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18 março 2025

Monitor Mercantil: Conservadorismo curitibano como reflexo do Brasil

No dia 17 de março de 2025 o jornal carioca Monitor Mercantil publicou um artigo de nossa autoria, intitulado "O conservadorismo curitibano como reflexo do Brasil".


Reproduzimos abaixo o texto.

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O conservadorismo curitibano como reflexo do Brasil 

Curitiba é reconhecidamente uma cidade conservadora. Esse conservadorismo sempre conjugou o respeito às tradições com inovações profundas; alguns exemplos disso são (1) o pronto apoio dos paranaenses à proclamação da República, em 1889, (2) o apoio ao regime republicano na Revolução Federalista (1893-1894), (3) a fundação da Universidade do Paraná (atual Universidade Federal do Paraná), em 1912, e, (4) entre os anos 1970 e 1990, as reformas urbanísticas de Jaime Lerner e sua equipe.

Como se sabe, o conservadorismo consiste em uma predileção pelos resultados acumulados historicamente e uma rejeição às inovações, em particular as inovações planejadas. Dessa forma, os conservadores mantêm uma grande distância da noção do progresso e aproximam-se dos reacionários, embora os reacionários rejeitem o progresso, enquanto os conservadores só mantenham reservas a respeito.

O conservadorismo curitibano consiste nessa reserva em relação ao progresso; no século XX isso significou reserva, oposição, rejeição da “esquerda”. É uma questão mais política que filosófica: afinal, em termos filosóficos, os quatro exemplos que demos acima foram defendidos explicitamente como progressos. É claro que perspectivas reacionárias também foram defendidas, como quando Flávio Suplicy de Lacerda afirmou em 1939 que os poloneses tinham invadido a Alemanha e que, portanto, a atuação nazista em relação à Polônia era uma questão de defesa. (Diga-se de passagem, a mesma estrutura de argumentos é mobilizada atualmente em defesa da invasão russa sobre a Ucrânia.)

Todavia, nos últimos dez ou 15 anos o conservadorismo curitibano tem mudado de natureza, deixando a abertura a mudanças progressistas e enveredando cada vez mais por sendas reacionárias, em direção a mudanças regressivas. O primeiro sinal disso é que o projeto de destruição da República brasileira – projeto efetivo, consciente e racional, anunciado até em artigo acadêmico (“Considerações sobre a Operação Mani Pulite” – Revista CEJ, Brasília, v. 8, n. 26, p. 56-62, 2004) – foi pensado, constituído e levado a cabo em seus primeiros anos em Curitiba. Um segundo conjunto de sinais é que a equipe (curitibana) que se reuniu ao redor do autor do artigo acima, incluindo aí o próprio autor do artigo, apoiaram convictamente as ações e/ou integraram o governo de um líder político violento, autoritário, com notórios vínculos com a milícia carioca e cuja preocupação com o enriquecimento e com a família anda a par com explícitas intenções retrógradas. O terceiro exemplo é que por pouco Curitiba não elegeu como Prefeita uma jornalista radicalmente alinhada a esses políticos reacionários – jornalista para quem o transporte público deveria ser cobrado como se fosse um aplicativo, por quilometragem percorrida pelos passageiros, sem se preocupar que o transporte público é direcionado à população trabalhadora e com fundamentais efeitos sociais, econômicos e ambientais. (Na verdade, exatamente devido a esses efeitos, o transporte público deveria ser usado por toda a população – mas isso é outra discussão.)

Há traços menos evidentes ou, pelo menos, menos chamativos desse conservadorismo cada vez mais reacionário em Curitiba. Muitos desses traços têm orientações sociais diversas, mas no final apontam para uma única e mesma direção, que é, precisamente, o reacionarismo. Entre muitos casos possíveis, queremos citar dois exemplos, um que indica exclusão social imediata e outro que degrada o próprio conservadorismo.

Como costuma acontecer nas grandes cidades, o Centro e os bairros nobres recebem vultosos recursos públicos, enquanto bairros periféricos e populares são deixados à míngua ou abandonados. Curitiba é modelar a respeito, em que o desprezo pelo popular tem sido acompanhado pela “gentrificação”, com um recente e brutal aumento do IPTU em bairros populares devido à especulação imobiliária – e, claro, sem que isso se reverta em melhoria da qualidade de vida desses bairros.

Além disso, a principal via que liga o Centro da cidade e a rodoferroviária ao aeroporto Afonso Pena (no município de S. José dos Pinhais) – a av. Comendador Franco, apelidada de “Avenida das Torres” –, passou há cerca de uma década por um intenso processo de renovação, que tornou o seu trânsito mais fluido. Embora a Avenida das Torres seja margeada por bairros habitacionais, com trechos intensamente povoados, ela tem poucas faixas de pedestres, poucos sinaleiros e nenhuma passarela transversal. Esse problema é menor no início da via, onde há uma antiga favela, a Vila das Torres, e a Prefeitura viu-se obrigada a pôr três faixas de pedestres em cerca de dois quilômetros; mas, depois, há faixas apenas a cada quilômetro (ou mais). Dessa forma, é uma via que ficou realmente muito bonita após sua remodelação; mas é uma via para veículos, não para pedestres. Que qualidade de vida isso promove?

Por outro lado, o cemitério municipal de Curitiba – que, em face da laicidade, tem o inadequado nome clericalista de “São Francisco de Paula” – é a área em que o Paraná antigo está enterrado, com belíssimos túmulos, alguns deles enormes monumentos. É claro que também estão enterradas ali muitas famílias que não são da elite, mas simples cidadãos.

Ora, durante a pandemia de covid-19 o cemitério municipal foi arrasado: as placas de metal foram roubadas em série e túmulos foram depredados ou destruídos, sem que, desde então, tenha-se feito nada para corrigir esses problemas. A manutenção individual dos túmulos é problema das famílias, mas a conservação do espaço como um todo é obrigação da Prefeitura de Curitiba, especialmente com furtos e depredação de bens sob responsabilidade municipal, contra uma parte importante da memória pública do estado e da cidade e durante uma longa e agressiva pandemia. Aliás, a omissão – escandalosa – é também do Ministério Público, que nada fez. Mas, ao mesmo tempo, nos últimos dez anos a Prefeitura de Curitiba promoveu inúmeras ações explicitamente de apoio à Igreja Católica, com reforma de templos, parcerias institucionais muito vantajosas para a Igreja etc. O ativo apoio municipal à Igreja Católica ocorre ao mesmo tempo que a omissão a respeito do cemitério (cemitério “São Francisco de Paula”): ao mesmo tempo é o mais ativo clericalismo e o mais chocante desprezo pela memória pública.

Poderíamos dar muitos outros exemplos: a derrubada em série de prédios e casas antigos na região central da cidade, em favor da especulação imobiliária de espigões; a imposição de serviços públicos apenas via internet de celular no Centro de Curitiba etc.

Mas o que vimos já dá o tom do atual conservadorismo curitibano: é cada vez mais um reacionarismo clericalista e antipopular. Lamentavelmente, esse é cada vez mais o retrato do conservadorismo brasileiro – e, cada vez mais, das elites políticas nacionais em geral.

 

Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo da UFPR e Doutor em Sociologia Política.

12 julho 2020

Carla Zambelli usa o Positivismo para tentar cinco segundos de fama


No dia 5.7.2020 a Deputada Federal bolsonarista, de extrema direita, Carla Zambelli realizou um ataque vil e desprezível, completamente despropositado, contra o Positivismo, ou melhor, contra “os positivistas” (o original encontrando-se disponível aqui).

Este ataque é mais um que a extrema direita faz atualmente contra o Positivismo. Ele é mais uma peça de desinformação de um grupo que se fez e mantém-se graças ao uso sistemático da desinformação, da busca sistemática de inimigos e do uso sistemático de teorias da conspiração.

Essa postagem enseja pelo menos duas ordens de reflexões.

Por um lado, a sua falta de propósito específico salta aos olhos. Carla Zambelli é uma pessoa cuja carreira política desde o início está vinculada ao extremismo político, cuja marca mais evidente – além do extremismo, claro está – é a mais intensa ambição... mas é pura ambição, desejo pessoal de fama e poder, completamente destituída de objetivos sociais, de destinação coletiva. Ela - como muitas outras pessoas de seu círculo - personifica a noção de que o "poder corrompe", embora, bem vistas as coisas, talvez o problema não esteja propriamente no poder.

Assim, a postagem sobre os positivistas busca apenas pôr em evidência a deputada, de alguma forma e durante alguns instantes, em meio ao seu público cativo (a extrema direita, conspiratória, agressiva) e no ambiente que lhe é próprio (as redes sociais). Além disso, essa postagem, além disso, é fácil e simples, pois no fundo não se refere a nada (quem seriam esses tais “positivistas”? Qual sua atuação no governo?) e já foi objeto de referências de outros membros do atual governo (em particular de um dos filhos do Presidente da República); mas, com sua generalidade e vagueza, essa postagem consegue satisfazer os adeptos das teorias conspiratórias. Em suma, a deputada tenta empregar o Positivismo para obter cinco segundos de fama.

Por outro lado, essa postagem de Carla Zambelli, feita para pôr-se em evidência em meio à extrema direita, somente repete o que a esquerda (aí incluída a esquerda nas universidades) sempre fez e faz, também de maneira sistemática, contra o Positivismo.

No Brasil, o comportamento em face do Positivismo evidencia o quanto direita e esquerda com frequência são desprezíveis. Mais uma vez: direita e esquerda partidárias, mas também direita e esquerda acadêmicas. E, aliás, o Positivismo é o alvo preferencial não somente no Brasil, como também nos EUA e na Europa.

Deseja-se ver putrefação moral e intelectual? Basta ver-se o comportamento a respeito do Positivismo. Falta de generosidade, falta de respeito, falta de relativismo, falta de conhecimento histórico... esses e inúmeros outros defeitos morais e intelectuais abundam nos comentários da direita e da esquerda sobre o Positivismo. É tanta coisa que chega a ultrapassar o cansaço, alcançando o nojo e até a ânsia de vômito. (O único desagravo não-positivista contra a postagem antipositivista foi uma belíssima nota do Movimento de Resgate Nacional, Morena, que é um grupo de esquerda de inspiração trabalhista e disponível aqui.)

É desesperador. A postagem da deputada dá a exata medida da podridão moral de diversos ambientes políticos e intelectuais nosso país.


Fonte: https://mobile.twitter.com/CarlaZambelli38/status/1279832474432962560

22 julho 2019

Esclarecimento sobre a ausência de publicações em 231 (2019)

Caros leitores: 

Como o ano de 231 (2019) já se encontra avançado e até o momento a quantidade de publicações neste blogue Filosofia Social e Positivismo tem sido bastante reduzida, um pequeno esclarecimento faz-se necessário.

Em primeiro lugar, devemos notar que uma série de compromissos profissionais exigiram de nós uma atenção concentrada no primeiro semestre do ano, obrigando-nos a, lamentavelmente, deixar em segundo plano considerações mais amplas de caráter social.

Mas, em segundo lugar, desde a campanha eleitoral para Presidente da República no Brasil que teve curso em 2018 e a subseqüente eleição de Jair Bolsonaro para ocupar esse cargo, o país vem passando por um maremoto de notícias, concepções e mudanças de políticas públicas que conduzem a nação para a retrogradação. Estímulos ao militarismo, ao irracionalismo, à intolerância, ao servilismo internacional, à manipulação de estatísticas públicas, além de muitos outros problemas têm sido constantes desde outubro de 2018 e, ainda mais, a partir de janeiro de 2019. Isso gerou em nós um sobressalto constante, que virtualmente não teve fim desde o início do ano e que, portanto, dificulta sobremaneira a reflexão mais calma sobre a realidade nacional - que é, em última análise, um dos objetivos deste blogue.

Tal situação calamitosa confirma, a nosso ver, as profundas análises elaboradas por Augusto Comte no século XIX a respeito da dinâmica sociopolítica ocidental desde a Revolução Francesa e que foram sintetizadas na seguinte formulação: "enquanto o progresso for anárquico, a ordem será retrógrada". Os governos do PT, à frente dos autointitulados "progressistas", basearam-se em princípios equivocados, como as políticas identitárias, que consagram o mais brutal egoísmo grupal, corporativo e "étnico"; da mesma forma, foram incapazes de implementar um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social; também não se pode esquecer do saque sistemático de empresas públicas e da política também sistemática de divisão do país (na estratégia do "nós contra eles" e do "nunca antes neste país"), além do revanchismo político, do elogio a autoritarismos e totalitarismos de esquerda (que, por isso mesmo, seriam "progressistas") etc. 

Face a isso, os grupos "à direita" (isto é, conservadores, retrógrados, reacionários) obtiveram notável sucesso em campanhas de desinformação e de manipulação da opinião pública, baseando-se em mitos e nas mais baixas paixões políticos, nos mais odiosos preconceitos sociopolíticos. Deixando-se levar intelectualmente pelo ex-astrólogo cultor da desinformação Olavo de Carvalho (o que, por si só, já indica a indigência intelectual do atual governo) e baseando-se socialmente em seitas evangélicas ultraindividualistas, retrógradas e intolerantes; em grupos militaristas; em empresários contrários às garantias mínimas para populações desamparadas, o incompleto desenvolvimento intelectual (conforme ele mesmo admitiu) do atual Presidente da República dá livres asas à desorganização nacional.

Em outras palavras, aqueles que se denominam "progressistas" pautaram-se por princípios incapazes de levar adiante o efetivo progresso do país; contra isso, organizou-se com grande sucesso uma violenta reação que prega um conceito de ordem que, basicamente, é apenas o retorno a um passado mítico, intolerante, irracionalista e individualista.

Essas vistas de Augusto Comte foram expostas com grande clareza em sua obra política Apelo aos conservadores, de 1856. Nesse livro, o fundador do Positivismo evidencia e explica como é necessária e como é possível uma política que una de maneira profunda e duradoura a ordem ao progresso. Em outras palavas, é necessário unir esses dois termos, para transcender cada um deles tomados individualmente: trata-se de ordem E progresso, não apenas da ordem às custas do progresso, como querem os retrógrados (a "direita"), nem apenas do progresso contra qualquer ordem, como querem os ditos progressistas (a "esquerda").

Há uma tradução brasileira do Apelo, de 1899; ela é extremamente fiel à letra e ao espírito de Comte, mas, como é antiga, é de difícil acesso. Por outro lado, é possível ler em minha tese de doutorado ("O momento comtiano", defendida em 2010 e disponível aqui) uma exposição detalhada dos argumentos de Augusto Comte.