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06 fevereiro 2024

Sobre inter, multi e transdisciplinaridade - parte 2

No dia 9 de Homero de 170 (6.2.2024) realizamos nossa prédica positiva. Na ocasião concluímos a leitura comentada da nona conferência do Catecismo positivista, dedicada ao conjunto do regime.

Na parte do sermão, demos seqüência e concluímos o tema da inter, da multi e da transdisciplinaridade, iniciada na semana anterior (ver aqui: https://l1nq.com/XKHSg).

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/2Ih0J) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/i9V7F). O sermão começou em 1h 07 min 10 s.

As anotações que serviram de base para a exposição oral do sermão encontram-se reproduzidas abaixo.

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Sobre inter, multi e transdisciplinaridade – parte 2

 

-        Na prédica da semana passada (2.Homero.170/30.1.2024) abordamos a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a transdisciplinaridade

o   A exposição foi longa, mas, como indicamos em seus momentos finais, esteve longe de esgotar o tema

o   Indicamos alguns temas que não seriam abordados então, por falta de tempo; em seguida, concluímos apresentando algumas considerações gerais

o   Eis as considerações gerais:

§  As propostas de inter, multi e transdisciplinaridade surgem a partir das especializações científicas e, ainda mais, das especializações acadêmicas

·         Essas propostas muitas vezes são generosas e corretas, ainda que apresentem limitações e sejam também muitas vezes eivadas de incoerências

·         Em última análise, o que fundamenta as propostas de inter, multi e transdisciplinaridade é a afirmação cada vez mais ampla da visão de conjunto e a busca de uma síntese humana – que, todavia, na prática são negadas pelos próprios cultores da inter, da multi e da transdisciplinaridade

§  O Positivismo é uma filosofia que claramente, desde o início, com todas as letras constituiu-se a partir da visão de conjunto; a partir disso ele elaborou uma filosofia histórica das ciências e, ao mesmo tempo, criou a Sociologia

·         A compreensão de que as ciências abstratas fundamentais devem ter suas dignidades respeitadas mas que, ao mesmo tempo, elas são insuficientes para a síntese e a unidade humanas levou Augusto Comte a dividir a etapa intelectual do espírito positivo em duas novas fases sucessivas: uma analítica, mais cientificista, e outra sintética, de caráter necessariamente filosófico

·         É claro que a etapa sintético-filosófica é superior à etapa analítico-cientificista

§  O aprofundamento progressivo da visão de conjunto e o evidenciamento dos seus aspectos morais conduziram Augusto Comte a criar a ciência da Moral e, entendendo a importância e a necessidade da síntese positiva e da unidade humana, a criar a Religião da Humanidade, epítome de todas essas exigências

o   Eis os temas que indicamos que ainda caberiam ser abordados no âmbito das reflexões sobre interdisciplinaridade:

§  A falsa esperança das chamadas “ciências concretas”, que, no fundo, é o que fundamenta muitas das propostas de multidisciplinaridade

§  A relação entre a síntese subjetiva e as ciências abstratas, ou, dito de outra forma, a relação entre as perspectivas analíticas abstratas e a síntese concreta

§  Além disso, embora eu não tenha citado ao longo desta exposição, vale notar que a Trindade Positiva integra os elementos próprios à síntese positiva e que, nesse sentido (bem pobre, aliás), ela integraria uma transdisciplinaridade positivista

§  Da mesma forma, a Religião da Humanidade pode e deve ser entendida como um conjunto de indicações, sugestões, orientações e prescrições visando a regular e a lidar com os problemas afetivos, intelectuais e práticos da inter, da multi e, principalmente, da transdisciplinaridade

-        Sem buscar exaurir essas questões, tratemos, então, de cada um dos temas acima

-        Comecemos com dois aspectos que podem ser tratados em conjunto: (1) a falsa esperança das chamadas “ciências concretas”, que, no fundo, é o que fundamenta muitas das propostas de multidisciplinaridade; (2) a relação entre a síntese subjetiva e as ciências abstratas, ou, dito de outra forma, a relação entre as perspectivas analíticas abstratas e a síntese concreta

o   A idéia das ciências concretas é algo um pouco difícil de entender à primeira vista

o   O que as “ciências concretas” propõem são leis naturais de fenômenos considerados do ponto de vista concreto

§  Assim, a mineralogia, a meteorologia etc. procuram distinguir-se das ciências abstratas (a matemática, a astronomia, a física e a química, por exemplo) ao proporem suas próprias leis, isto é, seus princípios abstratos de coexistência e/ou de sucessão

o   As relações entre as ciências abstratas e as ciências concretas tornam-se bastante confusas, dessa forma; mais do que isso, a noção de ciência torna-se confusa

o   Uma consideração abstrata é aquela que considera alguma realidade e tira dessa realidade sucessivos aspectos; o nível máximo de abstração é o da matemática, que, não por acaso, considera os fenômenos mais simples (sucessivamente, do número, da extensão e do movimento)

§  As considerações abstratas passam dos agentes e dos acontecimentos (ou dos “fatos”) para os fenômenos

§  É importante lembrar que as sete ciências fundamentais são sete graus de abstração, relativos a sete tipos diferentes de objetos

§  Essas sete ciências são irredutíveis umas às outras, o que equivale a dizer que não existe nenhuma lei objetiva que explique toda a realidade

·         Por outro lado, a síntese, isto é, a reunião dessas concepções todas em um único esquema – a síntese é necessariamente subjetiva, isto é, relativa ao sujeito, ao ser humano

§  No âmbito da síntese subjetiva, a relação entre as ciências fundamentais é dada pela fórmula: “os fenômenos mais nobres modificam os mais grosseiros subordinando-se a eles”

o   Uma consideração concreta é aquela que considera os agentes e/ou os fenômenos, na totalidade real

o   Dessa forma, a consideração abstrata é sempre analítica, ao passo que a concreta é sempre sintética

o   A idéia de ciência concreta, portanto, é contraditória com a idéia de ciência, seja devido à falta de abstração (ou à abstração confusa), seja devido ao seu caráter sintético

o   Augusto Comte considerava as ciências concretas tanto impossíveis quanto desnecessárias

§  O aspecto da impossibilidade consiste no que comentamos há pouco sobre os problemas de abstração e de análise/síntese

§  O aspecto da desnecessidade aborda outra consideração: as ciências concretas complicam demais a síntese positiva, sem que isso se reverta em maior e/ou melhor compreensão do mundo e do ser humano

o   Augusto Comte reconhecia que, evidentemente, é possível obter padrões e regras nas “ciências concretas”; mas tais padrões e regras são puramente empíricos e não abstratos; nesse sentido, eles têm aspectos mais descritivos (relações de itens ou fases, com suas características específicas) que explicativos (relações entre fenômenos, em termos de coexistência e/ou sucessão)

§  As explicações no âmbito do que seriam as “ciências concretas” dar-se-iam da seguinte maneira:

·         Combinação de explicações abstratas, em “camadas”, mais as regras empíricas de cada área

o   A multidisciplinaridade de modo geral considera questões concretas; as demandas de explicações “multidisciplinares” retomam, sob uma outra roupagem, a concepção de “ciências concretas”

-        O próximo tema é que a Trindade Positiva integra os elementos próprios à síntese positiva e, nesse sentido (bem pobre, aliás), ela integraria uma transdisciplinaridade positivista

o   Antes de mais nada: a Trindade Positiva integraria de maneira pobre uma transdisciplinaridade positivista não porque não seja possível estabelecer de maneira plena essa transdisciplinaridade, mas porque a referência à transdisciplinaridade na verdade empobrece a concepção da Trindade Positiva e, de modo mais amplo, a própria Religião da Humanidade

o   A Trindade Positiva é composta pelo Grande Meio (o Espaço), pelo Grande Fetiche (a Terra) e pelo Grande Ser (a Humanidade)

§  O Grande Meio é o mais abstrato; ele é dotado de sentimentos, mas não de ação nem de inteligência

·         É no Espaço, em particular, que se desenrolam as leis da Filosofia Primeira

·         No Espaço vemos ocorrerem as leis da Matemática até a Biologia

§  O Grande Fetiche é dotado de sentimentos e de ação, mas não de inteligência

·         A Terra apresenta um grau intermediário de concretude e de complexidade

·         Na Terra nós vemos aplicarem-se as leis da Matemática à Biologia

§  O Grande Ser é dotado de sentimentos, de ação e de inteligência; a inteligência confere-lhe a intencionalidade

·         Sem deixar de ser abstrato, o Grande Ser é o integrante da Trindade Positiva que apresenta maior concretude

·         A Humanidade apresenta as leis superiores, das ciências sagradas, isto é, da Sociologia e da Moral

o   Como vemos, do Grande Meio ao Grande Ser há um aumento de concretude e também de “complexidade”; além disso, a Trindade Positiva é verdadeiramente uma concepção sintética, ao reunir (e usar) o neofetichismo ao conjunto das concepções humanas (filosóficas, científicas, artísticas)

o   A Trindade Positiva consiste em uma ousada concepção de Augusto Comte, aplicando plenamente o neofetichismo à positividade, de maneira a dotar de racionalidade e afetividade todas as nossas concepções

o   Esses aspectos evidenciam o quanto a Trindade Positiva poderia perfeitamente bem ser entendida como “transdisciplinar” (claro, se esse adjetivo não implicasse uma redução brutal de sua concepção)

-        O último aspecto que vale a pena indicar aqui é que a Religião da Humanidade pode e deve ser entendida como um conjunto de indicações, sugestões, orientações e prescrições visando a regular e a lidar com os problemas afetivos, intelectuais e práticos da inter, da multi e, principalmente, da transdisciplinaridade

o   A respeito deste último aspecto, não há nenhuma novidade; o que desejamos enfatizar é que a Religião da Humanidade adota conscientemente perspectivas amplas para regular e orientar a vida humana e que, para tanto, necessariamente lida com a inter, a multi e a transdisciplinaridade

o   Aliás, os “simples” fatos de que o Positivismo lida com a tríplice natureza humana (sentimentos, atividade, inteligência), com variados sentidos de subjetividade (social, individual, imaginação), que considera a multiplicidade irredutível de leis naturais, que distingue com cuidado o abstrato e o concreto (ou, dito de outra maneira, a teoria e a prática) – tudo isso deixa claro que a Religião da Humanidade lida com a inter, a multi e a transdisciplinaridade

§  O esforço para coordenar tudo isso exige, antes, um esforço para entender cada um desses elementos; assim, além da coordenação e da regulação da existência humana em bases positivas, o Positivismo permite que se compreenda, ou melhor, que se esclareça essa mesma realidade

§  Isso é muito, muito mais do que as outras filosofias (teológicas e metafísicas) fazem e também é muito mais do que as propostas de multi e transdisciplinaridade realizam