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28 fevereiro 2024

O que é o espírito positivo?

No dia 2 de Aristóteles de 170 (27.2.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, agora em sua décima conferência (dedicada ao regime privado).

Na seqüência procuramos responder a seguinte questão: o que é o espírito positivo?

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/6f9tT) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/l2wvx). O sermão começou em 50 min.

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se abaixo.

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O que é o espírito positivo? 

-        A pergunta desta semana que buscaremos responder é, talvez, uma das mais básicas quando estudamos o Positivismo e a Religião da Humanidade: o espírito positivo

o   Se, do ponto de vista moral, a nossa meta, ou melhor, a lei da felicidade e do dever é viver para outrem, isto é, ser altruísta, do ponto de vista intelectual podemos dizer que o parâmetro é realmente o espírito positivo

-        Mas o que é o espírito positivo?

o   Podemos dizer que o espírito positivo é aquela forma de entender o mundo que segue os parâmetros da positividade

o   Mas, para não ficarmos dando voltas ou apresentando definições circulares, eis os parâmetros do espírito positivo:

§  Comecemos por expor os sentidos da palavra “positivo”, conforme expostos por Augusto Comte no Apeloaos conservadores (de 1855 – p. 25): real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático

·         Essa relação foi afirmada e refinada por Augusto Comte desde que ele proferia o seu curso de filosofia positiva; uma versão anterior, levemente diferente, foi exposta de maneira formal, inicialmente, no Discurso sobre o espírito positivo (de 1844)

·         Sem desconsiderar as outras características, aqui insistiremos no “relativo” e no “simpático”, pois elas indicam, por um lado, que o Positivismo opõe-se ao absoluto e, por outro lado, que o Positivismo afirma e estimula o altruísmo

§  Adicionalmente, da nossa parte podemos também incluir que integram o espírito positivo o espírito histórico e, daí, o caráter social – sendo que essas expressões devem ser lidas com toda a polissemia que com freqüência caracteriza o estilo de Augusto Comte

§  Da mesma forma, convém acrescentar que o espírito positivo pressupõe e afirma a visão de conjunto

o   Uma outra forma, evidentemente complementar, de entender o espírito positivo é por meio da “primeira lei da filosofia primeira”, cujo enunciado é o seguinte: “Formar a hipótese mais simples e mais simpática que comporta o conjunto dos dados a representar

§  As leis da filosofia primeira são os princípios universais que regem todos os fenômenos, em um total de 15 leis

·         As leis da filosofia primeira incluem leis do entendimento humano e também leis do funcionamento da realidade cósmica; elas são tanto objetivas quanto subjetivas

§  A primeira lei da filosofia primeira é chamada de “lei-mãe” da filosofia primeira, pois ela rege a formulação e a elaboração de todas as nossas concepções, em termos normativos (como devemos racionar) e descritivos (como raciocinamos de fato)

·         Assim, ela pressupõe e orienta a elaboração do espírito positivo

-        Mudando de âmbito, há um outro sentido para a expressão “espírito positivo”, um sentido popular, muito comum atualmente

o   Esse sentido estende-se a outras expressões, como “positividade” e até “positivismo”

o   Esse sentido é o do espírito positivo como “pensamento positivo”

-        O “espírito positivo” como “pensamento positivo” significa que devemos sempre buscar o melhor das coisas, tentar não reclamar muito, procurar sorrir etc.

o   Em um sentido geral, o Positivismo assume o “pensamento positivo”

§  Todos sabemos como a vida requer confiança nas próprias capacidades, confiança nos demais, um ambiente familiar, laboral e social afirmativo etc.

§  Trata-se, portanto, de um lado, do bom humor, da alegria, da felicidade; por outro lado, da autoestima e da confiança em nossos familiares e concidadãos, por outro lado ainda, da esperança

o   Há algumas interpretações místicas que consideram que o “pensamento positivo” por si só influencia objetivamente a realidade, em particular modificando a realidade física

§  Isso incorre no grave erro intelectual, moral e prático de negar a realidade das leis naturais inferiores; na verdade, isso é mesmo um misticismo, pois consiste em uma versão ultrassubjetivista das vontades arbitrárias próprias às divindades (ou seja, à teologia)

o   No Discurso preliminar sobreo conjunto do Positivismo (1848/1851), Augusto Comte nota que o Positivismo não é nem fatalismo nem otimismo

§  Para o que nos interessa, o otimismo é a concepção segundo a qual a realidade é toda ela totalmente boa, perfeita, completa

·         Essa concepção desconhece – de maneira voluntária ou involuntária – o fato de que a realidade não é perfeita e que, portanto, ela é passível de aperfeiçoamento

·         A origem do erro do “otimismo” vincula-se à teologia (em particular monoteísta), que considera que a divindade criou todo o universo; este, por ter sido criado por um ser supostamente perfeito, também seria perfeito (ainda que, contraditoriamente, incognoscível, ou seja, misterioso e impossível de ser conhecido e compreendido)

§  O fatalismo é um erro intelectual complementar, segundo o qual as leis naturais impedem qualquer intervenção humana – em particular nos fenômenos humanos

·         A origem desse erro está no fetichismo (em particular na astrolatria) e na extensão da interpretação própria às leis astronômicas a toda a realidade

·         O erro do fatalismo está em desconhecer as características próprias às diversas categorias dos fenômenos, em particular que, quanto mais complicado um fenômeno, mais modificável ele é

§  A complementaridade entre fatalismo e otimismo está em que um nega qualquer possibilidade de modificação e o outro nega qualquer necessidade de modificação

o   Há um último problema vinculado ao “espírito positivo” entendido como “pensamento positivo”: é o que alguns chamam de “positividadetóxica

§  A positividade tóxica é a tendência a querer que tudo tenha que ser encarado “positivamente”, sem haver possibilidade de reclamações, pessimismo, irritações ou até tristeza

·         Em outras palavras, a positividade tóxica é a exigência de rejeitar e negar os sentimentos negativos

§  No âmbito do Positivismo, essa “positividade tóxica” pode ser assimilada ao “otimismo” comentado e criticado por Augusto Comte, na medida em que esse otimismo considera que tudo é bom

·         Mas, além disso, essa positividade tóxica também incorre no desconhecimento geral do dogma positivo, no sentido de que desconhece que a realidade tem uma objetividade que não depende do ser humano – para o que nos interessa, que não depende do nosso estado de humor

·         Nesse sentido, há a necessidade de afirmar-se o aspecto do realismo do espírito positivo: é uma questão de reconhecermos a existência de situações incômodas, desagradáveis, tristes ou simplesmente difíceis e/ou contrárias aos nossos desejos e vontades

-        Em suma:

o   O espírito positivo, como tudo no Positivismo, tem um aspecto afetivo, um intelectual e um prático

§  O espírito positivo pode ser definido por seus atributos: real, útil, certo, preciso, relativo, simpático; histórico e social; afirmador da visão de conjunto

§  A lei-mãe da filosofia primeira também constitui e orienta o espírito positivo: “formular a hipótese mais simples e mais simpática que comporta o conjunto de dados disponíveis”

o   O espírito positivo rejeita duas interpretações comuns em particular: de um lado a negação da possibilidade de qualquer modificação, que é o fatalismo; por outro lado, a negação da necessidade de modificação, que é o otimismo

o   No senso comum, o espírito positivo equivale a "pensamento positivo"

§  O pensamento positivo tem um aspecto que se aproxima do Positivismo: trata-se da alegria, da generosidade, do manter boas relações sociais, da confiança e da esperança

§  Mas há alguns aspectos do chamado pensamento positivo que se afastam do Positivismo:

·         O misticismo de considerar que a realidade modifica-se apenas pela força do pensamento

·         O “otimismo” criticado por Augusto Comte

·         A chamada “positividade tóxica”, que rejeita sentimentos negativos e, no fundo, rejeita a exigência de realismo de nossas concepções


20 fevereiro 2017

Citações de espírito positivo na ciência

Carlos Augusto de Proença Rosa, diplomata brasileiro e historiador da ciência, faz as seguintes observações que revelam o espírito positivo, conforme definido por Augusto Comte, em alguns momentos da história científica brasileira e universal:


Em minhas pesquisas sobre a ciência no Brasil, encontrei esta pérola do incomparável Claude Bernard:
“Eu ignoro as causas finais porque eu ignoro a causa inicial... eu me privo de ambas”.
Nessa mesma linha, encontrei a seguinte declaração do zoólogo brasileiro e diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, de 1909, João Batista de Lacerda:
“As causas primeiras, inacessíveis aos nossos meios de investigação, estão fora da órbita da ciência [...] a interrogação ‘por que?’, referindo-se à razão primeira das coisas, é uma palavra surda-muda, que nada pode dizer, nem ensinar. ‘Como’, ‘de que modo’, ou ‘por que forma’, eis a única interrogação que à ciência é permitida fazer, analisando os fatos”.

Cumpre notar que o Museu Nacional foi dirigido, entre 1926 e 1935, pelo também positivista Edgard Roquette-Pinto (como se pode ver na página 26 deste arquivo).

Carlos Augusto de Proença Rosa é autor de u'a monumental História da ciência, em quatro volumes, publicados pela Fundação Alexandre de Gusmão. Eles estão disponíveis aqui, para compra ou para serem baixados:






08 janeiro 2013

Astronomia e fenômenos que escapam à previsão estimulando a sabedoria e o amor


O longo trecho abaixo continua apresentando elementos da extensa e interessante avaliação que A. Comte fez das qualidades lógicas, sociais e morais da Astronomia.
Mas estes parágrafos apresentam uma observação fundamental: a idéia de que muitos fenômenos e acontecimentos podem ocorrer (e de fato ocorrem) além das previsões das leis científicas – o exemplo dado é o do choque de um cometa no planeta Terra. Com essa observação, fica novamente patente que, para Comte, embora só possamos regular a vida humana por meio das previsões científicas (feitas, por sua vez, por meio das leis naturais), não é possível prever todos os acontecimentos reais – e é justamente por tais motivos que a sabedoria humana (moral, intelectual, prática) deve sempre ser valorizada.
Comte nota que, em seu conjunto, a Astronomia favorece o relativismo e elimina o absoluto, embora inicialmente dê a impressão contrária. Mais do que isso: a Astronomia apresenta uma série de importantes conseqüências morais, não apenas em virtude de seus métodos e suas teorias, mas também ao relevar ao ser humano a situação cósmica da Terra. Eis algumas dessas conseqüências: a regulação do sentimento de esperança; a evidência da resistência do meio à ação humana; a necessidade de o ser humano buscar em si mesmo os meios para superar as adversidades; o descartar o excesso de previsões e considerar as possibilidades de eventos imprevisíveis (como o possível choque de cometa na Terra); o evitar o terror imobilizante frente às adversidades. Como todos os seres humanos estão igualmente submetidos a esses fenômenos e possibilidades, o cuidado com os demais e o “viver para outrem” evidencia-se como lei moral suprema.
Por fim: as observações abaixo reiteram a concepção de ciência de Comte, bem como a posição que, para ele, a inteligência ocupa na ordem humana. Nada de “cientificismo”, de “intelectualismo”, de “torre de marfim” ou distância da realidade prática; nada de concepção asséptica da ciência; bem ao contrário, preocupação com o bem comum, com o desenvolvimento das idéias para regular a conduta prática e os sentimentos.

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“Ainsi, toute l’astronomie concourt naturellement à constituer l’esprit relatif dans le domaine qui, par as simplicité et son indépendance, paraissait le moins l’admettre. Envers les phénomènes qui concernent l’homme, on n’a jamais pu méconnaître entièrement les variations intérieures qui n’y permettent pas l’absolu. Mais cet attribut semblait devoir appartenir toujours aux événements où nous ne sommes que spectateurs. Or, l’astronomie l’élimine spontanément dans l’étude même de ceux qui sont inaccessibles à toute modification humaine. Cette constitution décisive de la rélativité, au début de l’initiation systématique, doit puissamment influer sur son extension immédiate aux phénomènes plus compliqués, avant que leur propre appréciation l’y ait directement établie.
Pour mieux sentir une telle tendance astronomique, il faut aussi l’envisager sous l’aspect moral. Car la véritable science céleste étend finalement la relativité de nos idées à nos espérances, et par suite à tous nos sentiments. En manifestant les diverses conditions planétaires, elle dissipe la sécurité absolue qui nous représentait comme exemptes de perturbations quelconques. La stabilité essentielle, tant célébrée envers la terre, par les géomètres modernes, ne se rapporte qu’aux changements graduels dus aux gravitations secondaires, qui, en effet, ne peuvent y produire que des oscillations presque indifférentes. Mais, outre la résistance du milieu, qu’on y néglige toujours, il faut surtout considérer les changements brusques, qui ne comportent pas de prévision réelle, et contre lesquels nous ne possédons aucune garantie scientifique. Rien ne peut, par exemple, démontrer, quoi qu’on ait dit, que notre planète est à l’abri de tout choc cométaire. En achevant ainsi d’apprécier notre vraie condition astronomique, on constitue mieux l’énergie et la dignité du caractère humain, qui doit trouver en lui-même sa principale ressource contre l’ensemble de nos misères. Sans nous préoccuper de vaines terreurs, nous tendons alors à écarter davantage un excès de prévoyance et de présomption, qui altère beaucoup notre véritable bonheur, privé et public. Les affections bienveillantes, dont il dépend surtout, acquièrent ainsi plus de prix encore que lorsque chacun se confie trop aux garanties extérieures. Quand même la terre devrait être bientôt bouleversée par un choc céleste, vivre pour autrui, subordonner la personnalité à la sociabilité, ne cesseraient pas de constituer jusqu’au bout le bien et le devoir suprêmes. Les vrais philosophes sentiront toujours, comme les francs prolétaires, que de telles pensées tendent plutôt à consolider notre bonheur réel, chez ceux du moins qui savent en utiliser l’aptitude morale” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 506-507).

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Tradução para o português:

"Assim, toda a Astronomia concorre naturalmente para constituir o espírito relativo no domínio que, devido à sua simplicidade e sua independência, pareceria admiti-lo menos. Em relação aos fenômenos que concernem ao homem, não se pôde nunca desconhecer inteiramente as variações interiores que não não permitem o absoluto. Mas esse atributo pareceria dever pertencer sempre aos eventos em que não somos senão expectadores. Ora, a Astronomia elimina-o espontaneamente no estudo mesmo desses que são inacessíveis a toda modificação humana. Essa constituição decisiva da relatividade, no início da iniciação sistemática, devia influenciar poderosamente sobre sua extensão aos fenômenos mais complicados, antes que sua própria apreciação tenha sido diretamente estabelecida.


Para melhor sentir uma tal tendência astronômica, é necessário também a observar sob o aspecto moral. Afinal, a verdadeira ciência celeste estende finalmente a relatividade de nossas idéias às nossas esperanças e, em conseqüência, a todos os nossos sentimentos. Ao manifestar as diversas condições planetárias, ela dissipa a segurança absoluta que nos representava como isentos de perturbações quaisquer. A estabilidade essencial, tanto celebrada em relação à Terra, pelos geômetras modernos, não se refere senão às mudanças graduais devidas às gravitações secundárias, que, com efeito, não podem produzir senão oscilações quase indiferentes. Mas, além da resistência do meio, que se negligencia sempre, é necessário sobretudo considerar as mudanças bruscas, que não comportam previsão real e contra as quais não possuímos nenhuma garantia científica. Nada pode, por exemplo, demonstrar – o que quer que tenha sido dito – que nosso planeta está ao abrigo de todo choque cometário. Ao concluir assim a apreciação de nossa verdadeira condição astronômica, constitui-se melhor a energia e a dignidade do caráter humano, que deve encontrar em si mesmo seu principal recurso contra o conjunto de nossas misérias. Sem nos preocuparmos com vãos terrores, tendemos então a descartar mais um excesso de previsão e de presunção, que altera bastante nossa verdadeira felicidade, privada e pública. Os afetos da benquerença, de que ela depende sobretudo, adquirem assim mais valor ainda que quando cada um confia demais nas garantias exteriores. Quando mesmo a Terra devesse ser logo perturbada por um choque celeste, viver para outrem, subordinar a personalidade à sociabilidade, não cessariam de constituir até o fim o bem e o dever supremos. Os verdadeiros filósofos sentirão sempre, como os francos proletários, que tais pensamentos tendem antes a consolidar nossa felicidade real, entre aqueles que ao menos sabem utilizar a sua aptidão moral" (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 506-507). 

31 outubro 2012

Permanência do espírito absoluto disseminando o ateísmo

O espírito absoluto que reinava - e, a bem da verdade, ainda reina - nas ciências naturais faz delas um âmbito privilegiado para o desenvolvimento do ateísmo. Ora, o ateísmo é uma forma de teologia, embora pela via negativa: rigorosamente, o ateísmo nega a única resposta possível ("deus") para a pergunta que continua fazendo ("quem, ou o quê, criou o universo?"). 

A perspectiva relativa, ou positiva, é deixar de lado tal gênero de indagações: em vez de negar a única resposta possível, deve-se deixar de lado a própria pergunta; o tipo de raciocínio desenvolvido na pergunta teológica ("por quê?"; a investigação das causas) deve ser substituído pelo tipo de raciocínio próprio à positividade e à relatividade ("como?"; a investigação das relações entre os fatos observáveis, ou seja, das leis).

Assim, a manutenção do espírito absoluto nas ciências naturais de uma única vez apresenta três conseqüências nefastas: mantém as investigações de caráter teológico, estimula o ateísmo e, por fim, rejeita o espírito relativo e positivo.

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“C’est là surtout que réside l’athéisme proprement dit, plus hostile aujourd’hui à la vraie philosophie qu’aucun autre théologisme, comme l’explique mon Discours préliminaire. Le matérialisme y puise aussi ses principales forces intellectuelles, quoique la biologie dévellope davantage ses dangers moraux” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 456).

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Tradução para o português:


"É sobretudo aí que reside o ateísmo propriamente dito, mais hostil hoje à verdadeira filosofia que qualquer outro teologismo, como o explica meu Discurso preliminar. O materialismo possui aí suas principais forças intelectuais, ainda que a Biologia desenvolva mais seus perigos morais" (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 456).

20 março 2008

Sobre o livro "Breve história da ciência moderna", v. 4

O texto abaixo corresponde a uma carta que escrevi aos autores da coleção "Breve história da ciência moderna", referente aos comentários que eles fizeram no volume 4 dessa coleção, intitulado "A belle-époque da ciência (século XIX)".

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Caros Marco Braga, Andréia Guerra e José Cláudio Reis:

Li o seu recém-lançado livro sobre a história da ciência, volume 4, correspondente ao século XIX. O que me interessou nele foi a referência a Augusto Comte e ao Positivismo.

Considerando que a coleção que vocês escrevem é didática e de introdução à ciência e à história da ciência, não faz muito sentido dedicar páginas demais a cada escola ou corrente; além disso, o resumo que vocês fizeram da obra de Comte foi correto, embora bastante tradicional.

Todavia, tenho algumas observações sobre seus comentários no último parágrafo do capítulo dedicado ao Positivismo, em que vocês afirmam que o ideal de estudar cada ciência a partir dos mais recentes avanços é comtiano, desprezando, assim, a história da(s) ciência(s) em nome de alguma coisa como uma "pureza" científica e antimetafísica:

1. pura e simplesmente, Augusto Comte foi o fundador não somente da Sociologia (pelo que ele é mais conhecido), como, principalmente para o presente objetivo, da História das Ciências. TODA a obra de Comte é uma afirmação da inalienável importância do estudo da história das ciências para a compreensão de cada ciência em particular e das formas de pensamento humano em geral.

1.1. Na verdade, pode-se ler logo no início de uma das poucas obras comtianas vertidas para o português a afirmação segundo a qual "só se entende verdadeiramente um conceito se se conhece a história desse conceito".

1.2. Afirmando a importância da história das ciências, ele propôs ao governo francês, no início da década de 1830, a criação de tal disciplina na Sorbonne ou no Collège de France - proposta que foi rejeitada por Guizot, sob a justificativa de que seria inoportuno politicamente - isto é, poderia esclarecer o povo e causar transtornos.

1.3. O curso de História das Ciências só foi aceito e reconhecido na III República, proclamada em 1870.

1.3.1. A III República teve grande influência do Positivismo comtiano, como se pode perceber na ação de Léon Gambetta e de Jules Ferry, além dos republicanos dreyfusistas.

1.3.2. A cadeira de História das Ciências foi criada em 1892 e ocupada pelo discípulo direto de Comte, Pierre Laffitte, de acordo com o planejamento comtiano (cf. http://www.college-de-france.fr/media/lis_prf/UPL45507_LISTE_DES_PROFESSEURS.pdf).

1.4. Durante mais de 25 anos Comte ministrou um curso popular, gratuito, de Astronomia. Esse curso era sem dúvida teórico, mas fortemente histórico.

1.5. Na relação de livros que Augusto Comte recomendava aos positivistas do século XIX para terem uma instrução moral, política, científica e artística, ele incluía, por exemplo, a "História da Astronomia", de Adam Smith, como tendo um caráter exemplar para o estudo da humanidade.

2. Face ao exposto acima - facilmente comprovável em qualquer obra de Augusto Comte -, eu não sei de onde vocês tiraram uma tal afirmação.

2.1. Essa afirmação parece ser o tipo de repetição de outras fontes, que repetem outras fontes, que repetem outras fontes - e assim sucessivamente, sem que se determine a referência original. Nada menos científico; nada mais imbuído de preconceitos.

2.1.1. A referência primeira desse preconceito, evidentemente, estava ou está imbuída de má-fé; os seus repetidores, idem.

2.2. Comte afirmava com todas as letras que a melhor maneira de combater a metafísica - e, claro, antes disso, também a teologia - era precisamente estudar as ciências e suas histórias.

3. Os positivistas jamais foram favoráveis a "manuais", no sentido das atuais apostilas, para o ensino das ciências.

3.1. A proposta de ensino das ciências por meio de apostilas, como se isso fosse suficiente para entender a ciência, se foi devida a algum "positivismo", deve ser procurada nos adeptos do Círculo de Viena, não em Comte.

3.1.1. Como vocês são historiadores da ciência, não parece necessário reafirmar que não há relações entre Comte e o Círculo de Viena, exceto no que se refere à rejeição da metafísica.

3.2. É de esperar-se que não haverá nenhuma referência desse tipo no volume 5 da coleção.

4. O estudo histórico e teórico das ciências, para Comte, era uma forma de humanização do ser humano, no duplo sentido de 1) afastar-se tanto da teologia quanto da metafísica e aproximar-se da positividade e 2) de tornar-se mais "positivo", conforme definido no "Apelos aos conservadores" (real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático).

4.1. Em outras palavras, estudar a história das ciências integrava o projeto religioso de Comte.

5. Uma das coisas que mais espanta nessa afirmação é o fato de vocês serem cariocas.

5.1. No Rio de Janeiro há a Igreja Positivista do Brasil e numerosos positivistas, que poderiam elucidar, comentar e explicar o ponto em questão.

5.2. Vocês são professores do Colégio D. Pedro II. Pois bem: foi professor de Química nesse colégio, com orgulho e por muitas e muitas décadas, o sr. Rubem Descartes de Garcia Paula. O sr. Rubem Descartes era um dos mais ativos positivistas. O comentário em questão não faz justiça nem a ele nem à escola em que vocês lecionam.