Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
20 novembro 2024
Hernani Gomes da Costa: celebração da bandeira nacional republicana
15 outubro 2024
Vídeos dos ciclos de palestras do Centro Positivista do Lavradio: laicidade e utopia republicana
01 junho 2024
Fenômenos MAIS modificáveis são MENOS irresistíveis
Fenômenos mais modificáveis são menos
irresistíveis
O trecho abaixo é notável em sua importância epistemológica e em sua aplicação pedagógica. Comentando as críticas sofridas pelas teorias de Gall e Spurtzheim sobre o cérebro e seu funcionamento, Augusto Comte nota que uma delas em particular, conquanto errada em si mesma, permitiu lançar luz sobre questões importantes – daí a conveniência de examinar tal crítica. Essa crítica afirma que a noção de leis naturais (e, mais particularmente, a noção de que os fenômenos cerebrais seguem, também, leis naturais) impede a liberdade humana e torna a educação irrelevante ou inútil.
Para responder a essa crítica, Augusto Comte observa que os fenômenos mais complicados (e mais específicos) são os mais modificáveis e, inversamente, que os mais simples (e mais gerais) são os menos modificáveis. Além disso, o fundador da Sociologia nota que o aumento da complicação e da especificidade implica um acréscimo contínuo de novas leis naturais específicas, cada qual com suas próprias variações: esse acúmulo paulatino de novas variações acarreta nos fenômenos mais complicados maiores graus de variação, ou, nos termos abaixo, menores graus de irresistibilidade, sem que isso acarrete, de qualquer maneira, a negação da noção de leis naturais próprias a cada fenômeno. No que se refere à educação, a menor irresistibilidade juntamente com as leis naturais específicas resultam em que há grande espaço para a educação, o que não significa, todavia, que leis e instituições possam, por si sós, pura e simplesmente fazer o que quiser com o ser humano, da mesma forma que não podem criar gênios.
Em termos epistemológicos, esse trecho é importantíssimo porque esclarece, mais uma vez, o que significa a expressão “maior complicação, maior modificabilidade”. Do ponto de vista pedagógico – mas também da política prática –, esse trecho é importantíssimo porque assenta que o ser humano não é infinitamente maleável nem que é maleável conforme vontades arbitrárias e caprichosas[1].
De modo geral o trecho é autoexplicativo. Convém notar, entretanto, que Augusto Comte critica a “ideologia francesa” e a “psicologia germânica”: no primeiro caso, a referência é à “Ideologia” e aos ideólogos, que se constituíram nos intelectuais franceses de maior nomeada após o Iluminismo e a Revolução Francesa; Comte considera em particular as obras de Étienne de Condillac e Claude-Adrien Helvétius. No que se refere à “psicologia”, eu não sei identificar por ora a quem ele referia-se especificamente. De qualquer maneira, tanto em um caso quanto no outro, para Comte as doutrinas ideológicas e psicológicas eram profundamente metafísicas, afirmando concepções degradadas da teologia, como a noção de “alma”, ou a de “eu” unitário[2]. Em contraposição a tais doutrinas, Augusto Comte elogia o estudo empírico do cérebro, com a busca da determinação tanto das funções cerebrais elementares quanto dos órgãos cerebrais específicos[3] – e, a partir daí, estabelecendo as bases positivas para o estudo e a compreensão da subjetividade do ser humano. Assim, o elogio que Augusto Comte faz à frenologia, a Gall e a Spurtzheim considera as importantes pesquisas empíricas de neuroanatomia e de neurofisiologia, que estabeleceram indiscutivelmente as bases realmente elementares do que se chama nos dias de hoje de “neurociência”; essas pesquisas têm valor por si sós, independentes das aplicações posteriores e/ou de exageros interpretativos, que Augusto Comte criticava ou que deixava de lado[4].
* * *
“Entre as inúmeras objeções que foram sucessivamente levantadas contra essa bela doutrina, considerada sempre unicamente nas suas disposições fundamentais, e continuando a eliminar toda especialização, só uma merece ser assinada aqui, tanto pela sua alta importância, como pela nova luz que a sua inteira resolução fez jorrar sobre o espírito da teoria. Consiste ela na pretensa irresistibilidade que juízes irrefletidos creram dever assim ser atribuída às ações humanas, e que é necessário examinar sumariamente do ponto de vista geral peculiar à filosofia positiva.
Só uma profunda ignorância do verdadeiro espírito da filosofia natural poderia fazer confundir, em princípio, a subordinação de acontecimentos quaisquer a leis invariáveis, com a irresistível consumação necessária deles. No conjunto do mundo real, orgânico ou inorgânico, é evidente, como já o estabeleci, que os fenômenos das diversas ordens são tanto menos modificáveis, e determinam tendências tanto mais irresistíveis, quanto mais simples e mais gerais são ao mesmo tempo eles. Sob este aspecto, os atos da gravidade, por serem relativos à mais geral e a mais simples de todas as leis naturais, são os únicos que possamos conceber como plenamente e necessariamente irresistíveis, pois que não podem jamais ser inteiramente suspensos; eles se fazem sempre sentir, de uma maneira qualquer, já por um movimento, já por uma pressão. Mas a medida que os fenômenos se complicam, a sua produção exigindo o concurso indispensável de um número sempre crescente de influências distintas e independentes, eles se tornam, só por isso, cada vez mais modificáveis, ou, em outros termos, a sua consumação se faz cada vez menos irresistível. Isso resulta das combinações cada vez mais variadas que comportam as diversas condições necessárias, cada uma das quais continua todavia a ser isoladamente sujeita às suas leis fundamentais, sem as quais a concepção geral da natureza ficaria nesse estado arbitrário e desordenado que a filosofia teológica é diretamente destinada a representar. É assim que os fenômenos físicos, e sobretudo os fenômenos químicos, comportam modificações continuamente mais profundas, e apresentam, por conseqüência, uma irresistibilidade sempre menor, como tive o cuidado de explicá-lo. Notamos igualmente que, em virtude da sua complicação e da sua especialidade superiores, os fenômenos fisiológicos são os mais modificáveis e os menos irresistíveis de todos, conquanto sempre submetidos, na sua consumação, a leis naturais invariáveis. Por uma conseqüência evidente da mesma noção filosófica, é claro que os fenômenos da vida animal, em razão da sua menor indispensabilidade e da sua inevitável intermitência, devem realmente ser encarados como mais modificáveis e menos irresistíveis ainda do que os da vida orgânica propriamente dita. Enfim, os fenômenos intelectuais e morais, que, pela sua natureza, são a um tempo mais complicados e mais especiais do que todos os outros fenômenos precedentes, devem evidentemente comportar mais importantes modificações e manifestar, portanto, uma irresistibilidade muito menor. Mas por isso cada uma das numerosas influências elementares que concorrem para eles não cessa de obedecer, no seu exercício espontâneo, a leis rigorosamente invariáveis, apesar do mais das vezes desconhecidas até ao presente. É o que Gall e Spurtzheim verificaram diretamente no caso atual, da maneira menos indubitável, por uma luminosa argumentação. Bastou-lhes, depois de ter lembrado que os atos reais dependem quase sempre da ação combinada de várias faculdades fundamentais, observar, em primeiro lugar, que o exercício pode desenvolver muito cada faculdade qualquer, como a inatividade tende a atrofiá-la; e, em segundo lugar, que as faculdade intelectuais diretamente destinada, pela sua natureza, a modificar a conduta geral do animal segundo as exigências variáveis da situação dele, podem alterar muito a influência prática de todas as outras faculdades. Em virtude desse pulo princípio, não pode haver verdadeira irresistibilidade, e por conseqüência irresponsabilidade necessária, conforme as indicações gerais da razão pública, senão nos casos de mania propriamente dita. Nestes a preponderância exagerada de uma faculdade determinada, proveniente da inflamação ou da hipertrofia do órgão correspondente, reduza de alguma sorte o organismo ao estado de simplicidade e de fatalidade da natureza inerte. É pois bem vãmente, e com leviandade bem superficial, que se acusou a fisiologia cerebral de menosprezar a alta influência da educação, e da legislação que constitui o prolongamento necessário desta, porque fixou judiciosamente os verdadeiros limites gerais de ambas. Por haver negado, contra a ideologia francesa, a possibilidade de converter, à vontade, mediante instituições convenientes, todo os homens em outros tantos Sócrates, Homeros, ou Arquimedes, e, contra a psicologia germânica, o império absoluto, muito mais absurdo ainda, que a energia do eu exerceria para transformar, ao seu sabor, a sua natureza moral, a doutrina frenológica foi representada como radicalmente destrutiva de toda liberdade razoável, e de todo aperfeiçoamento do homem por meio de uma educação bem concebida e sabiamente dirigida! É todavia evidente, só pela definição geral da educação, que essa incontestável perfectibilidade supõe necessariamente a existência fundamental de predisposições convenientes, e, demais, que cada uma delas é submetida a leis determinadas. Sem estas não se poderia conceber que se tornasse possível exercer sobre o conjunto das nossas disposições influência alguma verdadeiramente sistemática. De sorte que é precisamente, pelo contrário, à fisiologia cerebral que pertence exclusivamente a posição racional do problema filosófico da educação. Enfim, segundo uma última consideração mais especial, essa fisiologia erige em princípio incontestável que os homens são, de ordinário, essencialmente medíocres, tanto para o bem como para o mal, na sua dupla natureza afetiva e intelectual. Isto é, a fisiologia cerebral mostra que, afastando um pequeníssimo número de organizações excepcionais, cada um deles possui, em grau pouco pronunciado, todos os instintos, todos os sentimentos, e todas as aptidões elementares, sem que a maioria das vezes faculdade alguma seja, em si mesma, altamente preponderante. É portanto claro que o mais vasto campo acha-se assim diretamente aberto à educação para modificar, quase em todos os sentidos, organismos tão flexíveis; embora, quanto ao grau, o seu desenvolvimento deva sempre ficar nesse estado pouco assinalada que basta plenamente para a boa harmonia social, como o explicarei mais tarde”.
(Augusto Comte, Sistema de filosofia positiva, v. 3, lição 45, p. 808-813, apud Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 14-17; itálicos de Teixeira Mendes. Esse trecho pode ser lido no original aqui: https://archive.org/details/bub_gb_i-cx5K6kWVMC/page/807/mode/2up?view=theater.)
[1] Uma aplicação política imediata dessas reflexões pedagógicas é no sentido de pôr por terra a noção pós-moderna e identitária, ao mesmo tempo vulgar, falsa e errada, tão comum nos dias atuais, segundo a qual “tudo é social”, no sentido de que tudo seria “socialmente construído”, ou seja, de que tudo seria passível de manipulação (e destruição) intencional e caprichosa.
[2] Mesmo hoje, essa noção metafísica continua exercendo profunda influência entre inúmeros pensadores, em virtude de sua filiação com a teologia. As doutrinas psicológicas, especialmente as de origem alemã (a psicanálise à frente), também são profundamente metafísicas, embora com freqüência devido a outros motivos.
[3] A noção de que o cérebro na verdade é um aparelho e não um órgão unitário, era bastante clara para Comte, a partir das pesquisas precisamente de Gall e Spurtzheim.
[4] Entre as aplicações posteriores e/ou os exageros que A. Comte criticava ou deixava de lado estão a “craniometria”, a busca (e a suposta determinação) do “órgão do roubo”, do “órgão do assassinato” etc. (Cf. Augusto Comte, Sistema de filosofia positiva, v. 3, lição 45, p. 797-798, apud Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 9, nota de rodapé. Disponível na postagem “Instintos e genética não são fatalidades” (https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2024/05/instintos-e-genetica-nao-sao-fatalidades.html).)
30 maio 2024
Instintos e genética não são fatalidades
Instintos e genética não são fatalidades
Os trechos abaixo são particularmente impressionantes. Escritos originalmente em 1838, no volume III do Sistema de filosofia positiva, eles integram o capítulo dedicado ao exame das investigações sobre o cérebro, especificamente sobre as funções e os órgãos do cérebro[1]. Naquele momento do desenvolvimento da carreira filosófica de Augusto Comte, esse exame constituía a última etapa lógica e teórica no exame das ciências antes de avançar para a fundação direta e imediata da Sociologia (que, por sua vez, realizar-se-ia nos três volumes seguintes da Filosofia positiva, da Lição 46 à Lição 60).
Nesses dois trechos, após passar em revista as concepções teológicas e metafísicas sobre a natureza humana, Augusto Comte examina as investigações mais positivas à sua época e que, em sua opinião, eram as de Joseph Gall e seu assistente e colaborador Johann Spurtzheim; esse exame, também vale notar, era elogioso, o que não equivale a dizer “desprovido de críticas” e/ou de retificações mais ou menos importantes.
Os teológicos e os metafísicos partiam da noção de “alma”, que seria uma graça concedida pela divindade para animar os corpos dos seres humanos e dotá-los de inteligência. Com isso, eles consideravam que a inteligência seria um atributo exclusivo do ser humano, da mesma forma que o ser humano teria uma sempre e necessária unidade subjetiva, um núcleo duro e profundo de si mesmo irredutível de um ser humano para outro. Daí se seguia, como se segue, que haveria uma divisão radical, profunda e intransponível entre o ser humano e os “animais”; que o ser humano seria um ser principalmente raciocinante; que cada ser humano é um mundo radicalmente à parte dos demais. Essas concepções, embora tenham sido criticadas pelas mais elementares pesquisas da “neurociência” e da filosofia desde o final do século XVIII, ainda hoje impregnam os debates e as reflexões científicos, filosóficos, morais, políticos – e até midiáticos (como se vê nos filmes e seriados estadunidenses).
Além dessas concepções evidentemente de origem teológica, Augusto Comte também comenta concepções mais claramente metafísicas, que chamaríamos hoje em dia de “mecanicistas”, ou “fatalistas”, ou – como são popularmente denominadas, mesmo no âmbito acadêmico – “deterministas”. Essas outras concepções postulam que os animais (e, às vezes, o ser humano) possuem “instintos” e que esses instintos conduzem sempre, necessariamente, a comportamentos específicos automáticos. Isso corresponde às noções de que somente o ser humano é “racional” (ou seja, que somente ele controlaria seu comportamento) e que, portanto, os animais agem sempre sem nenhum autocontrole.
A concepção mecanicista-fatalista do instinto, quando transposta para o ser humano, conduz igualmente à noção de que o ser humano, como seria um “animal”, seria incapaz de controlar-se, de aprender, de modificar seu comportamento conforme as circunstâncias, as conveniências, os valores. A esse respeito, o comentário específico de Augusto Comte, nesse caso, consiste em uma nota de rodapé em sua apreciação da obra de Joseph Gall e de Johann Spurtzheim, valorizando uma retificação, ou uma correção, feita por este último às concepções do primeiro: a existência de órgãos específicos não conduz a comportamentos específicos (além de que, de qualquer maneira, não há órgãos para o roubo, para o assassinato etc.).
Novamente: esses comentários foram feitos há quase 200 anos, em 1838, como preparatórios para a Sociologia. Talvez pareçam meras curiosidades filosóficas – afinal, sendo tão antigos, não teriam valor “científico” –; talvez pareçam curiosidades históricas – afinal, sendo tão antigos, seriam “peças de museu”. De fato, muito da mentalidade contemporânea aponta para essas maneiras de ver, tanto a partir da ciência quanto do frenesi tecnológico atual, ambos cultores de um degradante “presentismo”, de um culto ao presente, ao que é “atual” (e que, por ser “atual”, seria “moderno”, “melhor”).
Mas, deixando de lado esses preconceitos presentistas, academicistas, cientificistas e tecnologistas, o fato é que esses comentários são profundamente, são radicalmente atuais. Em apenas dois parágrafos, a partir das pesquisas científicas anteriores (não somente biológicos e/ou de “neurociência”, mas do conjunto da produção científica) e de sua reflexão autônoma, Augusto Comte faz o seguinte:
1) Define (e reafirma) o que é instinto e inteligência
2) Define (e reafirma) que os instintos e a inteligência são comuns aos seres humanos e aos animais
a. Define (e reafirma) que, portanto, os animais também são inteligentes e que, assim, não faz nenhum sentido estabelecer uma divisão radical, profunda e intransponível entre seres humanos e animais
3) Define (e reafirma) que a inteligência é um atributo relacional, dos animais em relação ao ambiente que os cerca
a. Define (e reafirma) que a inteligência – e a razão – é a capacidade de mudar o comportamento, conforme as circunstâncias
4) Define (e reafirma) que os instintos são apenas disposições inatas que buscam alguma satisfação
a. Define (e reafirma), portanto, que os instintos não correspondem a fatalismos comportamentais
5) Define (e reafirma) que a presença de determinados órgãos não implica necessariamente determinados comportamentos
a. Define (e reafirma) que os comportamentos concretos dependem das disposições internas aos seres vivos (o que inclui, evidentemente, a inteligência), e das circunstâncias ambientais (ou seja, do “contexto”), incluindo-se aí também os variados processos de educação
Todos esses aspectos têm que afirmados e reafirmados constantemente; eles têm influências profundas sobre as concepções sobre os animais e sobre o ser humano (e este em termos coletivos e individuais).
Por exemplo: a Biologia, a Sociologia e a Moral (chamada contemporaneamente de “Psicologia”), a partir das concepções teológico-metafísicas criticadas em 1838 por Augusto Comte, hoje em dia mantêm acirradas polêmicas sobre as relações entre a “natureza” e a “cultura”, discutindo se a herança genética é ou não um fatalismo, ou seja a educação serve ou não para mudar as disposições genéticas, ou se a educação (no caso do ser humano) não tem que se preocupar em absoluto com as disposições genéticas.
Para facilitar a identificação e o entendimento das passagens citadas, incluí pequenos títulos descritivos antes de cada uma delas.
* * *
Definições de “instintos”, “inteligência” e
“razão”
“Conquanto, pelos motivos precedentemente indicados, as diversas escolas psicológicas ou ideológicas tenham estado de acordo em descurar essencialmente o estudo intelectual e moral dos animais, felizmente abandonado, desde a origem imediata da filosofia moderna, aos puros naturalistas, importa assinalar aqui a influência funesta que as concepções metafísicas exerceram todavia também, a este respeito, de uma maneira indireta, pela sua vaga e obscura distinção entre a inteligência e o instinto, estabelecendo, da natureza humana para a natureza animal, uma ideal separação, da qual os zoologistas não se libertaram ainda suficientemente, mesmo hoje. A palavra instinto não tem, em si mesma, outra acepção fundamental senão de designar todo impulso espontâneo para uma direção determinada, independentemente de alguma influência estranha. Nesse sentido primitivo, tal termo aplica-se evidentemente à atividade peculiar e direta de qualquer faculdade, tanto das faculdades intelectuais quanto das faculdades afetivas; ele não contrasta então de modo algum com o nome de inteligência, como se vê tantas vezes quando se fala daqueles que, sem nenhuma educação, manifestam um talento pronunciado para a musica, para a pintura, para as matemáticas etc. Sob esse ponto de vista, há certamente instinto, ou antes instintos, tanto ou mesmo mais no homem do que nos animais. Caracterizando, por outro lado, a inteligência mediante a aptidão de modificar a sua conduta conforme as circunstância de cada caso, o que constitui, com efeito, o principal atributo prático da razão propriamente dita, é ainda evidente que, a esse respeito, como pelo motivo precedente, não há lugar de estabelecer realmente, entre a humanidade e a animalidade, nenhuma outra diferença essencial senão a do grau mais ou menos pronunciado de que é suscetível o desenvolvimento de uma faculdade, necessariamente comum, pela sua natureza, a toda vida animal, e sem a qual não se pode mesmo conceber a existência desta”.
(Augusto Comte, Sistema de filosofia positiva, v. 3, lição 45, apud Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 5-6[2]; itálicos do próprio Augusto Comte.)
* * *
Os instintos e a presença de órgãos não
implicam fatalmente comportamentos
“Aqueles dos meus leitores que não considerarem esta teoria senão na sua fonte mais pura, isto é, na grande obra de Gall, não devem esquecer um indispensável aperfeiçoamento geral introduzido por Spurtzheim, conquanto, penetrando-se o fundo do pensamento de Gall, se deva achar talvez que tal progresso concerne antes as simples denominações do que as próprias idéias. Seja como for, esse melhoramento consiste em reconhecer que as diversas faculdades fundamentais não conduzem a atos, e sobretudo a modos e graus de ação, necessariamente determinados, como Gall parecia estabelecer a princípio; mas que os atos efetivos dependem, em geral, da associação de certas faculdades, e do conjunto das circunstâncias correspondentes. É assim que não pode existir, propriamente falando, nenhum órgão do roubo, pois que tal ato não é senão uma aberração do sentimento da propriedade, quando o seu exagero não é suficientemente contido pela moral e pela reflexão; o mesmo dá-se com o pretenso órgão do assassinato, comparado com o instinto geral da destruição. Igual consideração aplica-se, com mais forte razão, às faculdades intelectuais, que, por si mesmas, só determinam tendências, e de modo algum resultados acabados”.
(Augusto Comte, Sistema de filosofia positiva, v. 3, lição 45, apud Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 9, nota de rodapé[3].)
[1] Deve-se ter claro, então, que o cérebro é um órgão composto, ou seja, na verdade ele é um verdadeiro aparelho, composto por uma pluralidade de órgãos, cada um responsável por diferentes funções. O capítulo em questão é o último capítulo do v. III da Filosofia positiva, ou seja, é a Lição 45.
[2] Nesta versão eletrônica – facsimilar da primeira edição do livro –, pode-se ler a passagem acima nas páginas 783 a 785: https://archive.org/details/bub_gb_i-cx5K6kWVMC/page/783/mode/2up?view=theater.
[3] Pode-se ler a passagem acima nas páginas 796 e 797 desta versão eletrônica: https://archive.org/details/bub_gb_i-cx5K6kWVMC/page/797/mode/2up?view=theater.
21 dezembro 2022
Anotações sobre as liberdades política e filosófica
Anotações sobre a liberdade
- A liberdade é um dos temas mais clássicos de reflexão filosófica, política e social
o Para o que nos interessa, podemos considerar aqui dois tipos gerais de liberdade, a “filosófica” e a “política”
§ Antes de mais nada: não trataremos aqui da liberdade econômica
o Augusto Comte evidentemente trata de ambas
§ Mais do que tratar de ambas, Augusto Comte relaciona uma à outra de maneira íntima
§ Na presente exposição, trataremos antes da liberdade política e, com os seus elementos, trataremos da liberdade “filosófica”
- Em termos de liberdade política, eis o que podemos comentar:
o O conceito mais básico e elementar é o de Thomas Hobbes, que entende a liberdade como a capacidade de realizar coisas sem sofrer obstrução
o O sentido básico que Augusto Comte dá à liberdade segue esse conceito de Hobbes
- Entre os séculos XVII e início do século XIX, a partir da chamada “querela dos antigos e dos modernos”, estabeleceu-se uma distinção entre a “liberdade dos antigos” e a “liberdade dos modernos”; no século XX essa distinção recebeu uma nova elaboração, entre “liberdade negativa” e “liberdade positiva”
o A liberdade negativa consiste em fazer o que se deseja, sem que nada ou ninguém ofereça obstáculos ou resistências
o A liberdade positiva consiste na autonomia da decisão
o Na década de 1990, após o fim do comunismo, revalorizou-se o republicanismo (e a cidadania) e, a partir disso, propôs-se também a “liberdade republicana”, que é a ausência de arbitrariedade nas relações políticas
§ O propositor da liberdade republicana, Phillip Pettit, inspira-se no constitucionalismo da antiga república romana, mas no geral ele tem uma concepção bem restrita e pobre de “república” (ele rejeita os aspectos que as repúblicas costumam e que devem ter: antimonarquia, afirmação das liberdades, caráter social das repúblicas)
· Pettit afirma que essa modalidade de liberdade é uma variação da liberdade negativa; assim, ele acaba aproximando-se mais do liberalismo (liberdade negativa) e afastando-se da “democracia” (liberdade positiva)
· Convém lembrar que o liberalismo é uma degradação do republicanismo, especialmente na Inglaterra do século XVII; em outras palavras, não é o republicanismo que seria uma alternativa atual e meio esquisita ao liberalismo
§ Embora tenha sérias limitações filosóficas, a proposta de Pettit – de que a liberdade consiste na ausência de arbitrariedade nas relações políticas – é uma concepção fundamental e em si mesma muito acertada
· De modo central, a ausência de arbitrariedade significa que ser livre não é o mesmo que fazer qualquer coisa quando e do jeito que se desejar
- Augusto Comte fala em liberdade considerando sempre a autonomia decisória individual e coletiva (liberdade positiva) e a ausência de obstáculos (liberdade negativa); também defende a ausência de arbitrariedade (liberdade “republicana”):
o A autonomia nas decisões e o respeito tanto à autonomia quanto às decisões é o que confere dignidade nas relações sociais
o As liberdades de consciência, expressão e associação são as liberdades fundamentais da vida política moderna
o O pacifismo, o relativismo e a fraternidade evitam a arbitrariedade nas relações sociais e políticas; além disso, a república deve ter um caráter social mais que político
- No que se refere à “liberdade filosófica”: é a respeito dela que as considerações de Augusto Comte sobre a liberdade são mais conhecidas:
o Popularmente, quando há referências ao conceito positivista de liberdade, menciona-se apenas um pequeno trecho específico (um parágrafo, na verdade) do Catecismo positivista
§ Nesse trecho, muito famoso, Augusto Comte afirma que não temos liberdade de desobedecermos às leis naturais:
“O Sacerdote – [...] Longe de ser por
qualquer forma incompatível com a ordem real, a liberdade consiste por toda a
parte em seguir sem obstáculos as leis peculiares ao caso correspondente.
Quando um corpo cai, a sua liberdade manifesta-se caminhando, segundo sua
natureza, para o centro da Terra, com uma velocidade proporcional ao tempo, a
menos que a interposição de um fluido não modifique a sua espontaneidade. Do
mesmo modo, na ordem vital, cada função, vegetativa ou animal, é declarada
livre se ela se efetua de conformidade com as leis correspondentes, sem nenhum
empecilho exterior ou interior. Nossa existência intelectual e moral comporta
sempre uma apreciação equivalente que, diretamente incontestável, quanto à
atividade, se torna, por conseguinte, necessária para seu motor afetivo e para
seu guia racional” (Augusto Comte, Catecismo
positivista, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1934, “Oitava conferência”, p. 243-244)
o Esse trecho tornou-se famoso porque os críticos do Positivismo atribuem-lhe vários aspectos negativos: cientificismo, determinismo, ausência de liberdade
o Vale reforçar: esse trecho é famoso porque os “críticos” de Augusto Comte limitam-se apenas a esse trecho, que é um pequeno parágrafo de uma obra de divulgação de Comte: as reflexões e as obras propriamente políticas (Opúsculos de filosofia social, Sistema de política positiva, Apelo aos conservadores) são desprezadas
o Mas a leitura do trecho completo, isto é, a leitura integral dos parágrafos anteriores e posteriores em que se insere a citação acima evidencia que as interpretações negativas são extremamente superficiais, quando não de má-fé:
“A Mulher – Antes de encetarmos o melhor domínio teórico, eu devo,
meu pai, submeter-vos um escrúpulo geral devido às objeções metafísicas que
com freqüência tenho ouvido formular contra esta extensão decisiva do dogma
positivo. Toda sujeição do mundo moral e social a leis invariáveis, comparáveis
às da vitalidade e da materialidade, é agora apresentada, por certos
argumentadores, como incompatível com a liberdade do homem. Posto que estas
objeções me tenham sempre parecido puramente sofísticas, nunca eu soube
destruí-las nos espíritos, ainda muito numerosos, que se deixam, assim,
estorvar em sua marcha espontânea para o positivismo.
O Sacerdote – É fácil, minha filha, superar este embaraço
preliminar, caracterizando diretamente a verdadeira liberdade.
Longe de ser por qualquer forma incompatível com a
ordem real, a liberdade consiste por toda parte em seguir sem obstáculos as leis
peculiares ao caso correspondente. Quando um corpo cai, a sua liberdade
manifesta-se caminhando, segundo sua natureza, para o centro da terra, com uma
velocidade proporcional ao tempo, a menos que a inter-posição de um fluido não
modifique a sua espontaneidade. Do mesmo modo, na ordem vital, cada função,
vegetativa ou animal, é declarada livre, se ela efetua de conformidade com as
leis correspondentes, sem nenhum empecilho exterior ou interior. Nossa
existência intelectual e moral comporta sempre uma apreciação equivalente, que,
diretamente incontestável, quanto à atividade, se torna, por conseguinte, necessária
para seu motor afetivo e para seu guia racional.
Se a liberdade humana consistisse em não seguir lei
alguma, ela seria ainda mais imoral do que absurda, por tornar-se impossível um regime qualquer,
individual ou coletivo. Nossa inteligência manifesta sua maior liberdade quando
se torna, segundo seu destino normal, um espelho fiel da ordem exterior, apesar
dos impulsos físicos ou morais que possam tender a perturbá-la. Nenhum espírito
pode recusar seu assentimento às demonstrações que compreendeu. Mas, além
disto, cada qual é incapaz de rejeitar as opiniões assaz acreditadas em torno
de si, mesmo quando ignora os verdadeiros fundamentos em que assentam, a menos
que não esteja preocupado de uma crença contrária. Podemos desafiar, por
exemplo, os mais orgulhosos metafísicos a que neguem o movimento da terra, ou
doutrinas ainda mais modernas, posto que eles ignorem absolutamente as provas
cientificas de tais doutrinas. O mesmo acontece na ordem moral, que seria
contraditória se cada alma pudesse, a seu bel-prazer, odiar quando cumpre amar,
ou reciprocamente. A vontade comporta uma liberdade semelhante à da inteligência, quando nossos
bons pendores adquirem bastante ascendência para tornar o impulso afetivo
harmônico como verdadeiro destino dele, superando os motores contrários.
Assim, a verdadeira liberdade é por toda parte
inerente e subordinada à ordem, quer humana, quer exterior. Porém, à medida
que os fenômenos se complicam, eles se tornam mais suscetíveis de perturbação,
e o estado normal supõe neste caso maiores esforços, os quais, aliás, são aí
possíveis graças a uma aptidão maior para as modificações sistemáticas. Nossa
melhor liberdade consiste, pois, em fazer prevalecer, tanto quanto possível, os
bons pendores sobre os maus; e é também nisso que o nosso império tem a
sua maior amplitude, contanto que a nossa intervenção se adapte sempre às leis
fundamentais da ordem universal.
A doutrina metafísica sobre a pretendida liberdade moral deve ser historicamente considerada como um resultado passageiro da anarquia moderna; porquanto ela tem por objeto direto consagrar o individualismo absoluto, para o qual tendeu cada vez mais a revolta ocidental que teve de suceder à Idade Média. Mas este protesto sofistico contra toda verdadeira disciplina, privada ou pública, não pode de modo nenhum entravar o positivismo, se bem que o catolicismo não pudesse superá-lo. Jamais se conseguirá apresentar como hostil à liberdade e à dignidade do homem o dogma que melhor consolida e desenvolve a atividade, a inteligência e o sentimento” (Augusto Comte, Catecismo positivista, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1934, “Oitava conferência”, p. 243-247; os grifos são meus).
- O trecho acima tem que ser entendido como uma crítica científico-filosófica às pretensões de que a liberdade consiste em desejar qualquer coisa e, a partir disso, em querer fazer qualquer coisa
o Como vimos acima, a respeito da liberdade republicana, desejar qualquer coisa e poder fazer qualquer coisa é o mesmo que ser arbitrário e não ter nenhuma regra; mais do que isso, é o desejo de uma realidade que ceda aos nossos caprichos
- A concepção de leis naturais estabelece que o mundo não é caótico, ou seja, que ele obedece a regularidades:
o As regularidades evidenciadas e afirmadas pelas leis naturais rejeitam também, em particular, a concepção de que o mundo é governado por entidades que fazem o que querem, quando querem, do jeito que querem
o Lembremos que a teologia é a transposição para a ordem cósmica de um desejo imaturo interno aos seres humanos
- Entendendo a questão de uma outra perspectiva e chegando ao ponto que nos interessa aqui: a concepção de leis naturais requer o amadurecimento intelectual e moral do ser humano, no conjunto dos vários sentidos próprios ao amadurecimento:
o É necessário reconhecer que a realidade impõe limites à ação humana
o É necessário reconhecer que o mundo não obedece às meras vontades humanas
o É necessário reconhecer que a satisfação das vontades humanas requer tanto a limitação dessas vontades quando a adequação das vontades às possibilidades efetivas de ação
§ Podemos até não gostar do fato de que a realidade não é dócil às vontades humanas: ainda assim, temos que nos resignar a isso e aprender a lidar com a realidade
· Essa resignação é o que todos os filósofos sempre reconheceram como sendo a “sabedoria”
· É necessário insistir: essa resignação consiste, precisamente, em um dos mais importantes aspectos do que se chama, por toda parte, de “amadurecimento”
§
Por outro lado, insistir em que o mundo e a realidade deveriam curvar-se à vontade humana é
puramente pirraça, é mentalidade e comportamento infantil e caprichoso
- Há uma concepção difundida segundo a qual a mera vontade humana, entendida como puro desejo de algo, não tem limites e que, portanto, nesse sentido, a vontade humana seria “livre”
o A concepção da vontade-desejo da liberdade também consiste em um entendimento infantil da liberdade, especialmente da liberdade negativa (que é a ausência de impedimentos à ação): a liberdade aí é tornada sinônima de arbitrariedade
o A redução da vontade humana ao “desejo” é o último refúgio da concepção infantil de liberdade, ao tentar recuar ao máximo da subjetividade o âmbito do arbitrário
- Como a teologia e a metafísica buscam o absoluto e o arbitrário; como elas consistem em transpor para uma suposta objetividade algo que é próprio ao que é subjetivo, o resultado é que a concepção de liberdade que rejeita as leis naturais é uma concepção teológico-metafísica
o Essa concepção tem o terrível agravante de que é imatura ou, da pior maneira possível, é infantil, é mimada
- Reconhecermos o império das leis naturais e submetermo-nos a ele é a única garantia de ação e de aperfeiçoamento, ou seja, é a única possibilidade de liberdade
o Qualquer possibilidade de ação requer o conhecimento das leis naturais (seja o conhecimento empírico e concreto, seja o conhecimento sistemático e abstrato)
o Como dizia Francis Bacon, “só se pode controlar a natureza submetendo-se a ela”
- É por meio do conhecimento e do reconhecimento das leis naturais que o ser humano pode agir e satisfazer suas necessidades e, quando é o caso, também seus desejos
o O (re)conhecimento das leis naturais é ao mesmo tempo uma etapa e um resultado geral do amadurecimento do ser humano
o Vale notar que até mesmo os desejos satisfeitos pelo recurso às leis naturais não são desejos arbitrários, pois são limitados e regulados pelas condições idiossincráticas dos indivíduos e, acima de tudo, pelos “contextos” sociais, em termos políticos e morais (e mesmo tecnológicos)
- Em suma: Augusto Comte reconhece a particularidade das reflexões políticas sobre liberdade, mas evidencia que mesmo essas reflexões não podem isolar-se de reflexões mais amplas sobre a realidade cósmica e sobre a existência humana no mundo
o
Não há
nisso nenhum cientificismo, nenhum determinismo, nenhuma negação da liberdade
(ou a afirmação de autoritarismo): o que há é a exigência de amadurecimento
moral e intelectual e a rejeição da arbitrariedade (moral, intelectual e
política)
23 junho 2022
Curso livre de política positiva: roteiro consolidado do curso
Reproduzo abaixo a totalidade das anotações feitas para as exposições orais do Curso livre de política positiva, que realizei entre 8 de março e 21 de junho de 2022, em um total de 16 sessões (embora inicialmente eu tivesse previsto 15 sessões, como se pode ver neste programa).
Cada uma das sessões foi gravada ao vivo; as gravações estão disponíveis para audição nos canais Positivismo e Apostolado Positivista; além disso, as anotações de cada uma delas está disponível neste blogue.
Para quem tiver interesse na consulta da totalidade das anotações, torno-as disponíveis aqui.
* * *
Sessão 1
Súmula
Apresentação: justificativa; foco geral do curso; estrutura do curso
Notas sobre a biografia de Augusto Comte e sua época
Preliminares à Política Positiva I: relativismo
Roteiro
- Apresentação
o Apresentação pessoal:
§ Positivista ortodoxo
§ Sociólogo, doutor em Sociologia Política
o Justificativa:
§ Preocupação do Positivismo com o esclarecimento público e popular
§ Inspiração nos cursos públicos ministrados no século XIX pelos positivistas franceses e no século XX por Luís Hildebrando Horta Barbosa
· No caso dos positivistas franceses: exemplo do próprio Comte (cursos de filosofia positiva, de Astronomia popular, de Geometria; Associação Livre para a Instrução Positiva do Povo em Todo o Ocidente Europeu); Sociedade Positivista de Ensino Popular
§ Difusão do espírito positivo, conjugando as vistas gerais com vistas de detalhe
§ Importância renovada e ampliada nos últimos anos, com a proliferação e o sistemático uso político da desinformação, do “espírito crítico”, da manipulação dos sentimentos populares e dos golpes publicitários
o Foco geral do curso:
§ Sociologia Política proposta por Augusto Comte
§ O título – “curso livre de política positiva” – refere-se ao seguinte:
· O “curso livre” significa que ele consiste no que se pode chamar de “divulgação científica”, ou seja, que busca apresentar elementos teóricos, filosóficos, sociológicos e políticos para o grande público, leigo ou não, acadêmico ou não
· A “política positiva” refere-se às duas etapas presentes na fase “positiva” da lei dos três estados: é o estudo real da política (em termos analíticos) seguido da avaliação filosófico-moral (sintética) da política
· Em suma: é um curso público, não institucional, sobre a Sociologia Política desenvolvida por Augusto Comte
o Estrutura do curso:
§ 15 sessões, apresentadas todas as terças-feiras a partir das 19h, com duração de cerca de 45 minutos, seguidas por perguntas (se houver) e respostas
- Breves comentários biográficos sobre Augusto Comte e sua época:
o Indicações biográficas: nascimento; ingresso na Escola Politécnica; casamento com Carolina Massin; curso de filosofia positiva; publicação da Filosofia; separação de Carolina; encontro e relacionamento casto com Clotilde de Vaux; Revolução de 1848 e Discurso sobre o conjunto do Positivismo; instituição da Religião da Humanidade e publicação da Política, do Catecismo, do Apelo; a síntese subjetiva; falecimento
o A época de Augusto Comte: Revolução Francesa destruindo a antiga ordem social, mas sem pôr efetivamente nada no lugar; fim das antigas doutrinas e estruturas, necessidade de novas; oscilação entre retrógrados e revolucionários (ordem e progresso); desenvolvimento das ciências; desenvolvimento da sociedade industrial; necessidade e oportunidade da ciência da sociedade; necessidade e oportunidade de um novo poder espiritual
- Necessidade de exposição de alguns conceitos preliminares
o Para entender o Positivismo e a política positiva, é necessário entender vários conceitos preliminares
§ Esses conceitos são “pressupostos”, mas não são meras postulações axiomáticas, como se Augusto Comte tivesse-os tirado de sua cabeça pura e simplesmente; são conceitos históricos, no duplo sentido de que (1) foram elaborados ao longo do tempo e (2) resultam de testes e experiências humanas ocorridas ao longo do tempo
§ Além disso, vale notar que, muito ao contrário do que se afirma geralmente, tais preliminares não são a “metafísica” de Comte, seja porque a metafísica para Comte não corresponde a tais preliminares, seja porque, como indicamos, a metafísica no sentido vago de que “preliminares” ou “pressupostos” geralmente apresenta o caráter de princípios axiomáticos, ou seja, de verdades autoevidentes, a priori e deduzidas como que do nada
o Proponho duas ordens de preliminares: filosóficas e sociológicas
§ Essas duas ordens evidentemente estão relacionadas entre si (em particular porque a filosofia comtiana é uma filosofia sociológica, da mesma forma que sua sociologia é filosófica), mas elas são suficientemente distintas para serem apresentadas de maneira separada e, mais do que isso, de maneira subsequente uma em relação à outra
§ Nesta aula pretendo apresentar, ou pelo menos começar a apresentar, as preliminares filosóficas; na próxima sessão apresentarei as preliminares sociológicas
§ Os conceitos preliminares que me proponho apresentar não são exaustivos; eles são apenas alguns conceitos que me parecem ser minimamente necessários para que se compreenda a política positiva
o Preliminares filosóficas: relativismo; historicismo; visão de conjunto, visão de detalhe; objetividade e subjetividade
o Preliminares sociológicas: descrições e prescrições; escala enciclopédica e graus de generalidade; estática e dinâmica; a síntese subjetiva; o “estado normal”
- Preliminares filosóficas:
o Relativismo:
§ Conceito fundamental do Positivismo:
· Expressado desde o início da carreira de Augusto Comte: “tudo é relativo, eis o único princípio absoluto” (1819)
· Desenvolvido e aplicado cada vez mais em cada vez mais casos ao longo da carreira
§ “Relacionismo” cognitivo (sensações) e intelectual (relações entre fenômenos)
§ Antiabsolutismo
§ “Subjetivismo social”, relativo ao ser humano em geral à novo antropocentrismo
§ Lei dos três estados:
· Lei de interpretação intelectual da realidade
· De caráter qualitativo
· Em última análise, estabelece a transição entre as concepções absolutas e as concepções relativas
Sessão 2
Súmula
Preliminares à Política Positiva II: historicismo; visão de conjunto e visão de detalhe; objetividade e subjetividade; descrições e prescrições; escala enciclopédica e graus de generalidade
Roteiro
- Preliminares à Política Positiva II
o Historicismo:
§ O ser humano é um ser social e histórico:
· Se há um traço específico do ser humano, esse traço é a historicidade, ou seja, a sucessão de gerações e o acúmulo de materiais ao longo do tempo
§ Afirmação da solidariedade e, ainda mais, da continuidade
· O rompimento da continuidade humana é o principal sintoma da doença moral-intelectual moderna
· Essa tendência, que já era percebida e criticada na época de Augusto Comte, é cada vez mais e radicalmente constituinte do mundo – evidentemente, para nosso prejuízo
§ A experiência histórica não ser desperdiçada: os contextos mudam, mas há grandes continuidades (e mesmo essas continuidades mudam)
· Desenvolvimento de atributos ao longo do tempo
· Em particular: desenvolvimento da paz, da indústria, do trabalho livre, da ciência; do relativismo e da própria historicidade
§ A história não é passado-presente-futuro, mas passado-futuro-presente
§ Essas concepções são o fundamento último da Sociologia (cujo método específico é a “filiação histórica”)
o Visão de conjunto, visão de detalhe
§ Afirmação constante da visão de conjunto filosófica, histórico-sociológica e moral sobre a visão de detalhe científica, industrial e política
· Prevalência da visão de conjunto sobre a visão de detalhe; mas, ao mesmo tempo, diálogo constante entre ambas as visões à relações entre síntese e análise
· Em termos histórico-sociológicos: continuidade sobre solidariedade; Humanidade sobre pátrias; pátrias sobre famílias; famílias sobre indivíduos
o Sociologicamente, a “célula social” é a família, não o indivíduo; não existem “indivíduos” abstratos, apenas sociedades; do ponto de vista filosófico e sociológico, o indivíduo é uma abstração perniciosa e imoral à isso não quer dizer que os indivíduos não ajam, não atuem, não tenham sentimentos, nem que não tenham responsabilidades
§ Espírito positivo versus ciência
§ ciência: conhecimento analítico da realidade, por meio das leis naturais abstratas; conjunto mais ou menos homogêneo de doutrinas e métodos empregados na exploração de um determinado âmbito da realidade
§ espírito positivo: compreensão sintética da realidade, elaborada pela filosofia, abrangendo a ciência, a atividade prática (que deve ser sinergética) e os sentimentos (que devem ser simpáticos)
§ enquanto a ciência tende a secar e a isolar o ser humano (em termos intelectuais, afetivos e práticos), o espírito positivo busca desenvolver o espírito e a integrar o ser humano
§ o objetivo da ciência é auxiliar o ser humano em seu desenvolvimento à antes de mais nada moral e, depois, material à é assim que se deve julgar e avaliar a ciência
o Objetividade e subjetividade:
§ Toda concepção humana consiste de diferentes porções de objetividade e de subjetividade
§ Existe uma realidade objetiva, independente da vontade dos seres humanos, a que temos acesso por meio da subjetividade à assim, em certo sentido a oposição objetividade-subjetividade reflete a oposição mundo-homem
§ A relação entre objetividade e subjetividade é, ela mesma, histórica:
· Todas as concepções do ser humano são subjetivas; a teologia é radicalmente subjetiva, mas pretende-se objetiva
· A ciência assume a objetividade da realidade; começando pelas ciências mais gerais, mais abstratas e mais fáceis, estabelece o relativismo; daí, subindo até a Biologia, disciplina a subjetividade, por meio dos diversos métodos particulares
· A Sociologia aplica a objetividade à sociedade, ao mesmo tempo que reconhece e revaloriza a subjetividade; esse movimento é aprofundado na Moral, que então pode fundar o método subjetivo
§ O Positivismo respeita a objetividade mas rejeita o servilismo em face dela
· O servilismo em face da objetividade – ou, dito de outra maneira, o excesso de objetividade – constitui a idiotia
· O Positivismo institui uma nova subjetividade – daí a “síntese subjetiva”, que é um novo antropocentrismo
o Descrições e prescrições
§ O Positivismo estuda o que é a fim de saber o que será a fim de estipular como agir: “saber para prever a fim de prover”
§ As descrições seguem o diálogo entre objetividade e subjetividade
· As descrições, portanto, são sempre e necessariamente “interpretativas”
§ As prescrições são a sequência natural das descrições: afinal, a ciência tem que ser útil
· O fundamento das prescrições é a combinação do conhecimento da realidade (incluindo aí da natureza humana) com a moral (pacífica, relativa, positiva)
§ “Para completar as leis são necessárias vontades”: essa fórmula aplica-se tanto na fase das descrições quanto na das prescrições
· A subjetividade humana está em operação ao querer conhecer as leis naturais, ao formular as leis e ao aplicar na prática as leis
o Escala enciclopédica e graus de generalidade
§ Lei explicativa da lei intelectual dos três estados
· A lei intelectual dos três estados, como sabemos, é esta: “os conhecimentos humanos passam sucessivamente por três estados – teológico, metafísico e positivo –, com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes”
· A escala enciclopédica esclarece quais os fenômenos são mais gerais e, portanto, quais concepções tornam-se positivas mais rapidamente
§ A escala enciclopédica afirma a multiplicidade das ciências: daí, portanto, ela estabelece a multiplicidade das leis naturais; por sua vez, isso estabelece a autonomia das várias ciências fundamentais entre si
· “Os fenômenos mais nobres modificam os mais grosseiros subordinando-se a eles”
o Relações entre subordinação e dignidade
o Esse é o fundamento da diferença entre as “ciências superiores” e as “ciências inferiores” e, por extensão, do “método subjetivo”
· Anti-reducionismo
o A unidade da ciência é dada subjetivamente (por meio da síntese subjetiva), nunca doutrinariamente (por meio das teorias próprias a cada ciência)
· Mudanças ao longo do tempo: fundação da Moral como ciência suprema; Sociologia como preparatória da Moral (v. II-III da Política)
§ Critérios:
§ Lógicos e históricos
§ Generalidade decrescente e especificidade (complexidade) crescente
§ Dedutibilidade decrescente e empiricidade crescente
§ Quanto mais elevada a ciência, mais complexa e nobre ela é; assim, mais modificável ela é; daí, maior a capacidade de intervenção humana
§ Classificação das ciências (abstratas) e respectivos métodos:
· Matemática: dedução
· Astronomia: observação
· Física: experimentação
· Química: nomenclatura
· Biologia: comparação
·
Sociologia: filiação histórica
· Moral: construção
Sessão 3
Súmula
Preliminares à Política Positiva III: Estática e Dinâmica; a síntese subjetiva; o estado normal
Sociologia Estática I: teoria da religião: concepções e regulações gerais da existência humana
Roteiro
- Preliminares à Política Positiva III:
o Estática e Dinâmica
§ São duas perspectivas complementares
· Diretamente derivadas da concepção de lei natural: relações constantes em termos de coexistência ou de sucessão
· É a constância na variedade
· Esboçadas na Biologia, essas duas perspectivas são aplicáveis a todas as ciências
§ Divisão de perspectivas
· A Estática representa os elementos fundamentais de cada sociedade, presentes em toda sociedade
· A Dinâmica representa o desenvolvimento encadeado desses elementos ao longo do tempo, com suas inter-relações
§ Elementos da Estática Social: religião, propriedade, família, linguagem, governo (temporal e espiritual); teoria das variações
· São definidos como os tipos fundamentais para os quais tendem esses elementos no estado normal
§ Elementos da Dinâmica: as três leis dos três estados; lei de classificação das ciências; marcha própria ao Ocidente (fetichismo, teocracia; Grécia, Roma, Idade Média; transição revolucionária; Positivismo)
o A síntese subjetiva:
§ Visão de conjunto (em termos de natureza humana, de concepções e de objetivos): filosofia, arte, indústria, política, ciência
· Essa visão de conjunto baseia-se no primado da moral sociológica sobre a existência humana
· Todos devem entendimentos gerais sobre tudo; em contraposição, a atuação prática é sempre parcial
§ Subordinação da inteligência à afetividade e à atividade prática
· Relações íntimas entre simpatia, síntese e sinergia
§ Concepções que explicam e regulam o conjunto das realidades humanas e cósmica
§ Afirmação da preponderância normal das ciências superiores (Sociologia e Moral) sobre as ciências inferiores (Matemática até a Biologia), ao mesmo tempo em que “os fenômenos mais nobres subordinam-se aos mais grosseiros”
· Isso naturalmente estabelece o que se chama hoje de “multi” e “transdisciplinaridade”
· O altruísmo e o egoísmo são inatos (ou seja, são naturais); mas: a maior fraqueza do altruísmo e o desenvolvimento histórico da paz, da indústria e da ciência exigem o emprego constante e permanente de todos os recursos sociais e individuais disponíveis para a afirmação do altruísmo
§ Unidade da ciência: estabelecida subjetivamente (isto é, filosoficamente); multiplicidade e autonomia das ciências; homogeneidade de método e de doutrina
§ Estabelece não apenas o que se pode conhecer e fazer, mas, acima de tudo, o que se deve fazer (ou não fazer)
§ Definição da moralidade: estímulo e prática do altruísmo (ternura), compressão do egoísmo (pureza)
o O “estado normal”
§ O estado normal consiste em uma idealização que considera equilíbrios dinâmicos da natureza humana (individual e coletivamente)
· Essa idealização é uma prescrição que, por sua vez, baseia-se nas descrições da Sociologia e da Moral por meio da síntese subjetiva
· Até certo ponto, é aceitável considerar que o estado normal é uma utopia positivista – mas convém notar que Augusto Comte reserva a palavra utopia para uma outra elaboração específica
§ Esses equilíbrios dinâmicos mantêm os três elementos da natureza humana (sentimentos, inteligência e atividade) coordenados
§ Não se trata mais de manter um equilíbrio estático (como nas teocracias iniciais) nem de desenvolver apenas um elemento da natureza humana às expensas dos outros (como na Grécia, em Roma e na Idade Média)
§ O caráter dinâmico desse equilíbrio indica que ele modifica-se continuamente ao longo do tempo e que, portanto, tem que ser restabelecido continuamente
· A permanência desses equilíbrios é um dos argumentos que justificam a existência e a permanência da Religião da Humanidade, isto é, do novo poder Espiritual adequado a tal situação
§ Na medida em que é um equilíbrio dinâmico e que é uma idealização, aproximamo-nos mais ou menos dele, sem jamais o atingir plenamente
· Augusto Comte usa a metáfora da reta assintótica: um limite para o qual tendemos continuamente, sem jamais o atingir
· Considerando a plena positividade, a noção do “estado normal” justifica a máxima segundo a qual “o ser humano torna-se cada vez mais religioso”
§ A palavra “normal”, no âmbito do Positivismo, refere-se portanto ao “estado normal”
- Estática Social: teoria da religião
o Observação preliminar: para o Positivismo, “religião” é diferente de “teologia”
o A religião é o estado de unidade humana individual e social; afetiva, intelectual e prática; por seu turno, a teologia é uma das formas de entender a religião
§ A confusão entre religião e teologia é a mesma que se dá entre os fins (a unidade humana) e os meios (as sínteses teológicas)
§ A idéia de “síntese”, portanto, sugere do ponto de vista intelectual o que a religião propõe para o conjunto da existência humana
§ Como a religião refere-se à unidade do conjunto da existência humana e como essa existência refere-se também, necessariamente, à existência prática, é necessário falar em religião para entender-se a “política positiva” (seja em termos científicos, seja em termos “políticos”)
§ Augusto Comte sugere que a religião é um consenso da alma
§ No início do cap. 1 da Política positiva, Augusto Comte faz uma belíssima retrospectiva histórica das variedades de religião: espontâneas, inspiradas, reveladas, demonstrada: fetichismo, politeísmo, monoteísmo, positivismo
o A noção de religião regular e une efetivamente as existências individual e coletiva
§ Para o Positivismo, portanto, não faz sentido a oposição absoluta entre sociedade e indivíduo
§ A ligação entre sociedade e indivíduo via religião dá-se por meio das duas funções específicas da religião: regrar e religar (em francês: regler et rallier)
· A religião regra o indivíduo e religa-o aos demais
· Para Comte, não por acaso, a etimologia de religião é o latim religare
§ Os vínculos indivíduo-sociedade são variáveis de acordo com a fase histórica considerada
o A noção de uma realidade externa, objetiva, independente da vontade humana é necessária para o desenvolvimento da religião, em particular no que se refere à parte de regrar (por meio da veneração)
§ A harmonia individual baseia-se sobre uma base dupla: na subordinação do egoísmo ao altruísmo (afetivamente) e na preponderância da realidade exterior (intelectual e praticamente)
o A ciência suprema é a Moral, mas a base da moralidade positiva é sociológica (e não individual)
§ Uma forma de entendê-lo é por meio da fórmula: “entre o homem e o mundo é necessária a Humanidade”
§ Assim, a noção de Humanidade é o centro da concepção de religião positiva
· Amor, Ordem, Progresso: aptidão afetiva, natureza intelectual, destinação ativa
Sessão 4
Súmula
Sociologia Estática II: teoria da família; os indivíduos
Roteiro
- Família:
o É a instituição social que, ao mesmo tempo, mais sofre com as aberrações metafísicas e a que menos foi compreendida até hoje (“hoje”: até o advento do Positivismo)
§ É a menor unidade social a que a sociedade pode ser reduzida; assim, é a verdadeira “célula social”
o Tem duas funções principais: moral e política
§ Função moral: desenvolve diretamente os sentimentos altruístas
§ Função política: prepara os cidadãos para a vida em sociedade (ou seja, prepara cidadãos)
o A família tem uma origem egoísta – o impulso sexual –, mas é um erro reduzi-la a isso
§ O impulso sexual tem força mais inicial que permanente
§ A força do impulso sexual é maior no homem que na mulher
§ Após a ação do impulso sexual, outros instintos entram em ação, tanto egoístas quanto altruístas; a permanência do vínculo familiar desenvolve, estimula e reforça os instintos altruístas
· Acessoriamente, isso também esclarece que o altruísmo não é a negação do egoísmo, mas a orientação em favor dos demais
o A família pode ser reduzida ao casal elementar, mas é claro – ou melhor, deveria ser claro – que ela é muito mais ampla que isso, pois compreende os filhos, os avós, os agregados
§ Essas diversas relações desenvolvem e estimulam sentimentos altruístas:
· Marido ßà mulher, irmãos ßà irmãos: apego
· Filhos à pais: veneração
· Pais à filhos: bondade
o Em relação ao casal nuclear, a função da família é o aperfeiçoamento mútuo, muito mais que a reprodução humana
§ A teologia, como rejeita a existência natural do altruísmo, considera que a família serve apenas fins egoístas, notadamente a reprodução humana
§ Também vale notar que a teologia com freqüência considera que a família (esposa e filhos) é propriedade dos homens
§ A metafísica não se afasta muito disso, vendo na família pouco mais que um contrato com fins sexuais e/ou uma instituição de violência sistemática do homem contra a mulher
§ Há um gênero legalista de metafísica, para quem a família deve ser paulatinamente substituída pelo Estado
o Como a existência humana é muito mais subjetiva que objetiva e como a função do casamento é o aperfeiçoamento mútuo, o Positivismo afirma a monogamia e a viuvez eterna (as segundas núpcias são uma forma disfarçada de poligamia)
o Como os sentimentos altruístas são desenvolvidos e aperfeiçoados na família, ela é absolutamente central para a vida em sociedade (e, claro, também para os indivíduos)
§ O estímulo, o desenvolvimento e a manutenção do altruísmo, no âmbito familiar, cabe naturalmente às mulheres
§ Isso, evidentemente, corresponde à necessidade imperiosa de dignificar-se a atuação da mulheres e não as condenar a escravas dos homens
§ Somente a destruição metafísica, com seus fortes preconceitos antialtruísmo e antifamiliares, consegue ver na afirmação do papel doméstico e moral das mulheres uma forma de exploração, degradação e violência contra as mulheres
o O papel político, ou melhor, cívico das famílias corresponde à sua preparação afetiva, o que inclui não somente os três instintos simpáticos (apego, veneração e bondade), mas também os instintos práticos (coragem, prudência e perseverança)
§ É importante notar que, embora a família seja a base da sociedade, ela tem que se submeter à polis
§ Essa submissão à polis é necessária para evitar os desvios da família, em particular dois:
· Possibilidade de educação afetiva egoísta
· Possibilidade de desenvolvimento de um egoísmo coletivo familista
· A submissão à polis altera ordinariamente as famílias, corrigindo (ou evitando) esses dois desvios; mas é claro que a própria polis tem que se orientar altruisticamente e não pelas guerras
- Papel dos indivíduos:
o Os indivíduos isolados e/ou como fundadores da sociedade não existem; só é possível falar em indivíduos quando se faz referência prévia às sociedades em que eles surgiram
§ Os indivíduos como célula social são uma abstração nociva e imoral
o Mas a religião visa a regrar e a religar, ou seja, a estabelecer a unidade e a harmonia individual e coletiva: evidentemente há um amplo espaço para os indivíduos no Positivismo
§ Em última análise, todas as ações – mesmo as ações da Humanidade – realizam-se por meio de indivíduos, isto é, de agentes individuais
o Todo ser humano tem uma vida dupla, isto é, uma objetiva e outra subjetiva
§ A vida objetiva ocorre no presente; a Humanidade tem em cada ser humano um “ser” concreto, de carne e osso
§ A vida subjetiva ocorre no passado e no futuro; a Humanidade tem em cada ser humano um “agente”
o A Humanidade tem um caráter composto; isso acarreta sua capacidade de ação mas também sérias dificuldades, pois é sempre necessário combinar a independência individual com o concurso coletivo
§ A independência individual, no estado normal, requer de ordinário a plena liberdade, o que, por sua vez, rejeita a opressão
§ Essa plena liberdade implica as liberdades de pensamento (ou de consciência), de expressão e de associação
§ Além disso, a plena liberdade também é necessária para a submissão livre e digna
§ A liberdade individual necessária para o livre concurso coletivo implica a confiança; esta, por sua vez, implica sempre a responsabilidade (e a responsabilização)
Sessão 5
Súmula
Sociologia Estática III: teoria da linguagem
Roteiro
- Teoria da linguagem:
o A linguagem é o conjunto dos meios disponíveis para transmitir externamente as elaborações internas
§ Augusto Comte faz uma observação central: é errado interpretar o conjunto da realidade ou da natureza como uma forma de “texto”, cujos elementos interpretar-se-iam mutuamente
§ Além disso, nós sempre pensamos antes de expressar as idéias ou as noções: a linguagem (falada e, principalmente, a escrita) é um instrumento poderosíssimo para o pensamento, pois confere precisão e clareza às idéias, mas em si mesma não é necessária à reflexão, haja vista a existência prévia da linguagem (ou da lógica) dos sentimentos e da linguagem (ou da lógica) das imagens
o Assim como a religião, a linguagem é uma instituição acima de tudo social, tanto em seu surgimento e desenvolvimento quanto em sua função
§ Liga entre si os indivíduos: assim, tem um papel estreito com a religião, pois permite que os indivíduos estruturem-se melhor internamente e liguem-se entre si externamente
· A linguagem não deixa de ter um caráter sagrado, ao expressar os sentimentos altruístas e as concepções que definem a Humanidade
· O teológico nega a Humanidade mas expressa essa verdadeira blasfêmia por meio de um instrumento elaborado pela Humanidade
· O revolucionário metafísico nega a história mas expressa essa verdadeira blasfêmia por meio de um instrumento herdado do passado
· Os metafísicos e os gramáticos afirmam que as línguas são criadas por indivíduos geniais, em vez de serem elaborações coletivas, históricas ou presentes
§ O caráter social da linguagem humana tem bases biológicas: os animais superiores têm suas próprias linguagens, que não se desenvolveram tanto quanto a nossa devido à atuação decisiva do ser humano no planeta
· Isso permite afirmar que cada um dos animais superiores poderia ter desenvolvido suas próprias humanidades, mas que estas são “humanidades abortadas”
· Isso também conduz a considerar que, embora o estudo sociológico da linguagem baseie-se na Biologia, o entendimento das “humanidades abortadas” na verdade permite abarcar a Biologia na Sociologia
o A função básica da linguagem é transmitir os sentimentos; assim, a linguagem tem um caráter artístico
§ Os meios iniciais da linguagem são a mímica e o som, de que derivam a pintura (e, daí, depois, a linguagem escrita), a escultura e o canto
§ Mas o desenvolvimento da linguagem conduz a que a arte principal seja a poesia (a música tornando-se a primeira das artes especiais)
o O caráter artístico da linguagem tem que se relacionar com a importância intelectual que ela desenvolve ao longo do tempo
§ Desenvolvem-se três tipos de linguagens, ou melhor, de lógicas:
· Lógica dos sentimentos
· Lógica das imagens
· Lógica dos sinais
§ Cada uma dessas linguagens tem propriedades específicas e deve relacionar-se constantemente com as demais
§ O conjunto das três lógicas indica por si só o quanto, de fato, os “pensamentos provêm do coração”
Sessão 6
Súmula
Sociologia Estática IV: teoria da propriedade: origem e destinação sociais, gestão individual; luta de classes.
Roteiro
- Pequena diferenciação: conceitos de “política”:
o Politics: é a política do dia a dia; uma forma um pouco negativa de entendê-la é traduzido por “politicagem” (embora essa expressão seja excessivamente negativa para a palavra politics)
o Policy: são as políticas públicas executadas pelo Estado
o Polity: é a organização social, política e econômica em grandes linhas, baseada nos valores compartilhados à é este o sentido básico da “política positiva”
- Propriedade:
o Diferentes tipos de capitais, isto é, de materiais produzidos e transmitidos pela Humanidade
§ Capitais material, artístico-intelectual e moral
o A propriedade consiste na base material da sociedade
§ Ela corresponde à realidade do mundo e da objetividade
§ Uma outra forma de expressar essa idéia é indicar que é a realidade satisfeita pela propriedade que exige a ciência (para conhecer o mundo) e afirma o egoísmo
· A partir dessa conexão entre realidade material, egoísmo e ciência, Augusto Comte propõe uma belíssima imagem: se não tivéssemos que lidar com a realidade material, o ser humano seria sempre direta e totalmente altruísta e dedicar-se-ia apenas à expressão artística
o A propriedade enquanto tal sempre existe (privada ou coletiva)
§ Diferentes modos de gestão da propriedade: desde originariamente coletiva até atualmente individual
§ A teologia e a metafísica são incapazes de abarcar a realidade material da sociedade; portanto, são incapazes de solucionar seus problemas
o Responsabilidades concomitantes dos gestores do capital:
§ Manutenção e aumento dos tipos de capital
§ Satisfação das necessidades sociais
o Origem e destinação sociais, mas gestão individual:
§ Base da noção político-moral da “responsabilidade social”
§ “O capital é social em sua origem e deve sê-lo em sua destinação”
o Formas de transmissão do capital:
§ Ordem decrescente de dignidade: Paz: dádiva, troca, herança; guerra: conquista
o Vinculação estreita com o trabalho
· Riqueza: força concentrada
· Trabalho: força dispersa
o Divisão entre o patriciado e o proletariado
§ Patriciado:
· Gestores individuais do capital coletivo
· Grosso modo são os ricos, mas com uma atuação moral, intelectual e socialmente regenerada
· Submetem-se à avaliação pública tanto em termos de resultados obtidos quanto, antes, de projetos propostos
· Tipos de patrícios: bancário, comercial, industrial, agrícola
§ Proletariado:
· São os trabalhadores
· Emancipação paulatina dos trabalhadores (e das mulheres): escravos na Antigüidade, servos na Idade Média, trabalhadores livres na modernidade
· Tipos de proletários:
o por um lado, há uma correspondência com os tipos de patrícios: bancário, comercial, industrial, agrícola
o por outro lado, há os tipos religiosos: ativo, afetivo, contemplativo, passivo
§ Necessidade de concurso entre o patriciado e o proletariado
· Augusto Comte critica duramente a burguesia francesa de sua época, afirmando que ela era mesquinha, ou seja, egoísta e estreita
· Obrigação dos patrícios de pagar salários decentes e de gerar empregos também decentes para todos os proletários
· Caráter instrumental da luta de classes
o Positivismo como “conservador” devido à sua rejeição da luta de classes como um conceito moral: afirmação teoricamente errada, politicamente irresponsável e moralmente patológica
o Salário:
§ O trabalho é sempre gratuito e o salário corresponde à reposição do consumo de capital
§ O salário tem que ser suficiente para a satisfação das necessidades familiares (família proletária de sete membros, dona do próprio imóvel, incluindo alimentação, transporte, educação, saúde e lazer)
Sessão 7
Súmula
Sociologia Estática V: teoria do governo: o poder Temporal
Roteiro
- Pequena homenagem ao Dia do Índio e a Rondon (19 de Abril) e a Tiradentes (21 de Abril)
- Teoria do governo:
o Augusto Comte observa que a Estática Social sofre profundas perturbações nesta época de crise revolucionária: a família, a propriedade – e o governo
o Princípio fundamental: não existe sociedade sem governo, assim como não existe governo sem sociedade
§ A função do governo é coordenar os esforços coletivos
o Há dois tipos de “governo”, o temporal e o espiritual
§ O poder temporal é responsável pela ordem civil à é prático e impositivo
§ O poder espiritual é responsável pela ordem moral à é teórico e baseia-se no livre assentimento, nas idéias e nos valores
§ Nesta seção abordaremos o poder Temporal
o A teoria do poder Temporal baseia-se em dois princípios fundamentais:
§ Princípio de Aristóteles: toda sociedade consiste na divisão dos ofícios e na convergência dos esforços à a parte do governo corresponde, precisamente, à convergência dos esforços
§ Princípio de Hobbes: o fundamento da poder é a força
· Vale lembrar que o poder não é algo que se possui, mas algo que se “constitui”; ele é uma relação social, não um objeto
§ Toda sociedade é constituída por famílias, classes sociais, igrejas, associações etc.: mas é poder Temporal que organiza, que impõe a ordem, que estrutura a sociedade (seja porque impõe a ordem, seja porque realiza as grandes aspirações sociais, seja porque impõe as leis)
· Assim, torna-se claro o sentido de estruturador da polity próprio ao poder Temporal
o Distinção entre poder Temporal e pátrias:
§ A teoria do poder Temporal corresponde à teoria dos fundamentos e da organização do poder, ou melhor, do “Estado”
§ A teoria das pátrias, ou melhor, das mátrias corresponde à teoria das unidades políticas concretas, em porções geográficas determinadas e nas quais interagem os dois poderes (Temporal e Espiritual) e os vários elementos da sociedade (Estado e sociedade civil, classes sociais, famílias e indivíduos)
o A teologia estabelece o governo absoluto baseado na vontade indiscutível do rei como representante da divindade; em contraposição a isso, conforme o seu caráter crítico, de transição e de rejeição da teologia, a metafísica erige o absoluto do “povo” em contraposição ao absoluto divino
§ Assim, a sociocracia (ou melhor, a república sociocrática) deve suceder a monarquia teocrática e a democracia metafísica
o A teoria do governo baseia-se tanto em necessidades sociais bastante claras quanto também, mas de maneira à primeira vista menos evidente, em características morais – em particular, na veneração
§ Os problemas vinculados ao governo, atualmente, têm a ver com a revolta contra a subordinação
· Por um lado, portanto, isso não deixa de ser uma questão de orgulho
· Por outro lado, há as dificuldades relativas à dignidade dos cidadãos
§ O poder exercido de maneira despótica, à parte a manifestação de orgulho individual e de egoísmo coletivo, é justificado e legitimado nas concepções teológicas, que são absolutas
· “As ordens indiscutíveis associam-se às concepções indemonstráveis”
· Já as tiranias contemporâneas são tirânicas porque não entendem o caráter relativo do governo na sociedade industrial e querem agir pautadas por princípios e concepções teológicas ou metafísicas – ou seja, concepções absolutas
· Em outras palavras: para evitar e impedir as tiranias, é necessário ao mesmo tempo adotar plenamente o relativismo positivo e afastar e recusar o absolutismo
§ O problema, então, é duplo: os governantes têm que entender que os cidadãos são cidadãos (citizens, citoyens), não súditos (subjects, sujets) nem escravos; os cidadãos têm que respeitar os governantes
· Há aqui a necessidade imperiosa de consagrar para regular
· A metafísica transforma em permanente uma situação puramente transitória e excepcional – qual seja, a revolta contra o poder (no caso das tiranias)
o A limitação do governo é dada principalmente pela opinião pública
§ A constituição, a organização e a expressão da opinião pública cabem ao poder Espiritual
§ A atuação da opinião pública exige, evidentemente, as liberdades fundamentais
§ As liberdades de consciência e de expressão são a garantia contra toda tirania
Sessão 8
Súmula
Sociologia Estática VI: teoria do governo: o poder Temporal (concl.); o poder Espiritual
Roteiro
- Concluindo a teoria do poder Temporal:
o Augusto Comte observa que o governo tem que pertencer à classe social dominante, o que equivale a dizer que ele tem que ser exercido pelo patriciado
§ A fórmula que condensa as relações entre superiores e inferiores é esta: “dedicação dos fortes pelos fracos, veneração dos fracos pelos fortes”
§ Essa fórmula pode parecer extravagante para alguns, mas é necessário notar dois aspectos centrais a seu respeito para que ela seja entendida:
· Desde o fim da Idade Média, no Ocidente, vivemos em uma época de crise, de transição, em que os valores antigos não são mais respeitados e o desrespeito sistemático às regras, aos valores, às instituições é considerado o supremo valor e a máxima realização do “progresso”
o Assim, essa proposta é um princípio que visa a evitar, a solucionar, a orientar e a aproveitar conflitos sociais; é uma proposta normal (isto é, que considera o estado normal) e sua aparente extravagância deve-se ao caráter metafísico, crítico, da civilização da nossa época
· A dedicação dos fortes pelos fracos, correspondente à orientação social e altruísta das atividades, é uma preocupação maior e de consequências imediatas mais amplas que a veneração dos fracos pelos fortes, que por sua vez é correspondente ao respeito dos subordinados aos seus superiores
o É claro que se a cobrança da dedicação dos fortes deve ser grande (e até maior que o respeito dos fracos), isso não exime os fracos de serem respeitosos pelos fortes
§ O governo tem que ser do patriciado, não da burguesia
§ O governo tem que ser exercido com fins sociais
§ Como deveria ser evidente, o exercício do governo é diferente das atividades industriais: enquanto estas são parciais e estimulam diretamente o egoísmo, o governo é geral e tem que ser inspirado sempre pelo altruísmo
· Se o patrício que se torna governante mantivesse o caráter “privado” de sua atuação no governo, ele manteria o espírito da “separação dos ofícios” e negaria na prática a “convergência dos esforços”, que é o objetivo e a justificativa do governo
§ No período de transição, a afirmação do caráter social e de vistas gerais do governo pode ter que ser reafirmado por meio de um governo exercido por um proletário
- Teoria do poder Espiritual:
o A teoria do poder Espiritual é complementar à teoria do poder Temporal
§ A sua justificativa teórica, em termos sociológicos, é o aforisma: “nenhuma sociedade pode perdurar sem alguma forma de poder Espiritual”
o O poder Espiritual, como o poder Temporal, tem por objetivo basicamente a afirmação das vistas gerais
§ As vistas gerais afirmadas pelo poder Espiritual são mais amplas que as do poder Temporal:
· por um lado, afirmam a realidade planetária do ser humano, ultrapassando as fronteiras nacionais
· por outro lado, afirmam a realidade histórica do ser humano, afirmando a preponderância do passado e do futuro sobre o presente
§ Augusto Comte (1929, v. II, p. 313-319) estabelece uma série de contraposições sistemáticas entre os poderes Temporal e Espiritual:
§
CARACTERÍSTICA |
PODER ESPIRITUAL |
PODER TEMPORAL |
Âmbito |
Eterno |
Material |
Duração |
Permanente |
Temporário |
Caráter intelectual |
Geral |
Especial |
Caráter geográfico |
Global |
Local |
Caráter social |
Intérprete da continuidade |
Organizador da solidariedade |
Relação com a história |
Passado, futuro, presente |
Presente |
Fundamento |
Conselho |
Força |
Aspecto-síntese |
Teórico |
Prático |
o Comparando os dois poderes, é fácil considerar que o poder Espiritual é mais representativo da Humanidade que o Temporal
§ Isso pode conduzir com facilidade à presunção do poder Espiritual de ser o responsável pela condução dos negócios públicos
§ Entretanto, o poder Temporal é o prático e o responsável pela gestão dos negócios públicos, ao passo que o Espiritual é o teórico e o responsável pelo aconselhamento
§ Assim, para que as funções sejam claras e bem desenvolvidas, é imperioso que ambos os poderes sejam separados à essa é “separação dos dois poderes”, que corresponde ao princípio político prático fundamental do Positivismo (vulgarmente conhecido como “laicidade do Estado”)
§ Além de separados, os poderes devem ser subordinados em seus respectivos âmbitos de atuação; em termos concretos, isso quer dizer quem conduz efetivamente a política é o poder Temporal, não o Espiritual
§ Essa é uma aplicação prática do princípio teórico segundo o qual os fenômenos mais nobres modificam os mais grosseiros subordinando-se a eles
o Augusto Comte critica a tendência moderna, prevalecente desde o fim da Idade Média, de considerar as relações sociais e, daí, a teorização sócio-política cada vez mais em termos objetivistas, isto é, temporais, rejeitando as influências morais (muito mais que as intelectuais)
§ A consequência dessa rejeição da moralidade – exemplificada por Maquiavel, que pela Ciência Política é celebrado como o iniciador dessa tendência – é o entendimento de que as relações sócio-políticas são entendidas cada vez mais em termos de força, poder e violência
§ O amoralismo afirmado logo se transformou em imoralismo
§ A consequência moral da negação da moralidade é a afirmação e a celebração do egoísmo como padrão moral humano supremo, explícito (como em Hobbes) ou implícito (na conduta cotidiana)
· Vale notar que no período entre 1870 (na Europa) e 1920 (no Brasil) até 1945 (no mundo) as concepções mais brutais e violentas da política foram afirmadas, contra o Positivismo, que, aliás, viu-se alvo de desprezo exatamente porque sempre rejeitou por princípio a violência e a brutalidade
· Esse período que se inicia em 1870 na Europa corresponde à influência de Bismarck na política internacional, bem como ao comunismo; após 1920 começa a ocorrer também a influência dos nazifascismos, todos eles afirmadores do cinismo e da violência
o Em certo sentido, a teoria do poder Espiritual é a teoria mais importante do Positivismo
§ O estabelecimento de um poder Espiritual positivo é a consequência necessária e desejada pelo Positivismo desde o início da carreira de Augusto Comte
§ Esse estabelecimento decorre também, é claro, dos diagnósticos que Augusto Comte fez da crise moderna:
· Duplo movimento moderno, com a decadência da antiga organização social (teológica, feudal e militar) e o surgimento de uma nova organização social (positiva, industrial e pacífica)
· Ultrapassagem da forma de pensar absolutista para a forma de pensar relativista à a mais ampla revolução por que já passou o ser humano
Sessão 9
Súmula
Sociologia Estática VII: teoria do governo: o poder Espiritual (concl.)
Roteiro
- Referência a algumas efemérides:
o Dia do Trabalho (1º de Maio)
o Celebração dos Apóstolos da Humanidade, no calendário de celebrações da IPB (4 de Maio, data da transformação de Jorge Lagarrigue (1854-1894))
o Prédica inaugural do Apostolado Positivista da Itália (4 de maio de 2022)
- Teoria do poder Espiritual (concl.):
o O meio de atuação própria do poder Espiritual – ou de sua forma institucional, que é o sacerdócio positivo – é o aconselhamento, ou seja, ele modifica as condutas subjetivamente
§ Essa atuação do sacerdócio constitui a opinião pública
§ O aconselhamento implica as ideias, os valores e os sentimentos
§ Há um paralelismo entre a atuação do sacerdócio na cité e a atuação das mulheres no âmbito das famílias: todos eles são conselheiros e modificadores da ação
o Na verdade, a atuação do poder Espiritual como afirmador subjetivo das vistas gerais pode ser desenvolvida em mais âmbitos:
§ Augusto Comte fala que ele deve atuar como um juiz: conselheiro, consagrador e moderador
§ O fundamento dessa atividade é a educação comum
· por um lado, isso permite que haja valores compartilhados
· por outro lado, isso permite que os valores sejam afirmados e mobilizados por uma corporação conhecida, reconhecida e respeitada
§ A educação comum fornecida pelo sacerdócio implica que o sacerdócio pleno tem que ter uma formação plena:
· A formação plena implica as vistas gerais e o relativismo; o conhecimento científico e histórico; o conhecimento artístico; a responsabilidade política
· Os meros cientistas, os meros artistas e até os meros eruditos são sacerdotes incompletos e, portanto, desempenham funções importantes mas subordinadas
· É errado igualar o sacerdócio aos professores e, ainda mais, aos jornalistas:
o No caso dos professores, eles não têm necessariamente as vistas gerais do ponto de vista intelectual, o que com frequência afeta as suas responsabilidades morais e políticas exigidas do sacerdócio pleno
o No caso dos jornalistas: com frequência, eles não têm necessariamente nenhum dos requisitos próprios ao sacerdócio (formação intelectual, integridade moral, responsabilidade política); a obrigação de escreverem qualquer coisa periodicamente torna seus escritos, com frequência, superficiais; por fim, eles beneficiam-se da superficialidade e vulgaridade moral, intelectual e política à assim, os jornalistas não são intérpretes nem elaboradores da opinião pública
§ O sacerdócio regula a vida privada e individual dos cidadãos, ao promover os sacramentos positivos
· Os sacramentos são de base moral, nunca política – ou seja, são opcionais, não obrigatórios (mas, quando aceitos, devem ser aceitos plenamente)
· Os sacramentos estabelecem a regulação e a periodização das vidas coletiva e individual em base heptenárias (em múltiplos de sete)
· Os sacramentos, em número de nove, são estes: apresentação, iniciação, admissão, destinação, casamento, madureza (ou maturidade), retiro, transformação, incorporação
§ No âmbito da política interna, o sacerdócio deve regular as relações sociais, evitando, moderando e conduzindo os conflitos sociais, mormente (mas é claro que não principalmente) os conflitos de classe e as disputas políticas
· A necessidade de autonomia do sacerdócio torna-se mais evidente nesses casos, a fim de que ele seja respeitado por todos e possa, dessa maneira, mediar e sugerir soluções para os conflitos
· As vistas gerais e a autonomia próprias ao sacerdócio, bem como a separação dos dois poderes, implicam necessariamente a vedação de o sacerdócio ocupar cargos políticos
o Na verdade, deveria ser estabelecida por lei a proibição de sacerdotes concorrerem a cargos políticos
§ No âmbito internacional, o sacerdócio também deve lidar com os possíveis conflitos, evitando as guerras e o colonialismo (e/ou o imperialismo)
· Para lidar com os conflitos internacionais, o sacerdócio deve afirmar a superioridade de vistas de conjunto em termos no presente (contra as guerras) e na história (contra o imperialismo)
o As responsabilidades do sacerdócio, portanto, são enormes:
§ Mais que qualquer outro poder, corporação ou (no caso dos sacerdotes individualmente considerados) ou indivíduos, seu comportamento tem que ser exemplar
§ Sua formação teórica, sua respeitabilidade moral, sua responsabilidade política devem ser superiores e é por meio desses elementos que eles devem ser julgados
§ As condutas exigidas dos cidadãos pelo sacerdócio devem ser exemplificadas pelo próprio sacerdócio
§ Considerando que o sacerdócio positivo é relativo e baseia-se na moral altruísta, além dos deveres de oferecer a educação, de administrar os sacramentos e de atuar como juiz, o sacerdócio deve sempre prestar contas públicas de suas atividades
· A prestação de contas refere-se tanto às suas atividades (quais foram e quais suas motivações) quanto às suas finanças
· Essa prestação de contas permite ao público avaliar se o sacerdócio efetivamente desempenha (e em que medida) as funções que lhe cabem, possibilitando, assim, que ele seja justificadamente respeitado e, portanto, apto a cumprir continuamente suas funções
· A prestação de contas, portanto, não é favor, mas obrigação do sacerdócio
o Augusto Comte e, depois, Miguel Lemos e Teixeira Mendes prestavam contas rigorosamente, por meio das suas “circulares anuais” e de outros instrumentos (como os prefácios do volumes da Política positiva, no caso de Comte)
Sessão 10
Súmula
Sociologia Dinâmica I: os três estados da inteligência: teologia, metafísica, ciência e positividade
Roteiro
- Lembrança do 13 de Maio:
o Data celebrada pelos positivistas como celebração da raça negra, simbolizada por Toussaint Louverture, libertador do Haiti
o Não por acaso, foi feriado nacional entre 1890 e 1930: “fraternidade dos brasileiros” (de acordo com o Decreto n. 151-B, de 14 de janeiro de 1890, revogado por Getúlio Vargas em favor do 1º de Maio)
- Sociologia Dinâmica:
o Estudo das mudanças cumulativas por que passam as sociedades ao longo do tempo
§ Assim, é aqui que se afirmam e desenvolvem as noções teórica de historicidade humana e metodológica de filiação histórica
o É o campo de estudo que permite, via abstração, a constituição da Sociologia Estática
§ Na Filosofia positiva Augusto Comte observa que é na e por meio da história que as instituições da Sociologia Estática revelam-se
o Há duas condições preliminares para a Sociologia Dinâmica: (1) o próprio desenvolvimento histórico e, a partir daí, (2) o acúmulo de materiais historiográficos
§ A História, entendida como disciplina acadêmica, é fonte de dados brutos para a Sociologia; portanto, nesse sentido, a Sociologia é superior à História, ao mesmo tempo em que se baseia nela à daí decorre que os sociólogos não são historiadores, embora tenham que ter em mente o caráter histórico fundamental do ser humano
- Leis dos três estados:
o São leis descritivas e dinâmicas do ser humano
o São os princípios fundamentais do Positivismo como um todo
§ Embora cronologicamente a lei dos três estados tenha sido o princípio do Positivismo e seja um pressuposto teórico-metodológico, de um ponto de vista lógico (ou doutrinário) ela é uma parte pequena e que pode e é apresentada só no meio das exposições doutrinárias
o Elas apresentam um caráter “compreensivo”, no sentido dado a essa expressão pela sociologia metafísica alemã, ou seja, elas correspondem a princípios de interpretação da realidade
o Inicialmente Augusto Comte concentrou-se nos aspectos intelectuais (daí o surgimento da lei “clássica” dos três estados); depois, considerando a natureza humana tríplice, percebeu ser possível e necessário estabelecer leis correspondentes às outras partes da natureza humana
§ Vale notar que, embora seja evidentemente possível estudar sociologicamente os sentimentos, a Sociologia em si mesma estuda as ações e as idéias (ou seja, a política, a economia e as idéias), ao passo que os sentimentos são mais cuidadosamente estudados na Moral (isso é indicado na Política positiva)
- Lei dos três estados da inteligência:
o “Toda concepção humana passa por três estados – teológico, metafísico e positivo –, com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes”
§ Aspectos a destacar: “concepções humanas” e “generalidade dos fenômenos”
§ Lei complementar à leis dos três estados: a classificação das ciências
§ O conceito de “metafísica”: transição (entre diferentes tipos de teologia e entre a teologia e a positividade); corrosão das teologias; manutenção do caráter absoluto
o Augusto Comte modificou ao longo do tempo o enunciado; por exemplo, “teológico” antes era “fictício”; “metafísico” era “abstrato”; “positivo” era “científico”
§ A idéia da positivação dos conceitos já era considerada por Turgot, em meados do século XVIII
§ O que Augusto Comte fez foi formalizar, desenvolver muito e aplicar sistematicamente essa concepção
o Além das alterações terminológicas – que, por si sós, já indicam mudanças conceituais –, na época da redação da Síntese subjetiva Augusto Comte passou a formalizar uma subdivisão do estado positivo, distinguindo a cientificidade da positividade
o No final das contas, a lei dos três estados pode ser entendida não como a sucessão teologia-metafísica-positividade, mas como a sucessão relativismo/absolutismo-absolutismo-relativismo
Sessão 11
Súmula
Sociologia Dinâmica II: a lei dos três estados da atividade: guerra conquistadora, guerra defensiva, paz industrial
Roteiro
- Recordação de datas históricas: aniversário de Luís Lagarrigue (16.5.1864)
- Recordando alguns elementos da sessão anterior: as leis dos três estados são leis sociológicas, tanto explicativas quanto “compreensivas”
o A formulação final da lei intelectual dos três estados, afirmando o relativismo, acaba religando de maneira clara o final da carreira de Augusto Comte com o seu início, quando afirmou que “tudo é relativo, eis a única verdade absoluta”
- Sociologia Dinâmica II: a lei dos três estados da atividade: guerra conquistadora, guerra defensiva, paz industrial
o A segunda lei dos três estados estipula que as grandes civilizações e, de maneira mais ampla, a Humanidade passa por três etapas em suas atividades práticas: as guerras de conquista, as guerras de defesa e a atividade pacífica e industrial
o Essa seqüência é ao mesmo tempo lógica e histórica e é ilustrada de maneira particular no Ocidente pela sucessão Grécia, Roma, Idade Média, modernidade:
§ As guerras de conquista estabelecem um território amplo unificado; em seguida, as guerras de defesa protegem externamente o território conquistado, que, internamente, busca a paz; por fim, as relações internacionais deixam de lado as guerras para cederam lugar à paz
§ A história de Roma chega a ser didática no que se refere à passagem das guerras de conquista para as guerras de defesa: essa alteração ocorreu justamente quando a República cedeu lugar ao império; Júlio César foi o grande nome dessa transição (muito mais que Otávio Augusto)
o A mudança do padrão de comportamento coletivo, da guerra para a paz, implica necessariamente mudanças de valores e de “mentalidades”: a honra cede lugar ao conforto, o trabalho passa a ser valorizado, a vida passa a ser valorizada, a cooperação substituição a disputa
§ A escravidão, o militarismo, a violência, o butim cedem lugar ao trabalho livre, à tolerância, à busca de consenso e de mediação, às trocas e às dádivas
§ Os exércitos cedem lugar à polícia para a manutenção da ordem pública
o Estritamente nesse esquema, a guerra tem um caráter civilizador
§ Com “caráter civilizador” o que se quer dizer é que, nesse esquema, a guerra desempenha um papel histórico, ao permitir que o ser humano desenvolva-se e caminhe para a paz
§ As guerras de extermínio anteriores (por exemplo, as guerras indígenas) e as guerras de conquista posteriores (por exemplo, o imperialismo europeu) não entram nesse esquema
· As guerras tribais não têm papel civilizador (o que não significa que não desempenhem nenhum papel cultural e/ou político)
· As guerras modernas de conquista não colaboram com a paz nem estimulam o desenvolvimento humano, apenas a violência, o egoísmo coletivo e a rapacidade
o No âmbito estritamente nacional, as guerras apresentam um caráter altruísta e as habilidades próprias à liderança são facilmente perceptíveis
§ Essas duas características tornam ambíguas a guerra, especialmente no período moderno e em comparação com as atividades industriais, em que o caráter altruísta e as habilidades necessárias para o bom cumprimento das responsabilidades industriais são menos evidentes
o De qualquer maneira, vale em relação às atividades militares e pacíficas a observação geral de Augusto Comte: as concepções impassíveis de comprovação estão sempre próximas das ordens indiscutíveis
§ Ou seja, o absolutismo filosófico está sempre próximo do autoritarismo e da violência e, inversamente, o relativismo está próximo da tolerância e da possibilidade pública de discussão
Sessão 12
Súmula
Sociologia Dinâmica III: lei prática dos três estados (concl.); lei afetiva dos três estados
Roteiro
- Lei prática dos três estados (conclusão):
o A lei prática dos três estados estabelece que a atividade é primeiro militar conquistadora, depois militar defensiva e por fim pacífico-industrial
o A afirmação plena da paz industrial requer o relativismo e a ciência, bem como a sua disseminação social e geográfica
§ A indústria por si só existe desde sempre
§ O trabalho e os trabalhadores têm que ser valorizados e dignificados
§ O domínio do homem sobre a natureza tem que ocorrer e isso só é plenamente possível por meio da ciência
§ O relativismo também tem que prevalecer, a fim de deixar para trás o absolutismo político e moral, a desvalorização da vida, o estímulo à guerra e à violência
- Sociologia Dinâmica III: os três estados dos sentimentos: família, pátria, Humanidade
o A lei dos três estados dos sentimentos refere-se não tanto aos sentimentos em si mesmos, mas aos âmbitos superiores de sociabilidade ou, em outro sentido, de vinculação social e afetiva
§ Há uma correspondência entre os âmbitos da sociabilidade e os sentimentos altruístas: família à veneração; pátria à apego; Humanidade à bondade
§ Além disso, há que se notar que, ao mesmo tempo, os âmbitos de sociabilidade têm diferentes fundamentos no que se refere à natureza humana:
· Família: vínculos afetivos
· Pátria: vínculos práticos (economia e política)
· Humanidade: vínculos intelectuais (religião)
o A seqüência família, pátria, Humanidade é rigorosamente histórica, embora, como ocorre com as outras leis dos três estados, seja necessário apreendê-la em grandes períodos temporais
§ Vale notar que mesmo em momentos de afirmação das pátrias ocorreram vislumbres da noção de Humanidade
· Isso é possível de notar nos gregos e, ainda mais, entre os romanos
§ Considerando o caráter masculino (e bélico) da palavra “pátria”, Augusto Comte sugeria a sua substituição, no estado normal, por “mátria”
o Uma particularidade da lei afetiva dos três estados é que ela, ao contrário das duas leis anteriores, permite a coexistência dos três estados
§ Essa coexistência evidentemente é compatível com a coexistência dos três instintos altruístas
§ No caso das duas leis anteriores, os estados preliminares têm que ser ultrapassados e convictamente deixados para trás: temos que ultrapassar e rejeitar o absolutismo teológico-metafísico e também o militarismo
§ A coexistência dos três estados afetivos não significa, todavia, mera justaposição: ela implica a subordinação sucessiva dos âmbitos de sociabilidade: as famílias subordinam-se às pátrias (ou mátrias) e estas subordinam-se à Humanidade
- Há alguns aspectos adicionais que devem ser indicados a respeito das leis dos três estados:
o Cada uma das leis indica uma tendência importante por si só, mas a reunião e a combinação delas elabora um quadro cada vez mais completo, complexo e específico da realidade histórica humana
o É fácil perceber que os três estados finais e os três estados iniciais são solidários entre si:
§ O relativismo, a noção de Humanidade e a atividade pacífico-industrial apoiam-se e são condições uns dos outros; inversamente, o mesmo pode ser dito do absolutismo, das sociabilidades inferiores e do militarismo
§ Em outras palavras, essa mútua solidariedade significa que a plena realização do estágio final de cada lei implica e exige a realização do estágio final das outras leis: por exemplo, a noção de Humanidade exige o relativismo e enseja a atividade pacífica
o As leis dos três estados correspondem a tendências gerais da evolução humana:
§ A idéia de tendência indica que elas são direções gerais, que variam em intensidade e mesmo em direção ao longo do tempo: assim, às vezes elas andam mais rapidamente, às vezes são mais lentas; às vezes vão na direção das leis, às vezes sofrem recuos temporários
§ Augusto Comte usava a imagem das curvas assintóticas, que tendem para uma posição no infinito, mas que nunca chegam plenamente ao limite indicado
§ No limite, todos os povos seguirão voluntariamente as leis dos três estados; mas, em todo caso, diferentes temperamentos e necessidades conduzem a comportamentos diversos à daí a necessidade da pressão coletiva em favor das leis, seja a pressão temporal (política), seja a pressão espiritual (intelectual e moral)
Sessão 13
Súmula
Sociologia Dinâmica IV: relato histórico sociológico de Augusto Comte; fetichismo; astrolatria; transição própria ao Ocidente
Roteiro
- Os relatos históricos de Augusto Comte são pesquisas sociológicas tão válidas quanto quaisquer outras
o Elas estão presentes nos volumes IV a VI da Filosofia positiva e no v. III da Política positiva
o Elas são bem menos conhecidas que as reflexões mais abstratas da Sociologia Dinâmica à entretanto, deveria ser evidente que elas são plenamente sociológicas e válidas tanto quanto as leis dos três estados e a Sociologia Estática
o Sem querer apelar para qualquer variedade de vitimismo, o fato é que não vejo nenhum outro motivo para essas reflexões serem desconsideradas além dos meros preconceitos academicistas e intelectuais
- Transição própria ao Ocidente:
o “Transição”: passagem do fetichismo (ou até das teocracias iniciais) ao estado normal positivo
o Fetichismo como fase comum a toda a Humanidade, seguida pela astrolatria e pelo politeísmo
§ Fetichismo: síntese subjetiva absoluta
§ Astrolatria: transição do fetichismo ao politeísmo; instituição da síntese objetiva (necessariamente absoluta)
§ A astrolatria foi possível graças à passagem do nomadismo (próprio ao fetichismo) para o sedentarismo à afinal de contas, para observar de maneira constante o céu é necessário estar-se fixado em algum solo durante décadas ou séculos
Sessão 14
Súmula
Sociologia Dinâmica V: teocracias antigas; tríplice transição ocidental (Grécia, Roma, Idade Média); duplo movimento moderno; Revolução Francesa
Roteiro
o No Ocidente: após a atuação das grandes teocracias (politeísmo conservador) há o desenvolvimento do politeísmo progressista (Grécia e Roma) e pelo monoteísmo
§ As teocracias antigas apresentavam um caráter estático, isto é, imobilista à as mudanças, embora ocorressem de fato, eram controladas pelo sacerdócio, que tinha em mente a harmonia social
o Tríplice transição ocidental:
§ Grécia: desenvolvimento da inteligência no militarismo de conquista fracassado; trabalho escravo
§ Roma: desenvolvimento da atividade no militarismo de conquista efetivo; trabalho escravo
§ Idade Média: desenvolvimento da afetividade no militarismo defensivo e no monoteísmo católico; trabalhadores vinculados à terra, com paulatina emancipação dos trabalhadores, das comunas e das mulheres
o Após a Idade Média: duplo movimento moderno, cada vez mais anárquico:
§ destrutivo: mais rápido, correspondente à corrosão do regime católico-feudal (absoluto, militar)
§ construtivo: mais lento, correspondente à constituição da sociedade positiva (relativista), pacífica e industrial
§ Os agentes dessas mudanças muitas vezes eram os mesmos: por exemplo, a ciência foi tanto corrosiva da antiga ordem quanto um elemento constituinte da nova ordem
§ Duas fases:
· Espontânea (séculos XIV e XV) – grosso modo, Renascimento
· Sistemática (séculos XVI a XVIII) – a partir do protestantismo até a Revolução Francesa
o Descompasso crescente entre os movimentos: explosão social e política na forma da Revolução Francesa
Sessão 15
Súmula
Sociologia Dinâmica VI: Revolução Francesa como explosão resultante dos movimentos sociais anteriores; surgimento de vários partidos sociopolíticos durante a após a Revolução Francesa; fundação da Sociologia por A. Comte como síntese entre as sociologias do progresso (Condorcet) e da ordem (De Maistre); análises de conjuntura; fundação da Religião da Humanidade e papel de Clotilde de Vaux
Roteiro
- Descompasso crescente entre os movimentos: explosão social e política na forma da Revolução Francesa
o Revoluções prévias: intelectual (Enciclopedistas); burguesa (fim do Antigo Regime); proletária (afirmação do problema social); faltaria a feminina
- Necessidade de conciliação entre a ordem e o progresso
o Sociologia da ordem: fundada por José de Maistre
o Sociologia do progresso: fundada pelo Marquês de Condorcet
o Contribuição de Augusto Comte: conjugação entre a ordem e o progresso (além do desenvolvimento da reflexão sobre as ciências, sobre o que é a cientificidade, sobre os métodos e o objeto da Sociologia, sobre a aplicabilidade da Sociologia etc.)
- Ao redor da Revolução Francesa, constituição de vários partidos:
o Militarista (Bonaparte, seus seguidores e êmulos)
o Retrógrado (católico: José de Maistre)
o Revolucionário (democrático e clericalista: Rousseau, Robespierre)
o Revolucionário (monarquista e anticlericalista: Voltaire)
o Construtivo (sociocrático, positivista: Diderot, Danton)
o Etc.
- Análises de conjuntura:
o Análises dos grupos sociais, suas motivações, suas ações, suas variações históricas
§ Filósofos, cientistas, moralistas, políticos, industriais, guerreiros, sacerdotes
§ Liberdade versus igualdade
§ Antigo regime versus novo regime
§ Retrógrados versus revolucionários versus construtivos
o V. IV e VI da Filosofia; v. III da Política; Apelo
- Sociologia do conhecimento, Sociologia da ciência:
o Ciência como surgindo a partir (e também contra) a teologia, em um processo mais amplo que é próprio à sociologia da religião
o V. IV-VI da Filosofia; v. I-III da Política
- Fundação do Positivismo:
o Conjugação da ordem com o progresso
§ Solução dos problemas sociais
§ Incorporação do proletariado
§ Valorização das mulheres
§ Regularização das funções sociais (em particular da riqueza e da propriedade)
§ Afirmação da noção de deveres
o Elaboração da síntese subjetiva relativa:
§ Uso da ciência para esclarecer a realidade e orientar a ação
· A síntese subjetiva e relativa garante que o Positivismo não seja nunca nem academicista nem cientificista
o A ciência é a base do dogma positivo; a ciência em si mesma não é o próprio dogma
· O cientificismo é a ciência entregue a si mesma, cultivada sem nenhum outro objetivo além de ser levada adiante à portanto, o cientificismo é a ciência tornada absoluta
· O academicismo é a prática institucional e institucionalizada da metafísica; contemporaneamente, ele também pode ser entendido como a prática institucional do cientificismo
§ De modo mais central e importante: afirmação do altruísmo e do relativismo
§ Afirmação da noção de relações, não de causas
o Processo-síntese: fundação da Religião da Humanidade
§ Importância central de Clotilde de Vaux
· Com enorme justiça, Clotilde foi considerada pelo próprio Augusto Comte como cofundadora da Religião da Humanidade
Sessão 16
Súmula
A Religião da Humanidade: a Trindade Positiva
A transição final: ditadura republicana; triunvirato positivo
Conceitos políticos importantes para o Positivismo: “Ordem e Progresso”; “conservadorismo”; “moralismo”
Roteiro
- Celebrações da semana:
o 2 de Carlos Magno (19 de junho): nascimento de Carlos Torres Gonçalves (1874)
o 4 de Carlos Magno (21 de junho): transformação de Décio Villares (1931)
o 6 de Carlos Magno (23 de junho): nascimento de José Martins Fontes (1884)
- Instituição da trindade positiva:
o Complemento lógico-moral da Religião da Humanidade
o Estabelece a lógica positiva: conjunto dos meios disponíveis com vistas a inspirar pensamentos, sentimentos e ações para a ação construtiva do ser humano
§ Os meios disponíveis são os sentimentos, as imagens e os sinais
o Institui “ficções científicas”:
§ Grão Ser (a Humanidade) – sentimentos, atividade, inteligência
§ Grão Fetiche (a Terra) – sentimentos, atividade
§ Grão Meio (o Espaço) – sentimentos
o É uma aplicação direta da incorporação do fetichismo inicial ao Positivismo final
§ Busca inspirar sentimentos e tornar afetivo o conjunto da realidade (“reencantamento do mundo”)
- A transição extrema:
o Instituição da ditadura republicana
§ A ditadura proposta por Augusto Comte toma por base a magistratura da República romana que tinha esse nome e que se caracterizava por ser excepcional e temporária, para momentos de crise
· A concepção de ditadura como sendo “autoritarismo” surgiu e disseminou-se no século XX, a partir dos totalitarismos: inicialmente com Lênin e a aplicação da “ditadura do proletariado” a partir da Revolução Russa; depois com Hitler e a ditadura nazista
· Até a Revolução Russa, a palavra “ditadura” ou era considerada como algo bom (e de liberdades) ou era um termo neutro
· Augusto Comte usa a palavra “ditadura” nos mais variados contextos, sempre com adjetivos: “ditadura progressista”, “ditadura liberal”, “ditadura despótica”, “ditadura repressiva” etc. etc.
§ A ditadura republicana é uma fase de transição entre a anarquia moderna e o estado normal
§ Ela caracteriza-se (1) pelo caráter puramente material do poder Temporal, (2) pelas mais completas liberdades (de pensamento, de expressão, de associação), (3) pela disseminação e pela atuação regeneradora da política e da moral positiva, (4) separação entre igreja e Estado; (5) pela preponderância da chamada “sociedade civil”
§ Alguns positivistas notaram que se deve prestar atenção a aspectos implícitos:
· Isonomia (igualdade perante a lei) (dr. Robinet)
· Judiciário autônomo (Agliberto Xavier)
§ A par da regeneração moral e política realizada pelo Positivismo, as concepções relativistas e pacifistas difundir-se-ão à uma importante conseqüência disso é que a política tornar-se-á mais pacífica e menos violenta à portanto, as forças armadas tornar-se-ão inúteis (além de já serem extremamente onerosas) e deverão ser extintas
§ Em outras palavras: é um governo presidencialista e de liberdades
o Triunvirato positivo
§ O triunvirato será instituído no estado normal, em que tanto a sociedade quanto o governo for positivo
§ Haverá a divisão do poder na cúpula: três governantes, com origem no capital bancário, cada um responsável por uma área econômica: indústria, comércio, agricultura
§ Vários elementos da transição serão mantidos: liberdades de pensamento, expressão e associação; separação entre igreja e Estado; preponderância da sociedade civil; isonomia; Judiciário independente; inexistência de forças armadas
- Conceitos políticos contemporâneos importantes para a política positiva:
o “Ordem e Progresso”
§ Frase recuperada recentemente: campanha “Ponha o amor na bandeira”
§ Falsa acusação de que Teixeira Mendes teria cometido um erro (!!!) ao elaborar a bandeira sem o “Amor” à o “Ordem e Progresso” é uma divisa política, que se baseia mas que se distingue da fórmula religiosa fundamental do Positivismo (“O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”)
§ “Ordem e Progresso” não quer dizer “ordem militar e progresso calado”
§ O “Ordem e Progresso” afirma que as concepções de ordem e as concepções de progresso devem unir-se de maneira profunda em vez de serem consideradas de maneira separada ou até como sendo opostas
· Assim, é necessário ter uma concepção de ordem que contemple o progresso e uma concepção de progresso que respeite a ordem
· O liame entre ordem e progresso, que permite a união e a ultrapassagem dos dois termos isolados, é o amor
· Como só o amor permite a união e a ultrapassagem dos dois termos isolados, a palavra “e” corresponde implicitamente ao amor (observação bela e brilhante de Hernani Gomes da Costa)
§ A ordem deve ser entendida como “arranjo”, não como “comando”; a ordem também implica o reconhecimento e o respeito às instituições sociais fundamentais (estabelecidas pela Sociologia Estática); assim, a ordem é a condição para o progresso
§ Inversamente, o progresso é o desenvolvimento da ordem, ou seja, é o desenvolvimento de um arranjo social qualquer
§ Essas concepções de ordem e de progresso são mais claras, mais simpáticas e mais úteis que todas as definições dadas (quando são dadas) pela “direita” e pela “esquerda”
· Para a direita, a ordem é estática e tem por objetivo ser retrógrada; o progresso é sempre entendido como anarquia
· Para a esquerda, a ordem é sempre autoritária e injusta; o progresso ou não é definido ou, quando é definido, é entendido como destruidor da ordem
o “Conservador”
§ Muitas vezes o Positivismo é chamado de “conservador”, com isso se querendo dizer que ele é retrógrado, reacionário e/ou oposto ao progresso
§ O conjunto deste curso evidencia que o Positivismo simplesmente não é “conservador”
§ O conservadorismo pode ser entendido no sentido dado por Edmund Burke: respeito ao legado histórico, mudanças sociopolíticas paulatinas e incrementais
· O Positivismo reconhece o valor dessa concepção; por exemplo, assumimos como nossa a frase de Danton, “Só se destrói o que se substitui” à todavia, a concepção burkeana tem sérios problemas: ela é estática (e não dinâmica); o respeito ao legado histórico converte-se em imobilismo e em rejeição de mudanças; ela aceita que instituições arcaicas e/ou injustas permaneçam existindo (como a monarquia, a sociedade de castas, a escravidão etc.); de maneira mais profunda, ela rejeita as mudanças racionais sugeridas pela ciência e pela moralidade
§ Quase em sua totalidade, quem afirma que o Positivismo é “conservador” é de “esquerda” e marxista, portanto defensor do mito da revolução social e dos meios políticos violentos: como o Positivismo é contra a violência e, portanto, contra o infantilismo moral, político e intelectual da “revolução”, somos acusados de “conservadorismo”
· Ora, não é que o Positivismo seja “conservador”: quem nos chama de “conservadores” é que é adepto da violência e da destruição
· É uma definição plenamente relacional e maniqueísta: como os positivistas não somos extremistas (e, em particular, não somos adeptos do extremismo revolucionário), seríamos por definição “conservadores”
§ No Apelo aos conservadores, Augusto Comte faz um apelo justamente aos conservadores, ou seja, àqueles que estão no partido da ordem não porque sejam reacionários ou retrógrados, mas porque detestam a violência e a destruição; o apelo de Comte é que deixem o partido da ordem e incorporem-se ao partido construtivo, positivista
· Da mesma forma, embora em grau menor, Comte faz também no Apelo aos conservadores um apelo aos adeptos do partido do progresso que são contra a violência e a destruição para que assumam seu lugar no partido construtivo
o “Moralismo”
§ Em várias ocasiões o Positivismo também é chamado de “moralista”, por apresentar parâmetros morais claros e aplicá-los na avaliação da sociedade à o mero fato de ter e empregar explicitamente parâmetros morais seria o “moralismo”
§ Quem critica o Positivismo de “moralista” quase sempre parte de uma perspectiva supostamente “objetiva”, em que o exame “objetivo” da realidade apresentaria por si só os defeitos da realidade
· Essa perspectiva “objetiva” (ou objetivista) também é materialista; na verdade, a objetividade dessa perspectiva viria do seu materialismo à o melhor e mais forte exemplo de objetivismo materialista é o marxismo
· Para esse objetivismo materialista, toda avaliação da realidade (ou da sociedade) que tenha parâmetros morais explícitos será “moralista”
· Se os parâmetros morais são rejeitados como critérios explícitos de avaliação, eles também são rejeitados como elementos de mudança social à o objetivismo materialista aceita apenas “soluções” materialistas, isto é, políticas e econômicas
o Vale notar que as “soluções” materialistas reduzem todos os problemas sociais a questões de poder, isto é, a disputas sobre quem impõe a vontade e os próprios valores sobre os demais
o Em outras palavras, as “soluções” materialistas desprezam a negociação, o convencimento, o aconselhamento
§ Entretanto, como ficou bastante claro ao longo deste curso de política positiva, é simplesmente impossível fazer qualquer avaliação da realidade (ou da sociedade) sem ter valores morais, sejam eles explícitos (como no caso dos positivistas), sejam eles implícitos (como no caso dos marxistas)
§ Assim, quem supõe que não é “moralista” porque suas críticas provêm da própria realidade comete vários erros de uma única vez:
· É ingênuo em termos epistemológicos:
o Ignora a necessidade intelectual dos valores morais
o Supõe que existe uma realidade abstrata e fantasmagórica cujas avaliações impor-se-iam por si sós;
· É ingênuo em termos morais, pois rejeita a importância do altruísmo e, portanto, dá livre vazão ao egoísmo à de acordo com essa concepção, existe apenas o egoísmo e a violência; o altruísmo e o convencimento leal e legítimo seriam recursos retóricos e hipócritas;
· É mau caráter em termos políticos, pois despreza quem valoriza explicitamente o altruísmo;
· No caso de saber que tem valores morais mas rejeitar sua exposição às claras, é hipócrita e cínico.
§ Há uma outra possibilidade de entender a palavra “moralista”: seria aquele que aplica conceitos morais na análise social desconsiderando aspectos sociais e políticos da realidade social avaliada à em outras palavras, seriam as pessoas que avaliam a realidade apenas a partir de critérios morais, sem outros parâmetros
· Augusto Comte chama esse tipo de defeito intelectual e moral de “espiritualismo”
· O Positivismo fundou a Sociologia: o estudo da realidade social integra plenamente a doutrina; assim, não faz sentido dizer que o Positivismo aplica parâmetros morais desconsiderando a realidade social avaliada à o conjunto da escala enciclopédica e o relativismo impedem o vício espiritualista no âmbito do Positivismo
Referências bibliográficas elementares
BOURDEAU, Michel.
2004. L’Idée de point de vue sociologique. La philosophie des sciences comme
sociologie des sciences chez Auguste Comte. Cahiers
internationaux de sociologie, Paris, v. 117, p. 225-238.
BOURDEAU, Michel; BRAUNSTEIN, Jean-François & PETIT, Annie. (eds.). 2003. Auguste Comte aujourd’hui. Paris: Kimé.
CARNEIRO, David. 1938-1944. História geral da Humanidade através de seus maiores tipos. 8 v. São Paulo: Athena.
COMTE, Augusto. 1856. Synthèse subjective ou système universel des conceptions propres a l’état normal de l’Humanité. Paris: Fayard.
COMTE, Augusto. 1890. Système de politique positive ou traité de Sociologie instituant la Religion de l’Humanité. 3ème ed. 4 v. Paris: Larousse.
COMTE, Augusto. 1899. Apelos aos conservadores. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil.
COMTE, Augusto. 1934. Catecismo positivista, ou sumária apresentação da Religião universal. 4a ed. Rio de Janeiro: Apostolado Positivista do Brasil.
COMTE, Augusto. 1957. A General View of Positivism. New York: R. Speller.
COMTE, Augusto. 1972. Opúsculos de filosofia social. São Paulo: USP.
COMTE, Augusto. 1992. Discurso sobre o espírito positivo. São Paulo: M. Fontes.
COMTE, Augusto. 1996. Catecismo positivista, ou sumária apresentação da Religião universal. Col. “Os pensadores”. São Paulo: Nova Cultural.
FEDI, Laurent. 2002. Fétichisme, philosophie, littérature.
Paris: L’Harmattan.
FEDI, Laurent. 2008. Comte.
Belo Horizonte: Estação Liberdade.
GANE, Mike. 2006. Auguste Comte. London: Routeledge.
GRANGE, Juliette.
1996. La philosophie d’Auguste Comte.
Science, politique, religion. Paris: PUF.
GRANGE, Juliette.
2000. Auguste Comte. La politique et
la science. Paris: O. Jacob.
GRANGE, Juliette. 2008. Expliquer
et comprendre de Comte à Dilthey. In:
Zaccaï-Reyners, N. (ed.). Explication-compréhension. Regards sur les sources et l’actualité
d’une controverse épistémologique. Bruxelles: Université de
Bruxelles.
HEILBRON,
Johan. 1990. Auguste Comte and Modern Epistemology. Sociological Theory, New Jersey, v. 8, n. 2, p. 153-162, Autumn.
HEILBRON, Johan.
2006. La naissance de la Sociologie.
Marseille: Agone.
KREMER-MARIETTI, Angèle. 2007. Le kaléidoscope épistémologique d’Auguste
Comte. Sentiments, images,
signes. Paris: L’Harmattan.
LACERDA, Gustavo B. 2015a. Positivismo
e Educação: algumas idéias pedagógicas de Augusto Comte. In: HENNING, Leoni M. P. (org.). Filosofia e Educação. Caminhos cruzados. Curitiba: Appris.
LACERDA, Gustavo B. 2015b. Vontades e leis naturais – liberdade e determinismo no positivismo comtiano. Mediações, Londrina, v. 20, n. 1, p. 307-337.
LACERDA, Gustavo B. 2016a. Introdução à Sociologia Política. Curitiba: Intersaberes.
LACERDA, Gustavo B. 2016b. Laicidade na I República brasileira: os positivistas ortodoxos. Curitiba: Appris.
LACERDA, Gustavo B. 2016c. Positivismo, Augusto Comte e Epistemologia das Ciências Humanas e Naturais. Marília: Poiesis.
LACERDA, Gustavo B. 2016d. Positivismo, Sociologia e política. Marília: Poiesis.
LACERDA, Gustavo B. 2016e. Política e violência no Positivismo de Augusto Comte. In: PERISSINOTTO, Renato; LACERDA, Gustavo B. & SZWAKO, José. (orgs.). Curso livre de Teoria Política. Curitiba: Appris.
LACERDA, Gustavo B. 2018. Comtianas brasileiras. Ciências Sociais, Brasil e cidadania. Curitiba: Appris.
LACERDA,
Gustavo B. 2019. O momento comtiano:
república e política no pensamento de Augusto Comte. Curitiba: UFPR.
LAFFITTE, Pierre. 1880. De la morale positive. Havre: T. Leclerc.
LAGARRIGUE, Luís. 1920. Incorporación del Proletariado a la sociedad moderna. Santiago de Chile : Universo.
LAZINIER, Emmanuel. 2002. La Psychologie d’Auguste Comte. Disponível em: http://membres.lycos.fr/clotilde/articles/psychoac.htm. Obtido em: 27.ago.2008.
LAZINIER, Emmanuel. 2019. Qu'est-ce qui rend Auguste Comte si étrange et si “chinois”. Disponível em: http://confucius.chez.com/clotilde/strange.xml. Acesso em: 13.set.2019.
LAZINIER, Emmanuel. 2021. Auguste Comte, un scientiste? Disponível em: http://confucius.chez.com/clotilde/scientis.xml. Acesso em: 18.ago.2021.
LINS, Ivan. 1967. História do Positivismo no Brasil. Col. “Brasiliana”, v. 322. Rio de Janeiro: Nacional.
PAULA LOPES, Rodolfo. (org.). 1946. Auguste Comte. Le Prolétariat dans la société moderne. Coll. “Archives positivistes”. Paris : s/n.
PETIT, Annie. (dir.).
2006. Auguste Comte. Trajectoires
positivistes, 1798-1998. Paris: L’Harmattan.
SOARES, Mozart P. 1999. O Positivismo no Brasil. 200 anos de Augusto Comte. Porto Alegre: UFRS.
TEIXEIRA MENDES, Raimundo. 1898. As últimas concepções de Augusto Comte ou ensaio de um complemento ao Catecismo positivista. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil.