No dia 23 de Moisés de 170 (23.1.2024) iniciamos as atividades da Igreja Positivista Virtual no ano de 170 (2024). Nessa ocasião, demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua nona conferência, dedicada ao conjunto do regime.
Antes da leitura comentada, indicamos diversas atividades realizadas no período do recesso:
- a comemoração da Festa da Humanidade (1º de Moisés/1º de janeiro);
- a celebração do nascimento de Augusto Comte e também a celebração de Rosália Boyer (19 de Moisés/19 de janeiro);
- a criação da coleção "Positivism" na biblioteca virtual Internet Archive.
Depois desses anúncios, lembrando que o Positivismo é uma religião cívica, lemos o manifesto intitulado "Pela república, a favor da sociocracia, contra o terrorismo fascista", lançado em 8 de Moisés de 170 (8.1.2024) (disponível aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2024/01/manifesto-pela-republica-favor-da.html).
Na parte do sermão, comentamos as necessidades individuais satisfeitas pelas religiões. As anotações que serviram de base para essa exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (disponivel aqui: https://l1nq.com/psLt3) e Igreja Positivista Virtual (disponível aqui: https://acesse.one/uBHLP).
A leitura do manifesto iniciou-se aos 13 min 56 s.
A leitura comentada do Catecismo positivista começou aos 34 min 25 s.
O sermão começou em 1h 12 min 05 s.
* * *
-
Há algumas semanas tivemos uma
observação, que é também uma espécie de dúvida, apresentada por um jovem que
tem estudado o Positivismo:
o Por
vezes as teologias obtêm e mantêm seus aderentes devido à necessidade de muitos
indivíduos de verem-se tutelados integralmente, o tempo todo, por entidades
todo-poderosas
-
Em primeiro lugar, a percepção de
que há teológicos que precisam desse tipo de tutela não pode conduzir-nos à
ilusão, ou até ao preconceito, de que todos os teológicos buscam essa tutela
o Em
primeiro lugar, devemos lembrar que há diferentes tipos de teologia e que,
portanto, elas geram ou estipulam diferentes tipos de comportamentos
§ A
busca de tutela é mais própria ao monoteísmo – e, em particular, ao monoteísmo
cristão – que ao politeísmo, em que os vários deuses têm comportamentos
díspares mas que, com freqüência, não são exatamente tutelares (e as tutelas
são particulares a grupos ou âmbitos específicos)
o Mas,
de qualquer maneira, mesmo no caso do monoteísmo cristão, diferentes tradições
e diferentes indivíduos têm relações diferentes com a divindade
§ A
relação de submissão solicitante mantém-se em geral, mas é claro que, por um
lado, há indivíduos que requerem menos a tutela, assim como, por outro lado, há
indivíduos que solicitam mais a tutela
-
A busca de uma divindade todo-poderosa
que tutele o tempo todo os indivíduos é característica de naturezas mais
frágeis, por vezes em termos objetivos (isto é, pessoas que vivem na pobreza ou
na miséria), mas com freqüência em termos subjetivos
o Em
face disso, duas reflexões surgem:
§ (1)
Pessoas mais frágeis precisam de mais apoio
·
Mas não devemos criticar essa
necessidade em si mesma: isso é uma questão de respeito às características
pessoais de cada um e mesmo às condições sociais em que vivem, além de isso
evocar a regra do dever altruístico: a dedicação dos fortes pelos fracos
§ (2)
Mas, por outro lado, em certas situações, essa busca de tutela tem de fato um
aspecto de infantilidade, em que um adulto busca o apoio subjetivo de uma
figura paterna (ou, mesmo, em termos mais amplos, de uma figura parental)
o Ora,
como indicamos antes, diferentes religiões estimulam diferentes sentimentos e,
daí, conduzem a diferentes comportamentos: os monoteísmos efetivamente
estimulam mais a busca de uma tutela absoluta:
§ As
figuras patriarcais, tutelares e vingativas do judaísmo e do cristianismo, a
divindade punitiva do Islã, mesmo as ambigüidades afetivas e apocalípticas da
trindade cristã
§ Tudo
isso, próprio a uma época que já se encerrou há muito e muito tempo, ainda hoje
estimula bastante muitos comportamentos irresponsáveis, seja porque são
“fanáticos”, seja porque são infantilizados
-
Feitos esses comentários, devemos
ter cuidado com outra coisa: não devemos apenas criticar a situação dos
monoteístas que buscam a tutela; devemos considerar que essa busca em si mesma
corresponde a uma necessidade humana verdadeira e legítima, mas cuja solução
teológica (em particular monoteísta), como de hábito, é inadequada
o Antes
de prosseguirmos, devemos lembrar que as divindades monoteicas – seja a do
judaísmo, seja a do catolicismo, seja a islamismo – estão radicalmente
separadas dos seres humanos, não precisam dos seres humanos para nada e, ante
elas, os seres humanos estão solitários e desamparados
§ A
solidariedade terrena é certamente estimulada pelo altruísmo inato ao ser
humano, mas, do ponto de vista dogmático, tal solidariedade é apenas uma forma
de aumentar o exército de indivíduos isolados (e interesseiros) perante a
divindade que não tem nenhum interesse real em nós
-
A noção de “Humanidade” tem, e tem
que ter, um aspecto de conforto, de apoio; esse elemento é tanto objetivo
quanto subjetivo
o Antes
de mais nada, devemos ter clareza de que o apoio fornecido pela Humanidade é de
caráter relativo e não absoluto, ou seja, não é todo-poderoso e em larga medida
depende das ações dos seres humanos
o Augusto
Comte referia-se por vezes à Humanidade como a nossa “providência real”: esse
aspecto de “providência” já deixa claro que é ela, a Humanidade, que nos cria e
que, em última análise, fornece-nos tudo aquilo de que precisamos
§ A
imagem que representa a Humanidade (a mulher com cerca de 30 anos, segurando em
seu colo um bebê) sugere diretamente o apoio, o carinho, o afeto, o conforto
que a Humanidade provê e inspira-nos
o Mas
a Humanidade é relativa e é composta; como dizia Augusto Comte a partir de
Dante, ela é “filha de seu filho”: a Humanidade tem vários âmbitos de atuação
-
Por um lado, a Humanidade é um ser
composto: seus mínimos elementos são as famílias e as mátrias; nas famílias e
nas mátrias – e também, cada vez mais, no que se chama atualmente de “sociedade
internacional” – buscamos e obtemos os apoios de que necessitamos
o O
centro moral de cada família é a mulher, seja como esposa, seja como mãe:
assim, o conforto moral que ela provê é uma prefiguração da deusa positiva
o Além
disso, em parte generalizando o apoio doméstico, em parte solucionando as
dificuldades que, concretamente, todos podemos enfrentar na obtenção de apoio e
amparo doméstico, Augusto Comte elaborou a concepção dos “anjos da guarda”
§ Os
anjos da guarda consistem precisamente naquelas figuras que nos ampara(ra)m
afetivamente e que, por isso, são merecedoras da nossa idealização pessoal
§ Essas
idealizações são esforços conscientes da nossa parte de homenagear essas
figuras, estabelecendo-as como importantes e poderosos apoios subjetivos em
nossas vidas, o que resulta, além disso, em estímulos contínuos para o nosso
desenvolvimento e aperfeiçoamento moral, intelectual e prático
-
Por outro lado, a ação da Humanidade
é tanto objetiva quanto subjetiva:
o Citamos
há pouco as famílias e as mátrias (e até a sociedade internacional): elas têm
um caráter objetivo, ao fornecer-nos o amparo material em nossas vidas
o Mas
as famílias, as mátrias e a Humanidade, evidentemente, também atuam de maneira
subjetiva, ao estimular, alimentar e regular nossos sentimentos e nossas idéias
§ Aliás,
é exatamente dessa forma e a partir dela – isto é, da característica subjetiva –
que cada um de nós pode ter o apoio e o amparo da Humanidade:
·
Seja por meio da inspiração da
figura abstrata da Humanidade, seja por meio da ação mais direta e concreta das
nossas mães, das nossas esposas, das nossas irmãs, a Humanidade acolhe-nos e
conforta-nos
·
Por outro lado, as famílias, as
mátrias, a Humanidade inspiram-nos a noção de dever, isto é, de
responsabilidades de todos para com todos, em
particular dos fortes para com os fracos
o O
resultado dos aspectos objetivos e subjetivos é que a Humanidade:
§ Conforta-nos
ativa e passivamente, direta e indiretamente
§ Cria,
mantém e desenvolve as condições para esse conforto
§ Esse
conforto não é só subjetivo, mas é também objetivo, na medida em que a
realidade humana não é a de um isolamento individual radical, mas é a de
relações permanentes por todos os lados – relações que, aliás, não se limitam
aos seres humanos, mas estendem-se aos animais domésticos e, por meio do
fetichismo, também a muitos objetos, ao Sol, à Lua, ao fogo etc.
§ Mas
temos que insistir neste ponto: o conforto objetivo e subjetivo provido pela
Humanidade estimula e, na verdade, exige a noção de dever, isto é, de
responsabilidade de todos para com todos
-
Como uma decorrência do aspecto
anterior (objetividade/subjetividade), a ação da Humanidade dá-se tanto no
presente quanto, ainda mais, no passado e no futuro:
o A
distinção entre passado/futuro e presente conduz-nos à distinção entre a vida
objetiva e a vida subjetiva de uma forma mais precisa, ao indicar que na vida
subjetiva estão todos os seres humanos convergentes que já morreram, além de
aqueles todos que ainda não nasceram; na vida objetiva estão os servidores da
Humanidade, os seus agentes concretos, que são todos os indivíduos que atuam em
prol dos seres humanos e das coletividades
§ Não
existem indivíduos por si sós; o que há são integrantes de famílias e de
mátrias, que também colaboram para a Humanidade
o Por
um lado, os indivíduos, ou melhor, os agentes concretos da Humanidade são os
titulares de deveres
§ Esses
deveres, aliás, mudam de acordo com os grupos sociais que se considera; quanto
mais recursos tiverem os grupos sociais, maiores são seus deveres e, portanto,
maiores são as cobranças que devem ser feitas sobre eles
§ De
qualquer maneira, como já indicamos algumas vezes: entre os deveres que cabem a
todos estão os de atuarem em prol dos demais (é o objetivo concreto do “viver
para outrem”) e, portanto, o de atuarem objetivamente como a providência que é
a Humanidade
o Por
outro lado, os agentes concretos da Humanidade são confortados, inspirados,
alimentados e orientados pela Humanidade em suas ações
§ A
lei do dever, isto é, o “viver para outrem”, é também um ideal, um objetivo
geral que orienta a vida de cada um de nós
§ Assim,
sob a inspiração da Humanidade, colaboramos ativamente para o melhoramento e o
enriquecimento da vida de todos como, em termos “puramente” individuais, temos
sempre objetivos de vida: não ficamos nunca sozinhos no universo nem ficamos
desorientados em nossas vidas
-
Para concluir:
o Como
dissemos antes, diferentes religiões estimulam diferentes traços da natureza
humana
o Os
monoteísmos estimulam com freqüência – e talvez de maneira particular – a busca
do tutelamento individual, ou melhor, a busca de uma tutela infantilizante
o Mas
se a tutela infantilizante é uma solução que, no final das contas, é
degradante, ainda assim podemos considerar que ela baseia-se por vezes em
necessidades legítimas – de apoio, de amparo, até mesmo de orientação na vida
o A
respeito de todos esses aspectos, a noção e a realidade da Humanidade
satisfazem mais e melhor os seres humanos:
§ Os
vários níveis concretos da Humanidade apóiam-nos e amparam-nos de verdade
§ A
noção abstrata de Humanidade estabelece a lei do dever, que permite o apoio e o
amparo e que dá sentido à vida de cada um de nós
§ Essas
diversas concepções podem parecer muito abstratas à primeira vista, mas elas
são radicalmente concretas: nossas mães são nossos amparos; cada família, cada
mátria, cada indivíduo, cada animal, cada fetiche atua para melhorar nossas
vidas: é assim, e é só assim, que age a Humanidade e que é possível termos
apoio e amparo
·
Inversamente, cada ser humano que
atua de maneira egoística e/ou destrutiva age contra a lei do dever e contra a
Humanidade