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27 abril 2020

Sugestões sociológicas sobre o "mundo pós-pandemia"


Há algumas semanas vários comentários sobre o “mundo pós-pandemia” têm sido feitos. Há exageros e palpites aí, mas creio que no fundo o esforço vale a pena: por um lado, e neste momento de modo mais importante, porque há a simples e direta necessidade psicológica de termos esperança, de sabermos que o mundo não acabará; por outro lado, porque é necessário sabermos minimamente para onde vamos para podermos agir de acordo (é o “saber para prever a fim de prover” de nosso mestre Augusto Comte).

Minhas sugestões para o que ocorrerá no "mundo pós-pandemia", neste momento, são as seguintes:

1) antes de mais nada, não estamos em uma “economia de guerra”; mas, como é evidente, também não estamos na normalidade econômica. Se precisamos de uma denominação para a atual fase econômico-social (e creio que realmente precisamos), que utilizemos “economia de pandemia”. A economia de guerra envolve privação da população civil, mas não diminuição da atividade econômica; o que ocorre é aumento da atividade econômica e o seu direcionamento para os esforços de guerra (cujo objetivo é tirar vidas e destruir coisas). O que vivemos desde o início de 2020 é a diminuição da atividade econômica, em virtude do “isolamento social”, cujo objetivo é preservar vidas.

2) Até o final do ano com certeza voltaremos à normalidade relativa – isto é, deixando de lado as mortes, os problemas econômicos mundiais (e nacionais) e as necessárias mudanças de hábitos. Assim, quem afirma que “o mundo nunca mais será o mesmo” está vendo apenas e em excesso bobagens como a série televisiva The Walking Dead ou, então, filmes como Independence Day. Rigorosamente, é evidente que o mundo daqui a um segundo será diferente do mundo de um segundo atrás. Dessa forma, afirmar que após a pandemia “o mundo nunca mais será como antes”, das duas uma: ou é uma trivialidade sociológica ou é um exagero completo inspirado na escatologia estadunidense. (“Escatológico” significa duas coisas: (1) relativo ao “fim do mundo” e (2) relativo às fezes.)

3) Haverá um período de luto variável, que deve durar entre seis meses a um ano conforme o lugar. Creio que esse luto será mais individual no conjunto do Brasil, embora ele deva assumir um caráter também mais coletivo em alguns lugares (como a cidade de Manaus). Entretanto, tenho a triste impressão de que, em seu conjunto, devido à nossa burrice coletiva (capitaneada pelos nossos líderes políticos demagógicos, autoritários e obscurantistas, secundada pela nossa burguesia mesquinha e egoísta), não teremos luto coletivo no Brasil;

3) A adoção do feliz hábito de usar EPIs (equipamentos de proteção individual), em particular as máscaras, quando tivermos gripe ou resfriados. Provavelmente esse novo hábito não será generalizado, mas com certeza deixará de ser estranho ver-se nas ruas pessoas usando as máscaras, quando estiverem acometidas de doenças respiratórias.

4) O fortalecimento e a estruturação mais clara do teletrabalho, seja na iniciativa privada, seja no setor público; isso, aliás, ocorrerá não apenas em serviços de escritório mas também se refletirá no incremento do ensino à distância, provavelmente mesmo para crianças e adolescentes. Uma consequência daninha disso será o estímulo ainda maior à “uberização” do trabalho no Brasil, aumentando a informalidade e os trabalhos de baixa qualidade no país.

5) A despeito dos berros histéricos sobre “comunismo”, provenientes dos suspeitos grupos ideológicos da nova extrema direita, haverá um reforço claro do SUS (Sistema Único de Saúde) no Brasil, a ser apoiado também por iniciativas internacionais nesse sentido (como na Inglaterra e até nos EUA).

6) Em virtude da necessidade de firme atuação do Estado para lidar com a pandemia – seja em termos de controle da população, seja em termos de manutenção de um sistema público de saúde eficiente, seja em termos de adoção de medidas econômicas para controle da crise e para recuperação da recessão que virá depois – também ocorrerá um enfraquecimento do discurso ultraliberal (capitaneado pelo Ministro Paulo Guedes e apoiado por capitalistas como João Amoêdo, todos ignorantes da realidade social e política do Brasil). Concomitantemente ao feliz descrédito do ultraliberalismo, talvez ocorra um fortalecimento do keynesianismo e, quem sabe, do neodesenvolvimentismo.

7) Deverá ocorrer a criação de um sistema internacional de prevenção e controle de doenças infectocontagiosas mais eficiente e coordenado, alguma coisa como uma “OMS (Organização Mundial da Saúde) turbinada”) – a despeito dos EUA (e da China e da Rússia) e, portanto, liderada pela União Européia, pela ONU (Organização das Nações Unidas) e por uma coalizão de diversos países.

8) Quando as restrições à movimentação forem totalmente levantadas, lá pelo final do ano, provavelmente teremos uma epidemia de comportamento desregrado, fortemente compensatório em termos subjetivos, resultando, no segundo semestre do ano que vem, em uma explosão de partos (algo semelhante ao que ocorreu nos EUA e, em menor escala, na Europa após a II Guerra Mundial).

De pronto, é nisso que eu penso. Comentários e sugestões são bem-vindos!