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05 abril 2023

Comentários sobre o academicismo e o cientificismo

No dia 10 de Aristóteles de 169 (4 de abril de 2023) fizemos nossa prédica positiva. Nessa ocasião, demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em particular em sua "Sexta conferência", dedicada ao conjunto do dogma. Na seqüência fizemos algumas considerações sobre o cientificismo e o academicismo.

Entre cada uma das duas partes principais da prédica, lembramos as datas de nascimento e de transformação de Clotilde de Vaux, cofundadora da Religião da Humanidade, que nasceu em 3 de abril de 1831 e transformou-se em 5 de abril de 1846 - esta última data, aliás, integra o calendário oficial de celebrações públicas da Igreja Positivista do Brasil. 



Depois comentamos algumas observações da feminista estadunidense Christina Nehring em seu livro Em defesa do amor: a autora, embora partidária da metafísica feminista, apresenta algumas (mas somente algumas) opiniões que são extremamente próximas da Religião da Humanidade - isso para não dizermos que essas algumas opiniões são, de fato, plenamente positivistas: (1) o amor não obnubila a razão, mas, ao contrário, aumenta a agudeza de nossas percepções e evidencia as possibilidades e o melhor dos seres amados; (2) os homens importam para as mulheres, não como seres opressores, violentos etc., mas como parceiros, amigos, objetos do amor, sujeitos do amor etc. Esses comentários são tão mais notáveis quanto foram feitos por uma adepta da metafísica feminista, indicando, ao mesmo tempo, devido à necessidade de essas afirmações serem feitas e devido ao caráter "escandaloso" delas, o quanto o feminismo de modo geral está afastado da positividade.

A prédica está disponível nos canais Apostolado Positivista (aqui: acesse.one/Academicismo) e Positivismo (aqui: encr.pw/Cientificismo); o sermão sobre academicismo e cientificismo está disponível a partir de 55' 54".

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Comentários sobre o academicismo e o cientificismo
 

-        À primeira vista, pode parecer estranho ou irônico que o Positivismo aborde o academicismo e o cientificismo

o   Essa estranheza ou ironia deve-se ao fato de que, justamente de acordo com os parâmetros estabelecidos pelos próprios academicismo e cientificismo, o Positivismo seria extremamente ou seria por definição academicista e/ou cientificista

o   Assim, para limpar o terreno e deixar clara a posição do Positivismo a respeito: o academicismo e o cientificismo são vícios intelectuais e institucionais, de orientação metafísica e que correspondem a hábitos contrários ao que o Positivismo estabelece ou recomenda

o   Convém notar que as palavras “cientificismo” e “academicismo” são relativamente recentes, tendo sido elaboradas, com objetivos críticos, após a morte de Augusto Comte; ou seja, ele próprio não as empregou, embora os conceitos estejam meio ou menos subjacentes a inúmeras passagens do fundador do Positivismo

-        Tratando inicialmente do cientificismo: podemos defini-lo a parti do Positivismo como sendo a tendência da ciência a constituir-se de maneira absoluta e, portanto, metafísica

o   É importante lembrarmos alguns aspectos:

§  Ao longo de sua constituição, a ciência sempre reconheceu e buscou o relativo, ao buscar as leis naturais (e, assim, rejeitando na prática, quando não na teoria, a metafísica e o absoluto)

§  A tendência absolutista (e metafísica) da ciência não tem nada a ver com afirmações como a de que a ciência seria, sempre e de qualquer maneira, metafísica, porque teria “pressupostos filosóficos” ou porque muitos de seus conceitos teriam origem teológico-metafísica

·         Afirmações desse tipo servem apenas para conscientemente confundir, misturar e, a partir disso, legitimar a metafísica

o   A ciência adota metas absolutas quando passa a considerar-se um objetivo por si só e para si mesma, independentemente de quaisquer outras considerações morais, intelectuais e práticas

§  De maneira bastante direta, essa tendência pode ser vista quando os cientistas afirmam que o desenvolvimento infinito da ciência é, por si só, um objetivo aceitável, bom, correto

§  Em outras palavras, isso se dá quando a ciência rejeita limites intelectuais e mesmo morais à sua atividade

o   Uma outra possibilidade de a ciência constituir-se de maneira absoluta é quando ela francamente estabelece para si própria a investigação do absoluto: por exemplo, a origem do universo

o   Ainda outra possibilidade de a ciência tornar-se absoluta é quando ela estabelece, implícita ou explicitamente, que seus procedimentos são os únicos aceitáveis

§  Isso não se refere à necessidade de bases empíricas para qualquer afirmação; não se refere às relações entre fatos e conceitos; não se refere ao relativismo

§  Isso se refere, sim, à rejeição da concepção de que a ciência, em si mesma, por mais importante que ela seja, é apenas uma etapa prévia – de caráter essencialmente intelectualista, analítico, parcial e especializante – para uma elaboração filosófica superior e posterior – que abrange o conjunto da existência humana, de caráter sintético, globalizante e generalizante

§  Essa necessária elaboração de síntese filosófica posterior à atividade científica coordena os vários resultados científicos entre si e que os situa no conjunto da existência humana, em particular subordinando a inteligência às necessidades humanas e, daí, subordinando duplamente a ciência a tais necessidades (subordina como integrante da inteligência e subordina ainda mais como atividade analítica, parcial e especializante)

§  Em outras palavras, quando os cientistas e os filósofos da ciência rejeitam a síntese positiva subjetiva e relativa, que se constitui na Religião da Humanidade, eles são plenamente cientificistas

·         O cientificismo, então, não está no que corresponde ao que é próprio e legítimo na ciência (como nas críticas que os teológicos e os metafísicos fazem à ciência e para quem qualquer afirmação da ciência é “cientificista”); o cientificismo está nos desvios daquilo que é próprio e legítimo à ciência

o   Como um importante caso particular da situação anterior, uma outra forma de cientificismo é quando se considera que, apesar dos inúmeros e graves defeitos lógicos e morais da teologia e da metafísica ao longo da história, elas não teriam desempenhado nenhuma função efetiva no desenvolvimento humano, como etapas necessárias desse desenvolvimento, mesmo no sentido da constituição da ciência

o   Um outro caso particular da situação anterior é quando os cientistas e os filósofos da ciência afirmam o reducionismo

§  O reducionismo consiste na negação da autonomia de ciências superiores e o “imperialismo” de ciências inferiores sobre elas

§  Exemplos: o algebrismo (tudo reduz-se aos números ou ao movimento dos corpos), o “astronomismo” (no caso da astrologia), o “fisicalismo”, o “quimicismo”, o biologicismo, o sociologismo, o economicismo; inversamente, há também o psicologismo (que, todavia, basicamente não é uma forma de reducionismo)

o   Quais os motivos que explicam a acusação – infundada e injusta, como vemos – de que o Positivismo seria cientificista? Sugerimos três ou quatro possibilidades, não necessariamente excludentes entre si:

§  A busca de um bode expiatório e/ou de um álibi para os hábitos cientificistas de outras correntes e grupos, em que se atribui aos outros os próprios defeitos

§  A ignorância generalizada e/ou os preconceitos contra o Positivismo

§  A má-fé e a desinformação, ou seja, a imputação intencional de características sabidamente erradas ao Positivismo

§  A rejeição da aplicação à ciência dos parâmetros morais e intelectuais próprios à síntese subjetiva e relativa

-        Tratando do academicismo: podemos defini-lo a partir do Positivismo como sendo a tendência a considerar que somente na academia, isto é, nas universidades, é possível ser inteligente, produzir ciência e, de modo geral, produzir conhecimento

o   Inversamente, o academicismo estabelece que qualquer produção intelectual que se desenvolva fora das universidades não tem valor intelectual

§  O academicismo chega a tal ponto que muitas vezes nem mesmo instituições de pesquisa que não sejam “universidades” são respeitadas

o   Em virtude disso, o academicismo considera que, se alguém não possui um diploma, não tem valor intelectual

§  Em outras palavras, inversamente, o academicismo estabelece que o valor intelectual de alguém está vinculado à posse de algum(ns) pedaço(s) de papel

o   Mas é necessário termos clareza a respeito de um aspecto central: o vício moral-intelectual-institucional do academicismo é muito diferente da valorização da instrução e da busca de conhecimentos teóricos e práticos

§  Em outras palavras, ao criticarmos o academicismo, não criticamos os esforços coletivos e individuais em prol do esclarecimento e do conhecimento

o   Uma outra manifestação do academicismo é julgar que, se algum corpo doutrinário não foi elaborado nas universidades, ou não foi ensinado nas universidades, ele não tem existência efetiva e/ou ele não tem valor

§  Por exemplo: como a Sociologia foi fundada por Augusto Comte fora das universidades e ela só passou a ser ensinada a partir dos anos 1890, com uma outra geração de pensadores, não positivistas e estreitamente vinculados a universidades, a Sociologia só teria surgido a partir dos anos 1890

§  Ou, inversamente: como Augusto Comte elaborou suas reflexões fora das universidades, a sua Sociologia não seria científica, não seria uma “verdadeira Sociologia”

o   Essas concepções são aplicadas atualmente, mas é claro que sempre foram autoaplicadas pelo e ao público universitário

§  Além da aplicação à realidade atual, essas concepções também são ampliadas e exageradas para considerar que as universidades em geral, desde sempre, foram sempre bastiões do conhecimento verdadeiro

-        A partir das definições acima, parece claro que, embora cada um dos conceitos sejam independentes um do outro, eles costumam andar juntos

o   O academicismo, dependendo da sua versão (ou dos seus exageros), pode ser cientificista ou não: ele pode fingir que as universidades durante séculos não foram bastiões conservadores ou retrógrados da metafísica e da teologia

-        Para concluir: vale reforçar que o Positivismo é anticientificista e antiacademicista

o   A concepção de ciência do Positivismo valoriza a ciência, mas reconhece e estabelece limites a ela e, ao coordenar a existência humana, estabelece que a ciência ocupa uma posição necessariamente limitada e subordinada

§  Para usar conceitos atuais: o Positivismo tem uma concepção reflexiva, profunda e densa da ciência e do conhecimento humano; dessa forma, sua concepção da ciência não é simplista e não a considera todo-poderosa

o   Como vemos, o Positivismo é antiacademicista por si só, mas o anticientificismo do Positivismo reforça o antiacademicismo

§  O antiacademicismo também se vincula a um respeito pela sabedoria popular


06 dezembro 2022

Negacionismos de direita vs. negacionismos de esquerda

É realmente interessante e instrutivo o Dicionário dos negacionismos no Brasil, organizado por José Leon e José Luiz Ratton. Considerando a época em que vivemos, em que movimentos políticos (mais uma vez) negam a ciência e vários de seus mais importantes resultados, é uma obra de referência, ao mesmo tempo ampla e didática.

Há alguns aspectos curiosos. Por exemplo: saltando à vista, existe um certo cientificismo, a que se alia um forte academicismo. O primeiro aspecto acaba sendo um pouco inevitável, haja vista que o livro é uma defesa da ciência, de seus métodos e de seus resultados; já o segundo aspecto é bem menos inevitável, embora largamente (em particular desde os anos 1960-1970) o academicismo seja entendido como sinônimo, quando não substituto, do cientificismo.

(O verbete que abre o livro, dedicado à Academia Brasileira de Ciências devido à ordem alfabética dos temas, é exemplar tanto do cientificismo quanto do academicismo. Mas, enfim, talvez esses dois defeitos fossem inevitáveis no livro em geral e nesse verbete em particular; de qualquer maneira, outros verbetes não apresentam esses problemas.)

Mas, enfim, dois outros aspectos chamam em particular a atenção no livro. O primeiro é a variedade, a profundidade e o caráter absolutamente retrógrado (e não meramente reacionário ou conservador) dos negacionismos atuais. Em séculos anteriores a Humanidade presenciou vários negacionismos, sempre a partir de motivos "religiosos" e/ou "ideológicos": a perseguição contra Galileu é exemplar, mas também as ciências identitárias "ariana" de Hitler e "proletária" de Stálin. Nesses casos, o que estava em questão eram concepções filosóficas que tinham consequências políticas e sociais muito diretas. Os negacionaismos atuais também se referem a concepções filosóficas, mas ampliaram-se para questões científicas substantivas, com consequências econômicas, ambientais e até clínicas muito mais amplas que aquelas "apenas" sociais e políticas: o negacionismo climático e o negacionismo vacínico são dois exemplos imediatos que temos visto e vivido nos últimos anos.

O segundo aspecto que chama a atenção é a inclusão, como alvo dos negacionismos, de posturas filosóficas, "narrativas" acadêmicas e "interpretações" alinhadas ao pós-modernismo (como os verbetes dedicados à política identitária e também às "teorias queers"). A inclusão desses verbetes chama a atenção porque, embora sejam alvo dos negacionismos, essas "interpretações", essas "narrativas", essas "teorias" são, elas mesmas, radicalmente anticientíficas (embora sejam profundamente academicistas). Em outras palavras, são - como dizer? - "práticas acadêmicas" que negam, por princípio, a ciência; que rejeitam a concepção de uma realidade objetiva, mais ou menos independente da vontade e da subjetividade humana; que rejeitam a possibilidade de investigação objetiva dessa realidade; que rejeitam a possibilidade de acordo racional e bem intencionado entre as pessoas a respeito dessa objetividade e dessa investigação objetiva. Tudo ao contrário: essas "práticas acadêmicas" entendem que há apenas subjetividades; que há apenas "narrativas"; que essas "narrativas" são sempre particulares e particularizantes; que não há objetividade (na verdade, a objetividade seria um mito ocidental, "branco", "macho", falocêntrico, burguês e qualquer outro adjetivo que esteja à disposição como xingamento ressentido); que não há acordo entre as pessoas, mas apenas lutas, conflitos e dominações (mais ou menos temporárias). Mas, ao mesmo tempo em que são radicalmente anticientíficas - de modo que, por qualquer parâmetro, a elas dever-se-ia aplicar o adjetivo de "negacionistas" -, elas são profundamente academicistas, ou seja, são práticas realizadas por pessoas que vivem nas e das universidades e que fazem questão de viver em ambientes ultraintelectualistas (de preferência, mas é claro que não somente, nos Estados Unidos, embora esse país seja a atual pátria do capitalismo) e que também fazem questão de divertir-se passeando e ganhando dinheiro em amplos circuitos internacionais de palestras.

Surge então a pergunta: se essas "práticas acadêmicas" são negacionistas, por que elas foram incluídas em um livro que denuncia os negacionismos? Eu sugiro dois ou três motivos. O primeiro é que essas "práticas acadêmicas" são negacionistas de esquerda: é o negacionismo de direita que atualmente tem causado os maiores danos. Em segundo lugar, como os negacionismos de direita criticam não apenas questões científicas mas também criticam os negacionismos de esquerda, estes últimos beneficiaram-se, como passageiros clandestinos, da crítica às posturas negacionistas de direita. Em terceiro lugar, os negacionismos de esquerda são academicistas: como o academicismo cada vez mais é o sinônimo, quando não o substituto, da cientificidade, novamente os negacionismos de esquerda beneficiam-se como passageiros clandestinos de algo que, em situações normais, não lhes seria oferecido.




24 maio 2021

Folha de S. Paulo: "Auguste Comte e o amor em tempos de pandemia"

O artigo abaixo, publicado no jornal Folha de S. Paulo de 23.5.2021, é da autoria Maria Carolina Loss Leite. A autora, evidentemente feminista, erra em um sem-número de aspectos da Religião da Humanidade; ao cometer esses erros, a autora repete os preconceitos políticos e intelectuais provenientes tanto do feminismo quanto da academia.

A despeito dos preconceitos academicistas e feministas da autora, ela viu-se obrigada a admitir a justeza das perspectivas de Augusto Comte, em particular no que há de mais importante em sua obra: a afirmação do amor, a concepção de que o amor deve estar na base de tudo.

Isso é uma tripla confirmação do Positivismo e de sua capacidade de superar preconceitos e ódios: afetiva antes de mais nada, mas também intelectual e, juntando esses dois âmbitos, igualmente uma confirmação prática.

O original do artigo pode ser lido aqui.

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Antes de passar ao artigo, convém ilustrar um pouco os erros cometidos pela autora. A título de exemplo, podemos indicar dois. Como comentamos antes, são muitos mais erros originários de preconceitos intelectuais e políticos, todos eles permeados por desdém e ironia, mas não faria sentido indicar cada um deles.

O primeiro erro que queremos indicar funda-se em um preconceito academicista: a autora afirma que, para Comte, o Grão-Ser é a "sociedade"; nisso a autore atribui a Augusto Comte uma concepção metafísica de Durkheim, que é visto como o "continuador" de Comte no âmbito da Sociologia - o que, por sua vez, serve tanto para desvalorizar a obra do próprio fundador da Sociologia e do Positivismo quanto para criar e manter um esquema simplista mas útil a polêmicas academicistas. 

O segundo erro, já no âmbito do feminismo, consiste em que a autora repete o ódio feminista contra a concepção ao mesmo tempo generosa e realista de que as mulheres constituem o "sexo amante", preferindo que as mulheres sejam iguais aos homens especialmente em termos de violência e agressividade. Isso, aliás, vai na direção oposta da afirmação do amor, ou seja, em última análise, a negação do "sexo amante" é a própria negação do "amor por princípio"; nisso não há nem dignidade para as mulheres nem uma base regular para o amor.

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Auguste Comte e o amor em tempos de pandemia

Precisamos resgatá-lo antes que seja tarde

Falar de amor nos tempos tristes em que vivemos é necessário. Seja ele de qualquer forma, é sempre bem-vindo: do fraternal ao carnal. Por isso invoco o francês Auguste Comte, ou melhor, Isidore Auguste Marie François Xavier Comte. Considerado por diversos autores como o “pai” da sociologia por ter sido o primeiro a falar em estudar a sociedade do seu tempo, nasceu em 1798 e veio a falecer em 1857.

Para Comte, uma sensibilidade aliada ao amor transbordava em seus estudos ao ponto de sugerir a fundação de uma religião universal, considerando tanto os vivos quanto os mortos, haja vista que estes fizeram parte do mundo e deixaram seus legados. Chamava a sociedade de “o grande ser”.
Sua sociologia se baseou em um estudo na mudança dos corpos orgânicos —porque estes são vivos— e sociais. Foi o criador do positivismo, no qual projetava um pensamento do futuro baseado no passado. Colocado em uma fórmula, o positivismo poderia ser descrito como o amor aliado à inteligência mais a ação. O símbolo positivista era uma bandeira trazendo como figura central uma mulher.

O filósofo Auguste Comte
O filósofo Auguste Comte - Wikimedia Commons

Para criar suas obras, utilizou-se de esclarecimento, romantismo, racionalismo, empirismo, naturalismo (como o natural versus a história), desenvolvimentismo, holismo e relativismo. Seu lema, imortalizado, era “o amor por princípio, a ordem como base e o progresso como fim”. Percebia uma humanidade inserida em um todo e não apenas em uma sociedade, tendo, então, uma visão totalizante desta.

E aqui abro um parêntese sobre o amoroso Comte: apesar de pregar o amor, era contra qualquer tipo de emancipação feminina. Defendia que a igualdade dos sexos era incompatível e chamava a mulher de “sexo amante”, sendo o único exemplo de amor e devoção. Rompeu relações com seu amigo John Stuart Mill por conta de discordâncias em relação ao assunto. Mas isso já é outra história...

O lema de Comte foi parar em um dos grandes emblemas nacionais, atualmente tão desacreditado: nossa bandeira. Símbolo positivista brasileiro, possui a inscrição “Ordem e Progresso”, mas sem o “amor”. E, longe da ligação com o amor e do positivismo imaginado por Comte, sua criação se deu em meio à Guerra do Paraguai, sendo recentemente aproveitada como slogan em um governo após a retirada da presidenta Dilma Rousseff (PT) da cadeira do Executivo. Imagino como estaria Comte ao ver suas belas palavras e ensinamentos sendo utilizados não da forma como criou.

Lendo Comte, em meio a tantas desgraças, devemos acreditar que, com amor, muito luto e muita luta, poderemos trabalhar para atingir uma sociedade menos desigual. A sociedade atual vive em meio a um caos social, sanitário, econômico e ambiental, onde o ódio prevalece em diferentes tipos de pessoas.

Pessoas matam e morrem por conta do ódio disfarçado de liberdade de expressão. Estamos morrendo não apenas por um vírus letal, mas pela nossa insistência em acreditar que haverá um “normal”. Não haverá. Vidas se foram. Relações sucumbiram. Empregos sumiram. A fome voltou. E as pestes, também. Por isso, lembrar Auguste Comte neste momento me faz pensar: precisamos resgatar o amor o mais rápido possível. Antes que seja tarde demais...