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18 fevereiro 2025

Sobre simpatia e esperança

No dia 21 de Homero de 171 (18.2.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores, em sua "Introdução".

No sermão abordamos a simpatia e suas relações com a esperança, em termos individuais e coletivo, indicando a sua importância para a felicidade individual e a ação política.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=IX-4oJlYZrk&t) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/1269497177455746).

As anotações que serviram de base para a exposição oral estão disponíveis abaixo.

*   *   *

Sobre simpatia e esperança

(21 de Homero de 171/18.2.2025) 

1.       Abertura

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Como somos uma igreja, ministramos os sacramentos: quem tiver interesse, entre em contato conosco!

2.4.    Precisamos de sua ajuda; há várias maneiras para isso:

2.4.1. Divulgação, arte, edição de vídeos e livros! Entre em contato conosco!

2.4.2. Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Datas e celebrações:

3.1.    Dia 20 de Homero (17.2): nascimento de Agliberto Xavier (1869) e transformação de Paulo Carneiro (1982)

3.2.    Dia 24 de Homero (21.2): nascimento de Pierre Laffitte (1823)

3.3.    Dia 27 de Homero (24.2): nascimento de Teófilo Braga (1843)

3.4.    Dia 1º de Aristóteles (26.2): Live AOP com Érlon

4.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

4.1.    Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

4.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

4.1.1.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

4.1.1.2.             Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

4.1.2. A religião estabelece parâmetros morais, intelectuais e práticos para a existência humana e, portanto, orienta a política, estabelece as suas metas, as suas possibilidades e os seus limites

4.1.2.1.             A religião, conforme o Positivismo estabelece, não é sinônima de “teologia”

4.2.    Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

4.3.    O capítulo em que estamos é a “Introdução”, cujo subtítulo é “Advento dos verdadeiros conservadores”

4.4.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

5.       Uma observação preliminar sobre as prédicas

5.1.    O objetivo das prédicas é expor a Religião da Humanidade, em suas concepções e em suas aplicações, ao maior público possível, ou seja, é popularizá-la

5.2.    Devido a esse motivo, evitamos a todo custo exibições de erudição

5.2.1. É claro que não se trata de rejeitar o conhecimento das coisas; as vistas gerais, exigidas por Augusto Comte, impõem o conhecimento de muita coisa

5.3.    Entretanto, há vários motivos que nos levam a rejeitar a ostentação da erudição:

5.3.1. A clareza na exposição

5.3.2. A rejeição do academicismo e do cientificismo

5.3.3. O seguir a recomendação didática de Augusto Comte: apresentar idéias a partir de casos claros e decisivos

5.4.    Este nosso esclarecimento é importante porque muita gente considera, mesmo sem admitir ou sem expressar publicamente, que exposições claras e diretas seriam simplistas, pobres e sem valor

5.4.1. Quando nós citamos, de modo geral citamos Augusto Comte, Clotilde de Vaux e os apóstolos da Humanidade (Miguel Lemos e Teixeira Mendes); procuramos restringir as citações a eles por questões de culto e de respeito, mantendo ao mesmo tempo nossas exposições claras e despretensiosas

6.       Sermão: Simpatia e esperança

6.1.    O tema que desejamos abordar hoje é um ótimo exemplo de temas e questões que têm uma origem afetiva e grandes conseqüências intelectuais e práticas políticas, diretas e indiretas

6.1.1. O que desejamos fazer é uma pequena reflexão ao mesmo tempo filosófica, sociológica e, claro, moral

6.1.1.1.             Apenas a título de comentário lateral: se eu incluísse muitas citações eruditas e referências bibliográficas, estas reflexões poderiam ser apresentadas como um “ensaio filosófico” acadêmico – o que, como comentamos há pouco, resolutamente não desejamos

6.1.2. O título que selecionei é apenas “simpatia e esperança”; esse título apresenta de maneira clara dois aspectos que nos interessam, mas, na verdade, queríamos dar um título um pouco maior: “amor, altruísmo, simpatia, generosidade – e esperança”

6.2.    Augusto Comte adotava, especialmente na fase religiosa, um procedimento ao mesmo tempo rico e sintético, a “polissemia”, em que usava uma palavra para expressar diferentes idéias, ou, dito de outra forma, ele usava uma palavra e ampliava bastante os seus sentidos

6.2.1. Uma palavra exemplar é “amor”, que cobre uma ampla variedade de sentidos: amor, altruísmo, simpatia, generosidade; o amor pode ser a fraternidade, o filial, o paterno, o materno; a simpatia pode ser a empatia, a amizade fraterna, a inclinação generosa, uma boa vontade geral para com os outros

6.2.2. É claro que cada palavra tem seu próprio sentido específico, ou melhor, seu próprio campo semântico; Augusto Comte não nega nem finge que não é assim; a polissemia que ele adota é um recurso filosófico e artístico, ao mesmo tempo sintético e afetivo

6.3.    Ao mesmo tempo, o dogma positivo e as fórmulas religiosas e práticas indicam de maneira reiterada que os sentimentos são a base de nossa existência, havendo conseqüências intelectuais e práticas disso: “o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”; “agir por afeição e pensar para agir”

6.4.    No caso da simpatia, Augusto Comte usa-a em pelo menos duas ocasiões: (1) ao enumerar os sete sentidos da palavra “positivo”, no Apelo aos conservadores (real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático), e (2) no enunciado da lei-mãe da filosofia primeira (“formular a hipótese mais simples, mais estética e mais simpática que comporte o conjunto de dados a representar”)

6.4.1. Como veremos, esses dois usos da simpatia estão estreitamente vinculados e têm inúmeras conseqüências

6.4.2. De modo geral, nós, positivistas, entendemos a palavra “simpatia” significando: (1) seguir a inspiração afetiva, (2) seguir a orientação altruísta, (3) estimular o altruísmo, a generosidade, a empatia, (4) ter uma boa vontade geral de princípio para com os outros

6.5.    A simpatia, assim, embora esteja evidentemente próxima do amor, é mais próxima do altruísmo que do amor propriamente dito, pois ela é mais geral, mais superficial e menos específica

6.5.1. O amor propriamente dito tem sempre um objeto específico: nossos cônjuges, nossos pais, nossos filhos, nossos irmãos, nossos parentes, nossos amigos; não por acaso a família é o âmbito social próprio ao cultivo dos sentimentos

6.5.2. Aliás, também porque o amor exige um objeto específico que é necessária a representação da Humanidade com imagens

6.6.    O que sugerimos aqui é que o altruísmo exige a simpatia para realizar para além das relações domésticas (ou “familiares”); ou, talvez, o altruísmo para além das relações domésticas consiste na simpatia

6.6.1. A proximidade nas relações sociais torna-se bastante evidente aí: esse é um dos motivos porque Augusto Comte afirmava que as mátrias do futuro têm que ser, necessariamente, pequenas

6.7.    Podemos passar agora diretamente para o tema deste sermão: a concepção positivista de que as idéias e as ações baseiam-se em sentimentos de fundo é ilustrada com clareza nas relações entre simpatia e esperança

6.7.1. Nossas vidas são sempre dedicadas a viver para outrem; o Positivismo evidencia essa orientação e torna-a a base da moral, de modo a conjugar a lei do dever com a regra da felicidade individual

6.7.2. Ao vivermos para outrem, cada um de nós deve orientar suas atividades para outrem, mesmo que seja apenas em termos subjetivos, isto é, apenas em termos de intenções

6.7.3. Pois bem: essa orientação das nossas ações para os outros (mesmo que seja uma orientação apenas em termos de intenções) exige sempre a simpatia para com os outros, isto é, a boa vontade para com os outros

6.7.4. Se não temos boa vontade, se não temos simpatia, não é possível de verdade vivermos para outrem; nesse caso, vivemos de maneira egoísta e mesquinha e/ou somos hipócritas a respeito do viver para os outros

6.7.5. A boa vontade geral para com os outros é a condição para vivermos para os outros; além disso, a simpatia estimula por si só as vistas gerais (ou seja, a simpatia estimula a síntese) e a colaboração (a simpatia estimula a sinergia)

6.7.5.1.             Outra conseqüência da simpatia é que a boa vontade para com os demais estimula a boa vontade em relação ao futuro, o que, em termos simples, é a esperança

6.7.6. Tanto a simpatia, ou a boa vontade básica geral, quanto a esperança não impedem nem negam o reconhecimento de que a vida implica dificuldades e que há problemas em muitas coisas: o realismo próprio à positividade garante-o

6.7.6.1.             É o mesmo realismo que permite e exige que se reconheça problemas e dificuldades que nos conduz a adotarmos uma perspectiva equilibrada da vida e a reconhecermos que o que somos hoje, de bom e de ruim, baseia-se no passado, que a longo prazo as coisas estão melhorando e que a ação humana esclarecida e altruísta é o que permite as melhorias

6.7.6.2.             O realismo da positividade exige, então, um equilíbrio nas apreciações

6.7.6.2.1.                   Essa necessidade de equilíbrio é ilustrada de maneira... simpática no livro A luneta mágica, de Joaquim Manuel de Macedo, de 1869

6.7.7. Duas outras conseqüências do primado da simpatia na positividade e na formulação elementar de hipóteses são as seguintes:

6.7.7.1.             Por um lado, um bom humor básico e geral: como dizem, “rir é o melhor remédio”

6.7.7.2.             Por outro lado, a adoção de perspectivas positivas e afirmativas na elaboração inicial de apreciações, recomendações, condutas e exemplos; apenas depois e secundariamente apresentar críticas, recriminações, punições

6.7.7.2.1.                   Isso é estrondosamente válido para a pedagogia; deveria ser óbvio que é também válido para a política prática e, inversamente, para a regulação dos sentimentos e a elaboração de idéias

6.8.    Essas considerações sobre a simpatia, o viver para outrem e a esperança podem parecer banais e sem relevância quando não temos nenhum contexto; então, vale a pena considerarmos a situação oposta, ou seja, quando não temos simpatia para com os demais

6.8.1. A antipatia básica de todos para com todos é curiosamente uma característica do Brasil dos últimos 30 ou 40 anos

6.8.1.1.             É claro que é uma antipatia que por vezes se mistura com simpatia e que portanto depende do que estamos considerando

6.8.1.2.             Tornou-se o discurso-padrão, em livros escolares e acadêmicos de História e Sociologia do Brasil, bem como em discursos políticos, adotar uma perspectiva “realista” do nosso país

6.8.1.3.             Esse realismo consiste em larga medida, às vezes quase exclusivamente, em reclamações, críticas e destruições sistemáticas da nossa história, dos nossos antepassados, das nossas origens: em nome da “criticidade”, nada nunca presta, todos sempre foram ruins, burros, desonestos, covardes, mentirosos, exploradores, humilhadores etc.; cada uma das etapas da nossa história foi ruim, bem como o conjunto do que veio antes (e “antes” = “precisamente neste momento”)

6.8.1.3.1.                   Como cada etapa anterior de nossa história foi ruim, desprezível, humilhante, degradante etc., cada uma delas exige sua repulsa intelectual e política; daí a necessidade constante e periódica de rupturas e reinícios: em grandes linhas é assim que se apresenta a história do Brasil

6.8.1.3.2.                   Se nossa história é só mentira, miséria, exploração e degradação, logo se impõe a pergunta: por que deveríamos perder tempo com o nosso país? Por que deveríamos perder tempo preservando o que quer que seja do país, a começar por nossos concidadãos mas passando pelas instituições e pela memória?

6.8.1.4.             Considerações semelhantes podem ser feitas a respeito do Ocidente

6.8.1.5.             A perspectiva geral negativa oferece então um quadro desequilibrado e, portanto, irrealista; não há realismo aí, apenas uma “criticidade” generalizada, isto é, destruição e autorrejeição generalizadas

6.8.1.6.             Essa criticidade generalizada e irrealista é própria da revolta metafísica contra a história, que resulta em perspectivas intelectuais e sentimentos anti-históricos, que buscam sempre rupturas e recomeços

6.8.2. Um exemplo disso é o livrinho O Brasil no império português, de Luiz Carlos Baptista de Figueiredo e Janaína Passos Amado Baptista Figueiredo (Zahar, 2000)

6.8.2.1.             Todas as palavras dos autores a respeito de Portugal são críticas, destruidoras e negativas; Portugal não teria nunca feito nada de bom, correto, útil, valoroso, corajoso

6.8.2.2.             Assim, é inescapável terminarmos de ler esse livro com duas impressões (que, é bom realçarmos, os autores não apresentam): (1) por termos sido colonizados por Portugal, o Brasil não presta e (2) seguindo uma concepção difundida, melhor teria sido se tivéssemos sido colonizados pelos franceses, ou melhor, pelos ingleses, pelos alemães ou pelos neerlandeses

6.8.3. Um outro exemplo, mais concreto e mais imediato, é dado pelo identitarismo: de maneira radical, o identitarismo ilustra muito bem os vínculos entre simpatia, viver para outrem e esperança, ou melhor, inversamente, os vínculos entre antipatia, particularismo e desesperança

6.8.3.1.             O identitarismo baseia-se em um conjunto de concepções: apenas quem partilha de um traço específico de identidade é bom, correto e valoroso; essas pessoas, que constituem minorias, são por definição exploradas e humilhadas pela “maioria”; a par da necessária e eterna humilhação, o sentimento que move a minoria identitária é o ressentimento; quem não integra esse grupo (1) ou também é humilhado, explorado e movido pelo ressentimento (2) ou é humilhador e explorador: em outras palavras, o sentimento de ódio é a mola propulsora dessa concepção intelectual, que se baseia em e estimula o particularismo

6.8.3.2.             Enfim: o identitarismo estimula o ódio social e afirma o particularismo social e de vistas; a noção de “lugar de fala” ilustra com perfeição essas limitações; é difícil de verdade entender porque, em tal situação, deve-se “viver para os outros” e, ainda mais, é difícil perceber qualquer esperança verdadeira em tal quadro: não há como melhorar, não há chance de as coisas mudarem; os humilhadores/exploradores sempre serão assim

6.8.3.2.1.                   Como o particularismo exclusivista é insustentável em termos políticos e intelectuais, mesmo a solução identitária para isso – o conceito e a prática de “intersetorialidade” – mantém o particularismo e consiste apenas na justaposição tática de vários particularismos, mantendo-se em todo caso o ódio social como base afetiva

6.8.3.2.2.                   Os defensores do identitarismo afirmam que essas concepções são justificadas pela realidade, pela profundidade, pela extensão e pela urgência das discriminações enfrentadas: sem negar muitos desses problemas, a dificuldade radical com isso está em que, como os exemplos gritantes de Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela – e muitos e muitos outros – ilustram, problemas reais, profundos e urgentes podem ser tratados de diferentes maneiras, em particular de maneiras generosas e amplas, em vez de mesquinhas e estreitas

6.8.3.3.             O identitarismo baseia-se em maus sentimentos, articula-se em idéias ruins, resulta em uma prática desastrosa: se as conseqüências sociais disso são péssimas, em termos individuais elas também são: a ausência de esperança deprime e o ódio e o ressentimento impedem que vínculos mais amplos, mais profundos, mais sinceros, até mais leves, sejam constituídos; aí não há lei do dever (pois não há vínculos compartilhados nem obrigações mútuas), nem a possibilidade de felicidade individual

6.9.    Em suma:

6.9.1. Seguindo uma regra sugerida por Augusto Comte, que a derivou diretamente da noção de positividade e de simpatia, devemos sempre propor inicialmente nossos parâmetros de maneira afirmativa, positiva

6.9.1.1.             Dessa forma, a simpatia é um princípio moral, filosófico e prático realmente necessário para a vida coletiva, ao estimular a boa vontade básica geral de todos para com todos, a boa fé e a abertura para desenvolvermos relações duráveis e construtivas; isso tudo baseia-se em e estimula as vistas gerais; com isso, vivemos para os outros, conseguindo assim ao mesmo tempo termos esperança no futuro e realizarmos a lei do dever e a felicidade individual

6.9.2. É claro por vezes podemos então definir nossos parâmetros de maneira negativa

6.9.2.1.             A antipatia, a ausência de simpatia, o ódio, o ressentimento impedem a boa vontade básica geral, constituem o particularismo e o exclusivismo, impedem a esperança, impedem a lei do dever e resultam em profunda infelicidade, além de promoverem a irracionalidade na apreciação da história e da vida coletiva

7.       Exortações finais

7.1.    Sejamos altruístas!

7.2.    Façamos orações!

7.3.    Como somos uma igreja, ministramos os sacramentos: quem tiver interesse, entre em contato conosco!

7.4.    Precisamos de sua ajuda; há várias maneiras para isso:

7.4.1. Divulgação, arte, edição de vídeos e livros! Entre em contato conosco!

7.4.2. Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

8.       Término da prédica

05 março 2024

O que significa a palavra "positivo"?

No dia 9 de Aristóteles de 170 (5.3.2024) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua décima conferência, dedicada ao regime privado.

Na parte do sermão abordamos a palavra "positivo".

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/27kuc) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/0itua). O sermão começou aos 51 min 30 s.

As anotações que serviram de base para a exposição oral estão disponíveis abaixo.

*   *   *


O que significa a palavra “positivo”? 

-        Na prédica do dia 2 de Aristóteles de 170 (27.2.2024) procuramos responder de maneira elementar à questão: “o que é o espírito positivo?

o   Na ocasião apresentamos características gerais do espírito positivo em si; para isso, fizemos referência à palavra “positivo”, cujos sentidos definidos por Augusto Comte apenas citamos, sem nos estender a respeito

o   Então, aproveitaremos esta prédica para tratar especificamente da palavra “positivo”, comentando com algum vagar cada um dos seus sentidos

§  Também faremos algumas observações adicionais sobre a palavra “positivo” e sobre um certo emprego cotidiano de espírito positivo

o   Um aspecto que de modo geral é bastante claro no Positivismo e que se tornará muito evidente ao tratarmos da expressão “positivo” é a ambigüidade (ou polissemia) intencional de muitas palavras empregadas por Augusto Comte

§  Essa polissemia constitui a riqueza do Positivismo e permite também o que Angèle Kremer-Marietti chamou de “método caleidoscópico” para entender o Positivismo

-        Esta prédica terá duas partes um pouco distintas, que mantêm relação entre si, mas não são decorrentes uma outra:

o   Inicialmente trataremos mesmo da palavra “positivo”;

o   Em seguida abordaremos dois outros temas que valem a pena citar por si sós, mas que guardam uma relação um pouco indireta com o tema principal desta prédica:

§  Buscar a “positividade” em vez de apenas o Positivismo

§  Um processo administrativo que busca(va) a propriedade intelectual da palavra “positivo” no Brasil

-        Comecemos notando que a expressão “conhecimento positivo” foi inicialmente utilizada por Francis Bacon (1561-1626) – por exemplo, em seu Novum Organon (1620) –, referindo-se precisamente aos conhecimentos positivos, no sentido amplo de “real”, “certo”

-        Dito isso, Augusto Comte tratou dos sentidos da palavra “positivo” em pelo menos duas ocasiões: no Discurso sobre o espírito positivo (1844) e, depois, no Apelo aos conservadores (1855)

o   Embora seja uma definição posterior, começaremos pela do Apelo, por ser mais completa e mais “canônica”

-        Eis o trecho em que Augusto Comte apresenta no Apelo (p. 25) os sentidos da palavra “positivo”:

“A nova síntese pode ser previamente caracterizada mediante uma suficiente combinação entre as sete qualificações irrevogavelmente condensadas sob o título positivo, que de hoje em diante significa ao mesmo tempo real, útil, certo, preciso, orgânico, relativo e mesmo simpático. Comparando-se especialmente cada uma delas com a seguinte, o primeiro par indica as condições fundamentais, o segundo os atributos intelectuais e o terceiro as propriedades sociais da doutrina universal; a sucessão delas conduz a assinalar a fonte moral dessa doutrina pela acepção final”.

-        Antes de tratarmos dos sentidos específicos da palavra “positivo”, é importante lembrarmos que eles não são apenas intelectuais, ou melhor, não são intelectualistas

o   A palavra positivo refere-se às nossas concepções quaisquer, que servem para esclarecer os sentimentos e orientar as atividades práticas (conforme, por exemplo, a máxima “agir por afeição e pensar para agir”)

-        Comparando cada sentido com seu sentido oposto, podemos organizar o parágrafo acima neste quadro:

 

N.

Acepção

Opõe-se a

Estatuto teórico

1.                    

Real

Irreal (fictício)

Condições fundamentais

2.                    

Útil

Inútil

3.                    

Certo

Incerto

Atributos intelectuais

4.                    

Preciso

Vago

5.                    

Relativo

Absoluto

Propriedades sociais

6.                    

Orgânico

Crítico

7.                    

Simpático

Antipático (ou egoísta)

Fonte moral

FONTE: o autor, a partir de Comte (1899, p. 25-28).

 

-        Essa seqüência é a que se constituiu do ponto de vista histórico; mas, como toda classificação positiva, ela pode ser lida tanto de baixo para cima (da realidade para a simpatia) quanto de cima para baixo (da simpatia para a realidade):

“As sete acepções do termo fundamental da sã filosofia [positivo] são de tal maneira solidárias que a sucessão delas poderia igualmente ser instituída conjugando cada uma com a precedente para terminar na primeira, posto que a marcha que acabo de seguir seja historicamente preferível” (p. 27-28)

-        A organização dos sentidos em pares corresponde à prescrição de Augusto Comte de raciocinar, sempre que possível, a partir de oposições duais

o   O par fundamental é real e útil; são duas condições que fundam os sentidos mas que se completam: ou melhor, a segunda limita a primeira:

§  O real corresponde ao que existe efetivamente ou ao que se baseia na realidade; é um atributo ao mesmo tempo intelectual e prático

·         O real opõe-se ao irreal, ou ao quimérico

§  O útil delimita o âmbito do real àquilo que pode servir para o melhoramento das condições do ser humano; é um atributo acima de tudo prático, embora evidentemente tenha aspectos intelectuais e até afetivos

·         O útil opõe-se ao inútil, ou ao ocioso

·         Evidentemente, o critério fundamental da utilidade é a utilidade social, ou seja, as melhorias que podem surgir para a sociedade

·         Essas melhorias são, pela ordem de facilidade decrescente e de importância/dignidade crescente: materiais, físicas (biológicas), intelectuais e acima de tudo morais

§  Eis o que Augusto Comte comenta a respeito da utilidade (p. 26):

“Mas, no estado normal, a utilidade deve sempre completar a prescrição fundamental, pois que a maioria das pesquisas verdadeiramente acessíveis são essencialmente ociosas. A filosofia prática adiantou-se, sob esse aspecto, à filosofia teórica; porque a condição inicial achando-se aí espontaneamente preenchida, a atenção teve que concentrar-se sobre a outra, que não podia ser abstratamente apreciada antes de nossa plena madureza”

§  Em uma abordagem inicial podemos entender a utilidade como um critério restritivo da realidade, que se vê, assim, limitada; mas os desenvolvimentos posteriores do Positivismo – em particular, os da Síntese subjetiva (1856) – orientam esses parâmetros para direções um pouco diferentes:

·         Devemos insistir que a utilidade afirmada aqui é a utilidade social; dessa forma, mais que restringir a realidade, a utilidade estimula diretamente o altruísmo, ao orientar as concepções quaisquer para o servir aos outros

·         Da mesma forma, a realidade não deve ser entendida como um critério restritivo: as concepções humanas devem respeitar a realidade, embora não necessariamente se aferrar a ela: o que mais importa é que as concepções não desrespeitem a realidade

o   Nesses termos, a utilidade pode – e deve – inspirar concepções que auxiliam o ser humano, que não são em si mesmas “reais” (isto é, existentes), mas que, em seu caráter imaginativo, não desrespeitam a realidade

·         A definição de “lógica positiva” segue precisamente esses parâmetros ampliados:

“Para caracterizar a lógica relativa que convém à síntese subjetiva, é preciso comparar a sua definição normal com o esboço que formulei, seis anos atrás, na introdução da minha obra principal [Sistema de política positiva]. Guiado pelo coração, eu já ali proclamei e mesmo sistematizei a influência teórica do sentimento. Uma apreciação mais completa fez-me também consagrar, no mesmo lugar, o ofício fundamental das imagens nas especulações quaisquer. Sob este duplo aspecto, o referido esboço foi satisfatório pois abraçou o conjunto dos meios lógicos, retificando a redução que deles fazia a metafísica que só empregava os sinais. Toda a imperfeição desse esboço consiste em que o destino de tais meios achou-se excessivamente restrito, por não me haver eu desprendido bastante dos hábitos científicos. Parece, por essa definição, que a verdadeira lógica limita-se a desvendar-nos as verdades que nos convêm, como se o domínio fictício não existisse para nós, ou não comportasse nenhuma regra. Nós devemos sistematizar tanto a conjectura quanto a demonstração, votando todas as nossas forças intelectuais, bem com as nossas forças quaisquer, ao serviço continuo da sociabilidade, única fonte da verdadeira unidade.

Reconstruída convenientemente, a definição da lógica, incidentemente formulada na página 448 do tomo primeiro da minha Política positiva, exige duas retificações conexas, não no que se refere aos meios mas sim no que se refere ao objetivo. Deve-se substituir nela desvendar as verdades por inspirar as concepções, para caracterizar a natureza essencialmente subjetiva das construções intelectuais, e a extensão total do seu domínio, não menos interior do que exterior. Com esta dupla retificação, a minha fórmula inicial torna-se plenamente suficiente. Então somos finalmente conduzidos a definir a lógica: O concurso normal dos sentimentos, das imagens, e dos sinais, para inspirar-nos as concepções que convêm às nossas necessidades morais, intelectuais e físicas. Não obstante, esta definição exige duas explicações conexas, a primeira relativa aos meios que ela indica, a segunda relativa ao fim que assinala” (Síntese subjetiva, p. 26).

·         Uma aplicação prática dessas concepções ampliadas de realidade e utilidade no âmbito da lógica positiva corresponde à Trindade Positiva: são concepções úteis, imaginativas e que não desrespeitam a realidade

o   O segundo par corresponde aos “atributos intelectuais”: certeza e precisão

§  Como vimos no sentido geral que Francis Bacon atribuiu à palavra “positivo”, além da realidade, ele entendia-a como significando “certa”

§  A certeza e a precisão muitas vezes são confundidas, mas a primeira é mais importante que a segunda

·         Um exemplo simples esclarece a diferença: todos temos certeza de que morreremos algum dia, mas não temos precisão de quando isso ocorrerá

§  Assim, a certeza opõe-se à incerteza, ou à vagueza

§  A precisão opõe-se à imprecisão

o   Os sentidos quinto e sexto constituem as “propriedades sociais” da palavra “positivo”: são o relativo e o orgânico

§  Na verdade, bem vistas as coisas, esses dois sentidos são não apenas sociais, mas são também intelectuais e morais

§  O relativo opõe-se a absoluto; ele indica por um lado que o ser humano constitui-se por meio de relações e, por outro lado, que só conhecemos o que é relativo (ou seja, relacional)

·         O relativismo é um atributo exclusivo da positividade e do conhecimento positivo

§  O orgânico opõe-se ao que é crítico ou destruidor

·         O aspecto orgânico, ou construtivo, da positividade era implícito quando da constituição das ciências inferiores; mas a partir do momento em que a Sociologia e a Moral passaram a estar em questão, esse atributo (organicidade) teve que se manifestar de maneira explícita (e até militante)

·         Embora a teologia possa ter uma ação destruidora, a organicidade opõe-se mais claramente à metafísica

·         Vejamos o que Augusto Comte diz a respeito desses dois atributos (p. 26-27):

“Antes de sua extensão decisiva aos fenômenos sociais, o espírito positivo se havia sempre mostrado profundamente orgânico; aspirando por toda parte a construir, ele não afastou as causas senão substituindo-lhes as leis, sem desenvolver, em caso algum, um caráter diretamente crítico. Mas esta aptidão manifestou-se sobretudo desde que ele se apoderou de seu principal domínio, reparando as devastações que a impotência teológica e a discussão metafísica tinham gradualmente infligido ao conjunto das noções sociais. O caráter relativo, por toda parte inerente à sua tendência orgânica, teve que prevalecer especialmente em sua construção da filosofia da história, necessariamente incompatível com a natureza absoluta da antiga síntese”.

o   O último sentido é o simpático; ele opõe-se a antipático, a egoísta, a estritamente racionalista

§  A simpatia é o aspecto-síntese de todos os atributos e indica a fonte e a destinação morais do Positivismo

§  Como indicamos acima, a seqüência dos sete atributos pode ser lido de baixo para cima (da realidade para a simpatia), conforme o critério histórico, quando de cima para baixo (da simpatia para a realidade) conforme o critério moral

§  Vejamos o que Augusto Comte diz a respeito da simpatia (p. 27-28):

“A conexidade íntima destas duas propriedades [organicidade e relativismo] permite apreciar como é que elas se ligam à qualidade final, única contestada hoje pelos positivistas incompletos. Porquanto, é tão impossível ficarmos relativos sem tornarmo-nos simpáticos, como ficarmos orgânicos sem tornarmo-nos relativos, sobretudo a respeito do campo principal de nossas concepções, em que só o amor nos dispõe a construir e nos permite apreciar. As sete acepções do termo fundamental da sã filosofia [positivo] são de tal maneira solidárias que a sucessão delas poderia igualmente ser instituída conjugando cada uma com a precedente para terminar na primeira, posto que a marcha que acabo de seguir seja historicamente preferível”

-        Antes dessa explicação, ele já esboçara uma outra, um pouco menor (com seis atributos) e um pouco diferente, no Discurso sobre o espírito positivo (1844)

 

N.

Acepção

Opõe-se a

1.                    

Real

Irreal (fictício)

2.                    

Útil

Inútil

3.                    

Certo

Incerto

4.                    

Preciso

Vago

5.                    

Construtivo

Destrutivo (ou negativo)

6.                    

Relativo

Absoluto

 

o   As duas diferenças entre a relação acima (de 1844) e a apresentada antes (de 1855) são estas:

§  Em 1844 Augusto Comte empregava a palavra “construtivo” no lugar de “orgânico”

§  Em 1844 não havia menção à palavra “simpático”

·         É importante termos clareza de que a ausência da simpatia na relação acima não corresponde à ausência desse atributo nas concepções comtianas, como fica extremamente claro no “Prefácio” que Paul Arbousse-Bastide escreveu para esse livro[1]

·         Esse autor nota que desde o final da década de 1830, no curso oral de filosofia positiva e no curso de Astronomia popular, Augusto Comte afirmava a base moral-afetiva da racionalidade humana

-        Agora que vimos os sentidos da palavra “positivo”, ainda tratando um pouco dela, podemos mudar de âmbito de reflexão

o   O que nos interessa considerar agora não é exatamente uma aplicação prática e específica da positividade, mas um comportamento que vale a pena ser estimulado e que tem a ver com a positividade

o   Enfim: um hábito muito comum que costumamos adotar quando viramos positivistas: procurar em livros, textos, notícias etc. referências a Augusto Comte, ao Positivismo, à Religião da Humanidade

§  Não há dúvida de que essa procura é importante por si só

§  Entretanto, ela costuma esgotar-se em si mesma, isto é, na mera procura de referências a nós

§  Além de esgotar-se em si mesma, ela apresenta um aspecto negativo, no sentido de que, caso o autor do documento não cite Augusto Comte (e/ou o Positivismo e/ou a Religião da Humanidade) ou, no caso de citar, faça uma citação errada, uma referência negativa etc., tal citação conduz a que tendamos a desconsiderar a obra em questão

§  Essa desconsideração não é injustificada, na medida em que o Positivismo estabelece parâmetros morais, políticos e intelectuais de avaliação e, portanto, na medida em que uma obra qualquer desconsidera ou despreza o Positivismo, o que essa obra faz é desconsiderar ou desprezar esses parâmetros positivos de avaliação

§  Entretanto, por outro lado, a despeito dos possíveis (e, com freqüência, efetivos) deméritos das obras que nos criticam, o fato é que nós não podemos abrir mão dos nossos próprios parâmetros de conduta e de sua aplicação, em particular o relativismo

o   Dessa forma, mais que procurar apenas o “Positivismo”, convém também, ou mais, procurar a positividade

§  A procura da positividade e não só do “Positivismo” rende mais porque não se limita a perguntas de sim/não (há ou não referências? Elas são corretas ou não? Elas são favoráveis ou não?), mas, de maneira mais ampla, permite avaliar o grau de aproximação conosco e, assim, permite estabelecer um diálogo – em particular em obras que, mesmo que não nos citem, de diferentes maneiras aproximam-se de nós

-        Para concluir esta prédica, uma última observação sobre um emprego específico da palavra “positivo” no Brasil:

o   No Brasil as leis de propriedade intelectual permitem que palavras de uso comum sejam registradas por empresas particulares

o   Assim, há alguns anos o grupo Positivo quis registrar para si as palavras “positivo” e “positividade”

§  A intenção dessa pretensão é explorar comercialmente a palavra e controlar o seu uso público – em particular contra o Positivismo no Brasil

§  Evidentemente, em tal pretensão, nós, positivistas, estaríamos impedidos de usar a palavra que nos define em termos religiosos, filosóficos, políticos morais

§  A pretensão do grupo Positivo estendia-se não apenas à palavra “positivo”, mas às suas flexões e, por extensão, também a “positivismo”!

o   É necessário dizê-lo com todas as letras: evidentemente, embora isso seja permitido pela lei, isso é um verdadeiro crime moral

o   A legislação brasileira deveria seguir o exemplo da de países como a Coréia do Sul, que veda o registro comercial das palavras comuns, exigindo o emprego comercial apenas de palavras “novas”, como “blu-ray” no lugar de “blue-ray”

-        Em suma:

o   A palavra “positivo” tem sete sentidos, que devem ser necessariamente conjugados para que ela faça sentido efetivo: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático

§  Isso indica a riqueza do Positivismo, por meio de uma intensa polissemia

o   No âmbito da positividade, uma aplicação pequena mas importante é a substituição do hábito espontâneo de buscar referências ao Positivismo, a A. Comte, à Religião da Humanidade pelo hábito de procurar traços de positividade nas obras

§  É claro que tal substituição não se dá negando os erros, as críticas, os problemas de quem nos cita (e cita errada e/ou negativamente)

o   A legislação comercial brasileira permite que – contra o bem público e contra o Positivismo – palavras comuns tornem-se propriedade intelectual de empresas privadas, que passam a controlar e a explorar o seu uso

§  Entre essas palavras está “positivo”, que é objeto da ambição do um grupo comercial

§  Embora seja legal, isso é totalmente imoral

§  Evidentemente, no que se refere a esse aspecto, a legislação comercial brasileira é imoral e atenta contra os mais elementares interesses universais e públicos         



[1] ARBOUSSE-BASTIDE, Paul. 1990. A grande iniciação do proletariado. In: COMTE, Augusto. Discurso sobre o espírito positivo. São Paulo: M. Fontes.