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29 novembro 2023

O republicanismo da Igreja Positivista

No dia 24 de Frederico de 169 (28.11.2023) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua nona conferência, dedicada ao conjunto do regime.

Em seguida, fizemos nosso sermão; tal sermão consistiu em uma nova exposição da palestra "A Igreja Positivista e a República", originalmente pronunciada no II Ciclo de Palestras do Centro Positivista do Lavradio, no dia 18 de novembro de 2023.

As anotações que serviram de base para essa exposição estão reproduzidas abaixo.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/lM3qW) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/wTmqL). O sermão iniciou-se em 1h 02' 30".

A exposição feita no II Ciclo de Palestras do Centro Positivista do Lavradio encontra-se disponível aqui: - Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=LPWVxrTJCNE - Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=0KH9tVFnn4s&t=2s

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A IPB e a República 

-        Antes de mais nada: desejo congratular os todos os presentes por sua participação no II Ciclo de Palestras do Centro Positivista do Lavradio, bem como todos os expositores e palestrantes

o   Da mesma forma, importa parabenizar nosso correligionário Erlon Jacques de Oliveira por ter tomado a frente e organizado este novo evento

o   Por fim, mas não menos importante, devemos agradecer e parabenizar a direção da Sociedade Brasileira de Belas Artes por participar do evento e permitir que o Centro Positivista do Lavradio tenha lugar em suas instalações

-        Quando fui convidado para participar deste evento, o tema sugerido foi o do título oficial desta exposição: “a Igreja Positivista do Brasil e sua atuação na República”

o   A primeira idéia que me ocorreu, a partir disso, foi estabelecer uma relação de atividades da IPB por um lado desde 1881, quando Miguel Lemos fundou a Igreja, até o glorioso dia de 15 de novembro de 1889 e, por outro lado, desde essa data até 1927, quando ocorreu a transformação de Teixeira Mendes

o   Todavia, por mais útil que seja uma tal relação – e o fato é que esse tipo de lista é cada vez mais e urgentemente necessário! –, parece-me que o tipo de problemas por que a República brasileira atravessa desde há vários anos, bem como o tipo de filosofias políticas que se propõem, atualmente, a oferecer soluções para problemas que elas mesmas criam; enfim, parece-me que a situação presente da nossa República exige um tipo um pouco diferente de reflexão: não estritamente um rol de atividades, mas, antes disso, a inspiração profunda dessas atividades

o   Assim, se o título desta exposição é “A atuação da IPB em favor da República”, o seu subtítulo deve ser: “República brasileira e republicanização do Brasil

-        Indo diretamente ao ponto: sem ignorar ou desprezar os períodos posteriores, que já se referem a outras conjunturas, o fato é que o esforço da IPB, no meio século que vai de 1881 a 1927, foi o de instituir a República no Brasil e o de republicanizar o país

-        O devemos entender por “instituir a República” e “republicanizar o país”?

o   Instituir a República significava substituir a monarquia – regime caracterizado pela sociedade de castas, em que uma família, meramente por decreto divino, tinha o direito nato de governar o país e, daí, supostamente, a capacidade moral, intelectual e prática para tanto – por um regime humano, caracterizado francamente pela busca do bem comum, em que a moral estabelece os parâmetros gerais dos objetivos sociais e da conduta, além do relativismo e da fraternidade, ou seja, em outras palavras, mudar o regime monárquico pelo regime republicano

o   Republicanizar o país significa(va) desenvolver os usos e costumes próprios à república, ou seja, desenvolver na prática o conteúdo social e moral indicado no projeto da instituição da república; de maneira mais concreta, esse aspecto consiste em proscrever a violência nas relações internas e nas relações externas, substituindo-a pela fraternidade universal; estabelecer e garantir as plenas liberdades de pensamento, expressão e associação; garantir a plena liberdade industrial; desenvolver as relações industriais no sentido dos deveres mútuos entre patrões e empregados

o   Em termos de sociologia política contemporânea, um aspecto é institucional (proclamar a República), o outro é social-cultural (republicanizar o país); mas talvez muito mais importante que isso é indicar que cada um desses aspectos corresponde aos dois âmbitos do programa revolucionário na França, em termos de republicanismo, conforme indicado por Augusto Comte no Discurso sobre o conjunto do Positivismo (p. 70):

“Em seu significado negativo, o princípio republicano resume definitivamente a primeira parte da Revolução [Francesa], ao interditar todo retorno de uma realeza [...]. Por sua interpretação positiva, ele começa diretamente a regeneração final, ao proclamar a subordinação fundamental da política à moral, a partir da consagração permanente de todas as forças quaisquer ao serviço da comunidade”

-        Isso pode parecer pouco, mas não é; muito foi feito, especialmente no sentido da republicanização do país, mesmo antes do 15 de Novembro: a assombrosa marca de mais de 600 publicações da Igreja Positivista entre 1881 e 1927 é um sinal claro disso

o   Da mesma forma que os positivistas, a República e o republicanismo eram ideais levados a sério no Brasil – apesar do que a historiografia neomonarquista e marxista afirma desde 1930, para quem a I República foi um longo período (de 41 anos!) em que a população teria vivido no mundo da Lua, permanentemente alienada, fingindo que levaria a sério o republicanismo, mesmo apesar das vívidas disputas intelectuais, sociais e políticas da época

§  Os marxistas não têm muito compromisso com as instituições sociais que não sejam as propostas pelos comunistas, o que equivale a dizer que eles não tinham nenhum compromisso com a I República e sua adesão a quaisquer propostas seguia a orientação da União Soviética; os regimes  contemporâneos não comunistas são genericamente tachados de "burgueses" e, como tais, são desprezíveis por definição

§  Igualmente, os neomonarquistas por definição não tinham e não têm nenhum compromisso, nem com a I República nem com o republicanismo

o   Deveria ser evidente, mas não é: a adesão à I República e, ainda mais, ao republicanismo, não equivalia a ignorar os eventuais problemas do regime: assim, a maior parte dos republicanos, preocupados com o regime e com o caráter republicano da I República, apontavam problemas e indicavam sugestões

-        De qualquer maneira, desde a Proclamação da República, os ideais difundidos durante a monarquia passaram a ter que enfrentar o teste da realidade, com todas as dificuldades que isso implica; concomitantemente e em parte em conseqüência disso, surgiram as desilusões, juntamente com as críticas ao novo regime: embora o republicanismo fosse forte durante todo o período da I República, o fato é que nem sempre as críticas foram contrabalançadas por necessárias reafirmações do ideal republicano

o   Em face das desilusões e das críticas feitas à República após 1889, temos que perceber pelo menos três aspectos:

o   1) Os positivistas foram, desde o início, republicanos históricos e sempre tiveram enorme clareza de que há uma distância entre os ideais e a realidade e que, por mais que a realidade possa não corresponder aos ideais, isso não é motivo para desistir dos ideais em si – e, é claro, ainda menos no caso de ideais humanos, científicos, relativos, históricos e altruístas

§  Adicionalmente a esse aspecto, o enorme prestígio conferido pela República ao Positivismo – dado, entre outros motivos, pela fundamental participação de Benjamin Constant no movimento revolucionário, resultando no Decreto n. 4 de 19.11.1889 (bandeira nacional), no Decreto n. 119-A, de 7.1.1890 (separação igreja-Estado), e no Decreto n. 155-B, de 14.1.1890 (feriados nacionais) – associou a sorte do regime à sorte do próprio Positivismo, de tal maneira que um certo declínio do prestígio da República foi interpretado como declínio moral e intelectual do Positivismo

o   2) Houve críticas à República provenientes de republicanos históricos e de personagens ligadas estreitamente à fundação do regime; não consideramos aqui as críticas feitas nos anos imediatamente posteriores ao 15 de Novembro, mas as de décadas após, como as de Alberto Torres, que, na década de 1910, embora considerasse ponto pacífico a república presidencialista, afirmava a necessidade de desenvolver a nação no país e revalorizar a política, na forma específica de uma revisão constitucional – tão profunda que, na prática, equivalia a uma nova constituição

o   3) Passadas algumas décadas do advento do regime, na década de 1920 a adesão ao republicanismo era mais fraca, novas filosofias despontavam como “verdadeiramente democráticas” (a exemplo do comunismo e do nascente fascismo) e, portanto, a defesa tanto da República como regime concreto quanto do republicanismo como ideal político já era bem mais fraco: nesse ambiente, requentadas defesas da monarquia e inovadoras defesas do autoritarismo ganhavam guarida nas críticas à República – mas, a essa altura e em tal situação, o republicanismo já não era mais uma opção viável para muitos pensadores e muitos políticos

§  Temos, assim, por exemplo, Oliveira Vianna, que corresponde exatamente às características que indicamos acima: críticas extremas à República (talvez mesmo desprezo pelo regime e pelo ideal), saudades mal disfarçadas da monarquia (com idealizações fantásticas, quase alucinadas, desse período) e simpatia, também mal disfarçada, por propostas e regimes autoritários

§  Essas críticas foram aproveitadas e aglutinadas após 1930, quando um político surgido em um ambiente influenciado pelo Positivismo mas que não reconhecia nenhuma dívida e certamente pouco valor no Positivismo, assumiu o poder e implementou um regime que, não por acaso, era a negação prática do Positivismo: trata-se de Getúlio Vargas, que, também não por acaso, não teve nenhum pudor em associar-se à Igreja Católica em 1931 para retomar a religião oficial de Estado e aos fascistas, em novembro de 1937, para estabelecer o chamado “Estado Novo” (em 1941, com o objetivo de justificar o golpe de 1930 e, por extensão, o golpe de 1937, o Ministro da Educação e da Cultura do Estado Novo, Gustavo Capanema, retomou largamente as virulentas críticas de Oliveira Vianna à República)

-        A situação descrita acima é problemática devido a uma série de aspectos, estreitamente vinculados entre si:

o   Por um lado, considera-se que a I República acabou porque, acima de tudo, ela teria merecido acabar, supostamente porque ela teria sido “oligárquica”, antipopular, dissociada da realidade da nação: certamente ela tinha inúmeros problemas, mas isso não quer dizer que ela não tivesse virtudes nem que a população não a levasse a sério, não a considerasse um regime e um projeto sérios e dignos de serem defendidos

§  Por exemplo: nunca na história do Brasil tivemos nenhum regime político que levasse a sério a laicidade do Estado como ocorreu na I República; não era perfeita, mas pautada por leis sérias; inversamente, todos os regimes “democráticos” posteriores desprezaram, como desprezam, a laicidade do Estado (a despeito de declarações formais de autoridades), ou seja, fazem questão de usar o poder do Estado para impor doutrinas políticas, sejam teológicas, sejam metafísicas, sejam científicas

o   Como indicamos, o próprio sucesso do Positivismo no advento da República conduziu a associar a Religião da Humanidade ao regime; se o regime mereceu ser posto abaixo – juízo que, revelando o estrondoso sucesso do golpe de 1930, basicamente não é posto em questão –, o Positivismo também mereceu, como supostamente mereceria, ser deixado de lado

o   Em termos de republicanismo, o desprezo pela República, manifestado por Oliveira Vianna e consagrado por Getúlio Vargas e Gustavo Capanema, tornou-se uma característica do pensamento político brasileiro desde a década de 1920 (ou, se quiserem, desde 1930), criando um vazio político e intelectual em termos de regime político, que foi ocupado pelas diversas concepções de “democracia”, que vão desde a democracia iliberal de Vargas-Oliveira Vianna-Francisco Campos, passando pela democracia liberal dos nossos liberais católicos conservadores, como Miguel Reale, Alceu Amoroso Lima, Antônio Paim, Roberto Campos e outros, e chegando a outras democracias, como a comunista, de Luís Carlos Prestes

§  O vácuo político foi substituído, portanto, por filosofias políticas totalmente anti-republicanas, demorando décadas até que tivéssemos a maturidade política, institucional e social para tentarmos, de alguma forma, voltar a praticar alguma coisa parecida com o republicanismo – mas, note-se, ainda de maneira muito distante do que era o republicanismo da I República

§  Importa insistir: no Brasil, o juízo emitido por Oliveira Vianna e assumido por Gustavo Capanema-Getúlio Vargas, segundo os quais a República mereceu ser posta abaixo, foi assumido em 1930 e considerado legítimo desde então, basicamente sem contestação séria: isso era válido nas décadas de 1930 e 1940, mas, desgraçadamente, continua válido até hoje, 2023: não há verdadeira tradição republicana no país, como se vê na plêiade anti-republicana de partidos de aluguel que usam as palavras “república” e “republicano” sem nenhuma preocupação com o significado dessa palavra (aliás, não por acaso, o mesmo valendo para as palavras “ordem” e “progresso”)

§  No lugar do republicanismo afirmou-se a “democracia”; nós, positivistas, não temos nenhuma ilusão a respeito do caráter potencialmente autoritário da democracia: a proclamada “vontade do povo” é vazia por si só, correspondendo apenas aos caprichos irrefreados e absolutos de uma genérica, indefinida e indefinível “vontade geral”, que considera odiosa as liberdades de pensamento, de expressão e de associação e que também rejeita a submissão da política à moral com a necessária separação institucional entre igreja e Estado

Portanto, a oscilação entre autoritarismos e períodos liberais, que ocorreu após 1930, corresponde à própria concepção de “democracia”, mas afasta-se da de “república”; inversamente, a democracia só se torna aceitável quando, apesar de si mesma e dos seus próceres, ela aproxima-se da república

§  Por fim, devemos notar que a rejeição da república a partir da década de 1920 correspondeu, não apenas ao desprezo por um regime e por um alto e belo ideal, mas também a implantação consciente de um largo período de amnésia institucional, política e social no Brasil: afinal de contas, tornou-se um anátema defender o republicanismo, que dirá defender a I República: não é por acaso que, fingindo que a I República e o republicanismo não existiram, de maneira escandalosa tornou-se de bom tom defender a monarquia (como se ela não um regime de castas, escravista e escravocrata!) e mesmo a Era Vargas, aí incluído o Estado Novo!

-        Podemos voltar, então, ao início desta exposição: como dissemos, celebrar a atuação republicana da Igreja Positivista do Brasil não é, não pode ser e não tem como ser apenas a enumeração, seqüencial ou não, da longa, duradoura, corajosa, profunda campanha republicana dos positivistas ortodoxos brasileiros

o   Evidentemente, essa atuação foi importante por si só, pelos seus inúmeros resultados concretos e também pelos valores difundidos por ela

o   Mas o conjunto dessa atuação talvez seja o mais importante para nós, atualmente: muito longe de serem propostas e ideais “antigos”, “datados”, “ultrapassados”, que supostamente “mereceram perecer”, o fato é que os positivistas ortodoxos (mas não apenas eles!) indicaram com clareza como é possível conciliar o apoio a um regime político sem que com isso se degrade a sifocantas aduladores, “acríticos”: a concepção de “poder Espiritual” legitimador, avaliador, fiscalizador, associada necessariamente à separação entre os poderes Temporal e Espiritual (vulgarmente chamada de “laicidade do Estado”) e também à bela concepção dantoniana, ao mesmo tempo moral, política e histórica, de que “só se destrói o que se substitui” – tudo isso e muito mais garantiu a autonomia e, portanto, a dignidade do poder Espiritual (e, por extensão, da chamada “sociedade civil”); as preocupações e as propostas dos positivistas, longe de serem “datadas”, revelam-se cada vez mais atuais, necessárias e urgentes: esse é o verdadeiro republicanismo, o que, evidentemente, cumpre com urgência retomar e reafirmar

26 outubro 2023

Augusto Comte: sobre o progresso; proletários no poder

Três citações de Augusto Comte que valem a difusão direta e a reflexão: a primeira trata dos tipos de progresso e da subjetividade dessa noção; as outras duas citações tratam das qualidades morais e intelectuais próprias ao proletariado e que justificam que a chefia dos governos esteja em suas mãos. 

(As duas últimas citações foram traduzidas do francês por mim.)

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Sobre tipos de progresso e sobre a subjetividade da noção de progresso

“Distinguem-se, assim, duas espécies de progresso, um exterior, outro humano. Embora ambos se refiram finalmente a nós mesmos, só o último diz respeito à nossa própria natureza, e o primeiro limita-se à nossa situação, que ele melhora reagindo sobre todas as existências capazes de afetar a nossa. É por isso que esse progresso exterior é habitualmente qualificado de material, se bem que se estenda à ordem vital propriamente dita [ou seja, aos seres vivos], mas apenas em relação às espécies que nos servem de provisões ou de instrumentos. O ponto de vista do progresso sendo necessariamente mais subjetivo que o da ordem, a uniformidade da linguagem nem sempre corresponde, nele, à identidade de noções” (Augusto Comte, Catecismo positivista, São Paulo, editora Nova Cultural, 1996, p. 252; sem itálico no original).

Proletários como chefes políticos superiores devido às suas qualidades morais e intelectuais

“Rejeitando todo prestígio pedantocrático ou aristocrático, um exame racional mostra facilmente [...] que, entre o povo, a generalidade dos pensamentos e a generosidade dos sentimentos são mais fáceis e mais diretos que em qualquer outra parte. Uma falta ordinária de noções e de hábitos administrativos tornaria nossos proletários pouco próprios aos diversos ofícios especiais do governo prático. Mas disso não resulta nenhuma exclusão quanto à autoridade suprema, nem a respeito de todas as altas funções temporais que exigem uma verdadeira generalidade sem supor nenhuma especialidade” (Augusto Comte, Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo, 5ª ed., Paris, L. Mathias, 1929, p. 200; sem itálico no original).

 “A razão pública repudiará doravante, como sendo ao mesmo tempo perturbador e atrasado, todo doutor que pretenda comandar e todo governante que deseje ensinar” (Augusto Comte, Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo, 5ª ed., Paris, L. Mathias, 1929, p. 202).

03 maio 2022

Curso livre de política positiva: roteiro da 8ª sessão

Reproduzo abaixo o roteiro da oitva sessão do Curso livre de política positiva, ocorrida no dia 27 de abril, transmitida no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=OjCAlJl3Q_c). Nessa seção, abordei a teoria positiva do governo, em particular concluindo a teoria do poder Temporal e iniciando a do poder Espiritual.

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Súmula

Sociologia Estática VI: teoria do governo: o poder Temporal (concl.); o poder Espiritual

 

Roteiro

-        Concluindo a teoria do poder Temporal:

o   Augusto Comte observa que o governo tem que pertencer à classe social dominante, o que equivale a dizer que ele tem que ser exercido pelo patriciado

§  A fórmula que condensa as relações entre superiores e inferiores é esta: “dedicação dos fortes pelos fracos, veneração dos fracos pelos fortes”

§  Essa fórmula pode parecer extravagante para alguns, mas é necessário notar dois aspectos centrais a seu respeito para que ela seja entendida:

·         Desde o fim da Idade Média, no Ocidente, vivemos em uma época de crise, de transição, em que os valores antigos não são mais respeitados e o desrespeito sistemático às regras, aos valores, às instituições é considerado o supremo valor e a máxima realização do “progresso”

o   Assim, essa proposta é um princípio que visa a evitar, a solucionar, a orientar e a aproveitar conflitos sociais; é uma proposta normal (isto é, que considera o estado normal) e sua aparente extravagância deve-se ao caráter metafísico, crítico, da civilização da nossa época

·         A dedicação dos fortes pelos fracos, correspondente à orientação social e altruísta das atividades, é uma preocupação maior e de consequências imediatas mais amplas que a veneração dos fracos pelos fortes, que por sua vez é correspondente ao respeito dos subordinados aos seus superiores

o   É claro que se a cobrança da dedicação dos fortes deve ser grande (e até maior que o respeito dos fracos), isso não exime os fracos de serem respeitosos pelos fortes

§  O governo tem que ser do patriciado, não da burguesia

§  O governo tem que ser exercido com fins sociais

§  Como deveria ser evidente, o exercício do governo é diferente das atividades industriais: enquanto estas são parciais e estimulam diretamente o egoísmo, o governo é geral e tem que ser inspirado sempre pelo altruísmo

·         Se o patrício que se torna governante mantivesse o caráter “privado” de sua atuação no governo, ele manteria o espírito da “separação dos ofícios” e negaria na prática a “convergência dos esforços”, que é o objetivo e a justificativa do governo

§  No período de transição, a afirmação do caráter social e de vistas gerais do governo pode ter que ser reafirmado por meio de um governo exercido por um proletário

-        Teoria do poder Espiritual:

o   A teoria do poder Espiritual é complementar à teoria do poder Temporal

§  A sua justificativa teórica, em termos sociológicos, é o aforisma: “nenhuma sociedade pode perdurar sem alguma forma de poder Espiritual”

o   O poder Espiritual, como o poder Temporal, tem por objetivo basicamente a afirmação das vistas gerais

§  As vistas gerais afirmadas pelo poder Espiritual são mais amplas que as do poder Temporal:

·         por um lado, afirmam a realidade planetária do ser humano, ultrapassando as fronteiras nacionais

·         por outro lado, afirmam a realidade histórica do ser humano, afirmando a preponderância do passado e do futuro sobre o presente

§  Augusto Comte (1929, v. II, p. 313-319) estabelece uma série de contraposições sistemáticas entre os poderes Temporal e Espiritual:

§   

CARACTERÍSTICA

PODER ESPIRITUAL

PODER TEMPORAL

Âmbito

Eterno

Material

Duração

Permanente

Temporário

Caráter intelectual

Geral

Especial

Caráter geográfico

Global

Local

Caráter social

Intérprete da continuidade

Organizador da solidariedade

Relação com a história

Passado, futuro, presente

Presente

Fundamento

Conselho

Força

Aspecto-síntese

Teórico

Prático

 

o   Comparando os dois poderes, é fácil considerar que o poder Espiritual é mais representativo da Humanidade que o Temporal

§  Isso pode conduzir com facilidade à presunção do poder Espiritual de ser o responsável pela condução dos negócios públicos

§  Entretanto, o poder Temporal é o prático e o responsável pela gestão dos negócios públicos, ao passo que o Espiritual é o teórico e o responsável pelo aconselhamento

§  Assim, para que as funções sejam claras e bem desenvolvidas, é imperioso que ambos os poderes sejam separados à essa é “separação dos dois poderes”, que corresponde ao princípio político prático fundamental do Positivismo (vulgarmente conhecido como “laicidade do Estado”)

§  Além de separados, os poderes devem ser subordinados em seus respectivos âmbitos de atuação; em termos concretos, isso quer dizer quem conduz efetivamente a política é o poder Temporal, não o Espiritual

§  Essa é uma aplicação prática do princípio teórico segundo o qual os fenômenos mais nobres modificam os mais grosseiros subordinando-se a eles

o   Augusto Comte critica a tendência moderna, prevalecente desde o fim da Idade Média, de considerar as relações sociais e, daí, a teorização sócio-política cada vez mais em termos objetivistas, isto é, temporais, rejeitando as influências morais (muito mais que as intelectuais)

§  A consequência dessa rejeição da moralidade – exemplificada por Maquiavel, que pela Ciência Política é celebrado como o iniciador dessa tendência – é o entendimento de que as relações sócio-políticas são entendidas cada vez mais em termos de força, poder e violência

§  O amoralismo afirmado logo se transformou em imoralismo

§  A consequência moral da negação da moralidade é a afirmação e a celebração do egoísmo como padrão moral humano supremo, explícito (como em Hobbes) ou implícito (na conduta cotidiana)

·         Vale notar que no período entre 1870 (na Europa) e 1920 (no Brasil) até 1945 (no mundo) as concepções mais brutais e violentas da política foram afirmadas, contra o Positivismo, que, aliás, viu-se alvo de desprezo exatamente porque sempre rejeitou por princípio a violência e a brutalidade

·         Esse período que se inicia em 1870 na Europa corresponde à influência de Bismarck na política internacional, bem como ao comunismo; após 1920 começa a ocorrer também a influência dos nazifascismos, todos eles afirmadores do cinismo e da violência

o   Em certo sentido, a teoria do poder Espiritual é a teoria mais importante do Positivismo

§  O estabelecimento de um poder Espiritual positivo é a consequência necessária e desejada pelo Positivismo desde o início da carreira de Augusto Comte

§  Esse estabelecimento decorre também, é claro, dos diagnósticos que Augusto Comte fez da crise moderna:

·         Duplo movimento moderno, com a decadência da antiga organização social (teológica, feudal e militar) e o surgimento de uma nova organização social (positiva, industrial e pacífica)

·         Ultrapassagem da forma de pensar absolutista para a forma de pensar relativista à a mais ampla revolução por que já passou o ser humano

02 maio 2022

Curso livre de política positiva: vídeo da 8ª sessão

No dia 27 de abril ocorreu a oitava sessão do Curso livre de política positiva. Tal sessão apresentou três elementos expecionais: ela foi gravada sem transmissão ao vivo e em uma quarta-feira, em vez de em uma terça-feira; por fim, como não teve transmissão ao vivo, não foi possível carregar o vídeo no canal Apostolado PositivistaApesar dessas alterações extraordinárias, o curso manteve sua regularidade semanal.

Nessa sessão apresentamos, no âmbito da Sociologia Estática de Augusto Comte, a teoria do governo; assim, concluímos os comentários sobre o poder Temporal e começamos a teoria do poder Espiritual. 

O vídeo pode ser visto no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=OjCAlJl3Q_c).

A programação completa do Curso pode ser vista aqui.

20 abril 2022

Curso livre de política positiva: roteiro da 7ª sessão

Reproduzo abaixo o roteiro da sétima sessão do Curso livre de política positiva, ocorrida no dia 19 de abril, transmitida no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=3QBrKCCTzWgou no próprio canal Apostolado Positivista (disponível aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/512358580496069). Nessa seção, abordei a teoria positiva do governo, em particular do poder Temporal; também o Dia do Índia e o grande Marechal Rondon, bem como o grande Tiradentes.

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Súmula

Sociologia Estática V: teoria do governo: o poder Temporal

 

Roteiro

-        Pequena homenagem ao Dia do Índio e a Rondon (19 de Abril) e a Tiradentes (21 de Abril)

-        Teoria do governo:

o   Augusto Comte observa que a Estática Social sofre profundas perturbações nesta época de crise revolucionária: a família, a propriedade – e o governo

o   Princípio fundamental: não existe sociedade sem governo, assim como não existe governo sem sociedade

§  A função do governo é coordenar os esforços coletivos

o   Há dois tipos de “governo”, o temporal e o espiritual

§  O poder temporal é responsável pela ordem civil à é prático e impositivo

§  O poder espiritual é responsável pela ordem moral à é teórico e baseia-se no livre assentimento, nas idéias e nos valores

§  Nesta seção abordaremos o poder Temporal

o   A teoria do poder Temporal baseia-se em dois princípios fundamentais:

§  Princípio de Aristóteles: toda sociedade consiste na divisão dos ofícios e na convergência dos esforços à a parte do governo corresponde, precisamente, à convergência dos esforços

§  Princípio de Hobbes: o fundamento da poder é a força

·         Vale lembrar que o poder não é algo que se possui, mas algo que se “constitui”; ele é uma relação social, não um objeto

§  Toda sociedade é constituída por famílias, classes sociais, igrejas, associações etc.: mas é poder Temporal que organiza, que impõe a ordem, que estrutura a sociedade (seja porque impõe a ordem, seja porque realiza as grandes aspirações sociais, seja porque impõe as leis)

·         Assim, torna-se claro o sentido de estruturador da polity próprio ao poder Temporal

o   Distinção entre poder Temporal e pátrias:

§  A teoria do poder Temporal corresponde à teoria dos fundamentos e da organização do poder, ou melhor, do “Estado”

§  A teoria das pátrias, ou melhor, das mátrias corresponde à teoria das unidades políticas concretas, em porções geográficas determinadas e nas quais interagem os dois poderes (Temporal e Espiritual) e os vários elementos da sociedade (Estado e sociedade civil, classes sociais, famílias e indivíduos)

o   A teologia estabelece o governo absoluto baseado na vontade indiscutível do rei como representante da divindade; em contraposição a isso, conforme o seu caráter crítico, de transição e de rejeição da teologia, a metafísica erige o absoluto do “povo” em contraposição ao absoluto divino

§  Assim, a sociocracia (ou melhor, a república sociocrática) deve suceder a monarquia teocrática e a democracia metafísica

o   A teoria do governo baseia-se tanto em necessidades sociais bastante claras quanto também, mas de maneira à primeira vista menos evidente, em características morais – em particular, na veneração

§  Os problemas vinculados ao governo, atualmente, têm a ver com a revolta contra a subordinação

·         Por um lado, portanto, isso não deixa de ser uma questão de orgulho

·         Por outro lado, há as dificuldades relativas à dignidade dos cidadãos

§  O poder exercido de maneira despótica, à parte a manifestação de orgulho individual e de egoísmo coletivo, é justificado e legitimado nas concepções teológicas, que são absolutas

·         “As ordens indiscutíveis associam-se às concepções indemonstráveis”

·         Já as tiranias contemporâneas são tirânicas porque não entendem o caráter relativo do governo na sociedade industrial e querem agir pautadas por princípios e concepções teológicas ou metafísicas – ou seja, concepções absolutas

·         Em outras palavras: para evitar e impedir as tiranias, é necessário ao mesmo tempo adotar plenamente o relativismo positivo e afastar e recusar o absolutismo

§  O problema, então, é duplo: os governantes têm que entender que os cidadãos são cidadãos (citizens, citoyens), não súditos (subjects, sujets) nem escravos; os cidadãos têm que respeitar os governantes

·         Há aqui a necessidade imperiosa de consagrar para regular

·         A metafísica transforma em permanente uma situação puramente transitória e excepcional – qual seja, a revolta contra o poder (no caso das tiranias)

o   A limitação do governo é dada principalmente pela opinião pública

§  A constituição, a organização e a expressão da opinião pública cabem ao poder Espiritual

§  A atuação da opinião pública exige, evidentemente, as liberdades fundamentais

§  As liberdades de consciência e de expressão são a garantia contra toda tirania

Curso livre de política positiva: vídeo da 7ª sessão

No dia 19 de abril ocorreu a sétima sessão do Curso livre de política positiva, com transmissão ao vivo no canal do Facebook Apostolado Positivista.

Nessa sessão apresentamos, no âmbito da Sociologia Estática de Augusto Comte, a teoria do governo e, em particular, do poder Temporal. Além disso, como a sessão ocorreu justamente no dia 19 de abril e a dois dias do 21 de abril, fizemos referências especiais ao Dia do Índio e ao nosso grande Marechal Rondon, bem como ao grande Tiradentes.

O vídeo pode ser visto no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=3QBrKCCTzWg) ou no próprio canal Apostolado Positivista (disponível aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/512358580496069/).

A programação completa do Curso pode ser vista aqui.