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12 fevereiro 2025

Hernani Gomes da Costa: o identitarismo como problema de classificação?

No dia 14 de Homero de 171 (11.2.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores.

No sermão, nosso amigo Hernani Gomes da Costa abordou o seguinte tema: as dificuldades do identitarismo constituem um problema de classificação?

A prédica foi transmitida exclusivamente no canal Positivismo, aqui: https://www.youtube.com/watch?v=1dPo_Fr-6E4.

O roteiro da prédica encontra-se disponível abaixo.

*   *   *

Hernani Gomes da Costa: o identitarismo como um problema de classificação?

(14 de Homero de 171/11.2.2025)

 1.       Abertura

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Como somos uma igreja, ministramos os sacramentos: quem tiver interesse, entre em contato conosco!

2.4.    Precisamos de sua ajuda; há várias maneiras para isso:

2.4.1. Divulgação, arte, edição de vídeos e livros! Entre em contato conosco!

2.4.2. Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides e calendário das próximas atividades:

3.1.    Dia 16 de Homero (13.2): Live AOP com Érlon

3.2.    Dia 17 de Homero (14.2) transformação de Georges Audiffrent (1909)

4.       Pedido de sugestões de temas para os sermões das prédicas positivas

4.1.    As sugestões são bem-vindas e necessárias, não somente para podermos fazer comentários interessantes, mas também para satisfazer anseios e preocupações do público

4.2.    Além disso, as sugestões públicas são uma forma de atualizarmos o Positivismo

5.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

5.1.    Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

5.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

5.1.1.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

5.1.1.2.             Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

5.1.2. Não é possível entender a política proposta pelo Positivismo isoladamente da Religião da Humanidade

5.1.2.1.             Aliás, o desejo de separar a política dos valores e das concepções gerais de fundo é precisamente um dos problemas contemporâneos, é precisamente um dos sintomas da anarquia contemporânea

5.1.3. A religião estabelece parâmetros morais, intelectuais e práticos para a existência humana e, portanto, orienta a política, estabelece as suas metas, as suas possibilidades e os seus limites

5.1.3.1.             Outro lembrete: a religião, conforme o Positivismo estabelece, não é sinônima de “teologia”

5.2.    Últimas observações preliminares:

5.2.1. Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

5.2.2. O capítulo em que estamos é a “Introdução”, cujo subtítulo é “Advento dos verdadeiros conservadores”

5.3.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

6.       Sermão: O identitarismo é um problema de classificação positiva?

6.1.    O sermão será realizado por nosso amigo Hernani

7.       Exortações finais

7.1.    Sejamos altruístas!

7.2.    Façamos orações!

7.3.    Como somos uma igreja, ministramos os sacramentos: quem tiver interesse, entre em contato conosco!

7.4.    Precisamos de sua ajuda; há várias maneiras para isso:

7.4.1. Divulgação, arte, edição de vídeos e livros! Entre em contato conosco!

7.4.2. Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

8.       Término da prédica

22 agosto 2024

Monitor Mercantil: "Degradação como progresso (!)"

O jornal carioca Monitor Mercantil publicou no dia 21.8.2024 um texto de nossa autoria, intitulado "Degradação como progresso (!)".

Como de hábito, redigimos uma versão inicial grande, que depois foi cortada para adequar-se aos parâmetros de publicação jornalística.

A versão publicada está disponível aqui: https://monitormercantil.com.br/degradacao-como-progresso/.

Apresentamos abaixo a versão inicial do texto.

*   *   *

Degradação como progresso (!) 

Gustavo Biscaia de Lacerda

 

Advertência inicial

Antes de mais nada, um aviso: este artigo certamente desagradará muitos, talvez a maioria, de quem se considera “progressista”; mas é justamente em nome do progresso, em defesa do progresso, que escrevi estas linhas. Começarei expondo duas situações concretas, geralmente celebradas (de maneira equivocada) como progressistas e em seguida comentarei o que se deve entender por progresso.

A polêmica olímpica

A primeira situação concreta refere-se aos jogos olímpicos. O belo espetáculo das Olimpíadas, em sua recente edição de Paris 2024, foi marcado em sua abertura, no dia 28 de julho, por polêmicas intensas. Não foi todo o evento de abertura, que se caracterizou por múltiplas atividades realizadas ao mesmo tempo, muitas delas realmente bonitas e inovadoras, respeitando e exaltando o universalismo próprio aos jogos olímpicos, bem como celebrando aspectos da cultura francesa e da preocupação com o futuro da Humanidade. Contudo, alguns aspectos foram particularmente polêmicos – e, convém dizê-lo com clareza, propositalmente agressivos. Essas polêmicas referiram-se em particular a uma suposta representação teatral, ou “performática”, do famoso afresco de Leonardo da Vinci, A última ceia (1495-1498), em que – supostamente, conforme as críticas – as figuras de Jesus Cristo e dos apóstolos teriam sido trocadas por figuras de diabos, bacantes etc., em poses e situações extremamente eróticas e sexualizadas. Em contraposição, alguns dos defensores da “performance” afirmaram que se tratava na realidade de uma representação da tela A festa dos deuses, de Utrecht Jan Harmensz (1635-1640), ou, ainda (mas com menos verossimilhança), de A festa dos deuses, de Giovanni Bellini (1514). O diretor artístico do evento, Thomas Jolly, foi extremamente ambígüo a respeito: embora inicialmente ele não tenha confirmado nem negado nada, após as imediatas críticas feitas pela igreja católica da França, por católicos e por políticos de direita e extrema direita, ele afirmou que não se tratava de nenhuma tentativa de degradar ou desprezar o afresco de Leonardo da Vinci nem, por extensão, o catolicismo, mas, ao contrário, de ser “inclusivo ao máximo”; aliás, ele também afirmou que “um pouco de polêmica é sempre bom”, pois um mundo sem polêmicas seria “muito chato”. Em face de tal polêmica, tanto o presidente da comissão francesa para os jogos olímpicos, o canoísta Tony Stanguet, quanto o Presidente da República, Emmanuel Macron, viram-se obrigados a confirmar e a apoiar o espetáculo, inclusive fazendo coro ao empenharem o republicanismo, a laicidade e até a tradição anticlerical francesa como base para esse apoio.

Os ideais olímpicos: paz, universalismo, inclusão

Se a “performance” foi mesmo baseada na Última ceia, isso está aberto à discussão; de fato, é necessário forçar um pouco para concluir que ela referiu-se mesmo à obra de Da Vinci. Entretanto, o que não está sujeito a debate é a intenção consciente de ser polêmico – e de ser polêmico por meio da vulgaridade. Bem distante de buscar o máximo de inclusão, o que o “diretor artístico” da abertura das Olímpiadas desejava era chocar ao máximo a platéia, causar mal-estar, a partir de cenas degradantes e inadequadas. A importância dos jogos olímpicos está na afirmação do seu universalismo, bem como na belíssima idéia de que as disputas violentas entre as nações – em particular as guerras – são suspensas e, mais do que tudo, substituídas por disputas pacíficas, em que se busca não a destruição e a morte, mas o respeito e o desenvolvimento do ser humano. Esses ideais foram comprovados repetidamente durante o evento, com as selfies conjuntas de coreanos do Sul e do Norte, os auxílios de corredores que acudiram seus adversários/colegas, a “adoração” das ginastas estadunidenses pela nossa Rebeca Andrade.

A recorrente vulgaridade de Madonna

Mas o fato é que a vulgaridade que degradou a abertura dos jogos olímpicos de Paris, em 2024, não é algo novo; aqui no Brasil já vimos cenas parecidas antes, como na apresentação da cantora Madonna, em Copacabana, em maio de 2024. À diferença dos jogos olímpicos, Madonna não tem a menor preocupação em ser universalista; mas, à semelhança do ocorrido em Paris, desde o início de sua carreira, no começo dos anos 1980, ela busca chocar e causar comoção, em particular por meio de cenas agressivamente sexualizadas. É claro que em parte isso é jogo de cena com fins de propaganda, para ela aumentar a vendagem de seus produtos (ou seja, para ela enriquecer mais); mas essa estratégia baseia-se em valores profundos professados pela cantora.

A hipersexualização vendida como progresso

Pois bem: tanto no caso dos jogos olímpicos quanto no de Madonna a vulgaridade da extrema sexualização é apresentada como sinal de progresso – e isso é amplamente entendido como correto e aceitável por grupos autointitulados “progressistas”. Ora, basta um pouco de bom senso para perceber-se com clareza que nem a degradação nem a vulgaridade correspondem a qualquer sentido aceitável de “progresso”. Devemos, então, saber o que é o progresso.

Definindo o progresso

Um sentido elementar do progresso é o desenvolvimento das capacidades humanas, seja em termos coletivos, seja em termos individuais: progredir, nesse sentido, é o ser humano “crescer”. Não se trata simplesmente de mudar: afinal de contas, podemos mudar para pior. Assim, a noção de progresso implica tanto o desenvolvimento quanto o aperfeiçoamento. Clara e necessariamente há um juízo de valor implicado aí, em que devemos melhorar as coisas. Daí decorre também um outro aspecto, o espírito construtivo do progresso: progredir significa necessariamente construir. Por certo que às vezes, para progredirmos, temos que antes destruir algumas coisas (isto é, algumas práticas, algumas instituições, até mesmo alguns objetos); mas, como deve (ou deveria) ser evidente, essas destruições prévias têm que ser excepcionais e, acima de tudo, as coisas destruídas têm que ser substituídas por outras. Isso equivale a dizer – aliás, repetindo o que o líder da Revolução Francesa Georges Danton já dizia (mas que, quase com certeza, nem Thomas Jolly nem Madonna conhecem e muito menos respeitam) – que “só se destrói o que se substitui”: o puro espírito destruidor, a pura destruição, o mero destruir por destruir, nada disso é de verdade o “progresso” – mesmo que se diga que é.

O progresso geralmente é contraposto à ordem, seja em termos filosóficos e morais, seja em termos sociopolíticos. De fato, essa é uma possibilidade; entretanto, a contraposição entre ordem e progresso resulta em oscilações intensas e em disputas sociais amargas, como vivemos ao longo do século XX e como temos tido a infelicidade de atualizar neste século XXI. Assim, para ultrapassar as oscilações entre a ordem e o progresso, é necessário uni-los e constituir uma nova síntese, de “ordem e progresso”. Tal síntese foi elaborada pelo fundador da Sociologia, o francês Augusto Comte, herdeiro da Revolução Francesa, indicando que a ordem tem que ser a consolidação do progresso e que, assim, o progresso é o desenvolvimento da ordem. (A ordem, dessa forma, não é entendida como imóvel, como estática.)

Não deixa de ser irônico, ou melhor, triste que a degradante “performance” realizada em Paris tenha sido feita ao mesmo tempo em nome do progresso, do espírito olímpico e da Revolução Francesa. Ora, como indicamos acima, foi justamente durante a Revolução e não por acaso que se concebeu a máxima “só se destrói o que se substitui”; mas, mais do que isso, a degradação exibida em julho de 2024 em Paris também foi feita em nome do “amor”, mas tanto para os revolucionários de 1789 quanto para a maioria dos cidadãos de hoje espetáculos hipersexualizados como os de Thomas Jolly e de Madonna têm pouco ou nada a ver com o amor, mas apenas com uma nauseante caricatura do que deve ser o amor.

Christopher Lasch e Oscar Wilde: progresso como “subida mecânica” e como “decadência com elegância”

Dito isso, voltemos à degradação fantasiada de progresso. Em 1994 o ensaísta estadunidense Christopher Lasch (A revolta das elites), ao abordar o conceito de progresso, propôs e defendeu que desde o final do século XIX havia duas possibilidades para esse conceito; a primeira ele caracterizou como sendo a noção de desenvolvimento contínuo e irreversível para cima, uma “subida mecânica” – na verdade, uma caricatura elaborada pelos críticos conservadores e retrógrados do progresso e que, na falta de elaboração filosófica verdadeira, foi referendada pela esquerda e pelo próprio Lasch. O outro conceito apresentado pelo estadunidense seria o do desenvolvimento da arte e das faculdades artísticas, em que a arte seria cada vez mais autônoma, isto é, cada vez mais independente dos outros âmbitos da vida, em particular o da moralidade; esse segundo conceito teria sido proposto pelo dramaturgo irlandês Oscar Wilde, que propunha, de maneira concomitante, as noções de que o primeiro sentido do progresso seria “chato” e próprio a pessoas “estúpidas”, enquanto a arte seria a expressão e o desenvolvimento cada vez maior do egoísmo e da mais pura autoexpressão individual e antissocial. (Como se vê, Lasch desconsidera, talvez ignore, o sentido mais cuidadoso, matizado e complexo que expusemos acima.) Ao mesmo tempo, na linha dessa superficialidade inidividualista, Oscar Wilde celebrava a noção de que o conteúdo específico da arte contemporânea é o da “decadência com elegância” (a tal décadence avec élégance, que foi popularizada por um ambígüo e polêmico cantor brasileiro nos anos 1980). O conceito de “progresso” proposto por Oscar Wilde (que Christopher Lasch acaba pessoalmente subscrevendo) evidentemente é paradoxal; com um pouco de atenção logo se vê que ele não é de fato progresso em nenhum sentido razoável, embora corresponda perfeitamente à inteligência ágil, à mentalidade e à sensibilidade aristocrática, superficial e desorientada de Wilde, esse Voltaire atrasado e de segunda linha posterior à Era Vitoriana.

O fato é que a sensibilidade de Oscar Wilde, com sua marcada superficialidade e sua agressiva destruição, é o que alimenta a noção de progresso “decadente e elegante” dos recentes espetáculos hipersexualizados que citamos antes. Não há nesses espetáculos nenhuma busca efetiva de “progresso”, isto é, de aperfeiçoamento humano, de melhoria das condições sociais e individuais; há apenas a degradação moral travestida de, ou melhor, corruptora da bela e importante noção de “progresso”.

Silêncio constrangido e/ou omisso dos progressistas

Em face das inevitáveis críticas que tais apresentações receberiam dos grupos conservadores e retrógrados – aliás, sendo franco: críticas que em grande parte estão corretas –, muitos intelectuais que se dizem progressistas vão em bloco em defesa dessas apresentações, no famoso movimento de briga de torcida, incapazes de qualquer verdadeira apreciação. Com essa defesa em bloco, mecânica e acrítica, não é à toa que esses “progressistas”, ou a chamada esquerda, sejam tantas vezes mal vistos ou percebidas como “imorais”.

Dissemos “muitos intelectuais defendem”, com isso querendo sugerir que não são todos e, talvez, nem a maioria: temos a impressão de que aqueles intelectuais progressistas que não se manifestam têm clareza de o quão degradantes são esses espetáculos e que, por isso, não querem expor-se ao ridículo de defender o indefensável, embora, ao mesmo tempo, não queiram indispor-se com seus colegas “progressistas” ao custo de serem vistos como “conservadores” ou retrógrados. Tal silêncio também é conveniente com a dupla percepção (e duplamente incorreta), da parte desses intelectuais, (1) de que as mudanças sociais que importam seriam as mudanças materiais (políticas e econômicas) e (2) de que a agenda de “costumes”, dita moral, é secundária e, portanto, poderia ficar à mercê de espetáculos como os comentados acima.

Defesa da “cultura LGBTQIAP+”?

Podemos abordar agora o elefante branco desta reflexão. Muitos dos intelectuais que defendem esses espetáculos e que subscrevem a noção de progresso como “destruição com degradação” preocupam-se com o fato de que esses espetáculos muitas vezes são feitos por artistas “LGBTQIAP+” e nominalmente em sua defesa. Entretanto, como indicamos acima, esses espetáculos são extremamente agressivos e destruidores: talvez, quem sabe, fosse possível defendê-los argumentando que se trata de manifestações específicas de uma “cultura LGBTQIAP+”, mas isso é muito discutível e pouco defensável, na medida em que “essencializa” essa cultura e degrada a própria comunidade “LGBTQIAP+”, reduzindo-a à hipersexualização. Aliás, a redução do amor a manifestações públicas hipersexualizadas feitas com o objetivo de chocar é, sob qualquer parâmetro, uma péssima estratégia, que serve apenas para irritar e afastar quem se deveria agradar e atrair, bem como para degradar o ambiente público, a arte, os grupos envolvidos e as noções de progresso e amor. O tolo comentário de Thomas Jolly, de que “a vida seria muito chata sem polêmicas”, dá a medida da infeliz superficialidade que move tais espetáculos.

Em suma, no fundo, o que se evidencia é a ausência de qualquer concepção verdadeira de progresso – isto é, de qualquer concepção que ultrapasse o sentido caricato de “subida mecânica” ou o sentido de “decadência com elegância” de Oscar Wilde.

 

Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo e doutor em Sociologia Política.

19 dezembro 2023

Progresso versus cinismo

No dia 17 de Bichat de 169 (19.12.2023) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua nona conferência (dedicada ao conjunto do regime positivo).

No sermão abordamos a oposição entre a esperança vinculada ao progresso e o cinismo atual, buscando responder a uma questão ao mesmo tempo moral, intelectual, sociológica e histórica: como é que se passou da nobre e elevada esperança no aperfeiçoamento humano, vigente no século XIX, para o cinismo atual?

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/W1qy7) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/6rird). O sermão começou em 1h.

As anotações que serviram de base para a exposição oral do sermão encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *


Progresso versus cinismo  

-        Hoje em dia, no início do século XXI, quando lemos Augusto Comte e os demais positivistas que escreviam no século XIX e início do século XX, dois aspectos surgem com grande clareza:

o   Por um lado, uma grande esperança no ser humano, no aperfeiçoamento das condições da humanidade (materiais, físicas, intelectuais e morais); essa esperança era sintetizada na noção de “progresso”

o   Por outro lado, seguindo o espírito da nossa época, quase instintivamente temos a impressão de que essa esperança mantida no século XIX era “ingênua”, da mesma forma que consideramos que seria mais “correta” uma perspectiva mais ressabiada, ou melhor, mais cínica

o   Entretanto, não há motivo nenhum para seguirmos o atual espírito da época e considerarmos que a esperança e o progresso do século XIX são ingênuos e, daí, desprezíveis

-        A respeito da esperança e do progresso afirmados pela Religião da Humanidade:

o   Afirmam a afetividade humana, o altruísmo, a possibilidade e a necessidade de conhecimento científico da realidade e do ser humano;

§  Afirmam esses conhecimentos a partir do relativismo e do historicismo, valorizando sempre a subjetividade humana

o   Também estabelecem um critério geral de moralidade (o estímulo ao altruísmo e a compressão do egoísmo), que ultrapassa o individualismo egoístico próprio às teologias e às suas metafísicas derivadas e que afirma a noção de dever acima da de direito

o   Afirmam que a paz, a fraternidade, o altruísmo, a colaboração surgem necessariamente da evolução histórica

§  Esses traços, de qualquer maneira, correspondem a tendências gerais, comportando variações e flutuações ao longo do tempo

§  Assim, não há motivo para supor que essas variações e flutuações correspondam à negação do progresso

o   Como observava Augusto Comte, o progresso é mais subjetivo que a ordem (ou seja, é mais diretamente relativa à realidade humana) e abarca aperfeiçoamentos em diversos âmbitos: material, físico, intelectual e, acima de tudo, moral

-        É importante considerarmos o que aconteceu nesse período, isto é, entre meados do século XIX e este início do século XXI:

o   Em termos afetivos, houve o seguinte:

§  Antes de mais nada, houve a fundação da Religião da Humanidade entre o final da década de 1840 e meados da de 1850, sistematizando tendências amplas e gerais da humanidade e fortalecendo laços fraternos e altruístas entre povos, classes e grupos variados sobre bases reais

§  O desenvolvimento simultâneo de perspectivas internacionalistas e particularistas, às vezes com sobreposição, às vezes com distanciamento entre elas:

·         O internacionalismo é a afirmação de perspectivas internacionais, de concórdia entre nações (às vezes, equivocadamente, de fim das nações)

·         Os particularismos assumiram formas variadas:

o   Os nacionalismos, às vezes xenofóbicos, mas inicialmente como movimentos de afirmação das nações contra os grandes impérios coloniais,

o   A perspectiva de classe, especialmente do proletariado, contra a burguesia e contra o capital

§  Por vezes o particularismo de classe manifestou-se contra as nações, mas muitas vezes ele foi a favor de nações proletárias

§  Em todo caso, com gigantesca freqüência, o particularismo proletário serviu de apoio, mesmo de desculpa, para movimentos de independência nacional

o   Houve formas especialmente mesquinhas e agressivas de particularismos sobre outras bases, como no caso dos racismos antissemita e de vários outros

·         Citamos aqui os particularismos negativos porque eles tiveram uma terrível importância durante 30 anos no século XX

o   Indiretamente, esses particularismos negativos serviram para evidenciar que eles, na medida em que são particularismos, não servem para fundar sociabilidades maiores, que são as sociabilidades próprias à sociedade pacífica e industrial

o   Em termos intelectuais, podemos indicar o seguinte:

§  Antes de mais nada, houve a fundação da Religião da Humanidade, sistematizando o conhecimento humano e permitindo e realizando a regularização e a moralização desses conhecimentos (ciência, filosofia, religião, arte, atividades práticas) em bases reais, humanas e relativas

§  Apesar desse importante acontecimento, a ciência continuou com seu impulso absoluto, indiferente à sua destinação humana

§  Ao mesmo tempo, tendências metafísicas particularistas ganharam espaço:

·         A psicanálise de Freud baseou-se no misticismo e na metafísica alemãs para tentar explicar a subjetividade humana, mas, além dos danos mentais causados em si pela metafísica, as noções de pansexualismo e de inconsciente estimularam, como estimulam, a desconfiança no ser humano

·         O marxismo, com suas infinitas correntes propositalmente “críticas”, estimulou (como estimula) o ódio entre as classes e os países e, daí, considera que tudo o que não é “proletário” é vil, enganador, mentiroso; além disso, a equívoca noção de “materialismo histórico” nega a realidade da moralidade

o   O marxismo é ambíguo a respeito da natureza humana: genericamente o ser humano é bom, mas só após a revolução comunista essa bondade manifestar-se-á

o   As desconfianças, o padrão crítico, o grande esquema histórico baseado na luta de classes: isso e muito mais serve de exemplo permanente para outros movimentos metafísicos e críticos, como o identitarismo negro de origem estadunidense e, ainda mais, o identitarismo feminista

·         Concepções irracionalistas, por vezes mais próximas da poesia e do misticismo que da ciência e da filosofia (como Nietzsche), além de concepções anticientíficas (como as de Bergson e de Max Weber) rejeitaram a possibilidade de estudos científicos do ser humano e de filosofias gerais (e relativistas e humanas) sobre a realidade

o   Muitas dessas concepções irracionalistas (incluindo aí nacionalismos e preconceitos de raça), não por acaso, nega(va)m a paz e estimula(va)m a violência e/ou o culto à violência

o   Em termos práticos, tivemos o seguinte:

§  Além dos amplos, gerais e consistentes esforços dos positivistas em todo o Ocidente em favor da paz, da concórdia, da fraternidade internacional e interna aos países, houve inúmeros movimentos pacifistas, internacionalistas, pela regularização das relações industriais etc.

·         Podemos incluir aí alguns grupos anarquistas, vários movimentos socialistas e mesmo alguns movimentos teológicos sensíveis às condições de vida dos trabalhadores e das sociedades modernas

·         Os nacionalismos de independência, de modo geral, também atuaram no sentido de melhorar as condições de vida, ao afirmarem o respeito às particularidades culturais locais

§  Ocorreu também a difusão do republicanismo, ou seja, da perspectiva humana e meritocrática na política, incluindo aí o estabelecimento da separação entre igreja e Estado

§  Uma prática internacional baseada na diplomacia de segredos (Bismarck) e da corrida colonial de prestígio

§  Afirmação de certos hábitos mentais e práticos burguesocráticos

o   Em suma: ao longo do século XIX tivemos grandes e importantes desenvolvimentos da Humanidade, ou seja, na direção da positividade, ao mesmo tempo que tendências metafísicas, críticas e destruidoras mantiveram seus ímpetos

o   O grande período de clivagem é a I Guerra Mundial (1914-1919), ou melhor, a II Guerra dos 30 Anos (1914-1945)

 

Os trechos abaixo, destacados em caixas, foram omitidos em linhas gerais na exposição oral da prédica, pois alongariam demais essa exposição oral; ainda assim, são observações úteis para a presente reflexão e, portanto, mantêm-se nestas anotações.

§  A II Guerra dos 30 Anos é composta por três fases: I Grande Guerra (1914-1919), Período de Paz Armada (1919-1939) e II Grande Guerra (1939-1945)

§  Para o que nos interessa, os períodos mais importantes são o da I Grande Guerra, que matou gerações de positivistas, e o Período da Paz Armada, que estimulou e deu livre curso às piores tendências negativas anteriores a 1914 (nacionalismo xenofóbico, irracionalismo, culto à violência, preconceitos de raça etc.)

·         A I Guerra apresentou uma dinâmica nova, em que os soldados ficavam meses a fio nas trincheiras, sob a tensão constante dos combates, sujeitos a ataques violentos e muito agressivos

·         Essas tendências, como se sabe, consubstanciaram-se em movimentos sociais como o comunismo (com as Revoluções Russas em 1917), o fascismo (com a Marcha sobre Roma, em 1922), o nazismo (desde 1922, no poder desde 1933) e diversos outros movimentos autoritários (Frente Nacional na França, franquismo na Espanha, Estado Novo em Portugal etc.)

·         Esses movimentos, devido a seus conteúdos, na esteira da violência da I Grande Guerra, puseram em suspeição as liberdades, o ideal de fraternidade etc.

o    O mundo não ficou incólume a isso: no Brasil tivemos a crítica à I República transformando-se em crítica degradante ao republicanismo; houve o elogio mundial ao autoritarismo; o Japão deu livre curso ao seu violento imperialismo no Leste Asiático etc.

·         A II Grande Guerra, além da sua violência própria, deu lugar ao chamado “Holocausto”, com o genocídio praticado em escala e com métodos industriais

-         A II Guerra dos 30 Anos estimulou movimentos irracionalistas, autoritários, genocidas etc.; mas, no final das contas, foi um longo e dolorosíssimo interregno entre aspirações altruístas, fraternas, pacifistas etc.

o    Um pequeno indicador desse caráter de interregno é a constituição da Organização das Nações Unidas logo em seguida ao conflito e cuja fundação foi acertada pelo menos desde o ano anterior ao término da guerra

-         Com o término da II Guerra dos 30 Anos, alguns movimentos positivos voltaram à ação; mas, ao mesmo tempo, elementos críticos também mantiveram seu curso

o    Um pouco do sentimento de esperança vigente antes da II Guerra dos 30 Anos foi recuperado após o conflito: novamente, a fundação da ONU e do sistema ONU é parte disso, assim como outros movimentos que tiveram lugar nas décadas seguintes: o reconhecimento e o repúdio aos crimes do nazismo; o desenvolvimento do Welfare State; o impulso para o desenvolvimento econômico e social; mais importante, a descolonização da África e da Ásia (iniciada em 1947 com a independência da Índia)

o    A Guerra Fria (1947-1991), baseada na disputa entre Estados Unidos e União Soviética, refletindo uma oposição ao mesmo tempo geopolítica e “ideológica”, teve um caráter ambígüo em termos da esperança e do progresso:

§  Por um lado, os países-líderes difundiam a esperança nas próprias perspectivas (limitadas em si mesmas) e degradavam as perspectivas rivais

§  Por outro lado, o aspecto de guerra por procuração entre as superpotências conduziu a uma instabilidade marcada nos países periféricos, que, a partir dos anos 1950, logo se converteu em golpes militares

§  O advento da televisão, da mentalidade “pós-materialista” no Ocidente e de guerras que se tornaram cada vez mais difíceis de serem justificadas (Vietnã para os Estados Unidos, Afeganistão para a União Soviética, mesmo Vietnã para a China) minaram a confiança internacional nas superpotências

o    Alguns outros aspectos podem ser indicados:

§  A reflexão sobre o Holocausto conduziu muitas pessoas a decretarem, pura e simplesmente, que a esperança na Humanidade e que a noção de progresso são ilusões, que devem ser descartadas e substituídas por um severo “realismo” – que, no final das contas e na prática é muito próximo do cinismo

§  Além disso, a partir dos anos 1960 a chamada “contracultura”, que já vinha desde a década anterior, atuou sistematicamente para minar todos os valores do Ocidente, evidenciando o caráter metafísico do seu irracionalismo, do seu amoralismo e da violenta ruptura entre gerações

§  O marxismo manteve sua atuação crítica, por meio de suas inúmeras metamorfoses, pró, anti, cripto ou parassoviéticas, mas todas elas afirmando os aspectos metafísicos dessa filosofia: a luta de classes e a desconfiança social erigida em princípio normativo, a degradação da moral via sua redução a interesses de classes, a rejeição de toda concepção que não seja marxista (ou que não seja da própria seita), o particularismo proletário-marxista – além do culto à violência, presente hipocritamente em Marx e repetido de diversas maneiras em muitas das suas seitas derivadas

-         O fim da Guerra Fria deu novo alento à noção de progresso, mas sua vinculação à metafísica triunfalista do liberalismo dos EUA, somada à crítica metafísica marxista, conduziu a um novo descrédito da noção de progresso e da esperança

-         Nas últimas duas décadas, duas correntes metafísicas têm tido grande sucesso, ambas contrárias à esperança e ao progresso:

o    A metafísica mística do tradicionalismo, altamente retrógrada e vigente, por exemplo, no Leste Europeu e na Rússia

o    A metafísica irracionalista, agressiva e particularista do identitarismo, que se difunde a partir dos Estados Unidos e, graças ao servilismo intelectual próprio às “elites” intelectuais brasileiras, tem tido grande sucesso em nosso país

 

-        A maior parte deste relato foi uma exposição histórica de como a bela idéia do progresso atuou no século XIX e no começo do século XX, mas viu-se combatida e combalida no século XX, com uma seqüência no século XXI

o   Os problemas enfrentados por essa concepção ligam-se, então, a movimentos autoritários, violentos, (ir)racionalistas do começo do século XX, bem como ao impulso irracionalista e crítico de intelectuais, a maior parte dos quais são academicistas

o   Aqui é necessário afirmar com clareza: os hábitos academicistas estimulam a criticidade antiprogressista e antiesperançosa como virtude moral e intelectual, como suposta marca de superioridade intelectual

§  Essa criticidade pode ser vista na metafísica dos marxistas e também na metafísica dos místicos

-        Entretanto, ninguém – ninguém! – vive sem esperança, ao mesmo tempo em que todos – todos! – alimentam noções de progresso

o   A esperança e o progresso são alimentados por todos mesmo que só de maneira implícita, muitas vezes sem que reconheçam (mesmo para si próprios) essas concepções

o   Todos afirmamos a esperança porque todos precisamos considerar que as coisas vão melhorar; assim, essa é uma questão de saúde mental

o   A noção de que as coisas vão melhorar implica, necessariamente, a noção de progresso, isto é, de desenvolvimento e de aperfeiçoamento material, físico, intelectual e moral

o   Só é possível haver progresso a partir das leis naturais, do relativismo, do subjetivismo, do historicismo próprios à Religião da Humanidade

§  Assim, só é possível haver esperança verdadeira nos quadros do Positivismo

-        No século XIX Augusto Comte reconhecia a validade moral, intelectual e mesmo artística das utopias

o   Na verdade, Augusto Comte afirmava mesmo que as utopias são um gênero literário moderno!

o   Nas últimas décadas – talvez desde os anos 1970 – em vez de utopias o que temos são as chamadas “distopias”

o   As “distopias” são idealizações invertidas, em que não se apresentam quadros da boa sociedade, mas das más sociedades

o   As distopias são produzidas por estúdios de cinema e TV que querem ganhar muito dinheiro com a degradação humana e são consumidas avidamente pelo Ocidente e, daí, pelo resto do mundo

§  Deveria ser evidente – mas a indústria cultural finge que não é – que as distopias alimentam o cinismo, a desconfiança, o isolamento, o egoísmo, o irracionalismo, o imoralismo

o   Assim, é necessário – com urgência e convicção – deixarmos de lado as degradantes "distopias", que no final servem apenas para a “indústria cultural capitalista”, e retomarmos as utopias

o   A retomada das utopias vincula-se intimamente à retomada das noções de esperança e de progresso

§  A retomada dessas noções fará bem para a saúde mental de cada um de nós; dará uma destinação social e altruísta clara para cada um nós; permitirá que os urgentes problemas sociais que vivemos sejam solucionados (ou, pelo menos, encaminhados)