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06 setembro 2024

Celebração da transformação de Augusto Comte

Em 25 de Gutenberg de 170 (5.9.2024) celebramos a transformação de Augusto Comte (isto é, sua morte, em 1857).

Seguindo o calendário de festas e celebrações da Igreja Positivista do Brasil, nessa data também se comemora a vida da filha adotiva de Augusto Comte, Sofia Bliaux.

Após a celebração de Sofia, lemos o belo discurso de Miguel Lemos, escrito em 1884 e republicado em 1936, 1951 e 1957, intitulado "Comemoração anual da morte de Augusto Comte".

Na seqüência, lemos o belo poema de R. Teixeira Mendes, escrito em 1917 (?) e republicado em 1936, intitulado "A hora terrível".

Essa celebração foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/YMTCP) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/2FhZY).

As anotações escritas que serviram de base para a exposição oral estão reproduzidas abaixo.

*   *   *


Celebração da transformação de Augusto Comte

25 de Gutenberg de 170/236 (5.9.2024) 

1.      Celebramos hoje a transformação de Augusto Comte, nosso pai espiritual, e, conforme o calendário de festas da IPB, comemoramos também Sofia (1804-1867)

1.1.   Esta nossa pequena celebração não será original – na verdade, nunca é possível sermos nem sempre originais nem totalmente originais

1.2.   Reproduziremos aqui três documentos: (1) a celebraçãode Sofia que elaboramos no ano passado, nesta mesma ocasião; (2) o belo documento de Miguel Lemos, Comemoração anual da morte de Augusto Comte, de 1884; (3) o belo poema de Teixeira Mendes, A hora terrível, de 1917 (?)

1.2.1.     O documento de Miguel Lemos e o poema de Teixeira Mendes foram enviados por nosso amigo Hernani Gomes da Costa

1.3.   Ao lermos as celebrações de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, nós reconhecemos a superioridade sintética desses outros nossos pais espirituais e, assim, também os homenageamos

2.      Mas, antes de passarmos às comemorações, é necessário lembrarmos o que é a “transformação”

2.1.   A transformação é um dos nove sacramentos positivistas – o oitavo –, o que marca a morte do servidor da Humanidade

2.1.1.     A morte não é o fim da pessoa; certamente é o encerramento da vida objetiva, ou seja, do processo de trocas contínuas e permanentes entre o corpo e o ambiente; mas isso não equivale a dizer que aquele servidor da Humanidade não atua mais: a sua atuação continua, embora em termos puramente subjetivos

2.1.2.     Convém lembrar as belíssimas frases da poetisa francesa Elisa Mercoeur:

2.1.2.1.           “O olvido é o nada; a glória é a outra vida”

2.1.2.2.           “Quem deixa um nome pode morrer?”

2.1.2.3.           “A pedra do sepulcro é seu primeiro altar”

2.2.   Por que em termos positivos nós dizemos “transformação” e não “morte”?

2.2.1.     Não se trata de um eufemismo, mas de uma afirmação da realidade subjetiva humana: embora triste por si só, a transformação encerra a vida objetiva e inicia plenamente a vida subjetiva de cada um de nós nos outros – ou seja, vivemos para os demais para revivermos nos demais

2.2.1.1.           O nascimento deve ser sempre valorizado, mas é com a transformação que podemos avaliar a atividade realmente desenvolvida pelos indivíduos e, daí, podemos avaliar se foram altruístas ou egoístas, construtivos ou destruidores etc.

2.2.1.2.           Dessa forma, o nascimento é apenas uma promessa – certamente, sempre uma bela e fundamental promessa, mas, ainda assim, apenas uma promessa –, é na transformação que avaliamos e, ainda mais, que celebramos efetivamente a vida de cada um

2.2.1.3.           Assim, a data da transformação é realmente uma data para ser celebrada

3.      Passemos, então, à celebração de Sofia

3.1.   No calendário da Igreja Positivista do Brasil, no dia 19.1 celebramos o nascimento de Augusto Comte e a memória de sua mãe, Rosália Boyer; no dia 8.10, celebramos a festa de Comte e Clotilde

3.2.   Assim, considerando a importância de Sofia para a vida de Augusto Comte e também a instituição dos seus “três anjos”, no dia 5.9 celebramos Sofia

4.      Sofia Bliaux nasceu em 18.9.1804, na pequena comuna de Oissy, no Somme (Norte da França)

4.1.1.     Assim, ela era seis anos mais nova que Augusto Comte e 11 anos mais velha que Clotilde

4.2.   Quando criança mudou-se com os pais para Paris, onde levava uma vida pobre, tendo que trabalhar desde cedo, sempre com humildade e devotamento

4.3.   A obediência e o devotamento aos patrões era tanta que solicitou aos patrões a permissão para casar-se (no que foi atendida); seu marido, Martinho Thomas, era entregador de uma farmácia próxima à rua Monsieur-le-Prince; foi usando esse serviço (para receber poções e cremes de beleza) que Carolina Massin travou contato com Martinho Thomas e, a partir disso, soube das dificuldades crescentes de Sofia, que cuidava sozinha de uma casa grande com crianças que cresciam

4.4.   Após muitas insistências de Carolina Massin, Sofia afinal passou ao serviço de Augusto Comte em 1841 (um ano antes de Carolina abandonar definitivamente o lar conjugal); na verdade, na época Sofia entrou ao serviço de Carolina e não propriamente ao de nosso mestre

4.5.   Logo Sofia percebeu, por um lado, que Carolina era uma péssima esposa e que não dava paz de espírito a nosso mestre; por outro lado, ela percebeu que Augusto Comte era uma pessoa simples, de existência modesta, mas cuja atividade era intensa e que era inteiramente dedicada à renovação moral, intelectual e social e que, por isso, precisava de apoio material

4.5.1.     A partir de uma humildade simples, confrontando a grandeza moral de Augusto Comte com sua própria existência modesta, ela entendeu que poderia e deveria dedicar-se a auxiliá-lo o máximo que pudesse

4.6.   Em 1842, quando Carolina Massin abandonou o lar pela última vez, Sofia permaneceu na rua Monsieur-le-Prince; mas, devido à vinculação inicial de Sofia com Carolina Massin, e devido à péssima experiência que tivera com sua ex-esposa, Augusto Comte desconfiava profundamente dela

4.6.1.     Apenas com o passar do tempo, e considerando as simpatias de Comte para com os proletários, Augusto Comte foi reconhecendo a sinceridade da devoção de Sofia e tornando-a, bem como ao seu marido, uma companheira habitual em seu lar

4.7.   Quando o amor de Comte por Clotilde irrompeu, logo Sofia percebeu a importância disso para o filósofo e com freqüência atuava como mensageira entre ambos; depois também se tornou confidente de Clotilde

4.8.   Devido à sua triste história, a saúde de Clotilde era frágil; em suas últimas semanas (março de 1846), Sofia foi enfermeira, cuidadora e verdadeira irmã de Clotilde, tendo pernoitado 18 dias na casa de Clotilde, até seu falecimento

4.8.1.     Após a morte de Clotilde, Sofia reconfortou Augusto Comte e mesmo o afastou de pensamentos de suicídio

4.9.   Em virtude da perseguição acadêmica que Augusto Comte sofria, em 1847 e, ainda mais, em 1848 ele perdeu seus modestos empregos acadêmicos; nesses dois anos, em 1847 e, depois, em 1848, Sofia e seu marido ofereceram suas economias para auxiliar Augusto Comte em suas despesas (despesas que em sua maior parte eram destinadas à pensão de sua ex-esposa); o primeiro oferecimento foi recusado, mas o segundo nosso mestre viu-se obrigado a aceitar

4.10.                   Observa José Longchampt (Epítomeda vida e dos escritos de Augusto Comte, p. 85) que Sofia converteu-se à Religião da Humanidade: “Foi por estas conversações diárias que Augusto Comte realizou, na única mulher que dele se aproximava, a primeira conversão à Religião da Humanidade”

4.11.                   Reconhecendo os sacrifícios feitos por Sofia ao longo dos anos, não apenas em termos de salário e de alimentação, mas também em termos de convívio com sua família, em 1848 Augusto Comte convidou Martinho Thomas que fosse morar em seu apartamento com Sofia e seu filho, o que o casal aceitou

4.11.1. Esse reconhecimento foi devido não apenas ao devotamento do casal, mas também devido à valorização da domesticidade e mesmo do casamento

4.11.2. Dando continuidade à afirmação da domesticidade em sua própria vida, Augusto Comte proclamou Sofia como sua filha em 18.7.1850, na cerimônia de casamento do dr. Segond

4.11.3. Mais tarde, a valorização de Sofia atingiu seu máximo com a consagração de ser indicada como um dos seus “três anjos”

4.12.                   Após a morte de nosso mestre, Sofia recebeu de Augusto Comte um retrato de Clotilde, bem como lhe foi destinado uma pensão até sua morte, sob responsabilidade dos executores testamenteiros, e o direito de residir no apartamento da rua Monsieur-le-Prince

4.13.                   Ela morreu em 5.12.1861; conforme solicitação explícita de nosso mestre em seu Testamento, ela foi enterrada juntamente com Augusto Comte, no “cemitério do Leste” (o Père Lachaise)

4.13.1. Em 28.3.1867 Martinho Thomas faleceu; seu filho, Paulo Thomas, ficou sob a responsabilidade de José Longchampt e tornou-se também positivista

5.      Leitura da Comemoração anual da morte de Augusto Comte, de Miguel Lemos (1884)

6.      Leitura de A hora terrível, de Teixeira Mendes (1917?)

6.1.   Esse poema integra um conjunto poético-relogioso de Teixeira Mendes: Hino ao amor, O ano sem par, A dor sem nome, A hora terrível – dedicados ao altruísmo e à Humanidade, ao amor de Comte e Clotilde, à morte de Clotilde e à morte de Augusto Comte 


*   *   *

 

Miguel Lemos: “Comemoração anual da morte de Augusto Comte” (1884)[1] 


COMEMORAÇÃO ANUAL 


DA MORTE DE 


AUGUSTO COMTE 


24 DE GUTENBERG DE 69

(5 DE SETEMBRO DE 1857) 


Tu duca, tu signore, e tu maestro[2].    

(Dante, Inferno, Canto II.)                


A Igreja Positivista celebra hoje a entrada do seu glorioso Fundador na imortalidade subjetiva.

Aos 24 de Gutenberg de 69 Augusto Comte era surpreendido pela morte em meio de sua tarefa ingente. Morria na pobreza, quase na obscuridade, rodeado apenas por um pequeno número de discípulos fiéis e só conhecido, fora deste grêmio, por aqueles que ele opulentara com as migalhas de seu gênio, e que ocultavam cuidadosamente a origem de tão súbita riqueza. Muitos deles pagaram-lhe as lições com o insulto, com a calúnia e com a traição...

Essa vida que terminava inopinadamente aos 59 anos fora toda consagrada com uma competência excepcional de coração, de inteligência e de caráter à solução do problema religioso.

Dar à sociedade futura uma religião científica, sem mistérios, sem absurdos, baseada na totalidade dos conhecimentos positivos e tendo por alvo supremo o maior aperfeiçoamento do homem, tal foi o fim que se propôs o grande Pensador.

O problema impunha-se com o peso de todo o passado. Resolvê-lo era reatar de novo o fio das idades e congraçar outra vez o homem com o homem. E por este modo a religião depois de ter sido espontânea no período fetichista, inspirada na fase politeica, revelada durante a concentração monoteísta, tornava-se, enfim, demonstrada. Diis extinctis, Deoque, successit Humanitas[3].

A profecia de José de Maistre estava realizada. Aparecera o homem prodigioso que devia terminar a obra demolidora do século XVIII, reunindo em si as afinidades da ciência e da religião.

Este empreendimento Augusto Comte o levou a cabo com um saber e uma grandeza moral inexcedíveis.

Foi um sábio e um santo.

A sua instrução aristotélica abraçava todas as ciências existentes no seu tempo, desde a Matemática até a Biologia. Criou mais uma, a Sociologia e lançou os fundamentos da Moral.

A sua abnegação não teve superior. Perseguido pelos corifeus da ciência oficial, viu-se despojado com a máxima iniqüidade das modestas ocupações que exercia, e aceitou a miséria com a serenidade do justo.

O pão chegou a faltar-lhe. Um dia a sua criada, testemunha comovida de tão dolorosa situação, lançou-se-lhe aos pés e rogou-lhe com lágrimas que aceitasse o pequeno auxílio de suas economias para não ver o seu amo morrer à fome!

O coração da humilde proletária compreendera o heroísmo desse homem, tão firme com os poderosos e tão bom para com os fracos e os pequenos.

Finalmente, um amor puro e imenso, assombro e escândalo da grosseria contemporânea, o elevou, sob o santo impulso de Clotilde de Vaux, às alturas ideais do mais sublime entusiasmo.

Aristóteles pela inteligência, São Paulo pelo coração, Júnio Bruto pelo caráter, tal foi o fundador da Religião da Humanidade.

Os Pósteros saberão comemorar melhor do que nós essa incomparável existência, para cuja apoteose concorreram todos os esplendores da arte regenerada por um novo culto e alimentada por uma comunhão espiritual até hoje desconhecida.

Do seio da paz universal irromperão os hinos sagrados em louvor do Divino Mestre. Todas as raças, todas as pátrias, todas as famílias, congraçadas por uma crença comum, instruídas do Passado, seguras do Porvir, recordarão unânimes os grandes serviços do egrégio Fundador.

Por enquanto cumpre ainda vencer. Os frêmitos da luta perturbam a expansão religiosa do dia de hoje. Um dia de festa é para nós um dia de trégua apenas. Amanhã será necessário continuar o apostolado, convencer, persuadir, repelir a calúnia e sofrer a injúria.

Não importa. As profecias científicas não mentem e os sinais certos da vitória já estão por toda parte.

Com os olhos fitos nessa unidade religiosa do futuro, Jerusalém espiritual e cidade celeste, sonhadas pelas grandes almas de Israel e do Catolicismo, satisfação real as aspirações prematuras dos generosos utopistas, termo da miséria e da guerra, advento da fraternidade universal, recordemos hoje os exemplos legados pelo indefeso Lidador e façamos votos de imitar a sua constância inabalável e a sua sublime dedicação pelos destinos da Humanidade. 


Miguel Lemos,                     

Diretor da Igreja Positivista do Brasil.          


*   *   * 


Raimundo Teixeira Mendes: A hora terrível (1917?)[4] 


A HORA TERRÍVEL 


ENSAIO RELIGIOSO SOBRE A MORTE DO NOSSO SANTÍSSIMO MESTRE 


(Sugerido pelo Stabat Mater[5]) 


A dor que o Pai martiriza

Prende exausta a humilde Filha

Ao leito onde Ele agoniza...

 

No seu rosto já não brilha

A viva luz da esperança

Do Porvir mostrando a trilha...

 

Vago o olhar saudoso lança

Lampejos nas murchas Flores

De Clotilde augusta herança...

 

E os sumidos estertores

Vão o silêncio quebrando

Daquela tarde de horrores...

 

Té que aos lábios assomando

O sopro final s’exala,

Num terno beijo os cerrando...

 

Enquanto a alma que estala

Da miseranda Sofia

A catástrofe assinala...

 

Finda assim tua agonia

De amor num sublime extremo;

Mas a nossa principia

 

Nesse momento supremo

Em que geme a Humanidade

O seu infortúnio extremo...

 

Sua doce potestade

Em teu gênio condensara

De Clotilde a santidade.

 

E destarte em Ti salvara

Seu Porvir que o cego Fado

Em hora infausta arriscara...

 

Pobre Mãe! acabrunhado

Seu amor treme de ver-te

Precoce à vida arrancado...

 

Para os dias proteger-te

De um Anjo deu-te o desvelo...

Foi discípulos escolher-te...

 

Mão não pode o santo zelo,

Movendo o surdo Destino,

Sequer no curso detê-lo!...

 

No teu serviço divino,

Do terço final em meio,

Pende exame repentino

 

Da Humanidade no seio,

A fronte qu’Ela tornara

O seu sublimado esteio!...

 

Oh! como tem sido amarga

A feitura desse manto

Que contra o mal nos ampara!

 

Que de sangue! que de pranto!

Não tem a Deusa vertido

Nesse labor sacrossanto!

 

Porém o peito transido

De dor jamais tão pungente,

Sofreu qual quando, caído,

 

Nos braços sentiu-se algente,

Resumo do seu Passado,

Do seu Porvir, seu Presente!...

 

Doce Mãe! Nos fosse dado,

Na dor que teu peito estua,

Sentir o nosso abrasado...

 

Fundir nossa alma na sua

Entre seus Anjos queridos...

Estancar a fonte crua

Dos teus acerbos gemidos!... 

R. Teixeira Mendes                          

 









[1] Transcrevemos a edição de 1936, mantendo a pontuação, mas atualizando a ortografia. A publicação original é de 96 (1884) e constitui o n. 21 do catálogo da Igreja e Apostolado Positivista do Brasil. Uma versão em francês foi incluída em uma publicação de 5 de setembro de 1951, em homenagem aos 2.000 anos da cidade de Paris; essa publicação foi reeditada em 1957, por ocasião do centenário da morte de Augusto Comte; correspondendo ao n. 548 do catálogo da Igreja Positivista, teve por título “Paris – publication commémorative de son bimillénaire – deuxième édition au centenaire de la mort d’Auguste Comte”.

[2] Em italiano no original: “Você é duque, você é senhor e você é mestre”.

[3] Em latim no original: “Mortos os deuses, e deus, sucedeu-lhes a Humanidade”.

[4] Transcrevemos a edição de 1936, mantendo a pontuação, mas atualizando a ortografia.

[5] Na Wikipédia há a seguinte explicação sobre o Stabat Mater: “O Stabat Mater (latim para Estava a mãe) é uma prece ou, mais precisamente, uma sequentia católica do século XIII. / Há dois hinos que são geralmente chamados de Stabat Mater: um deles é conhecido como Stabat Mater Dolorosa (Sobre as dores de Maria) e o outro, chamado Stabat Mater Speciosa, que, de maneira alegre, se refere ao nascimento de Jesus. A expressão Stabat Mater, porém, é mais utilizada para o primeiro caso – um hino do século XIII, em honra a Maria e atribuído ao franciscano Jacopone da Todi ou ao papa Inocêncio III” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Stabat_Mater, acesso em 1.8.2024).

06 setembro 2023

Celebração de Sofia Bliaux; celebração de José Bonifácio

No dia 24 de Gutenberg de 169 (5.9.2023) realizamos nossa prédica positiva, em que demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista; em particular, prosseguimos a "Oitava conferência", dedicada à filosofia das ciências superiores (as chamadas "ciências humanas", isto é, a Sociologia e a Moral).

Na parte do sermão comemoramos o aniversário da transformação de Augusto Comte (ocorrido justamente no dia 5 de setembro) e a Independência do Brasil (no dia 7 de setembro). Para isso, celebramos respectivamente as memórias de Sofia Bliaux e de José Bonifácio.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/hJvkX) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/lyjK3). A celebração de Sofia Bliaxu pode ser vista a partir de 43' 50"; a celebração de José Bonifácio pode ser vista a partir de 1h 20' 16".

*   *   *

 

Transformação de Augusto Comte, celebração de Sofia Bliaux[1] 

-        O dia 24 de Gutenberg (5 de setembro) é a data em que ocorreu a desastrosa transformação de Augusto Comte, há 166 anos

o   A transformação de Augusto Comte foi “desastrosa” porque tirou da vida objetiva o fundador do Positivismo, que, embora já tivesse escrito o principal de sua obra, tinha ainda previstos muitos livros que desenvolveriam aspectos importantes da Religião da Humanidade

o   Mas como sabemos, embora triste por si só, a transformação encerra a vida objetiva útil e inicia plenamente a vida subjetiva de todos nós

§  O nascimento deve ser sempre valorizado, mas é na transformação que podemos avaliar a atividade realmente desenvolvida pelos indivíduos e, daí, podemos avaliar se foram altruístas ou egoístas, construtivos ou destruidores etc.

§  Em outras palavras, enquanto o nascimento constitui apenas uma promessa – certamente, sempre uma bela e fundamental promessa, mas, ainda assim, apenas uma promessa –, é na transformação que avaliamos a vida e, portanto, que celebramos efetivamente a vida de cada um

o   Assim, a data da transformação é realmente para ser celebrada

-        Ao mesmo tempo, é a data da celebração de Sofia Bliaux

o   No calendário da Igreja Positivista do Brasil, no dia 19.1 celebramos o nascimento de Augusto Comte e a memória de sua mãe, Rosália Boyer; no dia 8.10, celebramos a festa de Comte e Clotilde

o   Assim, considerando a importância de Sofia para a vida de Augusto Comte e também a instituição dos seus “três anjos”, no dia 5.9 celebramos Sofia

-        Sofia Bliaux nasceu em 18.9.1804, na pequena comuna de Oissy, no Somme (Norte da França)

§  Assim, ela era seis anos mais nova que Augusto Comte e 11 anos mais velha que Clotilde

o   Quando criança mudou-se com os pais para Paris, onde levava uma vida pobre, tendo que trabalhar desde cedo, sempre com humildade e devotamento

o   A obediência e o devotamento aos patrões era tanta que solicitou aos patrões a permissão para casar-se (no que foi atendida); seu marido, Martinho Thomas, era entregador de uma farmácia próxima à rua Monsieur-le-Prince; foi usando esse serviço (para receber poções e cremes de beleza) que Carolina Massin travou contato com Martinho Thomas e, a partir disso, soube das dificuldades crescentes de Sofia, que cuidava sozinha de uma casa grande com crianças que cresciam

o   Após muitas insistências de Carolina Massin, Sofia afinal passou ao serviço de Augusto Comte em 1841 (um ano antes de Carolina abandonar definitivamente o lar conjugal); na verdade, na época Sofia entrou ao serviço de Carolina e não propriamente ao de nosso mestre

o   Logo Sofia percebeu, por um lado, que Carolina era uma péssima esposa e que não dava paz de espírito a nosso mestre; por outro lado, ela percebeu que Augusto Comte era uma pessoa simples, de existência modesta, mas cuja atividade era intensa e que era inteiramente dedicada à renovação moral, intelectual e social e que, por isso, precisava de apoio material

§  A partir disso, a partir de uma humildade simples, confrontando a grandeza moral de Augusto Comte com sua própria existência modesta, ela entendeu que poderia e deveria dedicar-se a auxiliá-lo o máximo que pudesse

o   Em 1842, quando Carolina Massin abandonou o lar pela última vez, Sofia permaneceu na rua Monsieur-le-Prince; mas, devido à vinculação inicial de Sofia com Carolina Massin, e devido à péssima experiência que tivera com sua ex-esposa, Augusto Comte desconfiava profundamente dela

§  Apenas com o passar do tempo, e considerando as simpatias de Comte para com os proletários, Augusto Comte foi reconhecendo a sinceridade da devoção de Sofia e tornando-a, bem como ao seu marido, uma companheira habitual em seu lar

o   Quando o amor de Comte por Clotilde irrompeu, logo Sofia percebeu a importância disso para o filósofo e com freqüência atuava como mensageira entre ambos; depois também se tornou confidente de Clotilde

o   Devido à sua triste história, a saúde de Clotilde era frágil; em suas últimas semanas (março de 1846), Sofia foi enfermeira, cuidadora e verdadeira irmã de Clotilde, tendo pernoitado 18 dias na casa de Clotilde, até seu falecimento

§  Após a morte de Clotilde, Sofia reconfortou Augusto Comte e mesmo o afastou de pensamentos de suicídio

o   Em virtude da perseguição acadêmica que Augusto Comte sofria, em 1847 e, ainda mais, em 1848 ele perdeu seus modestos empregos acadêmicos; nesses dois anos, em 1847 e, depois, em 1848, Sofia e seu marido ofereceram suas economias para auxiliar Augusto Comte em suas despesas (que, em sua parte mais importante, eram destinadas à pensão de sua ex-esposa); o primeiro oferecimento foi recusado, mas o segundo nosso mestre viu-se obrigado a aceitar

o   Observa José Longchampt (p. 85) que Sofia converteu-se à Religião da Humanidade: “Foi por estas conversações diárias que Augusto Comte realizou, na única mulher que dele se aproximava, a primeira conversão à Religião da Humanidade”.   

o   Reconhecendo os sacrifícios feitos por Sofia ao longo dos anos, não apenas em termos de salário e de alimentação, mas também em termos de convívio com sua família, em 1848 Augusto Comte convidou Martinho Thomas que fosse morar em seu apartamento com Sofia e seu filho, o que o casal aceitou

§  Esse reconhecimento foi devido não apenas ao devotamento do casal, mas também devido à valorização da domesticidade e mesmo do casamento

§  Dando continuidade à afirmação da domesticidade em sua própria vida, Augusto Comte proclamou Sofia como sua filha em 18.7.1850, na cerimônia de casamento do dr. Segond

§  Mais tarde, a valorização de Sofia atingiu seu máximo com a consagração de ser indicada como um dos seus “três anjos”

o   Após a morte de nosso mestre, Sofia recebeu de Augusto Comte um retrato de Clotilde, bem como lhe foi destinado uma pensão até sua morte, sob responsabilidade dos executores testamenteiros, e o direito de residir no apartamento da rua Monsieur-le-Prince

o   Ela morreu em 5.12.1861; conforme solicitação explícita de nosso mestre em seu Testamento, ela foi enterrada juntamente com Augusto Comte, no “cemitério do Leste” (o Père Lachaise)

§  Em 28.3.1867 Martinho Thomas faleceu; seu filho, Paul Thomas, ficou sob a responsabilidade de José Longchampt e tornou-se também positivista

 

*          *          *

 

Independência do Brasil, celebração de José Bonifácio 

-        Esta exposição baseia-se em importante medida em uma postagem feita em 7.9.2015, chamada justamente “7 de setembro – Independência do Brasil e comemoração de José Bonifácio

o   Além disso, usamos aqui como referência as publicações do Apostolado Positivista do Brasil (como o opúsculo A pátria brasileira, de 1881, e a bela biografia de Benjamin Constant, escrita por Teixeira Mendes em 1891) e o livro de David Carneiro, A vida gloriosa de José Bonifácio de Andrada e Silva e sua atuação na Independência do Brasil (de 1977)

-        O Positivismo celebra a Independência do Brasil e a memória de José Bonifácio porque o Brasil é uma pátria e, portanto, uma das associações humanas fundamentais

o   Como sabemos, os três níveis normais de associações humanas são: a família (baseada nos sentimentos), a pátria (baseada na atividade prática) e a Humanidade (baseada na inteligência)

-        Ao celebrar cada pátria, o Positivismo constitui-se como uma religião cívica

o   Para entendermos o que isso quer dizer, e embora o Positivismo, como regra geral, rejeite as distinções sutis, temos que estabelecer a diferença entre “religião cívica” e “religião civil

o   Essa diferença espelha a diferença entre a teoria política absoluta (teológico-metafísica) e a teoria política relativa (positiva), especialmente no que se refere à divisão entre teoria e prática, ou, o que equivale em termos políticos, a divisão entre a igreja e o Estado

o   A religião cívica celebra valores cívicos, mas faz questão de não se impor sobre os cidadãos nem de usar o apoio estatal para sua difusão: por definição, é a Religião da Humanidade

§  Vale lembrar que o Positivismo, como religião cívica, tem clareza de que as pátrias na sociedade normal serão denominadas de “mátrias”, organizadas em regimes sociocráticos e que isso implica, desde já (na verdade, desde o começo do século XIX), que todas as mátrias baseiem-se na fraternidade e na paz universal e, portanto, também na rejeição da violência, da guerra e do militarismo (e do nacionalismo imperialista e/ou xenofóbico)

o   A religião civil é a religião imposta pelo Estado (ou seja, é obrigatória) e que tem a sua igreja sustentada pelo Estado: são as religiões teológicas e é a proposta da democracia de Rousseau

§  Rousseau, em sua proposta democrática, afirmava com todas as letras que o Estado tem que ter religião oficial, imposta a todos os cidadãos; inversamente, os cidadãos que rejeitassem essa religião oficial seriam presos ou, no limite, expulsos do país

-        No dia 7 de setembro celebramos a Independência do Brasil e, por isso mesmo, comemoramos a figura de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), o grande “Patriarca da Independência”

-        Para realizarmos essa celebração, temos antes que lembrar, ou afirmar, as condições e as exigências da política moderna

o   A política moderna baseia-se na existência de pátrias livres; essas pátrias têm que ser menores do que costumam ser ainda hoje, mas, de qualquer maneira, a liberdade é uma condição fundamental e insuperável

o   O que significa essa “liberdade”?

§  Significa a possibilidade de decidir com autonomia os rumos a tomar, sem imposições externas e de acordo com os parâmetros específicos de cada país

§  Assim, ao mesmo tempo em que cada pátria deve poder decidir o que deseja fazer, sua conduta deve caracterizar-se pelo respeito a todas as outras nações, no que se refere à sua dignidade e às suas condições de existência, e ao desenvolvimento de ações pacíficas e coordenadas com vistas à melhoria material e moral de todas.

o   Em outras palavras, a política moderna não pode ser definida pela “soberania”, entendendo-se a soberania como a consideração de que cada país é o juiz único e último de suas ações, em desrespeito e desconsideração aos demais países

o   Ao mesmo tempo, a necessária interdependência política, material e moral não pode ser entendida e usada como desculpa para intromissões e invasões de uns países sobre os outros.

o   Em termos internos, cada país deve buscar a integração social, a redução e o fim da miséria, o combate e o fim das discriminações sociais, o desenvolvimento técnico, científico e moral etc.

o   No caso do Brasil do início do século XIX, José Bonifácio tinha clareza desses objetivos e dessas condições; foi por isso que tratou de organizar as condições propícias para a independência do Brasil – e que, sendo a eminência parda por detrás do então Príncipe Regente, obteve de fato a independência nacional no 7 de setembro de 1822.

-        Ao falarmos da Independência do Brasil, celebramos José Bonifácio: mas por que ele?

o   O príncipe regente Pedro de Alcântara – depois chamado no Brasil de “(dom) Pedro I” –, embora tenha sido necessariamente o executor concreto da independência, não era uma pessoa preparada politicamente em termos intelectuais, morais e práticos

§  Apesar disso, considerando a situação política, social e institucional do Brasil na época, somente d. Pedro poderia realizar o “grito do Ipiranga”

§  Evidentemente, a falta geral de condições morais, intelectuais e práticas de Pedro de Alcântara não significava que ele não tivesse sentimentos de simpatia pela população brasileira, que não tivesse preconceitos de casta, que soubesse reconhecer o valor da pessoa e dos conselhos de José Bonifácio

o   Por outro lado, quem tinha o preparo e a estatura moral, intelectual e prática era o conselheiro de Pedro de Alcântara, José Bonifácio

§  José Bonifácio, além de ser um homem com a preparação própria e a atividade prática do Iluminismo, tinha o enorme fator de ser brasileiro

§  A primeira carreira de José Bonifácio desenvolveu-se totalmente na Europa, com suas longas viagens de estudos e de pesquisas (em que se revelou um grande pesquisador) e, depois, com sua atuação na burocracia pública portuguesa (em que ocupou simultaneamente inúmeros cargos importantes)

§  A atuação propriamente política de José Bonifácio ocorreu quando ele já era idoso (com cerca de 60 anos de idade) e voltara ao Brasil buscando aproveitar sua aposentadoria

-        A independência do Brasil era uma necessidade na época e, de qualquer maneira, seria uma necessidade política do país

o   Na época era uma necessidade porque, com o término das Guerras Napoleônicas, a permanência da monarquia no Brasil não tinha mais sua justificativa inicial (evitar a submissão à tirania militar de Napoleão)

§  Devemos lembrar que a família real e a corte portuguesa fugiram em 1808 para o Brasil, transformando a antiga colônia em sede do império

§  Depois, em 1815, o Brasil tornou-se membro equivalente do império, que passou a ser o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

o   Além disso, havia os exemplos americanos dos Estados Unidos (1776), do Haiti (1798) e da América hispânica (décadas de 1800 a 1820)

§  Desde o fim do período colonial o Brasil já contava com uma sociedade ativa, organizada, conhecedora dos seus interesses, com projetos nacionais cada vez mais claros e disposta a realizar a independência para isso

§  A independência nacional era vista sempre como acompanhada da república

§  A vinda da família real em 1808 deu um fortíssimo impulso à vida política, social e intelectual do país, reforçando as condições para a autonomia e/ou a independência nacional

o   Ao mesmo tempo em que o Brasil desenvolvia-se, as Cortes Gerais de Lisboa, reunidas após a Revolução Liberal do Porto, de 1820, apesar de afirmarem-se “liberais”, queriam retrogradar a situação do Brasil para a condição colonial, o que implicaria necessariamente uma violenta opressão sobre o país

§  A Revolução Liberal do Porto e as Cortes Gerais de Lisboa (criadas após a revolução do Porto) seguiram o impulso da Revolução Francesa mas adotaram o modelo inglês, em que a crítica ao Antigo Regime assumiu a forma da aberração político-intelectual que é a chamada “monarquia constitucional”

§  De maneira bastante representativa desse movimento foi a exigência das Cortes Gerais de retorno de d. João VI a Portugal, mantendo Pedro de Alcântara no Brasil como Príncipe Regente

§  A regressão do Brasil à condição de colônia seria opressiva por si só, como a conjuntura própria à Inconfidência Mineira deixava claro; mas, em face do desenvolvimento político, econômico e social do Brasil ocorrido desde o século XVIII e fortemente estimulado pela vinda da família real em 1808, a imposição do status colonial ao Brasil implicaria, necessariamente, redobradas opressões e violências

§  Vale a pena notar que tanto a instituição da monarquia constitucional quanto o projeto de regressão do Brasil à condição de colônia são exemplares do caráter dissolvente, absolutista e anti-histórico da metafísica

o   De qualquer maneira, considerando a distância entre os dois países, a disparidade de tamanho e as realidades sociais e políticas, a independência do Brasil teria que acontecer cedo ou tarde

-        Sendo d. João VI obrigado a voltar a Portugal e sendo públicas as pretensões das Cortes Gerais a respeito do Brasil, logo percebeu José Bonifácio que seria necessário agir e com grande rapidez

o   A partir daí, ele procurou acercar-se de Pedro de Alcântara, que soube reconhecer o valor do ancião

o   José Bonifácio soube preparar Pedro de Alcântara para a independência; mas, ao mesmo tempo, teve que enfrentar resistências inesperadas, totalmente retrógradas e mesquinhas, como a de Domitila de Castro, a famosa amante de Pedro de Alcântara tornada “Marquesa de Santos”, que apoiava o projeto “recolonial”

o   O episódio do “Dia do Fico” (9.1.1822), em que Pedro de Alcântara rejeitou a ordem de retorno a Portugal, emitido pelas Cortes Gerais, preparou o 7 de Setembro

-        Exemplares das superiores condições morais, intelectuais e práticas de José Bonifácio são as suas propostas para o Brasil

o   José Bonifácio tinha extrema clareza a respeito dos problemas e das condições brasileiras de então

§  Para ele, cumpria integrar o imenso território nacional, assim como permitir e realizar a integração dos três grandes elementos étnicos nacionais, o português, o africano e o indígena

§  A integração social implicava, necessariamente, a abolição da escravidão, a miscigenação e, depois, o estímulo à alfabetização e à indústria

§  Todavia, ao mesmo tempo, percebendo que o país tinha sua economia baseada na escravidão, em um regime que naquele momento não tinha perspectivas para desaparecer, José Bonifácio entendeu que só seria possível manter o Brasil unido por meio da monarquia: afinal de contas, para ele, a escravidão era inimiga da República

§  Em outras palavras, a monarquia foi instituída para garantir (pelo menos por algum tempo) a permanência da escravidão – o que equivale a dizer que a monarquia foi implantada no Brasil como um regime explicitamente escravista e escravocrata

§  A monarquia apresentava algumas vantagens adicionais de caráter momentâneo: por um lado, assegurava a continuidade institucional por meio da manutenção da dinastia reinante; por outro lado, José Bonifácio temia que a república no Brasil seguisse os passos da América espanhola, com a fragmentação política (e territorial)

o   Essas propostas foram expostas com grande beleza pelo pintor positivista Eduardo de Sá, na famosa tela “José Bonifácio, a fundação da pátria brasileira”

-        Também importa notar que, assim como com Tiradentes, a figura de José Bonifácio foi eternizada e celebrizada por nós, positivistas

o   Mas, não por acaso, a historiografia atual despreza essa nossa importância, ainda que aceite os resultados de nossa atuação

o   Esse desprezo da historiografia atual pela importante atuação dos positivistas em favor da memória de José Bonifácio segue o impulso destruidor da metafísica marxista desde a década de 1960 (ainda que a historiografia atual não seja marxista) e revela, no final das contas, uma profunda mesquinhez

-        Considerando que o Positivismo é uma religião cívica e pacifista, importa afirmar com toda as letras: os desfiles militares não representam a República

o   Nesse sentido, nem a proposta cívica de José Bonifácio nem o caráter pacífico-industrial da política moderna aceitam as demonstrações usuais de “civismo”

o   Desde pelo menos o século XIX – portanto bem antes do regime inaugurado em 1964 –, as comemorações do 7 de Setembro resumem-se a paradas militares. Os desfiles de pelotões, tanques e armamentos acabam concentrando nas Forças Armadas as idéias de “civismo” e “patriotismo” e desvirtuando a convergência pacífica dos cidadãos em prol do bem comum – que é o fundamento e o objetivo da política republicana

o   Já em 1881 os positivistas dizíamos exatamente isso, repetindo-o desde então

-        O 7 de Setembro resume-se na imponente máxima de José Bonifácio, segundo quem “A sã política é filha da moral e da razão”

o   A sabedoria política de José Bonifácio pode ser avaliada por esta frase, que resume de maneira brilhante o programa da política moderna: “A sã política é filha da moral e da razão”

o   É devido a concepções como essas que, juntamente com a Independência do Brasil, no dia 7 de setembro comemoramos também a imponente figura do grande santista que foi José Bonifácio

o   Embora não seja de origem positivista, essa máxima evidentemente está totalmente de acordo com os mais elevados princípios morais, intelectuais e políticos propostos pelo Positivismo

§  A concordância com o Positivismo ocorre também porque essa máxima corresponde aos melhores valores da política moderna

 


[1] Estas anotações baseiam-se na Notícia sobre a vida e a obra de Augusto Comte, escrita pelo dr. Robinet (1860), no livro O ano sem par, de Teixeira Mendes (1900), no livro Epítome da vida e dos escritos de Augusto Comte, de José Longchampt (1898), e, principalmente, no artigo “Un des anges d’Auguste Comte – Sophie Thomas”, de Maurice Wolff (Mercure de France, 44 année, tomo CCXLV, n. 842, 15.jul.1933)