Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
30 julho 2024
Moysés Westphalen: "Fracassada política indigenista do Brasil"
20 abril 2022
Curso livre de política positiva: roteiro da 7ª sessão
Reproduzo abaixo o roteiro da sétima sessão do Curso livre de política positiva, ocorrida no dia 19 de abril, transmitida no canal Positivismo (disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=3QBrKCCTzWg) ou no próprio canal Apostolado Positivista (disponível aqui: https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/512358580496069). Nessa seção, abordei a teoria positiva do governo, em particular do poder Temporal; também o Dia do Índia e o grande Marechal Rondon, bem como o grande Tiradentes.
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Súmula
Sociologia Estática V: teoria do governo: o poder Temporal
Roteiro
- Pequena homenagem ao Dia do Índio e a Rondon (19 de Abril) e a Tiradentes (21 de Abril)
- Teoria do governo:
o Augusto Comte observa que a Estática Social sofre profundas perturbações nesta época de crise revolucionária: a família, a propriedade – e o governo
o Princípio fundamental: não existe sociedade sem governo, assim como não existe governo sem sociedade
§ A função do governo é coordenar os esforços coletivos
o Há dois tipos de “governo”, o temporal e o espiritual
§ O poder temporal é responsável pela ordem civil à é prático e impositivo
§ O poder espiritual é responsável pela ordem moral à é teórico e baseia-se no livre assentimento, nas idéias e nos valores
§ Nesta seção abordaremos o poder Temporal
o A teoria do poder Temporal baseia-se em dois princípios fundamentais:
§ Princípio de Aristóteles: toda sociedade consiste na divisão dos ofícios e na convergência dos esforços à a parte do governo corresponde, precisamente, à convergência dos esforços
§ Princípio de Hobbes: o fundamento da poder é a força
· Vale lembrar que o poder não é algo que se possui, mas algo que se “constitui”; ele é uma relação social, não um objeto
§ Toda sociedade é constituída por famílias, classes sociais, igrejas, associações etc.: mas é poder Temporal que organiza, que impõe a ordem, que estrutura a sociedade (seja porque impõe a ordem, seja porque realiza as grandes aspirações sociais, seja porque impõe as leis)
· Assim, torna-se claro o sentido de estruturador da polity próprio ao poder Temporal
o Distinção entre poder Temporal e pátrias:
§ A teoria do poder Temporal corresponde à teoria dos fundamentos e da organização do poder, ou melhor, do “Estado”
§ A teoria das pátrias, ou melhor, das mátrias corresponde à teoria das unidades políticas concretas, em porções geográficas determinadas e nas quais interagem os dois poderes (Temporal e Espiritual) e os vários elementos da sociedade (Estado e sociedade civil, classes sociais, famílias e indivíduos)
o A teologia estabelece o governo absoluto baseado na vontade indiscutível do rei como representante da divindade; em contraposição a isso, conforme o seu caráter crítico, de transição e de rejeição da teologia, a metafísica erige o absoluto do “povo” em contraposição ao absoluto divino
§ Assim, a sociocracia (ou melhor, a república sociocrática) deve suceder a monarquia teocrática e a democracia metafísica
o A teoria do governo baseia-se tanto em necessidades sociais bastante claras quanto também, mas de maneira à primeira vista menos evidente, em características morais – em particular, na veneração
§ Os problemas vinculados ao governo, atualmente, têm a ver com a revolta contra a subordinação
· Por um lado, portanto, isso não deixa de ser uma questão de orgulho
· Por outro lado, há as dificuldades relativas à dignidade dos cidadãos
§ O poder exercido de maneira despótica, à parte a manifestação de orgulho individual e de egoísmo coletivo, é justificado e legitimado nas concepções teológicas, que são absolutas
· “As ordens indiscutíveis associam-se às concepções indemonstráveis”
· Já as tiranias contemporâneas são tirânicas porque não entendem o caráter relativo do governo na sociedade industrial e querem agir pautadas por princípios e concepções teológicas ou metafísicas – ou seja, concepções absolutas
· Em outras palavras: para evitar e impedir as tiranias, é necessário ao mesmo tempo adotar plenamente o relativismo positivo e afastar e recusar o absolutismo
§ O problema, então, é duplo: os governantes têm que entender que os cidadãos são cidadãos (citizens, citoyens), não súditos (subjects, sujets) nem escravos; os cidadãos têm que respeitar os governantes
· Há aqui a necessidade imperiosa de consagrar para regular
· A metafísica transforma em permanente uma situação puramente transitória e excepcional – qual seja, a revolta contra o poder (no caso das tiranias)
o A limitação do governo é dada principalmente pela opinião pública
§ A constituição, a organização e a expressão da opinião pública cabem ao poder Espiritual
§ A atuação da opinião pública exige, evidentemente, as liberdades fundamentais
§ As liberdades de consciência e de expressão são a garantia contra toda tirania
Curso livre de política positiva: vídeo da 7ª sessão
10 maio 2021
Roteiro da exposição sobre o quinto mês dos calendários positivistas (César e Fraternidade)
O vídeo do roteiro abaixo encontra-se disponível aqui.
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- 5º mês do calendário positivista concreto
o Considerando o ano júlio-gregoriano de 2021, o mês de César começa em 23 de abril e termina em 20 de maio
o O quinto mês concreto representa a civilização militar
§ É o quinto mês da Antigüidade
§ Ele é antecedido por Moisés (a teocracia inicial), Homero (a poesia antiga), Aristóteles (a filosofia antiga) e Arquimedes (a ciência antiga), sendo o derradeiro mês da Antigüidade
- César é referido duas vezes nos calendários positivistas:
o Sendo o titular do quinto mês do calendário concreto;
o Sendo celebrado na quarta semana do oitavo mês do calendário abstrato, dedicada ao politeísmo social (Catecismo, p. 477); César está associado a Cipião, o Africano, e a Trajano
o Além de ser homenageado como o titular do quinto mês do ano no calendário concreto, César também é homenageado como o titular do terceiro dos dias das semanas, conforme esta tabela:
Dias portugueses |
Segunda-f. |
Terça-f. |
Quarta-f. |
Quinta-f. |
Sexta-f. |
Sábado |
Domingo |
Dias positivistas |
Lunedia |
Martedia |
Mercuridia |
Jovedia |
Venerdia |
Sábado |
Domingo |
Consagração histórica |
Homero |
Aristóteles |
César |
São Paulo |
Carlos Magno |
Dante |
Descartes |
Nota:
os “dias positivistas” correspondem à proposta de Miguel Lemos de tradução para
o português das palavras correspondentes aos nomes dos dias da semana em espanhol
(lunes, martes...), italiano (lunedi,
martedì...) e francês (lundi, mardi...) (e mesmo em romeno: luni,
martì...).
- Evidentemente todos os meses dos calendários positivistas apresentam aspectos históricos e sociológicos bem claros, mas no caso do mês de César isso é bastante marcado
o Em primeiro lugar, tanto a Grécia quanto Roma são caracterizadas como “politeísmos progressivos” (em contraposição às teocracias, que eram “politeísmos conservadores”) (Catecismo, p. 406-407)
§ Esses politeísmos greco-romanos viram a afirmação dos guerreiros ocorrer bastante cedo, de tal sorte que foram “teocracias abortadas”, na medida em que os sacerdócios não conseguiram verdadeiramente se sobrepor aos guerreiros
§ Ainda assim, todo o conjunto das sociedades gregas e romana apresentam claramente as heranças sociais, políticas, intelectuais de teocracias anteriores, em uma evidente demonstração de continuidade histórica
o Embora o mês de César seja dedicado à “civilização militar”, notavelmente o que menos importa aí é a celebração das guerras em si e mais o caráter social que as guerras de conquista, especialmente as empreendidas por Roma, assumiram: a frase de ninguém menos que Júlio César ilustra com perfeição esse programa: “fazemos a guerra para levar os hábitos da paz”
o As guerras de Roma constituíram paulatinamente uma grande região de paz ao redor do Mar Mediterrâneo; assim, embora as guerras por definição sejam atividades violentas e destruidoras, a atividade romana ultrapassou largamente esse aspecto daninho e permitiu o desenvolvimento da atividade pacífica, com a produção da riqueza em bases industriais (embora, sem dúvida, o trabalho escravo e a falta de conhecimentos técnico-científicos tenham entravado muito isso)
§ as guerras de conquista de Roma permitiram a disseminação e a manutenção do conhecimento grego, regularizaram a atividade cívica e criaram as condições sociais e intelectuais para um esforço de disciplinamento moral (por meio do monoteísmo católico)
o Se dividimos a existência de Roma em duas metades, uma vinculada à República e outra ao Império, vemos com facilidade que a primeira corresponde às guerras de conquista, ou seja, à expansão do território, enquanto a segunda metade corresponde à manutenção do território e a guerras que cada vez mais foram defensivas:
§ vale notar que, herdeiro das tradições populares das guerras sociais de Roma, ocorridas no século II aec, a figura pessoal de Júlio César estabelece o vínculo e a transição entre as duas etapas, com a conclusão das guerras de conquista (no caso, a Gália transalpina) e o estabelecimento de facto do império e a submissão do Senado
§ em outras palavras, a ação romana corresponde à realização ou ao vislumbre de realização de duas das três leis dos três estados:
· a lei dos sentimentos: após os sentimentos humanos mais amplos limitarem-se às famílias e às cidades, com Roma aponta-se com clareza para a concepção de Humanidade
· a lei da atividade: após as guerras de conquista concluírem-se passou-se às guerras de defesa e ao estímulo da atividade pacífica e industrial
§ apesar de Roma ser o maior prenunciador da sociocracia, na evolução humana faltavam-lhe, todavia, alguns aspectos centrais: (1) o desenvolvimento direto da regulação moral (reservada à Idade Média), (2) a extensão da lei intelectual dos três estados a todas as ciências (limitada então à Matemática, à Astronomia e a rudimentos das demais ciências – e tudo isso apenas no âmbito estático e não no dinâmico), (3) a emancipação dos trabalhadores e das mulheres (também reservadas à Idade Média) e (4) a elaboração final da síntese subjetiva (reservada ao Positivismo, após todos os passos anteriores realizarem-se)
· César e Trajano deixaram claro o pressentimento que os romanos tinham da atividade plenamente pacífica e da fé demonstrável (Catecismo, p. 429)
§ O desenvolvimento parcial dos elementos da natureza humana foi necessário; caso ele ocorresse todo ao mesmo tempo, ou caso houvesse então a regulação total da natureza humana (sem o desenvolvimento prévio de seus elementos), ter-se-ia o (r)estabelecimento das teocracias (Catecismo, p. 409)
· A inteligência tinha que ser o primeiro elemento a desenvolver-se e os sentimentos, o último: caso a atividade prática desenvolvesse-se antes da inteligência, a convergência forçada da guerra conquistadora constrangeria a liberdade intelectual; por outro lado, como os sentimentos têm seus contatos com a realidade externa por meio da inteligência e da atividade, eles tinham que ser desenvolvidos após o desenvolvimento preliminar da inteligência e da atividade
· Além disso, com a cessação das guerras de conquista, os destinos coletivos perderam sua orientação, o que evidenciou a possibilidade e a necessidade de uma regulação mais ampla, abrindo então o caminho para o surgimento do catolicismo como proposta de religião universal
o Também é digno de nota que o civismo e o bom senso romanos consideraram durante muitos séculos o catolicismo como retrógrado e imoral, com sua crença irracional, seu culto da morte, sua negação da vida em sociedade, seu fortíssimo egoísmo (Catecismo, p. 417)
o As guerras e as atividades de Roma foram em tudo superiores às da Grécia:
§ subordinavam a inteligência à ação e valorizavam a vida ativa, em vez de subordinar a ação à inteligência e valorizar a inação
§ exigiam o concurso de todos os cidadãos e de todas as famílias (em uma ação socialmente homogênea), permitindo que a condução das guerras de conquista corrigisse espontaneamente os defeitos teocrático-aristocráticos do Senado e afirmando, no Império, o vínculo entre os líderes e o povo; já a Grécia apresentou o espetáculo de massas sociais submetidas a relativamente poucos indivíduos realmente notáveis e responsáveis pelo progresso humano (no máximo 100 nomes dignos de recordação)
§ foram guerras verdadeiramente de conquista, após momentos de conflito concentrado em um adversário temível (Cartago) e hesitações no papel de árbitro do Mediterrâneo (na Grécia), em vez de serem guerras intestinas que serviram apenas para enfraquecer as cidades e expô-las à dominação estrangeira
§ apesar de serem os conquistadores da Grécia, os romanos sempre valorizaram a herança grega, isto é, o conquistador político-militar submeteu-se intelectualmente ao vencido; de modo geral, os romanos eram muito abertos a influências convergentes e assimiláveis dos povos vencidos
§ embora sem ser vinculada às guerras em si, em Roma foi criada a hereditariedade sociocrática, em vez da hereditariedade teocrática (vinculada ao sangue) e das eleições democrático-metafísicas
- A atividade guerreira é mais facilmente disciplinável que a atividade industrial, pois os chefes são mais claramente identificáveis, a disciplina é mais clara e mais direta e os objetivos também são mais facilmente determináveis; além disso, a subordinação do egoísmo individual aos objetivos coletivos também é mais clara, fácil e direta
o Em contraposição, a atividade industrial é mais indireta e menos evidente, permitindo que chefes medíocres e/ou mesquinhos tenham o poder, os objetivos coletivos da ação individual são disfarçados pela divisão do trabalho, a subordinação é mais complicada e, devido a uma herança degradada da tradição militar, o mando é exercido inicialmente de maneira despótica
o Importa notar que o elogio que Augusto Comte faz da atividade militar ao tratar de Roma não equivale, de maneira nenhuma, ao elogio dessa atividade nos dias atuais, como afirmou com má-fé indescritível o historiador paulista Sérgio Buarque de Hollanda (cf. os meus livros Laicidade na I República e Comtianas brasileiras, ambos publicados pela editora Appris)
- O mês e as semanas do mês de César correspondem ao seguinte:
o César – corresponde à guerra sistematizada e em seu estágio conquistador final, que encerra o ciclo de conquistas e estabelece a paz universal (na medida do possível); também indica a preeminência das preocupações sociais (e populares) e a subordinação da inteligência às preocupações sociais
o Temístocles – representa os esforços ocidentais, principalmente gregos, para manter a independência política do politeísmo progressivo em relação a uma teocracia conservadora já retrógrada (a persa), como condição da liberdade intelectual ocidental
o Alexandre – corresponde a uma tentativa, ocorrida no seio da própria Grécia, de estabelecer um império grande o suficiente capaz de encerrar o ciclo de conquistas militares; adicionalmente, Alexandre corresponde à vitória grega final sobre os persas; além disso, o efêmero império alexandrino teve o mérito de disseminar pelo Mediterrâneo oriental, pela Ásia Menor e por partes da Ásia Central a cultura grega, no chamado “helenismo”
o Cipião, o Africano – corresponde aos esforços romanos para constituir, exitosamente, o seu império, desde o início da República (século VI aec) até o início das crises sociais (século II aec), em que as guerras púnicas (isto é, contra Cartago) ocupam um papel de destaque; as virtudes cívicas mais proeminentes estão representadas aí, bem como há espaço mesmo para cartagineses (Aníbal) e para líderes populares nas disputas sociais (Mário e os irmãos Gracos)
o Trajano – apresenta os grandes imperadores do século II, que, escolhidos de acordo com a hereditariedade sociocrática, indicam o apogeu do império, com sua máxima extensão, seu máximo brilho e sua máxima força (na chamada “dinastia” nervo-antonina, que compreende os imperadores que vão de Nerva até Cômodo), além de auxiliares, juristas e alguns outros imperadores
Parte II – Mês abstrato: a fraternidade
- O quinto mês do calendário positivista abstrato celebra a fraternidade
o É o quarto mês que celebra os laços fundamentais, em número de cinco: casamento, paternidade, filiação, fraternidade e domesticidade
o A fraternidade corresponde ao laço que liga no âmbito doméstico os filhos entre si, em que se desenvolvem e sistematizam os vínculos entre os iguais em força, os da mesma geração e os iguais em relações hierárquicas
o Enquanto os meses da paternidade e da filiação referem-se a relações entre antepassados e descendentes, instituindo a continuidade humana, a fraternidade estabelece a relação entre indivíduos de uma mesma geração (ou, de modo geral, da mesma época), instituindo a solidariedade humana
- São quatro as modalidades determinadas por nosso mestre na filiação, com as respectivas festas semanais; elas vão das mais completas, fortes e íntimas para as mais incompletas e fracas:
1) Natural – são os laços completos e por vezes involuntários que ligam entre si os irmãos, mas em todo caso sendo laços de origem biológica
2) Artificial – são os laços criados pelos pais entre seus filhos, por meio das adoções
3) Espiritual – são os laços de apoio principalmente moral, mas também intelectual e artístico
4) Temporal – são os laços de apoio material (econômico e político)
Parte III – Comemorações de aniversários e feriados cívicos
- Em termos de aniversários, comemoramos neste mês as seguintes figuras:
o Fundação da Igreja Positivista do Brasil (1881) (19.César – 11.maio)
o Jean-François E. Robinet (1825-1899) – nascimento (2.César – 24.abr.)
o Jorge Lagarrigue (1854-1894) – morte (12.César – 4.maio)
o Cândido Rondon (1865-1958) – nascimento (13.César – 5.maio)
o Luís Lagarrigue (1864-1949) – nascimento (24.César – 16.maio)
o Marco Aurélio (121-180) – 1900 anos de nascimento (25.César – 17.maio)
o Dia do Trabalho (9.César – 1° de maio)
o União das Raças (1888) (21.César – 13.maio)
Referências bibliográficas
Augusto Comte: Sistema de filosofia positiva, Sistema de política positiva, Catecismo positivista, Síntese subjetiva
Frederic Harrison: O novo calendário dos grandes homens
Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte
Pierre Laffitte: Les Grands types de
l’Humanité, v. II
David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos, v. 3
Ângelo Torres: Calendário Filosófico
Gustavo Biscaia de Lacerda: Comtianas brasileiras e Laicidade na I República
21 fevereiro 2021
Roteiro da exposição sobre o primeiro mês dos calendários positivistas (Moisés e Humanidade)
O vídeo da exposição abaixo encontra-se disponível aqui.
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Roteiro da exposição sobre o primeiro mês
dos calendários positivistas
Parte I – Mês concreto: Moisés
- 1º mês do calendário positivista concreto
o Considerando o ano júlio-gregoriano de 2021, o mês de Moisés começa em 1º de janeiro e termina em 28 de janeiro
o O primeiro mês concreto representa a teocracia inicial
§ É o primeiro mês da Antigüidade
§ Representa a Antigüidade mais recuada no tempo, comum a todas as grandes civilizações
§ Os outros quatro meses da Antigüidade (Homero, Aristóteles, Arquimedes, César) indicam já a transição própria ao Ocidente e, na verdade, a desagregação e a reação às teocracias ocorridas especificamente no Ocidente (desagregação da arte, da filosofia e da ciência e, depois, reação guerreira aos sacerdotes)
- As características da teocracia inicial são as seguintes:
o é o regime próprio às grandes civilizações sedentárias
o são próprias ao politeísmo, a partir da sedentarização dos povos nômades e da conseqüente abstração dos fetiches em direção à concepção das divindades, passando pela astrolatria
§ há três importantes exceções nas teocracias em relação ao politeísmo: duas que vão para a frente (a teocracia monoteísta judaica, iniciada por Moisés, e, a partir dela, a teocracia islâmica) e outra que fica atrás (a civilização chinesa, que se baseia no fetichismo do culto ao Sol, à Lua, ao meio ambiente e aos antepassados)
o as teocracias são regimes que regulam o conjunto da existência humana, isto é, regulam ao mesmo tempo os sentimentos (via culto), a atividade prática (via regime) e a inteligência (via dogma)
§ os conhecimentos humanos são relativamente poucos aí, mas a necessidade de regular a existência humana já se impunha com grande clareza; para garantir essa regulação, os sacerdotes dominavam a sociedade e, em particular, os guerreiros
§ o trabalho era realizado por famílias especializadas, que transmitiam as funções e os conhecimentos para seus descendentes; a partir disso, constituíam-se as castas
§ ocorria um efetivo desenvolvimento técnico e do conhecimento, mas de maneira muito lenta; esses conhecimentos eram regulados pelos sacerdotes e, de qualquer maneira, eram objeto do mais cuidadoso segredo (reservado apenas aos iniciados)
§ assim, as teocracias eram conservadoras; a fim de evitar a ação progressista (e dissolvente) dos guerreiros, os sacerdotes ordenavam expedições militares distantes, com a fundação eventual de colônias autônomas (igualmente distantes)
§ ainda assim, as teocracias ruíam por fim, quando os guerreiros (autóctones ou estrangeiros) suplantavam os sacerdotes – mesmo que isso ocorresse ao cabo de milênios
§ Vale notar que as teocracias, ao regularem a vida humana, estabeleceram os calendários, estabelecendo o dia (rotação da Terra) como unidade de contagem e os anos (translação da Terra), com as semanas e os meses como unidades intermediárias
§ Tudo isso foi aceito como objetivo, embora seja largamente subjetivo; essa metafísica objetivista mantém-se até hoje, a despeito das observações de Augusto Comte
o Augusto Comte considera as várias teocracias existentes ao longo da história, como a do bramanismo, dos povos pré-colombianos, a persa, a cananeica etc.; no caso da marcha ocidental, ele observa que o Egito é a grande teocracia originária
§ as teocracias eram mantidas pelos sacerdócios, isto é, pelos colégios sacerdotais; isso dificulta a identificação de nomes particulares
§ ao mesmo tempo, a teocracia judaica, ainda que tenha tido uma importância secundária no conjunto da evolução ocidental, permite a identificação de vários nomes e, em particular, do seu fundador: Moisés
§ os dois motivos acima levaram Augusto Comte a selecionar um nome de um monoteísmo para caracterizar uma instituição que era essencialmente politeísta
- O mês e as semanas do mês de Moisés correspondem ao seguinte:
o Moisés – é o primeiro nome que consegue representar uma teocracia (embora ele mesmo tenha instituído uma teocracia monoteísta, contrária ao caráter geral das teocracias iniciais, próprias ao politeísmo)
o Numa – reúne tipos mitológicos e lendários que caracterizam as teocracias abortadas próprias à marcha ocidental, isto é, a regimes em que os guerreiros impediram o ascendente sacerdotal
o Buda – são os fundadores de religiões ou de teocracias orientais (com exceção da China e do Japão)
o Confúcio – são os sacerdotes das teocracias que se mantêm ou que se mantiveram até há (relativamente) pouco tempo (China, Japão, incas, Havaí) e que mantiveram características fortemente fetichistas
o Maomé – as teocracias monoteístas, em particular a judaica e a islâmica
Parte II – Mês abstrato: a Humanidade
- O primeiro mês do calendário positivista abstrato celebra a Humanidade, nosso Grão-Ser
o Devido à sua importância, evidentemente é o primeiro mês do ano
- A Humanidade, para ser adorada, tem que ser conhecida; mas a sua existência em si mesma não está em questão (como no caso da divindade teológica); assim, em termos de organização da Religião da Humanidade, a definição e as características do Grão-Ser positivo são apresentadas para que, logo em seguida, tenhamos a exposição do culto, do dogma e do regime
o Essa é a seqüência seguida por Augusto Comte no Catecismo positivista, embora nosso mestre tenha inicialmente seguido a ordem própria à teologia, ou seja, pondo o dogma antes de tudo (devido a um respeito então inconseqüente pelos antecedentes teológicos e também à preferência preliminar pela inteligência)
o É importante lembrar que a Humanidade tem que ser adorada, mas também que recebemos dela nossas idéias, nossas possibilidades de ação, nosso capital e, claro, nossos sentimentos
§ Em outras palavras, a Humanidade é objeto e instrumento de veneração, conhecimento e ação
§ Nós adoramos a Humanidade para melhor servi-la, aperfeiçoando-nos (p. 84 do Catecismo)
§ Augusto Comte observa que o serviço à Humanidade e a busca do aperfeiçoamento (pessoal e coletivo) são partes constituintes e importantes das relações que os seres humanos mantêm com o Grão-Ser; vale notar isso para evitar o misticismo causado pelo exclusivo culto dos sentimentos
§ A Humanidade é idealizada pelo culto, que liga o dogma ao regime
- A definição da Humanidade é importantíssima, portanto; no Catecismo positivista, Augusto Comte apresenta os traços dela em várias conferências, embora o grosso dos seus comentários concentre-se na primeira:
o Antes de mais nada, nosso Grão-Ser é real e é eterno (bem entendido: eterno enquanto durar o ser humano)
o A Humanidade é um ser composto, não é unitário: isso quer dizer que a Humanidade é formada pelo conjunto de seres humanos, em termos subjetivos e objetivos
§ Em contraposição, as divindades são sempre unitárias
§ A Humanidade é o conjunto dos seres convergentes passados, futuros e presentes à os seres passados e futuros são duas massas crescentes e subjetivas; os seres presentes são objetivos
§ A Humanidade recusa os parasitas (aqueles que, após a infância, somente consumem, sem nunca retribuir nada) e os puramente negativos, mas inclui os animais (por exemplo, os cachorros)
§ As massas subjetivas correspondem à continuidade humana (que é afirmada e regulada pelo sacerdócio), ao passo que a massa objetiva corresponde à solidariedade à é importante notar que a Humanidade é cada vez mais e sempre o conjunto subjetivo e, portanto, ela é muito mais a continuidade que a solidariedade à “os vivos são sempre e cada vez mais, necessariamente, governados pelos mortos”
§ A convergência na subjetividade, claramente, é muito mais fácil e muito superior que a da objetividade à cada um dos indivíduos vivos convergentes é um agente da Humanidade; sem eles não há Humanidade, seja porque são os vivos que mantêm e aumentam as riquezas, seja porque são os vivos que mantêm na memória os mortos e consideram os seres futuros
§ O Positivismo afirma a importância, a validade, a positividade dos mortos, que nos fornecem nossos valores, nossas idéias, nossas famílias, nossas riquezas à assim, o Positivismo rejeita como antissociológica e imoral a afirmação marxista de que as gerações passadas oprimem os vivos
o Os seres humanos vivos não têm nunca a certeza de que serão incorporados subjetivamente à Humanidade
§ Raríssimos são os seres humanos absolutamente indispensáveis e que em vida podem ser julgados como se incorporando à Humanidade
§ A incorporação subjetiva à Humanidade é uma esperança individual, que nos conduz ao mesmo tempo à convergência e à humildade
§ Tudo devemos à Humanidade e todas as nossas ações referem-se a ela (quer queiramos, quer não queiramos; quer saibamos, quer não saibamos)
o A Humanidade é semelhante ao homem, isto é, nosso Grão-Ser tem a mesma natureza que o ser humano
§ Ao contrário da teologia, na qual as divindades consideram os homens ínfimos e desnecessários, a Humanidade não considera os seres humanos nem desprezíveis nem inúteis: na medida em que somos (e podemos ser) convergentes, cada um de nós é necessário para o verdadeiro Grão-Ser (p. 77 do Catecismo)
o O culto, o dogma e o regime permitem que conceito de Humanidade resuma as ordens humana e exterior à ele afirma o amor (ordem humana) e consolida a fé (ordem exterior)
§ É fundamental lembrar que o amor, que é a base do Positivismo, é o único sentimento que permite de fato unir os indivíduos
- A Humanidade será sempre simbolizada por u’a mulher
o Essa mulher deve ter cerca de 30 anos, segurando em seu colo uma criança recém-nascida ou um bebê (o futuro)
o No culto privado reverenciamos as personificações mais próximas da Humanidade, que são as mulheres próximas a nós: mães, esposas, filhas, irmãs
- Por fim: a Humanidade substitui a divindade teológica, reconhecendo seus serviços (necessariamente passados)
- São quatro os laços inferiores à Humanidade celebrados nas semanas do mês:
o Do primeiro ao último, há uma diminuição da extensão territorial e um aumento da intimidade:
1) religioso – o único universal
2) histórico – relativo aos vínculos que já não existem mais
3) político (ou cívico) – é aquele em que cada um de nós vive e trabalha
4) comunal – são os vínculos mais próximos e acima da família
Parte III – Comemorações de aniversários e feriados cívicos
- Em termos de aniversários, comemoramos neste mês as seguintes figuras:
o Festa da Humanidade – 1º de Moisés (1º de janeiro)
o Augusto Comte (1798-1857) – nascimento (19.Moisés – 19 de janeiro)
o
Pierre
Laffitte (1823-1903) – morte (4.Moisés – 4.jan.)
o Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927) – nascimento (5.Moisés – 5.jan.)
o
Frederic
Harrison (1831-1923) – morte (14.Moisés – 14.jan.)
o
Cândido
Rondon (1865-1958) – morte (19.Moisés – 19.jan.)
o
Benjamin
Constant (1836-1891) – morte (22.Moisés – 22.jan.)
o Rosália Boyer (1764-1837) – nascimento (28.Moisés – 28.jan.)
o Teófilo Braga (1843-1924) – morte (28.Moisés – 28.jan.)
Referências bibliográficas
Augusto Comte: Sistema de filosofia positiva, Sistema de política positiva, Catecismo positivista, Síntese subjetiva
Frederic Harrison: O novo calendário dos grandes homens
Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte
Raimundo Teixeira Mendes: Calendário positivista – precedido de indicações sumárias sobre a teoria positiva do calendário (1899)
David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos, v. 1
Ângelo Torres: Calendário Filosófico
Comité des travaux historiques et scientifiques: Sociétés savantes de France