23 janeiro 2013

Objetividade e subjetividade, análise e síntese, absolutismo e relativismo


A despeito de ser extremamente denso e exigir a compreensão preliminar de toda a filosofia da história, da ciência e da religião de Comte, o trecho abaixo é notável e esclarecedor, com sua avaliação das relações entre as sínteses absoluta e relativa – a primeira característica da teologia e da metafísica, a segunda, do Positivismo –, assim como das relações entre a subjetividade relativa (de caráter sintético) e a objetividade científica (de caráter analítico).
Augusto Comte indica que a teologia e a metafísica, ambas absolutas e buscando as causas, tiveram sua importância histórica, mas suas sínteses eram subjetivas, embora afirmassem-se objetivas. A passagem para a síntese relativa implica o abandono da pesquisa das causas e a busca das leis naturais; ao mesmo tempo, deve-se abandonar qualquer esperança de síntese objetiva, assumindo-se que a síntese é necessariamente subjetiva.
Com isso, a relação entre subjetividade e objetividade – e, daí, entre síntese e análise – muda. O desenvolvimento da objetividade científica foi necessário para mostrar o quanto a busca do absoluto é infrutífera; mas essa própria objetividade – que é sempre analítica – deve ser sempre subordinada à subjetividade relativa, de caráter sintético: essa subordinação consiste no fornecimento dos materiais intelectuais a serem coordenados pela síntese relativa.

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“Mieux on médite sur la marche primitive de notre intelligence, plus on reconnaît qu'elle n'exigeait d'autre rectification radicale que de substituer l'étude des lois à la recherche des causes. Son vice fondamental, d'ailleurs inévitable et même indispensable, ne consistait point dans son caractère subjectif, mais dans sa nature absolue. La longue coexistence de ces deux attributs n'a point empêché la subjectivité de manifester ses hautes propriétés, intellectuelles et surtout morales. Toute synthèse doit être subjective, puisque l'objectivité reste toujours analytique. Mais la prépondérance de la subjectivité est encore plus indispensable à la subordination fondamentale de l'esprit envers le cœur. Cette double nécessité, qui jusqu'ici prévalut sans être aperçue, a été confusément sentie par les principaux métaphysiciens modernes, depuis l'avortement décisif des nombreuses tentatives de systématisation objective. Ainsi poussés vers l'unité subjective, ils ne l'ont manquée que pour l'avoir restreinte à l'homme individuel, au lieu de la fonder sur l'humanité.
La subjectivité initiale n'avait donc besoin que de devenir relative; mais cette transformation radicale a exigé tout le préambule objective accompli graduellement depuis Thalès jusqu'à Bichat. Car il fallait pour cela faire universellement prévaloir l'étude des lois naturelles, qui ne pouvait commencer qu'envers les moindres phénomènes, d'où elle s'est ensuite étendue lentement aux plus éminents. L'achèvement de cette immense préparation conduit maintenant à fonder la vraie subjectivité, en substituant la sociologie à la théologie. Ainsi rendue relative, la prépondérance du véritable point de vue humain devient beaucoup plus directe, et même plus complète que lorsqu'elle présidait implicitement au régime absolu. Cette transformation définitive est encore plus salutaire au cœur qu'à l'esprit, d'après l'harmonie durable qu'elle institue entre eux. L'objectivité, qui ne put rien systématiser, prend enfin son office caractéristique, de fournir partout les matériaux des constructions réservées à la subjectivité” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 581-582).

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Tradução para o português:

"Mais se medita sobre a marcha primitiva de nossa inteligência, mais se reconhece que ela não exigiria outra retificação radical senão a de substituir pelo estudo das leis a pesquisa das causas. Seu vício fundamental, aliás inevitável e mesmo indispensável, não consistiu de maneira nenhuma em seu caráter subjetivo, mas em sua natureza absoluta. A longa coexistência desses dois atributos não impediu de modo nenhum a subjetividade de manifestar suas altas propriedades, intelectuais e sobretudo morais. Toda síntese deve ser subjetiva, pois a objetividade permanece sempre analítica. Mas a preponderância da subjetividade é ainda mais indispensável à subordinação fundamental do espírito ao coração. Essa dupla necessidade, que até aqui prevaleceu sem ser percebida, foi confusamente sentida pelos principais metafísicos modernos, depois do abortamento decisivo de numerosas tentativas de sistematização objetiva. Assim impelidos em direção à unidade subjetiva, eles não falharam senão em restringi-la ao homem individual, em vez de fundá-la sobre a Humanidade.

A subjetividade inicial, então, não tinha necessidade senão de tornar-se relativa; mas essa transformação radical exigiu todo o preâmbulo objetivo realizado gradualmente após Tales [de Mileto] até [Xavier] Bichat. Afinal, era necessário para isso fazer prevalecer universalmente o estudo das leis naturais, que não poderia começar senão a respeito dos menores fenômenos, de que ela lentamente se estendeu em seguida aos mais eminentes. A conclusão dessa imensa preparação conduz agora a fundar a verdadeira subjetividade, ao substituir pela Sociologia a teologia. Assim tornada relativa, a preponderância do verdadeiro ponto vista humano torna-se bastante mais direto e mesmo mais completo que quando ele presidia implicitamente o regime absoluto. Essa transformação definitiva é ainda mais salutar ao coração que ao espírito, segundo a harmonia durável que ela institui entre eles. A objetividade, não pode nada sistematizar, assume afinal seu ofício característico, de fornecer por toda parte os materiais das construções reservadas à subjetividade" (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 581-582).

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