e alegadamente integrava um padrão de assédio moral do denunciado. Os detalhes do episódio são preocupantes, pois (1) envolvem a alta administração federal em um longo período de tempo e em um governo cuja missão é recuperar a moralidade pública após o caos lavajatista-ultraliberal-neofascista e (2) envolvem uma organização não governamental estrangeira (a estadunidense Me Too), em vez dos adequados órgãos públicos (a Presidência da República e a Controladoria-Geral da União).

Na semana em que esse episódio desenrolou-se houve intensa agitação midiática; mas, como sói acontecer, passados alguns dias o tema desapareceu do noticiário. Ainda assim, vale a pena brevemente o reconsiderarmos, sob uma luz que não foi abordada: as perspectivas de moralidade pública. O nosso argumento é bastante direto: podemos identificar pelo menos três padrões de moralidade, a da direita, a da esquerda e o republicano – dois dos quais são insatisfatórios e um terceiro que não é (não é mais, ou ainda não é) praticado.

Comecemos notando que a vida política tem que se submeter à moral. Essa concepção pode parecer contraintuitiva; a reflexão academicista afirma, a partir de Maquiavel, que a política é “autônoma” em relação à moral, sugerindo assim que a prática política tem parâmetros próprios, irredutíveis, ou melhor, incompatíveis com a moral. Assim, a teoria política academicista postula que no âmbito privado é correto falar a verdade, honrar a palavra dada etc., mas na vida pública dá-se o inverso: mentir, trair, enganar é que seriam as virtudes. Esse amoralismo que logo se revela um imoralismo é vendido como “realismo”.

Claro, essas concepções chocantes são falsas: agir conforme o que se afirma e honrar a palavra dada são princípios elementares em qualquer lugar; inversamente, quem mente e trai, quem é incoerente em termos de alianças e práticas, logo é recriminado e perde apoio. Mais: quando a mentira, a hipocrisia, o cinismo viram a regra, o regime político como um todo perde legitimidade. Evidentemente, se a noção de república – isto é, de “res publica”, de coisa pública – tem algum sentido, tal sentido vincula-se à subordinação da política à moral; quando o bem comum é desrespeitado e usado como uma pomposa desculpa para o enriquecimento privado e o benefício de grupos particularistas e excludentes, o sistema político como um todo entra em crise e buscam-se opções antissistêmicas: essa é a origem profunda da aventura autoritária a que assistimos desde há dez anos, com o lavajatismo, o ultraliberalismo e o neofascismo. Mas, enfim, a crise do sistema confirma o primado da subordinação da política à moral, embora as opções buscadas sejam profundamente antirrepublicanas.

Em face da subordinação da política à moral, a “direita” considera basicamente que os valores morais devem ser “conservadores”; mas isso é uma forma meio enviesada de dizer que a sociedade moderna tem que se pautar por valores teológicos, em particular cristãos; não por acaso, esses conservadores costumam idealizar para as sociedades modernas uma volta no tempo, para quando se seguiam os parâmetros teológicos com ou sem a regulação da igreja (a Idade Média, ou as épocas de Abraão, Moisés ou São Paulo). Lidando mal com as concepções e instituições que não sejam as suas próprias, os conservadores pregam uma desaceleração geral do mundo; assim, de maneira confusa, parcial e muito incoerente pregam um certo respeito à continuidade histórica. Por fim, considerando que o cristianismo em si regulou apenas vida privada mas foi omisso sobre a vida pública, a subordinação da política à moral para a direita conservadora consiste em adotar parâmetros familistas e/ou um clericalismo generalizado.

Uma outra direita, mais recente, só é direita e só é “conservadora” em oposição à esquerda (e à esquerda revolucionária): são os liberais economicistas. Também para eles, a vida pública reduz-se à vida privada; mas em vez de clericalismo ou familismo, os parâmetros privados que devem ser generalizados são os das empresas privadas: a sociedade é vista como um vasto mercado; o Estado deve ser o seu regulador geral; a sociedade compõe-se de famílias e empresas, isto é, de consumidores e vendedores. Moralidade toda própria, sem dúvida.

Da parte da “esquerda”, especialmente a marxista, a moralidade é confusa. Por um lado, a partir do materialismo, finge-se que não há subjetividade nem moralidade em jogo; por outro lado, evidentemente há fortes princípios morais em ação. A moral pública é afirmada sobre a moral privada; mas não existe bem comum, apenas o bem de uma classe sobre outras; como as classes estão perpetuamente em conflito, só haverá bem comum quando não houver mais classes. O passado e o presente são hipócritas ou alienantes; até haver, no futuro, uma revolução salvadora, a moral pública consagra o conflito, a violência, a hipocrisia sistêmica e constitutiva.

Uma esquerda mais recente é a identitária. Ela também consagra a desconfiança e afirma o conflito constitutivo e sistêmico; mas não vê resolução desses problemas. A moral pública, então, basicamente é a moral da “maioria”, que, por definição, é opressora e cujos pecados constitutivos devem ser expiados eternamente. Em face disso, a esquerda identitária promove uma “contra-moral”, em que a história, ou melhor, o estudo da história serve para revelar e estimular a culpa de opressores (que são a “maioria”), bem como o ressentimento dos perseguidos e humilhados (sempre as “minorias”, que devem sempre ser compensadas). As preocupações privadas tomam conta da moral pública, que rejeita a confiança e estabelece um punitivismo sistemático e particularista como objetivo da política.

O caso Sílvio Almeida deve ser entendido com o identitarismo e seu punitivismo, particularismo raivoso e ânsia expiatória. Almeida e Franco são promotores de diferentes vieses identitários: ele, do identitarismo racialista; ela, do identitarismo feminista. Embora a demora para a denúncia sugira uma aliança temporária entre eles, os canais não oficiais, a presunção de culpa do denunciado e a conseqüente rapidez com que o denunciado foi demitido após a denúncia ilustram bem a lógica identitária: ânsia punitivista, desconfiança sistemática e generalizada, intenso particularismo moral e social, estímulo conjugado de culpa e ressentimento. Com dois identitarismos entrando em choque direto, para além da ânsia punitiva não se vê muito bem como o bem público está sendo servido; mas o que se percebe é que, em sendo verdadeiras as acusações feitas contra o ex-Ministro (cuja culpa ainda não comprovada), a mentalidade da “maioria” sempre culpada e da minoria sempre ressentida foi necessariamente insuficiente para regular o comportamento público e privado de um alto promotor do identitarismo e impedir um comportamento inaceitável sob qualquer ponto de vista.

No vaivém entre direita e esquerda, conservadores/retrógrados e revolucionários, ordem retrógrada e progresso anárquico, o bem comum é sacrificado: não se reconhece um efetivo bem comum (sempre sacrificado pelos particularismos, pelos conflitos e pelo punitivismo) nem se valoriza efetivamente a confiança pública (entre governantes e governados e entre os cidadãos). Ora, a solução para isso é deixar de lado as oposições entre ordem e progresso e assumir que esses dois elementos devem andar juntos; que o bem comum deve ser afirmado e que se deve estimular a confiança na sociedade; além disso, os âmbitos público e privado, sem serem radicalmente separados, devem ter suas particularidades respeitadas. Essas concepções, tão incomuns nos dias de hoje, têm um nome e uma autoria: trata-se do republicanismo, conforme delineado pelo fundador da Sociologia, o grande Augusto Comte. Cumpre valorizá-las e aplicá-las.

 

Gustavo Biscaia de Lacerda é doutor em Sociologia Política (UFSC) e sociólogo da UFPR.

02 dezembro 2019

Gazeta do Povo: Quais tradições dos conservadores?

O artigo abaixo foi publicado na Gazeta do Povo em 28.11.2019. O original pode ser lido aqui.

*   *   *

Quais tradições os conservadores querem conservar no Brasil hoje?

Não é segredo para ninguém que os conservadores têm o poder no Brasil, hoje; esses conservadores identificam-se como tais, especialmente no que se refere aos “costumes” e, acima de tudo, em sua oposição à “esquerda”, no “antipetismo”. Mas, além da autoidentificação – isto é, de um certo rótulo autoimpingido – e da negação de uma perspectiva sociopolítica, o que é que define, de maneira afirmativa e substantiva, esses conservadores no Brasil?

Essa não é uma pergunta secundária ou desprezível; ela exige que se apresente de maneira clara os princípios que constituem uma determinada visão de mundo e a partir da qual se realiza uma atividade política. Mais do que isso, vale notar que um rótulo por si só não quer dizer muita coisa; no limite, é apenas uma casca para um conteúdo a ser determinado. Além disso, por si só, a oposição a algum grupo intelectual e sociopolítico não evidencia muita coisa, pois limita-se a negar e não a afirmar e, de qualquer maneira, essa mera oposição pode juntar grupos que, de outra forma, estariam em campos muito, muito diferentes.

Uma primeira resposta é esta: os conservadores valorizam a tradição. Mas qual tradição? No caso específico do Brasil, a resposta mais fácil é: a tradição católica. Isso ainda não resolve o problema; deixando de lado a distinção entre a “igreja conservadora” e a “igreja progressista”, o fato é que existe um catolicismo do alto clero e outro do baixo clero, sem contar as inúmeras clivagens representadas pelas ordens – os jesuítas são diferentes dos franciscanos, que são diferentes dos carmelitas, que são diferentes dos mais recentes carismáticos etc. Também há diferentes possíveis “aplicações” da religião, no sentido de que alguns católicos, como católicos, são mais favoráveis à ação política, outros buscam constituir um corpo de laicato, outros preferem ações “de base”, outros são mais litúrgicos e assim por diante.

No conservadorismo brasileiro atual há uma dificuldade adicional da maior importância quando se define o conservadorismo pela tradição católica: o fato simples e direto de que uma parcela minoritária, mas numericamente crescente e politicamente agressiva, não é católica, mas evangélica. Embora católicos e evangélicos definam-se genericamente como “cristãos”, os elementos que os separam são muito mais numerosos que os que os unem. Para começar, excetuando-se talvez a Assembleia de Deus, os demais evangélicos que despontam na política e que mobilizam o atual conservadorismo brasileiro – gozando em particular da simpatia da família Bolsonaro e de alguns ministros de Estado – são igrejas relativamente novas, ou seja, são qualquer coisa menos “tradicionais”. Em segundo lugar, enquanto o catolicismo brasileiro desde sempre é fortemente influenciado pelas determinações da Santa Sé e tem um caráter transnacional, os evangélicos brasileiros têm uma origem associada a pregadores norte-americanos e não manifestam o esforço católico de “unidade na diversidade”. Existem diversos outros elementos, é certo; mas o que vale notar aqui é que católicos e evangélicos, tão heterogêneos entre si, unem-se apenas graças à afirmação de um vago “cristianismo” – que esvazia as doutrinas e as igrejas de seus conteúdos específicos – e, de modo mais importante, no antipetismo e na oposição à “esquerda”.

As diferentes origens de católicos e evangélicos levam-nos também a refletir sobre quais seriam as tradições brasileiras a que eles fazem referência. Afinal, o que seria uma “tradição”? Podemos entendê-la como hábitos persistentes, existentes desde há muito tempo; ora, o conservadorismo brasileiro afirma que seria necessário “retomar as tradições”, do que se depreende que determinados hábitos longevos foram suspensos; em tal suspensão, o peso moral e histórico das tradições diminui, não há dúvida. Mas isso nos leva a refletir sobre quais seriam os hábitos longevos próprios ao Brasil. Sendo bastante polêmico, aqui a escravidão durou bem mais de 350 anos, enquanto a liberdade de todos os cidadãos tem pouco mais de 130; enquanto vigeu, sem dúvida a escravidão foi “tradicional”. O apoio-controle do Estado sobre a Igreja Católica, específico do padroado, durou também vários séculos, enquanto a laicidade do Estado não tem nem 130 anos. No caso particular da laicidade, vale notar que enquanto o catolicismo foi a religião oficial de Estado, não havia liberdade religiosa (no Brasil Colônia) e apenas os luteranos, os calvinistas e, no fim do II Império, os positivistas eram tolerados – entre muitos outros, os evangélicos eram desprezados e rejeitados.

Não duvido de que os exemplos acima são polêmicos para o público conservador, mas eles não são anedóticos. Vinculando-se à liberdade de crença e ao fim da escravidão estão a República e a igualdade perante a lei, bem como o direito ao voto: a República tem 130 anos e a isonomia e o voto têm sido ampliados aos poucos desde 1889, com o fim do voto censitário em 1890, a instituição do voto feminino em 1934 e do voto de analfabetos em 1988. O que devemos considerar como tradicional aí, para ser valorizado pelo conservadorismo? A sociedade de castas monárquica (350 anos) ou a isonomia republicana (130 anos)? A liberdade de expressão foi afirmada em 1889 e durou até 1937; depois voltou em 1946 para ser restringida (duramente) em 1964 e, ainda mais, em 1968, voltando apenas após 1979, para que se transformasse em “cláusula pétrea” em 1988. Durante a República, a liberdade de expressão durou bem mais que a censura e a repressão; ainda assim, temos que perguntar: o que seria “tradição” nesse caso?

Do ponto de vista econômico e de política internacional, a variedade de “tradições” não é menos importante. A República – novamente ela! – proclamou a fraternidade universal, o fim das guerras como ideal e a busca do arbitramento para solução de controvérsias; durante a I República afirmava-se o liberalismo econômico mas o Estado constantemente protegia a indústria, com vistas ao desenvolvimento, e após 1930 o desenvolvimento econômico, social e político tornou-se política pública, com a inclusão e a proteção dos trabalhadores. Aliás, a proteção aos trabalhadores como policy é uma preocupação que se iniciou em 1930 e que está de acordo com o catolicismo, mas que se distancia radicalmente do individualismo evangélico. Até há pouco tempo, a noção de “Ocidente” era encarada no Brasil como sinônima de “universalismo”; da mesma forma, as negociações internacionais e o multilateralismo tornaram-se parte da tradição nacional em política e comércio internacional. Rejeitar o multilateralismo e a arbitragem, estimular conflitos internacionais, incentivar o individualismo e largar os trabalhadores e os pobres ao deus-dará – isso integra alguma tradição brasileira?

As indagações e os comentários acima não visam a denegrir conservadores, católicos ou evangélicos. Bem ao contrário, são um esforço – um pedido, na verdade – para que os conservadores brasileiros atuais deixem de lado sua agenda negativa (antipetismo, rejeição à esquerda) e passem a definir de maneira afirmativa uma agenda; que deixem de dizer o que não querem e passem a indicar o que desejam, em particular o que desejam conservar. Não se trata aqui de atribuir “tradições” à direita ou à esquerda, a católicos, a evangélicos, a comunistas, a militaristas, a pacifistas: em meio a uma pluralidade de tradições brasileiras, trata-se de definir o que deve ser preservado – e, portanto, o que deve ser deixado de lado.

Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo da UFPR e doutor em Sociologia Política (UFSC).

26 outubro 2019

Gazeta do Povo: "Conservadores brasileiros rumo ao desastre"

O artigo abaixo foi publicado em 24.10.2019 no jornal curitibano Gazeta do Povo. A versão eletrônica do texto está disponível aqui.

*   *   *


Os conservadores brasileiros rumo ao desastre

Os conservadores brasileiros estão à deriva: eu fiz essa observação em 1º de abril de 2018 e, desde então, os problemas apenas se acentuaram. Na verdade, a deriva diminuiu, mas a direção seguida pelos conservadores nacionais não poderia ser pior e mais desastrosa. Senão, vejamos.

Antes de mais nada, o conservadorismo não é necessariamente contra o “progresso”, embora seja ambíguo a respeito. O que o conservador deseja é o respeito às tradições e as mudanças temperadas pela cautela; as mudanças devem ser graduais, para que seus efeitos positivos e negativos sejam avaliados e, conforme for, sejam feitas alterações institucionais. As tradições, nesse sentido, são vistas como o fruto da sabedoria acumulada ao longo dos séculos: modificá-las é possível, mas não necessariamente desejável.

Ora, essa concepção de conservadorismo é inglesa, refletindo sem dúvida o desejo de manter o status quo, particularmente a vitória dos barões feudais sobre a monarquia centralizada, na forma do parlamentarismo, em 1688. Essa vitória foi em si mesma uma alteração profunda (não por acaso foi chamada de “Revolução Gloriosa”) e pôs termo a um século de crises políticas e sociais, em um país cuja história foi marcada por golpes, guerras civis, guerras externas, colonialismo etc., conforme Shakespeare exemplifica à farta para o período entre o final da Idade Média e o início da Idade Moderna.

O que importa notar do que se vê acima é que o conservadorismo britânico não é estranho às mudanças sociopolíticas, embora seja-lhe arisco. A Inglaterra modificou-se – e bastante – desde 1688, com a inclusão política de inúmeros grupos que não participavam da vida política na época da ascensão de Guilherme III: os trabalhadores, as mulheres, os católicos (!); um gigantesco império ultramarino foi criado, mantido e desfeito nesses mais de 300 anos. Aliás, chega a ser notável o fato de que mesmo o conservadorismo britânico não se opôs, nem desmontou, a estrutura do Welfare State criada após 1945, a despeito da virulenta retórica ultraliberal de M. Tatcher. Ao mesmo tempo, assim como pautas “esquerdistas” foram incorporadas à agenda política britânica, um traço aristocrático difundiu-se pela sociedade: o respeito às diferenças filosóficas, religiosas e intelectuais, bem como o respeito às divergências políticas, consubstanciado na fórmula “agree to disagree”. Juntamente com a desconfiança em relação às mudanças (em particular as planejadas), os conservadores mantêm uma desconfiança a respeito das posturas “ideológicas”.

O conservadorismo brasileiro, claro, não tem obrigação nenhuma de ser como o britânico; mas, no presente caso, o que poderia ser a manifestação da autonomia nacional prenuncia uma situação terrível, um verdadeiro desastre. Comparando o atual conservadorismo brasileiro – que, aliás, ocupa o poder em nível nacional – com o conservadorismo britânico, o que se evidencia é que o único traço comum é a valorização das “tradições”; fora isso, os conservadores brasileiros são intensamente “ideológicos”, fazem questão de realizar uma “revolução” sociopolítica (à direita), não se preocupam em preservar legados, não percebem a história brasileira como o esforço coletivo das gerações precedentes para o benefício coletivo – e, acima de tudo, são intolerantes e consideram que discordar deles é sinal de má-fé ou de problemas mentais.

Em meados de outubro ocorreu em São Paulo a versão brasileira da CPAC (Conservative Political Action Conference), de origem estadunidense. Ao contrário dos conservadores britânicos, os estadunidenses inspiram os brasileiros nesses péssimos traços indicados acima. Talvez devido ao peso que a teologia tem nos Estados Unidos, talvez como reflexo do ranço racista existente lá, o fato é que os conservadores brasileiros reunidos na CPAC – aliás, por que os conservadores brasileiros mantiveram o título em inglês, se estamos no Brasil? – esforçaram-se para espelhar a virulência que os conservadores estadunidenses apresentam atualmente. Três ministros de Estado fizeram questão de participar do evento organizado ostensivamente pelo terceiro filho do atual Presidente da República; esses ministros foram bastante ambíguos em suas atuações, revelando qualquer coisa menos respeito ao bem público, ao republicanismo, quando se valeram de suas posições institucionais como ministros de Estado – agentes responsáveis pelo bem comum de todo o país – mas manifestaram-se como integrantes e defensores de uma parcela específica da população brasileira. Em outras palavras, esses ministros foram literalmente partidários; ou, considerando que eles valorizam a teologia cristã, eles foram especialmente sectários.

Elementos básicos da tradição ocidental foram negados com veemência, até mesmo com raiva: o racionalismo, o empirismo, o naturalismo próprios ao Iluminismo foram considerados desprezíveis pelo Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo; aliás, ele também considerou de somenos importância o fim da sociedade de castas realizado pela Revolução Francesa. A Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, deu continuidade à divulgação de boatos, desinformações e fake news, sugerindo que em ambientes não conservadores há o consumo em regra de maconha e a introdução sistemática de crucifixos nas vaginas (!). Mas em um tal festival de disparates semioficiais, o maior veio logo do Ministro da Educação, Abraham Weintraub: ele disse que a esquerda é uma “doença”, aliás similar à sida/aids: ora, as doenças têm que ser exterminadas e, de qualquer modo, elas correspondem à anormalidade dos organismos; no caso específico da sida/aids, é uma doença fatal. Na fala do Ministro da Educação, não há nada de tolerância, de respeito, de “agree to desagree”, mas violência, incitação à agressividade, a sugestão de que quem é não conservador, isto é, quem é de “esquerda”, é doente, ou melhor, é a própria doença.

Fala-se muito na necessidade de constituir-se um partido de “direita” no Brasil, em oposição à “esquerda”; nesse caso, a “direita” é tomada como sinônima de “conservadorismo”. A relação entre “direita” e conservadorismo é algo a ser discutido, mas a proposta em si pode ser bastante interessante e pode vir a satisfazer uma necessidade sociopolítica nacional. Entretanto, esse novo e atual conservadorismo, constituído como está, defendendo idéias como as indicadas há pouco, será desastroso para o país: são idéias retrógradas (não por acaso, identifica-se como “conservador” e participou do CPAC um deputado federal que é descendente de d. Pedro II e que já defendeu na Câmara dos Deputados nada menos que a escravidão no Brasil), são boatos e desinformações, são incitações à violência de cidadãos contra cidadãos. Esse conservadorismo altamente ideológico e raivoso não tem como dar certo; não é mais um conservadorismo à deriva: ele aponta com clareza para o abismo.


Gustavo Biscaia de Lacerda é Doutor em Sociologia Política e Sociólogo da UFPR.

01 abril 2018

Gazeta do Povo: "Conservadores à deriva no Brasil"

Artigo publicado em 1º de abril de 2018 na Gazeta do Povo, de Curitiba. O original pode ser lido aqui.

*   *   *


Conservadores à deriva no Brasil

Os conservadores brasileiros estão à deriva, ou assim parece; a falta de rumo que eles apresentam é tão grande que em muitos casos eles não deveriam ser chamados de “conservadores”, porém, sim, de “reacionários” ou de “retrógrados”. Cada vez mais se ouvem notícias ao mesmo tempo chocantes e tristes de pessoas que comemoram aniversários de adolescentes valorizando as relações sociais características da escravidão negra extinta em 1888; ou que chicoteiam manifestantes que expõem idéias contrárias; ou que se rejubilam com o assassinato de políticos esquerdistas... o ápice dessa perspectiva consiste em apoiar um Capitão reformado do Exército que, embora afirme apoiar as ações das Forças Armadas, começou sua carreira política na década de 1980 por meio de motins e da instalação de uma bomba em um quartel – e que, desde então, pauta suas atividades parlamentares pelo radicalismo, pela violência, pelo combate às liberdades públicas e pela negligência em relação aos temas vinculados às Forças Armadas.

Entrementes, deixarei para comentar esse militar demagogo mais adiante; neste momento é necessário concentrar-me no conservadorismo em geral e no conservadorismo brasileiro em particular.

Historicamente, os conservadores começaram a definir-se dessa forma no final do século XVIII, na Inglaterra, em reação à Revolução Francesa. O expoente inicial do conservadorismo foi o político e pensador irlandês Edmund Burke, que, no livro Reflexões sobre a revolução em França (1790), rejeitou as mudanças rápidas e violentas introduzidas na França, propondo, ao contrário, o respeito pelo passado e mudanças incrementais nas instituições. Dessa forma, a concepção histórica de Burke não era estática, reconhecendo que as sociedades e as instituições mudam ao longo do tempo; em sua concepção, as instituições são frágeis e, de qualquer maneira, são cristalizações da experiência histórica, de modo que convém respeitá-las e fazer modificações pequenas, ao longo do tempo, a fim de testar a eficácia das alterações propostas. Além disso, para Burke e para a tradição conservadora que ele iniciou, as instituições devem ser respeitadas não apenas devido a um respeito quase místico pelo “passado” – o que é o mero tradicionalismo –, mas também porque se considera que elas asseguram as liberdades públicas e as garantias jurídicas dessas liberdades (habeas corpus, devido processo legal, direito à ampla defesa; liberdades de pensamento, expressão e associação etc.).

Como se vê, o conservadorismo filosófico combina a resistência às mudanças sociais – em particular, às mudanças provocadas, conscientes – com a aceitação de que as coisas mudam. Não há dúvida de que essa fórmula varia de autor para autor, no sentido de que alguns concentram-se mais na resistência que na aceitação, ou vice-versa; assim, em geral, embora o conservadorismo não tenha uma concepção estática da história, para ele a história tem um ritmo bastante lento; por outro lado, de modo geral essa forma de pensar (ou esse “temperamento”) vincula-se à defesa das liberdades. Evidentemente, refiro-me aqui a algo chamado “conservadorismo político-filosófico”, em sua vertente inglesa, ou seja, a uma tradição intelectual que surgiu em conjunto com e mesmo em reação à modernidade ocidental, após 1789. Um comentário desse tipo é importante para enfatizar a deriva em que se encontra o “conservadorismo” brasileiro – que, como indicado acima, tem dado mostras de que não “resiste” aos avanços, mas que os rejeita, e que não defende as liberdades e a solução pacífica de disputas, mas celebra a violência, a truculência, a opressão e – o que, sem dúvida, é o mais chocante, também a escravidão.

De qualquer maneira, a relação com os movimentos da história (rejeição ou aceitação) e o sentido aplicado a essa relação (proteção da liberdade ou estímulo ao progresso) permite caracterizar também a chamada “esquerda”, para além dos conservadores. Cabe notar que é de propósito que não estou assumindo como equivalentes “conservadores” e “direita”, por um lado, e “progressistas” e “esquerda”, por outro lado. Em um livro dos anos 1990 que se tornou famoso (Direita e esquerda – razões e significados de uma distinção política), o italiano Norberto Bobbio estabeleceu que o conteúdo específico da “direita” seria a defesa da liberdade, ao passo que o conteúdo da “esquerda” seria a promoção da igualdade. Bobbio reconhecia que essa proposta seria polêmica e sujeita a uma infinidade de objeções; da minha parte, considero que, embora seja extremamente didático e simpático, de fato esse livro difunde um sério equívoco político. Qual equívoco? Associar a “esquerda” à “igualdade” não é em si problemático (nem, da mesma forma, associar a “direita” à “liberdade”): o problema surge quando se vincula a esquerda ao progresso, isto é, à concepção de que a história (1) tem uma direção, considerando o conjunto dos séculos, e (2) que é possível acelerar a marcha histórica para que se percorra mais rapidamente esse caminho. Ora, nos termos de Bobbio, se a esquerda é o campo do progresso, esse progresso está vinculado à igualdade; inversamente, a direita seria o campo do “não progresso”, isto é, o campo da “ordem” e/ou do “conservadorismo” e/ou do reacionarismo.

Assim, o problema que Bobbio não quis perceber, ou reconhecer, ou enfrentar, é que o progresso exige a liberdade e, na medida em que ele consiste no desenvolvimento das capacidades humanas, o progresso estimula a diferenciação social e individual, ou seja, atua na direção contrária à igualdade; inversamente, face ao progresso, a igualdade só pode ser promovida por meio da limitação das habilidades humanas, via compressão das liberdades. Em suma: o progresso exige a liberdade e estimula as diferenças (ou as desigualdades), ao passo que a igualdade exige a restrição ou a supressão das liberdades: isso é sabido pelo menos desde o início do século XIX.

A concepção de que a esquerda seria “boa” porque seria “progressista” reside, portanto, em um profundo mal-entendido sobre em que consiste o progresso; a chancela moral positiva vinculada ao progressivismo conduziu a esquerda a erros monumentais por todo o mundo desde o início do século XX, incluindo aí o Brasil: a intentona comunista de 1935, os arroubos populistas nos anos 1950 e 1960, as guerrilhas urbanas e rurais durante o regime militar – e, mais recentemente, o ódio social promovido por Lula em seus mandatos e a falência econômica do Brasil nos mandatos de Dilma Rousseff. Não há necessidade de estender-me sobre as mancadas práticas da esquerda (no Brasil ou no mundo), nem sobre os seus defeitos intelectuais – tudo isso é público e notório.

O problema que se verifica no Brasil, entretanto, é que a reação recente à esquerda consiste tão-somente nisso: em uma reação. São idéias e atos que se definem apenas pela negação do outro, não pela proposição de idéias alternativas que visem a melhorar a sociedade e as instituições. Por certo que há exceções a esse diagnóstico, mas elas consistem em exceções, não na regra. O que os “conservadores” brasileiros fazem frente à esquerda e ao seu igualitarismo? Afirmam a liberdade e o mérito; todavia, tanto a liberdade quanto o mérito afirmados são abstratos – e abstratos demais –; no que se refere à fórmula da Revolução Francesa “Igualdade, liberdade, fraternidade”, afirmam apenas a liberdade, rejeitam totalmente a igualdade e desprezam a fraternidade.

Se a liberdade é a condição para o progresso social e se o progresso desenvolve as potencialidades humanas, tanto a liberdade quanto o progresso caminham na direção oposta da igualdade. Todavia, ao longo do século XX evidenciou-se que há alguns tipos de “igualdade” que precisam ser valorizadas, especialmente em termos “formais”, ou institucionais; essas modalidades constituem alguns dos fundamentos das sociedades livres contemporâneas: a isonomia (a igualdade de todos perante a lei), a igualdade de educação (como fundamento intelectual, cívico e técnico do progresso) e condições mínimas de vida para todos, a fim de acabar com a miséria e garantir a dignidade humana. Esses elementos são as condições do progresso social e, nesse sentido, constituem elementos da “ordem social”; mas, além disso, eles exigem que à liberdade seja adicionada um aspecto central, a fraternidade – ou a generosidade, o altruísmo. Deixando de lado os termos ariscos, polêmicos e problemáticos que são “direita” e “esquerda”, as relações sociológicas, políticas e morais entre ordem e progresso foram estabelecidas no século XIX por Augusto Comte: “O progresso é o desenvolvimento da ordem; a ordem são as condições do progresso” e “O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”.

Em nome da igualdade social, a esquerda sacrifica a liberdade mas, ainda que nominalmente, aceita a fraternidade; já a direita, ou os conservadores, supostamente celebra a liberdade, mas ignora elementos da igualdade “formal” e despreza a fraternidade. Tanto em um caso como no outro, o que há são simulacros de progresso e de ordem: é um progresso que não desenvolve as potencialidades humanas e uma ordem que não permite esse desenvolvimento. Novamente Augusto Comte tem a palavra: ordem sem progresso e progresso sem ordem resultam em oscilação terrível entre uma ordem autoritária e um progresso anárquico.

Voltemos ao tema do conservadorismo. Como vimos, os conservadores – pelo menos aqueles influenciados pela tradição britânica – em princípio aceitam o progresso, ainda que a contragosto; eles também valorizam as liberdades e respeitam a experiência histórica: esses fatores permitem que esses conservadores possam dar uma contribuição efetiva para a sociedade. O que os assim chamados “conservadores” brasileiros têm feito afasta-se desse programa, em particular no sentido de rejeitarem a experiência histórica e de desvalorizarem as liberdades e o sistema de garantias institucionais das liberdades. O elogio da escravidão – encoberto por festas de aniversário de crianças (!!!) ou pelo chicotear manifestantes –; a afirmação do racismo; o desprezo pelas mulheres e por suas contribuições à sociedade; o elogio desbragado do autoritarismo militar, da “solução” violenta de conflitos e das torturas: nada disso corresponde a um programa de liberdades, não se aproxima do conservadorismo britânico e, por fim, é contrário tanto ao progresso quanto à ordem. As corretas e necessárias noções de “mérito” e “meritocracia”, por exemplo, são pegas no fogo cruzado desses vários conceitos equivocados.

Dito isso, desde 2013, uma estranha nostalgia pelo autoritarismo militar tem-se organizado em corrente política, associada ao “conservadorismo”: isso exige alguns comentários. Devido ao regime militar de 1964, até há poucas décadas costumava-se associar os militares (e a “direita” e os “conservadores”) a autoritarismo, a truculência e a torturas; inversamente, o pacifismo era vinculado à sociedade civil, ao progresso e à esquerda.

Entretanto, essas diversas associações são bastante conjunturais: simplesmente não há motivo para vincular os militares a brucutus acéfalos e violentos. Três exemplos bastam para ilustrar o ponto. No final da década de 1880 o Tenente-Coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães lecionava Matemática na Escola Militar; embora pertencesse profissionalmente às Forças Armadas (tendo mesmo lutado na Guerra do Paraguai (1864-1870)), Benjamin Constant adotava uma abordagem filosófica e histórica em seu ensino, resultando em um viés cívico, civilista e pacifista: os seus alunos de modo geral viam-se antes como cidadãos e depois como soldados; em particular, eles entendiam que o progresso é um ideal a ser perseguido, mas que, para isso, as condições da ordem têm que ser satisfeitas: liberdades, condições dignas de vida, primado da lei. Um dos seus mais ilustres alunos foi Cândido Mariano da Silva Rondon, o “Marechal da Paz”, aquele que dizia – e praticava! – a bela fórmula “morrer se for preciso, matar jamais”.

Em reação ao ensino cívico, civilista e pacifista de Benjamin Constant, procedeu-se nas décadas de 1910 a 1930 diversas alterações no ensino militar, promovidas principalmente pelo futuro General Góes Monteiro: autoritário, esse militar esteve envolvido nas conspirações civil-militares de 1930, 1937, 1945, 1954 e, claro, 1964. Os exemplos de Benjamin Constant e Rondon ilustram que a vinculação entre militares e truculência não é algo necessário: o autoritarismo militar pode ser um projeto político, como no caso de Góes Monteiro. Aliás, convém notar que, apesar desse profundo defeito político (seu autoritarismo), Góes Monteiro era também um intelectual, ou seja, ele estudava e procurava articular racionalmente suas idéias: assim, não há porque vincular militarismo e anti-intelectualismo. Ainda mais: até mesmo o autoritarismo militar pode rejeitar o estilo brucutu, anti-intelectual e demagógico de proceder: as ações cuidadosas e firmes do General Ernesto Geisel, durante seu governo, sugerem que ele seria contra o Deputado Federal que supostamente “representa” os militares. Dessa forma, esse Deputado revela-se apenas um demagogo incoerente, que desconhece a história das Forças Armadas brasileiras e que, portanto, não a honra no que ela teve de melhor.

O resultado das reflexões acima – das quais tive que deixar de lado o crescente papel político do conservadorismo cristão – é que a “direita” brasileira em geral e os chamados “conservadores” em particular estão profundamente desorientados. Essa desorientação não é daninha apenas para eles mesmos, como eventual grupo político ou como defensores de determinados valores culturais e morais: essa desorientação é prejudicial para o Brasil como um todo, ao difundir concepções erradas de ordem e progresso, de igualdade, liberdade e fraternidade, e ao estabelecer uma dinâmica viciada com a esquerda – cujos problemas intelectuais, morais e políticos são sobejamente conhecidos. Em vez de buscarem aliar-se em projetos claros em prol das condições de ordem e progresso, cada vez mais conservadores e esquerdistas alimentam entre si um relacionamento de ódio mútuo e acusações constantes – em que, a despeito de acertos políticos ocasionais e específicos, nenhum dos dois lados está efetivamente na direção correta.

Gustavo Biscaia de Lacerda é Sociólogo da UFPR e Doutor em Sociologia Política pela UFSC.

03 fevereiro 2013

Comte como um dos autores mais perigosos

O texto abaixo apresenta Augusto Comte como um dos autores mais perigosos dos séculos XIX e XX - mais precisamente, o oitavo, ficando à frente de Nietzsche e Keynes, mas atrás de Marx, Hitler, Mao Tsé-Tung, Lênin e John Dewey. Essa lista - que na verdade é u'a mixórdia política e intelectual - foi elaborada em 2005 a partir de uma consulta a "intelectuais" e políticos "conservadores" estadunidenses.

Para os conservadores, a inclusão de Marx, Engels, Lênin, Mao Tsé-Tung e Hitler faz sentido: tais conservadores são de "direita" e, portanto, contrários à "esquerda". A inclusão específica de Hitler dá a impressão de serem contrários não somente ao comunismo, mas, de modo mais amplo, ao totalitarismo.

Já a inclusão de Comte, Keynes e Dewey avança em tal caracterização - ainda que seja necessário notar o o caráter compósito da lista -, sugerindo que não são apenas "conservadores", mas mais propriamente reacionários, pois Comte, Keynes e Dewey eram autores francamente favoráveis às liberdades individuais e coletivas. Comte é descrito como um antiteológico, Keynes como um apóstolo da intervenção do Estado na economia e Dewey, como um defensor de valores que foram aplicados nas gestões de Bill Clinton (o que isso quer dizer, precisamente, não está claro). 

Em outras palavras, os "conservadores" definem um perfil pró-mercado, pró-iniciativa privada, favorável à teologia e a uma educação voltada à inculcação de valores tradicionais - quem sabe, leitores ávidos de Milton Friedman, Friedrich Hayek e Ayn Rand. E eleitores de George W. Bush, Sarah Palin e Mitt Romney.

O original encontra-se publicado aqui.

*   *   *


TEN MOST HARMFUL BOOKS OF THE 19TH AND 20TH CENTURIES

HUMAN EVENTS asked a panel of 15 conservative scholars and public policy leaders to help us compile a list of the Ten Most Harmful Books of the 19th and 20th Centuries. Each panelist nominated a number of titles and then voted on a ballot including all books nominated. A title received a score of 10 points for being listed No. 1 by one of our panelists, 9 points for being listed No. 2, etc. Appropriately, The Communist Manifesto, by Karl Marx and Friedrich Engels, earned the highest aggregate score and the No. 1 listing.
1. The Communist Manifesto

Authors: Karl Marx and Freidrich Engels
Publication date: 1848
Score: 74
Summary: Marx and Engels, born in Germany in 1818 and 1820, respectively, were the intellectual godfathers of communism. Engels was the original limousine leftist: A wealthy textile heir, he financed Marx for much of his life. In 1848, the two co-authored The Communist Manifesto as a platform for a group they belonged to called the Communist League. The Manifesto envisions history as a class struggle between oppressed workers and oppressive owners, calling for a workers’ revolution so property, family and nation-states can be abolished and a proletarian Utopia established. The Evil Empire of the Soviet Union put the Manifesto into practice.

2. Mein Kampf
Author: Adolf Hitler
Publication date: 1925-26
Score: 41
SummaryMein Kampf (My Struggle) was initially published in two parts in 1925 and 1926 after Hitler was imprisoned for leading Nazi Brown Shirts in the so-called “Beer Hall Putsch” that tried to overthrow the Bavarian government. Here Hitler explained his racist, anti-Semitic vision for Germany, laying out a Nazi program pointing directly to World War II and the Holocaust. He envisioned the mass murder of Jews, and a war against France to precede a war against Russia to carve out “lebensraum” (“living room”) for Germans in Eastern Europe. The book was originally ignored. But not after Hitler rose to power. According to the Simon Wiesenthal Center, there were 10 million copies in circulation by 1945.

3. Quotations from Chairman Mao
Author: Mao Zedong
Publication date: 1966
Score: 38
Summary: Mao, who died in 1976, was the leader of the Red Army in the fight for control of China against the anti-Communist forces of Chiang Kai-shek before, during and after World War II. Victorious, in 1949, he founded the People’s Republic of China, enslaving the world’s most populous nation in communism. In 1966, he published Quotations from Chairman Mao Zedong, otherwise known as The Little Red Book, as a tool in the “Cultural Revolution” he launched to push the Chinese Communist Party and Chinese society back in his ideological direction. Aided by compulsory distribution in China, billions were printed. Western leftists were enamored with its Marxist anti-Americanism. “It is the task of the people of the whole world to put an end to the aggression and oppression perpetrated by imperialism, and chiefly by U.S. imperialism,” wrote Mao.

4. The Kinsey Report
Author: Alfred Kinsey
Publication date: 1948
Score: 37
Summary: Alfred Kinsey was a zoologist at Indiana University who, in 1948, published a study called Sexual Behavior in the Human Male, commonly known as The Kinsey Report. Five years later, he published Sexual Behavior in the Human Female. The reports were designed to give a scientific gloss to the normalization of promiscuity and deviancy. “Kinsey’s initial report, released in 1948 . . . stunned the nation by saying that American men were so sexually wild that 95% of them could be accused of some kind of sexual offense under 1940s laws,” the WashingtonTimes reported last year when a movie on Kinsey was released. “The report included reports of sexual activity by boys–even babies–and said that 37% of adult males had had at least one homosexual experience. . . . The 1953 book also included reports of sexual activity involving girls younger than age 4, and suggested that sex between adults and children could be beneficial.”

5. Democracy and Education

Author: John Dewey
Publication date: 1916
Score: 36
Summary: John Dewey, who lived from 1859 until 1952, was a “progressive” philosopher and leading advocate for secular humanism in American life, who taught at the University of Chicago and at Columbia. He signed the Humanist Manifesto and rejected traditional religion and moral absolutes. In Democracy and Education, in pompous and opaque prose, he disparaged schooling that focused on traditional character development and endowing children with hard knowledge, and encouraged the teaching of thinking “skills” instead. His views had great influence on the direction of American education–particularly in public schools–and helped nurture the Clinton generation.

6. Das Kapital

Author: Karl Marx
Publication date: 1867-1894
Score: 31
Summary: Marx died after publishing a first volume of this massive book, after which his benefactor Engels edited and published two additional volumes that Marx had drafted. Das Kapital forces the round peg of capitalism into the square hole of Marx’s materialistic theory of history, portraying capitalism as an ugly phase in the development of human society in which capitalists inevitably and amorally exploit labor by paying the cheapest possible wages to earn the greatest possible profits. Marx theorized that the inevitable eventual outcome would be global proletarian revolution. He could not have predicted 21st Century America: a free, affluent society based on capitalism and representative government that people the world over envy and seek to emulate.

7. The Feminine Mystique

Author: Betty Friedan
Publication date: 1963
Score: 30
Summary: In The Feminine Mystique, Betty Friedan, born in 1921, disparaged traditional stay-at-home motherhood as life in “a comfortable concentration camp”–a role that degraded women and denied them true fulfillment in life. She later became founding president of the National Organization for Women. Her original vocation, tellingly, was not stay-at-home motherhood but left-wing journalism. As David Horowitz wrote in a review for Salon.com of Betty Friedan and the Making of the Feminine Mystique by Daniel Horowitz (no relation to David): The author documents that “Friedan was from her college days, and until her mid-30s, a Stalinist Marxist, the political intimate of the leaders of America’s Cold War fifth column and for a time even the lover of a young Communist physicist working on atomic bomb projects in Berkeley’s radiation lab with J. Robert Oppenheimer.”

8. The Course of Positive Philosophy
Author: Auguste Comte
Publication date: 1830-1842
Score: 28
Summary: Comte, the product of a royalist Catholic family that survived the French Revolution, turned his back on his political and cultural heritage, announcing as a teenager, “I have naturally ceased to believe in God.” Later, in the six volumes of The Course of Positive Philosophy, he coined the term “sociology.” He did so while theorizing that the human mind had developed beyond “theology” (a belief that there is a God who governs the universe), through “metaphysics” (in this case defined as the French revolutionaries’ reliance on abstract assertions of “rights” without a God), to “positivism,” in which man alone, through scientific observation, could determine the way things ought to be.

9. Beyond Good and Evil

Author: Freidrich Nietzsche
Publication date: 1886
Score: 28
Summary: An oft-scribbled bit of college-campus graffiti says: “‘God is dead’–Nietzsche” followed by “‘Nietzsche is dead’–God.” Nietzsche’s profession that “God is dead” appeared in his 1882 book, The Gay Science, but under-girded the basic theme of Beyond Good and Evil, which was published four years later. Here Nietzsche argued that men are driven by an amoral “Will to Power,” and that superior men will sweep aside religiously inspired moral rules, which he deemed as artificial as any other moral rules, to craft whatever rules would help them dominate the world around them. “Life itself is essentially appropriation, injury, overpowering of the strange and weaker, suppression, severity, imposition of one’s own forms, incorporation and, at the least and mildest, exploitation,” he wrote. The Nazis loved Nietzsche.

10. General Theory of Employment, Interest and Money

Author: John Maynard Keynes
Publication date: 1936
Score: 23
Summary: Keynes was a member of the British elite–educated at Eton and Cambridge–who as a liberal Cambridge economics professor wrote General Theory of Employment, Interest and Money in the midst of the Great Depression. The book is a recipe for ever-expanding government. When the business cycle threatens a contraction of industry, and thus of jobs, he argued, the government should run up deficits, borrowing and spending money to spur economic activity. FDR adopted the idea as U.S. policy, and the U.S. government now has a $2.6-trillion annual budget and an $8-trillion dollar debt.

Honorable Mention
These books won votes from two or more judges:
The Population Bombby Paul Ehrlich
Score: 22
What Is To Be Doneby V.I. Lenin
Score: 20
Authoritarian Personalityby Theodor Adorno
Score: 19
On Liberty
by John Stuart Mill
Score: 18
Beyond Freedom and Dignityby B.F. Skinner
Score: 18
Reflections on Violence
by Georges Sorel
Score: 18
The Promise of American Life
by Herbert Croly
Score: 17
The Origin of Speciesby Charles Darwin
Score: 17
Madness and Civilization
by Michel Foucault
Score: 12
Soviet Communism: A New Civilization
by Sidney and Beatrice Webb
Score: 12
Coming of Age in Samoa
by Margaret Mead
Score: 11
Unsafe at Any Speed
by Ralph Nader
Score: 11
Second Sexby Simone de Beauvoir
Score: 10
Prison Notebooks
by Antonio Gramsci
Score: 10
Silent Spring
by Rachel Carson
Score: 9
Wretched of the Earth
by Frantz Fanon
Score: 9
Introduction to Psychoanalysisby Sigmund Freud
Score: 9
The Greening of America
by Charles Reich
Score: 9
The Limits to Growthby Club of Rome
Score: 4
Descent of Manby Charles Darwin
Score: 2

The Judges
These 15 scholars and public policy leaders served as judges in selecting the Ten Most Harmful Books.
Arnold BeichmanResearch Fellow
Hoover Institution
Prof. Brad Birzer
Hillsdale College
Harry CrockerVice President & Executive Editor
Regnery Publishing, Inc.
Prof. Marshall DeRosa
Florida Atlantic University
Dr. Don DevineSecond Vice Chairman
American Conservative Union
Prof. Robert George
Princeton University
Prof. Paul Gottfried
Elizabethtown College
Prof. William Anthony Hay
Mississippi State University
Herb London
President
Hudson Institute
Prof. Mark Malvasi Randolph-Macon College
Douglas Minson
Associate Rector
The Witherspoon Fellowships
Prof. Mark Molesky Seton Hall University
Prof. Stephen Presser
Northwestern University
Phyllis Schlafly
President
Eagle Forum
Fred SmithPresident
Competitive Enterprise Institute