No dia 2 de Aristóteles de 170 (27.2.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, agora em sua décima conferência (dedicada ao regime privado).
Na seqüência procuramos responder a seguinte questão: o que é o espírito positivo?
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/6f9tT) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/l2wvx). O sermão começou em 50 min.
As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se abaixo.
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O que é o espírito positivo?
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A pergunta desta semana que buscaremos responder
é, talvez, uma das mais básicas quando estudamos o Positivismo e a Religião da
Humanidade: o espírito positivo
o Se,
do ponto de vista moral, a nossa
meta, ou melhor, a lei da felicidade e do dever é viver para outrem, isto é, ser altruísta, do ponto de vista intelectual podemos dizer que o
parâmetro é realmente o espírito positivo
-
Mas o que é o espírito positivo?
o Podemos
dizer que o espírito positivo é aquela forma de entender o mundo que segue os
parâmetros da positividade
o Mas,
para não ficarmos dando voltas ou apresentando definições circulares, eis os
parâmetros do espírito positivo:
§ Comecemos
por expor os sentidos da palavra “positivo”, conforme expostos por Augusto Comte
no Apeloaos conservadores (de 1855 – p. 25): real, útil, certo, preciso,
relativo, orgânico e simpático
·
Essa relação foi afirmada e refinada por Augusto
Comte desde que ele proferia o seu curso de filosofia positiva; uma versão
anterior, levemente diferente, foi exposta de maneira formal, inicialmente, no Discurso sobre o espírito positivo (de
1844)
·
Sem desconsiderar as outras características, aqui
insistiremos no “relativo” e no “simpático”, pois elas indicam, por um
lado, que o Positivismo opõe-se ao
absoluto e, por outro lado, que o Positivismo afirma e estimula o altruísmo
§ Adicionalmente,
da nossa parte podemos também incluir que integram o espírito positivo o espírito histórico e, daí, o caráter social – sendo que essas expressões
devem ser lidas com toda a polissemia que com freqüência caracteriza o estilo
de Augusto Comte
§ Da
mesma forma, convém acrescentar que o espírito positivo pressupõe e afirma a visão de conjunto
o Uma
outra forma, evidentemente complementar, de entender o espírito positivo é por
meio da “primeira lei da filosofia primeira”, cujo enunciado é o seguinte: “Formar a hipótese mais simples e mais
simpática que comporta o conjunto dos dados a representar”
§ As
leis da filosofia primeira são os princípios universais que regem todos os
fenômenos, em um total de 15 leis
·
As leis da filosofia primeira incluem leis do
entendimento humano e também leis do funcionamento da realidade cósmica; elas são
tanto objetivas quanto subjetivas
§ A
primeira lei da filosofia primeira é chamada de “lei-mãe” da filosofia
primeira, pois ela rege a formulação e a elaboração de todas as nossas concepções, em termos normativos (como devemos racionar) e descritivos (como raciocinamos de fato)
·
Assim, ela pressupõe e orienta a elaboração do
espírito positivo
-
Mudando de âmbito, há um outro sentido para a
expressão “espírito positivo”, um sentido popular, muito comum atualmente
o Esse
sentido estende-se a outras expressões, como “positividade” e até “positivismo”
o Esse
sentido é o do espírito positivo como “pensamento positivo”
-
O “espírito positivo” como “pensamento positivo”
significa que devemos sempre buscar o melhor das coisas, tentar não reclamar
muito, procurar sorrir etc.
o Em
um sentido geral, o Positivismo assume o “pensamento positivo”
§ Todos
sabemos como a vida requer confiança nas próprias capacidades, confiança nos
demais, um ambiente familiar, laboral e social afirmativo etc.
§ Trata-se,
portanto, de um lado, do bom humor,
da alegria, da felicidade; por outro lado, da autoestima e da confiança
em nossos familiares e concidadãos, por outro lado ainda, da esperança
o Há
algumas interpretações místicas que consideram que o “pensamento positivo” por
si só influencia objetivamente a realidade, em particular modificando a
realidade física
§ Isso
incorre no grave erro intelectual, moral e prático de negar a realidade das
leis naturais inferiores; na verdade, isso é mesmo um misticismo, pois consiste
em uma versão ultrassubjetivista das vontades arbitrárias próprias às
divindades (ou seja, à teologia)
o No
Discurso preliminar sobreo conjunto do Positivismo (1848/1851), Augusto Comte nota que o Positivismo
não é nem fatalismo nem otimismo
§ Para
o que nos interessa, o otimismo é a concepção segundo a qual a realidade é toda
ela totalmente boa, perfeita, completa
·
Essa concepção desconhece – de maneira
voluntária ou involuntária – o fato de que a realidade não é perfeita e que,
portanto, ela é passível de aperfeiçoamento
·
A origem do erro do “otimismo” vincula-se à
teologia (em particular monoteísta), que considera que a divindade criou todo o
universo; este, por ter sido criado por um ser supostamente perfeito, também
seria perfeito (ainda que, contraditoriamente, incognoscível, ou seja,
misterioso e impossível de ser conhecido e compreendido)
§ O
fatalismo é um erro intelectual complementar, segundo o qual as leis naturais
impedem qualquer intervenção humana – em particular nos fenômenos humanos
·
A origem desse erro está no fetichismo (em
particular na astrolatria) e na extensão da interpretação própria às leis
astronômicas a toda a realidade
·
O erro do fatalismo está em desconhecer as
características próprias às diversas categorias dos fenômenos, em particular
que, quanto mais complicado um fenômeno, mais modificável ele é
§ A
complementaridade entre fatalismo e otimismo está em que um nega qualquer possibilidade de modificação e o outro
nega qualquer necessidade de
modificação
o Há
um último problema vinculado ao “espírito positivo” entendido como “pensamento
positivo”: é o que alguns chamam de “positividadetóxica”
§ A
positividade tóxica é a tendência a querer que tudo tenha que ser encarado
“positivamente”, sem haver possibilidade de reclamações, pessimismo, irritações
ou até tristeza
·
Em outras palavras, a positividade tóxica é a
exigência de rejeitar e negar os sentimentos negativos
§ No
âmbito do Positivismo, essa “positividade tóxica” pode ser assimilada ao “otimismo”
comentado e criticado por Augusto Comte, na medida em que esse otimismo
considera que tudo é bom
·
Mas, além disso, essa positividade tóxica também
incorre no desconhecimento geral do dogma positivo, no sentido de que
desconhece que a realidade tem uma objetividade que não depende do ser humano –
para o que nos interessa, que não depende do nosso estado de humor
·
Nesse sentido, há a necessidade de afirmar-se o
aspecto do realismo do espírito
positivo: é uma questão de reconhecermos a existência de situações incômodas,
desagradáveis, tristes ou simplesmente difíceis e/ou contrárias aos nossos
desejos e vontades
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Em suma:
o O espírito positivo, como tudo no
Positivismo, tem um aspecto afetivo, um intelectual e um prático
§ O espírito positivo pode ser definido por
seus atributos: real, útil, certo, preciso, relativo, simpático; histórico e
social; afirmador da visão de conjunto
§ A lei-mãe da filosofia primeira também
constitui e orienta o espírito positivo: “formular a hipótese mais simples e
mais simpática que comporta o conjunto de dados disponíveis”
o O espírito positivo rejeita duas
interpretações comuns em particular: de um lado a negação da possibilidade de qualquer modificação, que é o fatalismo;
por outro lado, a negação da necessidade
de modificação, que é o otimismo
o No senso comum, o espírito positivo equivale
a "pensamento positivo"
§ O pensamento positivo tem um aspecto que se
aproxima do Positivismo: trata-se da alegria, da generosidade, do manter boas
relações sociais, da confiança e da esperança
§ Mas há alguns aspectos do chamado pensamento
positivo que se afastam do Positivismo:
·
O
misticismo de considerar que a realidade modifica-se apenas pela força do
pensamento
·
O
“otimismo” criticado por Augusto Comte
·
A chamada
“positividade tóxica”, que rejeita sentimentos negativos e, no fundo, rejeita a
exigência de realismo de nossas concepções