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18 junho 2025

Conciliar "Viver às claras" e "É indigno dos grandes corações derramar as perturbações"

No dia 28 de São Paulo de 171 (17.6.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte - "doutrina destinada aos verdadeiros conservadores"). 

Na parte do sermão tratamos da questão: como conciliar duas máximas do Positivismo, "Viver às claras" e "É indigno dos grandes corações derramar as perturbações que sentem"?

Antes do sermão, justificamos de maneira sistemática a adoção da palavra "sermão" nas prédicas.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=kclW-8EUW2A&t=11s) e Igreja Positivista Virtual (aqui e aqui).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *

Como conciliar o “Viver às claras” com “É indigno dos grandes corações derramar as perturbações que sentem”?

(28.São Paulo.171/17.6.2025) 

1.       Invocação inicial

2.       Justificativa de ausência de prédica na semana passada

2.1.    Tive uma infecção (ainda a determinar qual), que me deixou acamado ou com profundo mal-estar durante cinco dias, desde o domingo anterior à prédica

3.       Exortações iniciais

3.1.    Sejamos altruístas!

3.2.    Façamos orações!

3.3.    Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

3.4.    Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

4.       Datas e celebrações:

4.1.    Dia 27 de São Paulo (16.6.2025): nascimento de Paul Edger (1875 – 150 anos)

4.2.    Dia 27 de São Paulo (16.6.2025): transformação de Ivan Lins (1975 – 50 anos)

4.3.    Dia 28 de São Paulo (17.6.2025): nascimento de Edgar Proença Rosa (1903 – 122 anos)

4.4.    Dia 2 de Carlos Magno (19.6.2025): transformação de Carlos Torres Gonçalves (1974 – 51 anos)

4.5.    Dia 4 de Carlos Magno (21.6.2025): transformação de Décio Villares (1931 – 94 anos)

4.6.    Dia 3 de Carlos Magno (20.6.2025): solstício de inverno

5.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

5.1.    Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

5.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

5.1.1.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

5.1.1.2.             Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

5.2.    Outras observações:

5.2.1. Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

5.2.2. O capítulo em que estamos é a “Primeira Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”

5.3.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

6.       Pequeno comentário sobre os “sermões”:

6.1.    Desde o início das prédicas procuramos expor tanto leituras comentadas de obras de Augusto Comte – começamos, é claro, com o Catecismo positivista e estamos agora com o Apelo aos conservadores – com reflexões de diferentes tipos: religiosas, afetivas, artísticas, filosóficas, políticas etc.

6.1.1. Para essas reflexões, de maneira totalmente empírica e inspirando-nos na prática católica, adotamos o título de “sermões”

6.2.    A palavra “sermão” na verdade tem origem romana: “sermo, -onis”, que significa “conversa” ou “discurso”; “sermo”, por sua vez, vem do verbo “serere”, que significa “unir, encadear”

6.3.    Assim, “sermão” é uma palavra que pode ser plenamente empregada de maneira positiva, exatamente como a palavra “religião” – e até mais facilmente que “religião”, na medida em que não é (tão) necessário distinguir nela o aspecto positivo do teológico

6.3.1. De uma única vez a palavra “sermão”: (1) indica sua origem social, romana; (2) indica o seu caráter de conversa, de diálogo; (3) lembra sua história católica; (4) lembra o necessário acento religioso (moral e sintético) de todas as nossas reflexões; (5) reafirma a continuidade histórica e, da melhor maneira possível (isto é, da maneira correta, positivando), o princípio “conservar melhorando”

7.       O tema do sermão desta semana é o seguinte: como conciliar o “Viver às claras” com o “É indigno dos grandes corações derramar as perturbações que sentem”?

7.1.    Essa é uma questão que muitas vezes surge para quem estuda o Positivismo e deseja aplicá-lo em suas vidas: como conciliar as duas máximas, “Viver às claras” e “É indigno dos grandes corações derramar as perturbações que sentem”?

7.1.1. Como tudo a respeito do Positivismo, essa dúvida surge na verdade para todas as pessoas; nós, positivistas, apenas sistematizamos a reflexão

7.1.2. Se falamos em “conciliar” as frases, é porque à primeira vista elas parecem incompatíveis

7.1.3. A compatibilidade ou não dessas frases não é uma questão puramente intelectual; como são máximas morais e práticas, essa compatibilidade (ou sua ausência) tem implicações práticas imediatas

7.1.4. Essa questão foi formulada por nosso amigo Hernani, que pediu nosso auxílio a respeito

7.2.    Para começar a tratar desse tema, o primeiro passo é considerar a compatibilidade ou ausência de compatibilidade entre as duas fórmulas

7.2.1. Sugerimos que aparentemente há ausência de compatibilidade porque, à primeira vista, essas máximas parecem incompatíveis; mas, bem vistas as coisas, temos que afirmar a sua compatibilidade

7.2.1.1.             Embora essa compatibilidade tenha um evidente aspecto intelectual, esse em definitivo não é o âmbito mais importante na questão

7.2.2. A noção e a exigência de compatibilidade estão implicadas no caráter sistêmico e sistemático do Positivismo e na preocupação com a coerência das idéias (e dos sentimentos e das ações)

7.2.2.1.             Sobre a coerência, vale notar que, desde há algumas décadas, é mais ou menos moda afirmar-se que a coerência é impossível, ou que é errada, ou que é tola; algumas pessoas utilizam as reflexões lógicas de Kurt Gödel para negar a validade da busca da coerência; outros afirmam que a busca da coerência é uma espécie de doença intelectual e moral de pessoas fanáticas

7.2.2.2.             Todos esses argumentos contra a coerência são tolices; não são argumentos, mas sofismas mais ou menos infantis, que se baseiam, estimulam e difundem a irracionalidade, a inconseqüência prática, a incompreensão do mundo e a ausência de parâmetros na vida – em outras palavras, são sofismas plenamente metafísicos

7.2.2.3.             Assim, convém afirmar com clareza: a coerência é um valor moral, intelectual e prático efetivo; ela deve, sim, ser buscada e, na prática, de maneira explícita ou implícita, ela é exigida o tempo todo de todos e por todos

7.3.    As duas frases integram o cânone positivista, embora tenham origens diferentes

7.3.1. O “Viver às claras” é uma fórmula moral e política; ela foi elaborada por Augusto Comte e estabelece a publicidade dos nossos atos

7.3.2. O “É indigno dos grandes corações” é uma fórmula moral e “de sociabilidade”; ela foi elaborada por Clotilde, em sua novela Lúcia, e estabelece um parâmetro de comportamento individual e mútuo

7.3.3. A aparente incompatibilidade entre as duas fórmulas deve-se ao fato de que elas apontam para direções contrárias: enquanto o “Viver às claras” sugere a abertura do comportamento, o “É indigno dos grandes corações” conduz à reserva e/ou ao fechamento

7.3.4. Para solucionarmos essa questão, vejamos o contexto de elaboração e o significado de cada uma dessas fórmulas; começaremos pela máxima de Clotilde e então passaremos à de Augusto Comte

7.4.    O “É indigno dos grandes corações” corresponde a uma das inúmeras frases espontaneamente memoráveis de Clotilde – neste caso presente em sua novela Lúcia (publicada originalmente em 20 e 21 de junho de 1845, no jornal Le National)

7.4.1. O original em francês é este: “Il est indigne des grands coeurs de répandre les troubles qu’ils ressentent

7.4.2. O trecho integra a sétima carta da correspondência ficcional, do amante Maurício a seu confidente e amigo Rogério; o trecho que importa reproduz uma fala de Lúcia a Maurício:

“Maurício, é em vão que nossa infelicidade conduzir-nos-ia a rebelar-nos contra a sociedade; suas instituições são grandes e respeitáveis como o labor dos tempos; é indigno dos grandes corações derramar a perturbação que sentem” (Política positiva, v. I, p. XXVIII; Teixeira Mendes, O ano sem par, 1900, p. 223).

7.4.3. Augusto Comte citou essa frase em diversas ocasiões:

7.4.3.1.             No Discurso sobre o conjunto do Positivismo (originalmente de 1848, depois republicado em 1851 como preâmbulo geral ao Sistema de política positiva): ele está na página 267 do v. I da Política, correspondendo à quarta parte do Discurso (“Influência feminina do Positivismo”)

7.4.3.2.             Ao reproduzir a novela Lúcia, no “Complemento” da “Dedicatória” do v. I da Política positiva (de 1851) (p. XXVIII; é de onde tiramos a citação acima)

7.4.3.3.             No conjunto das “sete máximas de Clotilde”, apresentadas no seu Testamento (originalmente de 1855; encontramos a citação na página 99 da segunda edição, de 1896)

7.4.4. É importante notarmos que Clotilde escrevia a partir de suas experiências pessoais; seus escritos têm um forte aspecto autobiográfico; assim, seus vários escritos (Lúcia, Guilhermina, Os pensamentos de uma flor, A infância) tanto apresentam sua vida quanto exprimem seus sentimentos e pensamentos

7.4.5. Clotilde preocupava-se muito em não gerar incômodos para seus familiares e amigos

7.4.5.1.             Insistamos: a preocupação de Clotilde era não causar distúrbios, não sobressaltar seus próximos, não lhes gerar aflições

7.4.5.2.             Ao mesmo tempo, como o texto de Lúcia evidencia e como percebemos na correspondência trocada entre Clotilde e Augusto Comte, essa preocupação não a impedia de manifestar seus sentimentos, especialmente os de desagrado, tristeza, abatimento: mas tal manifestação ocorria em seu círculo mais íntimo, notadamente com Augusto Comte

7.4.6. Em nossa prédica de 3 de César de 169 (25.4.2023), dedicada às máximas de Clotilde[1], comentamos o seguinte a respeito desta fórmula específica:

7.4.6.1.             A preocupação de Clotilde é que os “grandes corações”, ou seja, as pessoas que buscam aperfeiçoar-se moralmente, devem evitar descontroles e explosões afetivas, especialmente em público: saber manter a reserva e até o autocontrole é uma virtude moral e prática

7.4.6.2.             Essa máxima evidentemente não quer dizer que as pessoas não devam manifestar seus sentimentos, ou que não devam chorar em momentos de grande tristeza (ou de grande alegria): o que está em questão é o descontrole do comportamento a partir dos sentimentos, especialmente quando somos tomados por sentimentos muito intensos

7.4.6.3.             Há um aspecto de exemplo e de liderança subjacente à expressão “grande coração”

7.5.    O “Viver às claras” é apresentado e explicado por Augusto Comte em vários trechos de sua obra ao abordar o regime, especialmente quando aborda as características do regime público

7.5.1. O original em francês dessa fórmula é “Vivre au grand jour”, que, em uma tradução muito literal e meio canhestra para o português seria “Viver em grande clareza” (jour significa “dia” e também significa “claridade” ou “clareza”)

7.5.1.1.             Em inglês a tradução é “To live openly” (“viver abertamente”)

7.5.1.2.             Fazemos essa observação sobre a expressão original e a tradução para o português porque algumas pessoas no Brasil traduzem o “au grand jour” como sendo “para o grande dia”: além de errar a fórmula de nosso mestre, essa tradução também a orienta para um sentido místico ou, pelo menos, milenarista – o que, deveria ser evidente, é radicalmente contrário ao Positivismo

7.5.2. Antes de abordarmos o trecho que nos permite tratar da compatibilidade entre as duas fórmulas, vejamos os trechos em que nosso mestre apresenta e aborda o “viver às claras”; elas estão principalmente na Política positiva (1851-1854)

7.5.2.1.             “Viver às claras” como princípio republicano: presente na carta de nosso mestre ao dr. J. M. McClintock, editor da Revista Metodista de Nova Iorque (7 de Homero de 64/4.2.1852), segundo apêndice do “Prefácio” ao v. II da Política (p. XXV):

“Segundo essa longa e escrupulosa carreira, mais homogênea talvez que qualquer outra conhecida, eu assumi um profundo hábito de viver inteiramente às claras, seguindo o verdadeiro princípio republicano”

7.5.2.2.             Relações entre o viver às claras, o regime público e o regime privado (quarto capítulo do v. IV da Política: “Quadro geral da existência ativa, ou sistematização final do regime positivo”) (p. 312):

Qualquer que seja a reação contínua da moral individual sobre a moral pública, a moral doméstica comporta uma eficácia mais direta e mais decisiva, em virtude de u’a melhor similitude, sobretudo quando ela encontra-se socialmente instituída. É aí que a máxima fundamental: Viver para outrem começa a receber seu complemento prático: Viver às claras, sem o qual ela tornar-se-ia em breve insuficiente e mesmo com freqüência ilusória. Malgrado as precauções interessadas dos legisladores metafísicos, o instinto ocidental não tardará a ver a publicidade normal dos atos privados como a garantia necessária do verdadeiro civismo. Escola espontânea do comando e da obediência, a existência doméstica não pode assaz desenvolver sua principal destinação quando ela permanece subtraída da sã apreciação do sacerdócio e mesmo do público. Todos os que se recusarem a viver às claras tornar-se-ão justamente suspeitos não quererem realmente viver para outrem. Os sentimentos não podendo ser julgados sem os atos, as duas qualidades essenciais à vida cívica, devotamento e veneração, não se tornam habitualmente apreciáveis senão conforme seu desenvolvimento privado, mais fácil e mais universal que seu exercício público. Entretanto, a obrigação de viver às claras não resume a moral social senão ao subordiná-la à prescrição de viver para outrem, ainda que unicamente os tempos anárquicos permitam a exibição habitual de uma conduta viciosa

7.5.2.3.             Viver às claras como característica da moralidade e da atividade política (quinto capítulo do v. IV da Política: “Apreciação sistemática do presente, conforme a combinação do porvir com o passado; donde quadro geral da transição extrema”) (p. 459-461):

“A última fase da transição orgânica anunciará o término direto da revolução ocidental, enquanto exibe, desde o início, a bandeira normal, com todos os emblemas que a acompanham, seguindo as explicações especiais de meu discurso preliminar[2]. Ainda que as duas divisas características [Viver para outrem e Ordem e Progresso] possam já ter prevalecido, sua adoção sucessiva proclamava mais um voto que um princípio, tanto que a atitude ditatorial [i. e., do governo] não poderia ser-lhe assaz conforme. Mas, quando o Positivismo, após ter modificado a conduta, consegue transformar a constituição, a dupla fórmula torna-se um programa decisivo, cuja preponderância manifesta-se pela mudança de cor, que repudia, sem nenhuma descontinuidade, toda solidariedade viciosa. Então a terceira divisa do regime normal: Viver às claras vem completar o conjunto das outras duas, fornecendo o resumo prático do sistema, ao mesmo tempo moral e político, irrevogavelmente adotado. Destinado sobretudo à vida pública, este último símbolo é especialmente próprio a figurar nas moedas francesas, em que esse enunciado do meio dispensará de mencionar o princípio e o resultado de que ele constitui o vínculo necessário.

Para apreciar todo o escopo de uma tal fórmula, é necessário reconhecer que sua adoção oficial caracteriza o advento de u’a marcha sistemática, sem a qual essa divisa anunciaria uma intenção moral e não uma resolução política. Ainda que a Idade Média tenha-a feito nobremente prevalecer na vida privada, ela não pode estendê-la assaz à vida pública, que, malgrado as aspirações cavalheirescas, continuou a basear-se principalmente no mistério e na intriga. Sem desconhecer os viciosos sentimentos que se reportavam a esse regime, devia-se sobretudo atribuí-lo à impossibilidade de viver às claras quando o porvir permanece obscuro e a opinião, incerta. Uma tal divisa indica então o advento decisivo de uma doutrina capaz de sistematizar ao mesmo tempo as previsões políticas e os julgamentos públicos. A regeneração final estando caracterizada por essa dupla sistematização, sua proclamação deve sobretudo residir na fórmula própria à atividade, ainda que o principal valor desse símbolo resulte de sua aptidão a representar os concernentes à inteligência e ao sentimento.

Índice e condição de u’a marcha sintética, como de uma conduta leal, essa regra convém tanto à espiritualidade positiva quanto à temporalidade pacífica. Antes de tê-la sistematizado, eu sempre a pratiquei espontaneamente, desde os meus primeiros passos, a fim de preparar os espíritos às minhas concepções e de melhorar estes pelas reações, objetivas e subjetivas, resultantes desses anúncios. Não cessei nunca de felicitar-me de um tal emprego, ainda que me tenha com freqüência exposto, seja a objeções viciosas, seja a empréstimos fraudulentos. Mas sua principal destinação concerne à política ativa, em que, os resultados tornando-se mais determinados e mais próximos, a consulta universal pode assistir e retificar mais os projetos, ou mesmo melhorar as intenções. É assim que o triunvirato positivista manifestará o caráter plenamente orgânico da terceira fase da transição final pelo hábito invariável de anunciar suficientemente seus atos quaisquer para que eles possam ser por toda parte examinados a tempo”

7.5.3. O trecho que mais nos interessa sobre o “Viver às claras” está no Catecismo positivista (na 11ª conferência, dedicada ao regime público – p. 354-355):

“Quanto às disposições provenientes da existência doméstica, esta suscitará sobretudo a melhor aprendizagem desta regra fundamental que cada um se deverá impor livremente, como base pessoal do regime público: Viver às claras. Para esconderem suas torpezas morais, nossos metafísicos fizeram prevalecer a vergonhosa legislação que ainda nos proíbe escrutar a vida privada dos homens públicos. Mas o positivismo, sistematizando dignamente o instinto universal, invocará sempre a escrupulosa apreciação da existência pessoal e doméstica como a melhor garantia da conduta social. Como ninguém deve aspirar senão à estima daqueles a quem também estima, não somos obrigados a dar a todos, sem distinção, conta habitual de nossas ações quaisquer. Porém, por mais restrito que possa vir a ser, em certos casos, o número de nossos juízes, basta que sempre existam alguns para que a lei de viver às claras nunca perca sua eficácia moral, impelindo-nos constantemente a nada fazer que não seja confessável. Semelhante disposição prescreve logo o respeito contínuo da verdade e o cumprimento escrupuloso de todas as promessas. Este duplo dever geral, dignamente introduzido na Idade Média, resume toda a moral pública e faz-vos sentir a profunda realidade daquela admirável sentença em que Dante, representando o impulso cavalheiresco, designa para os traidores o mais horrível inferno”

7.5.4. O trecho acima do Catecismo estabelece, então, uma diferença de âmbito na aplicação do “viver às claras”; ou melhor, não é exatamente de âmbito, mas das atividades e das responsabilidades atribuídas a cada um: figuras públicas de um lado, simples cidadãos, de outro lado

7.5.4.1.             No caso das figuras públicas, o “viver às claras” deve ser aplicado de maneira direta: a vida íntima de quem exerce o poder (seja o poder político, seja o poder econômico, seja também o poder espiritual) deve ser sujeita a escrutínio público

7.5.4.2.             No caso dos simples cidadãos, o “viver às claras” significa adotar condutas passíveis de avaliação pelos familiares e pelos amigos mais próximos, além de pelo sacerdócio; essa avaliação, por seu turno, tem que se realizar a partir de critérios publicamente aceitáveis e razoáveis

7.5.4.3.             A vinculação entre sentimentos e idéias, de um lado, e atos concretos, de outro, está sempre em questão: embora nem sempre consigamos agir conforme desejemos e nem sempre obtenhamos os resultados desejados, certamente os atos praticados têm que corresponder aos sentimentos e às idéias professados (ou, pelo menos, às intenções afirmadas) – é uma questão de coerência e honestidade

7.5.4.4.             Convém lembrar que os dois princípios elementares da moral pública consistem em falar a verdade e honrar a palavra dada (ou, de maneira negativa: não mentir e não trair)

7.5.4.5.             Uma recordação pessoal também ajuda um pouco, seja para entendermos o “Viver às claras” para os simples cidadãos, seja para estabelecermos a compatibilidade entre as duas máximas: o saudoso David Carneiro Jr., o Vivi (1926-1997), que tinha um temperamento prático muito acentuado, afirmava, repetindo o industrial positivista Augusto Trajano Antunes, que devemos “viver às claras” mas não “viver às escâncaras”

7.5.4.6.             O objetivo do “viver às claras” não é devassar a vida íntima das pessoas, mas garantir – especialmente no caso das figuras públicas – que elas de fato vivem para outrem, que falam a verdade, que honram a palavra dada, que seus sentimentos são altruístas, que suas idéias são sintéticas e que suas ações são convergentes, pacíficas e construtivas

7.6.    Em suma: a partir das indicações acima, consideramos que as duas máximas são, evidentemente, compatíveis, em particular da seguinte maneira:

7.6.1. Um sentido básico do “viver às claras” consiste em adotar parâmetros públicos e publicamente confessáveis na vida

7.6.2. As figuras públicas e/ou aquelas que exercem o poder têm que ter suas vidas, incluindo aí suas vidas privadas, passíveis de exame público

7.6.3. Já os simples cidadãos não se submetem a essa exigência de escrutínio geral; mas, por outro lado, seus comportamentos continuam passíveis de apreciação por seus familiares, seus amigos e pelo sacerdócio

7.6.4. O objetivo do viver às claras não é devassar a vida íntima das pessoas, mas garantir a moralidade da conduta – e essa moralidade é dada pelo viver para outrem

7.6.5. Ora, no viver às claras nada obriga as pessoas a “derramarem as preocupações que sentem”: a exigência de exame da vida privada das figuras públicas implica o exame das relações pessoais, familiares e de amizade dessas figuras; já as preocupações mais íntimas, mais pessoais – desde que não tenham conseqüências públicas – podem e devem ser preservadas para apreciação na intimidade

7.6.6. Aos simples cidadãos as exigências de viver às claras são menores; a eles aplica-se com ainda mais facilidade a máxima dos “grandes corações”

7.6.7. É importante notar que a expressão de Clotilde sobre os grandes corações não busca o fechamento, nem o isolamento, nem o segredo; sua intenção é indicar que as pessoas realmente generosas buscam não incomodar ou atrapalhar os demais; em outras palavras, seu sentido é que cada um evite de criar, estimular e/ou disseminar dissabores, suspeitas, intrigas etc.

8.       Exortações finais

8.1.    Sejamos altruístas!

8.2.    Façamos orações!

8.3.    Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

8.4.    Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

9.       Invocação final

 

Referências

- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, s/n, 1851-1854)

- Augusto Comte (franc.), Testamento (Paris, Exécution Testamentaire d’Auguste Comte, 2ª ed., 1896): https://bibdig.biblioteca.unesp.br/items/510b1daa-24d3-48e3-a1ed-ddce5191ee5a.

- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.

- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934).

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.): Sobre as máximas de Clotilde de Vaux (26 de abril de 2023): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2023/04/sobre-as-maximas-de-clotilde-de-vaux.html

- Raimundo Teixeira Mendes (franc.), Comte e Clotilde (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1903): https://bibdig.biblioteca.unesp.br/items/f3d104ea-4350-4a3d-a58a-63ec4a10fc54.

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.



[2] Referência ao Discurso sobre o conjunto do Positivismo, de 1848, inserido em 1851 como preâmbulo geral ao Sistema de política positiva, no v. I desta obra, sob o título de “Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo”.