28 junho 2015

Depoimento de Luís Antônio Cunha sobre ensino religioso laico

Reproduzo abaixo o depoimento do Prof. Dr. Luís Antônio Cunha, Professor da Universidade Federal Fluminense e diretor do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ), apresentado na audiência pública convocada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, a respeito do caráter laico ou confessional do ensino religioso público obrigatório, que ocorreu no dia 15.6.2015

O original também pode ser lido a partir da página do OLÉ, aqui.

Da mesma forma, é possível assistir às apresentações aqui.

Não é demais lembrar que nessa audiência houve, arbitrariamente, uma super-representação de entidades teológicas, assim como de entidades jurídicas. A Igreja Positivista de Porto Alegre, bem como eu mesmo, solicitamos sermos ouvidos e, sem nenhuma justificativa, tivemos os pedidos recusados.

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Excelentíssimo Sr. Ministro Luís Roberto Barroso,

O Centro de Estudos Educação e Sociedade, criado em 1979 por iniciativa de professores da UNICAMP, e o Observatório da Laicidade na Educação, criado em 2003 por iniciativa de professores da UFRJ entendem que a existência da disciplina Ensino Religioso nas escolas públicas é um retrocesso na construção da República em nosso país. Nesse ponto, a Constituição de 1988 é pior do que a de 1891.

No tempo de Saldanha Marinho, Benjamin Constant e Rui Barbosa, a laicidade era reivindicada sobretudo pelas elites intelectuais. Hoje, além delas, importantes setores do Estado e dos movimentos sociais inserem nas suas pautas a laicidade, inclusive na educação pública. Na culminância de um processo que, em dois anos, teve a participação de mais de um milhão de pessoas, o documento final da Conferência Nacional de Educação, aprovado em dezembro de 2014, preconizou a reforma da Constituição para suprimir dela o Ensino Religioso. A curto prazo, defendeu o fim da apropriação privada dos espaços educativos públicos por pessoas ou grupos vinculados às instituições confessionais. A finalidade é garantir aos alunos o direito à liberdade religiosa e o de não professar religião alguma. Ou seja, o fim do proselitismo religioso ostensivo ou dissimulado nas escolas públicas.

Deixemos para outra hora pleitear o fim do Ensino Religioso na escola pública. A Constituição determina sua oferta como disciplina no Ensino Fundamental, na forma facultativa, e este será o limite de nosso depoimento. Eis a contribuição que queremos oferecer a este Tribunal: um panorama da situação objetiva do ensino religioso nas escolas públicas, ou seja, fatos, não doutrinas.

O lugar de que falamos é interior ao campo educacional, especificamente o dos sistemas públicos de educação, cuja finalidade é propiciar o acesso de todos à cultura erudita e à ciência. Isso só a escola pública pode fazer. A não ser pessoas raras, em situações excepcionais, quem não teve acesso à cultura erudita e à ciência na escola para todos, não as alcançará na empresa, na igreja nem em outro lugar qualquer. E a escola pública vai mal. Precisa usar judiciosamente cada grão de tempo, de recursos materiais e humanos para a consecução de seus objetivos próprios, sem ser instrumentalizada como força auxiliar dos mercados, sejam econômicos, profissionais ou religiosos. Daí que uma disciplina especificada na Constituição como facultativa não pode ser tratada, na prática, como obrigatória.

Os dados da Prova Brasil são eloquentes quanto à obrigatoriedade de fato do Ensino Religioso. Os questionários respondidos pelos diretores em 2013 foram computados pela Profa. Mariane Koslinski, do Grupo de Estudos dos Sistemas Educacionais da UFRJ, que dimensionou para todo o país o que pesquisas pontuais já haviam sinalizado: 70% das escolas públicas de Ensino Fundamental ministravam aulas de Ensino Religioso. Dentre as que o faziam, 54% confessaram exigir presença obrigatória; e 75% não ofereciam atividades para os alunos que não queriam assistir a essas aulas. É preciso prova mais contundente da obrigatoriedade de fato para uma disciplina facultativa de direito?

Dir-se-á que os alunos e seus pais são indagados sobre o desejo de Ensino Religioso. Ora, as perguntas que lhes chegam, quando chegam, não permitem boas respostas. A propósito, em meados do século XIX, Pierre Joseph Proudhon criticava o sufrágio universal, para ele um artifício para levar o povo a dizer não o que pensava, mas o que os dominantes queriam que ele dissesse. E foi ainda mais categórico ao afirmar que o sufrágio universal era o meio mais seguro para levar o povo a mentir. Passado século e meio, mudou o mundo, mudou o povo e mudou o sufrágio universal, de modo que o pessimismo de Proudhon já não encontra o mesmo respaldo na realidade.

Mas, o artifício manipulador persiste ativo, mesmo inconsciente. É o caso da indagação – O Sr ou a Sra quer que seu filho tenha aula de Ensino Religioso? A pergunta correta seria: O Sr ou a Sra prefere que seu filho tenha aula de Ensino Religioso ou de (por exemplo) uma língua estrangeira ou reforço de Matemática? Esta, sim, seria uma pergunta propiciadora de escolha inteligente e pedagogicamente significativa para o aluno, não aquela indagação abstrata, que daria razão à crítica do político francês. Os pais não têm como saber que, para o filho ter aula de Ensino Religioso algum conteúdo ou alguma atividade foi suprimida ou reduzida, ou, então, se o tempo puder ser estendido, como fazê-lo melhor aproveitado? Para enxertar uma aula de Ensino Religioso ou para ampliar e reforçar o que somente na escola se aprende?

A correta gestão da educação pública precisa usar bem todos os recursos a sua disposição, que estão longe do mínimo necessário e do adequado emprego. Como, então, ter o Ensino Religioso professores formados em licenciatura específica, se a disciplina é para ser mesmo facultativa? Os alunos optantes podem ser muitos hoje, menos amanhã, novamente muitos mais tarde, pouquíssimos em outro momento. A necessidade de professores será estimada para o mínimo? O médio? O máximo? Impossível prevê-la com objetividade e responsabilidade. A única solução inteligente, nessa condição, é a empregada pelo sistema estadual paulista, de destinar à docência do Ensino Religioso os professores do quadro licenciados em História, Filosofia e Ciências Sociais, como prescreveu a Deliberação nº 16/2001 do seu Conselho Estadual de Educação. Como os professores de Filosofia e de Ciências Sociais somente são generalizadamente requeridos no Ensino Médio, endossamos o emprego dos licenciados em História no Ensino Fundamental. O emprego deles na disciplina correspondente e no Ensino Religioso propiciaria alguma flexibilidade.

A rigidez da licenciatura específica criaria uma espécie de reserva de mercado perdulária em termos econômicos e funcionais, além de servir de força indutora para a compulsoriedade de fato da disciplina em foco. Atenção para a lei dos mercados de Jean-Baptiste Say: a oferta cria sua própria demanda. Essa lei empírica vale também para o mercado de trabalho, até mesmo para o de professores, inclusive os de Ensino Religioso. Professores com licenciatura específica e a inclusão dessa disciplina nas 800 horas mínimas do Ensino Fundamental constituem ardilosos artifícios indutores de sua obrigatoriedade de fato, contrariando o disposto na Constituição. Aliás, dez unidades da Federação já definiram que a carga horária dessa disciplina não integrará o mínimo das 800 horas: Amapá, Bahia, Sergipe, Espírito Santo, Goiás, Pará, Pernambuco, Piauí, Rondônia e São Paulo.

A extensão do mercado para o Ensino Religioso prossegue nos sistemas educacionais de estados e municípios, favorecida pela anomia jurídica em torno da matéria, apenas dependente das correlações de forças político-eleitorais. O que a Constituição Federal determinou apenas para o Ensino Fundamental há estados que estenderam para toda a Educação Básica (Educação Infantil + Ensino Fundamental + Ensino Médio). Outros prescreveram que o Ensino Religioso seja ministrado como tema transversal, o que o torna obrigatório, tanto para os alunos quanto para os professores. Ao fazer do Ensino Religioso tema transversal para os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, a mesma Resolução nº 16/2001 do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, evocada há pouco, cometeu um duplo erro – de caráter legal e pedagógico –, que não foi compensado pelo realismo mostrado pela Resolução nº 21/2002 da Secretaria Estadual de Educação ao destinar a disciplina apenas para os alunos do último ano do Ensino Fundamental.

A anomia jurídica chegou a ponto de a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, reformada em 1997, qualificar o Ensino Religioso nas escolas públicas de integrante da formação básica do cidadão. A recusa admitida pela Constituição implicaria uma formação incompleta? ou defeituosa? Em direção bem diferente, Ética e Cidadania foi reivindicada pela Conferência Nacional de Educação para todos, não só para os alunos das escolas públicas. E menos ainda como alternativa para os não optantes do Ensino Religioso, como pretendem certos projetos de lei em tramitação no Congresso. Correto foi o Parecer nº 1/2012, do Pleno do Conselho Nacional de Educação, ao instituir as Diretrizes Nacionais para a correlata Educação em Direitos Humanos, esta sim, como tema transversal, não como disciplina; e para todos, em todos os níveis e modalidades dos estabelecimentos de ensino públicos e privados; e tendo a laicidade como um dos princípios orientadores.

Na disposição sobre a alternativa aos alunos não optantes pelo Ensino Religioso, o Estado de Goiás apontou o caminho. A Resolução nº 285/2005 do Conselho Estadual de Educação goiano ordenou que aos não optantes pelo Ensino Religioso fossem oferecidos “outros conteúdos de educação geral”. A despeito da imprecisão dos termos, a direção é correta.

Sem embargo de outras medidas pertinentes, as sugestões que trazemos para a interpretação pedida pela ADI 4.439 podem ser sintetizadas em nove pontos:

(i) A obrigatoriedade de fato do Ensino Religioso nas escolas públicas, mediante a indução dos alunos e seus pais a aceitarem tal disciplina como se fosse compulsória, deverá ser severamente coibida. Tal indução deverá ser tipificada como crime contra a liberdade de consciência – esta sim, cláusula pétrea da Constituição.

(ii) Enquanto o Ensino Religioso estiver previsto na Constituição, que ele seja ministrado apenas no Ensino Fundamental, como ela manda, abstendo-se os sistemas estaduais e municipais de estendê-lo para a Educação Infantil e o Ensino Médio. As constituições e leis que projetaram tais extensões deverão ser corrigidas.

(iii) A Constituição determina que o Ensino Religioso seja ministrado como disciplina, portanto ele não poderá ser ofertado como tema transversal.

(iv) Como essa disciplina não pode ser proselitista, que ela seja ministrada apenas aos alunos de mais idade, os do último ano do Ensino Fundamental, mais capazes do que os mais jovens de evitar intentos doutrinadores remanescentes.

(v) Pela óbvia conotação proselitista, a modalidade confessional do Ensino Religioso deverá ser proibida e, consequentemente, suprimido o artigo 11 da concordata Brasil-Vaticano.

(vi) A possibilidade concreta de opção pelo Ensino Religioso somente poderá se materializar pela oferta de alternativas pedagogicamente significativas a essa disciplina, que o Conselho Nacional de Educação saberá definir. Se não existirem tais alternativas, o Ensino Religioso não poderá ser oferecido.

(vii) A disciplina Ensino Religioso não deverá ser incluída no cômputo das 800 horas mínimas do Ensino Fundamental.

(viii) O magistério dessa disciplina deverá ser exercido por professores licenciados em História, sem exigência de curso adicional ou credenciamento de instituição religiosa. Não tem cabimento a substituição destes por licenciados em Ensino Religioso, Ciências da Religião ou Teologia.

(ix) A qualificação do Ensino Religioso nas escolas públicas como integrante da formação básica do cidadão deverá ser suprimida do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Esse o nosso entendimento, estas as nossas sugestões a V. Excia.

Muito obrigado.
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Depoimento de Luiz Antônio Cunha, em nome do CEDES e do OLÉ, em Brasília, em 15/6/2015, na Audiência Pública sobre o Ensino Religioso nas escolas públicas, no Supremo Tribunal Federal, promovida pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator da ADI 4.439.

26 junho 2015

"Grandes poderes trazem grandes responsabilidades": Homem-Aranha positivista?!

A matéria abaixo, publicada pelo jornal eletrônico BBC-Brasil, merece a leitura e a reflexão - não a respeito do problema que estava sendo disputado - a manutenção ou o fim dos direitos intelectuais de uma invenção -, mas a respeito da frase que a Juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos citou para embasar sua decisão.

De fato, a frase "com grandes poderes vêm grandes responsabilidades" é familiar aos aficcionados por gibis e, em particular, pelo Homem-Aranha; essa frase era dita pelo tio Ben, que era tio de Peter Parker (o alter ego do Homem-Aranha). 

O que deve ser notado, todavia, é que essa frase não é do "tio Ben" - nem, por extensão, do criador do Homem-Aranha, Stan Lee -; na verdade, ela é do fundador do Positivismo, Augusto Comte, que nos quatro volumes do seu monumental Sistema de política positiva (1851-1854) repete-a inúmeras vezes.

Qual o sentido da frase de Comte? Ela estipula que os poderosos - isto é, aqueles que têm poder e riqueza - devem agir de maneira a beneficiar a sociedade e não a usufruir egoisticamente seus recursos. Em associação a esse raciocínio, está a observação de Comte de que a riqueza é socialmente produzida e, portanto, deve ser revertida em benefício da sociedade.

A afirmação da responsabilidade social dos ricos e dos poderosos acompanha, implícita e explicitamente, o reconhecimento de que a riqueza e o poder político concentram-se em alguns grupos sociais - o que, bem vistas as coisas, não é uma observação chocante em si mesma, sendo o mais puro senso comum político e sociológico. O problema, claro, surge quando se afirma que a riqueza e o poder político devem ser distribuídos por toda a sociedade, de modo igual para todos, deixando de lado qualquer consideração sobre as possibilidades de geração e aumento da riqueza, por um lado, e sobre em que consiste exatamente o poder político, por outro lado. 

Em suma, esse tipo de raciocínio só pode ser formulado por aqueles que não perdem tempo e recursos preciosos sendo contra o capital e o Estado, mas que se preocupam com o emprego socialmente responsável dessas instituições.

Em todo caso, não deixa de ser curioso como, ao repetir essa frase, o Homem-Aranha revela-se positivista!

A publicação original da matéria pode ser consultada aqui.

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Suprema Corte dos EUA cita Homem Aranha ao proferir decisão
  • 22 junho 2015


A 'arma' do Homem Aranha para lançar teias foi objeto de um processo judicial nos Estados Unidos movido pelo inventor da 'ferramenta' contra a empresa criadora do super-herói

Em um 'recadinho' especial para os fãs de quadrinhos, a Suprema Corte americana usou várias referências ao famoso desenho do Homem Aranha em uma decisão judicial envolvendo um processo contra a própria Marvel Comics, criadora do personagem.
A decisão foi favorável à empresa de entretenimento em uma batalha legal com o inventor da luva que dispara fios de espuma, Stephen Kimble – a invenção interessou a criadora do Homem Aranha para o super-herói utilizá-la na hora de "disparar" suas teias.
"Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades", escreveu a juíza Elena Kagan, fazendo referência à frase de Benjamin Parker, o "Tio Ben" do Homem Aranha na história em quadrinhos.
A Marvel comprou a patente das luvas em 2001 e aceitou pagar uma porcentagem sobre os produtos vendidos que usassem este sistema. A batalha legal agora era a respeito da continuidade do pagamento dos royalties – a Marvel diz que a patente expirou em 2010, enquanto o inventor das luvas alega que o acordo era pelo pagamento da porcentagem "para sempre".
"As partes não estabeleceram uma data final para o pagamento de royalties, aparentemente considerando que ele iria continuar enquanto as crianças quisessem imitar o Homem Aranha (fazendo tudo o que uma aranha pode fazer)", escreveu Kagan.
A frase tem outra referência à história em quadrinhos, tirada da música tema do programa de TV do Homem Aranha em 1967. A letra da música em inglês dizia exatamente o que foi mencionado pela juíza no fim "Spider-Man, Spider-Man, does whatever a spider can" ("Homem Aranha, Homem Aranha, faz tudo o que uma aranha pode fazer", na tradução livre).
O caso foi decidido com uma votação de 6 a 3 em favor da Marvel.
No julgamento, a Marvel mencionou uma decisão judicial de 1964 nos Estados Unidos que libera as empresas de pagarem patentes que já expiraram.
Kimble pedia, porém, que a Justiça passasse por cima da decisão anterior da Corte americana. Ao final, a juíza reconheceu que o Tribunal poderia passar por cima de decisões anteriores, mas que isso deveria ser usado "com moderação".
O inventor da luva já ganhou mais de US$ 6 milhões da Marvel em pagamentos de royalties pelo brinquedo.

24 junho 2015

Declaração da União Humanista sobre o massacre contra Charlie Hebdo

Reproduzo abaixo a declaração da União Humanista Ética Internacional (IHEU, na sigla em inglês) a propósito do massacre realizado por fanáticos muçulmanos em 7.1.2015, contra o semanário francês Charlie Hebdo. O original pode ser lido aqui.

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Twelve people including two police officers, three cartoonists, and seven journalists have been killed today, with at least 5 other victims in critical condition. The gunmen, who were filmed shouting “Allahu Akbar” and “We have avenged the prophet” as they stormed the offices of the satirical magazine Charlie Hebdo, can be assumed to be Islamist terrorists responding to satirical images published in the magazine.
Stéphane "Charb" Charbonnier, publisher of Charlie Hebdo, has been named among those killed today
Stéphane “Charb” Charbonnier, publisher of Charlie Hebdo, has been named among those killed today
“The International Humanist and Ethical Union (IHEU) is appalled and deeply saddened by the attack on the offices of the magazine Charlie Hebdo in Paris, France, today.
This is an horrific and profoundly illiberal attack. It is an act of Islamo-fascist terrorism, aimed at silencing freedom of expression about religious beliefs, and about Islam in particular.
No person who genuinely recognises the humanity of their fellow citizens, or who is remotely interested in the good of society at large or for any section of society, could ever justify this terrorism. Reading words and seeing images that satirise your beliefs is as far removed from a warrant to murder as it is possible to get.
Europe has a tradition of humanism, in which both freedom of expression, and freedom of thought and belief, including freedom of religion, are respected and upheld in law. To criticise beliefs, including through satire and ridicule, does not contravene others’ freedom of belief. Rather, criticism is essential to freedom of expression. Murder on the other hand is the ultimate nullification of all a person’s freedoms and being.
It is our true hope that Europe will neither bow to this violence, nor rise to it. We will not be provoked into an equal savagery. We will resist all terror, and we will defend freedom of thought and expression: essential values for free and meaningful lives.”
— Sonja Eggerickx, president of the International Humanist and Ethical Union (IHEU)



Logomarca da União Humanista Ética Internacional em homenagem aos mortos no massacre contra o semanário Charlie Hebdo, em 7.1.2015

22 junho 2015

Respostas comtianas às críticas do interpretativismo


[O meu artigo "Respostas comtianas às críticas do interpretativismo" foi temporariamente tirado do meu blogue, a fim de ser submetido a avaliação por uma revista científica. Tão logo eu tenha um posicionamento a respeito, ele será postado novamente, seja como artigo publicado, seja como simples postagem. 31.3.2016]

Sobre o “empiricismo” qualitativista

Há um mito segundo o qual o mero acúmulo de dados quantitativos – números, tabelas, estatísticas – corresponderia a um conhecimento social científico. Isso é um mito, que poderíamos qualificar de “empiricismo quantitativo”.

Isso, de modo geral, ninguém contesta. O que provavelmente incomodará muitos é que também há um “empiricismo qualitativo”. Com uma freqüência alarmante, ele é vendido como “ciência” social, por vezes com o nome imponente de “microssociologia”. Ele consiste no acúmulo de narrativas sobre os hábitos de grupos, de indivíduos, de interações variadas; também acumula depoimentos, narrativas “nativas” e assim por diante. Como é “qualitativo” e como “dá voz ao povo”, ganha ares de boa prática sociológica. Mas é só isso: a versão qualitativa do mesmo “empiricismo” indicado na forma numérica acima.


Infelizmente, só se reconhece como “empiricista” – isto é, só se reconhece os vícios intelectuais próprios ao empirismo extremado – o “empiricismo quantitativo”. Sua versão qualitativa é amplamente respeitada e praticada em todas as Ciências Sociais – não apenas na Sociologia e na Ciência Política, mas também na Antropologia e na História. (É verdade que menos na Ciência Política, na qual é mais fácil detectar o “empiricismo quantitativo”. Mas na área da Teoria Política “normativa” o “empiricismo qualitativo” é muito fácil de ser notado.)

18 junho 2015

Livro eletrônico: "Pan-americanismos entre a segurança e o desenvolvimento"

Divulgo aqui o livro eletrônico "Pan-americanismos entre a segurança e o desenvolvimento: a Operação Pan-Americana e a Aliança para o Progresso", resultante da minha dissertação de mestrado em Sociologia Política (UFPR, 2004), publicado pela editora Poiesis. O livro tem o gentil prefácio do Prof. Dr. Alexsandro Eugênio Pereira, também da UFPR.

O livro pode ser adquirido por meio deste vínculo, na livraria eletrônica Amazon.com.br.

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PAN-AMERICANISMOS ENTRE A SEGURANÇA E O DESENVOLVIMENTO: 

A Operação Pan-Americana e a Aliança para o Progresso



Autor(es): 
Gustavo Biscaia de Lacerda
Alexsandro Eugenio Pereira (Prefácio)
Volume: 
1
Ano: 
2015
Formato: 
eBook
Página: 
96
Assunto: 
Ciência política
ISBN: 
978-85-61210-43-4
Preço: 
R$9,90
Sinopse: 
O Brasil passou por um momento de diversificação das relações exteriores. Contudo, isso não significou romper com os estadunidenses, mas ampliar o leque de opções com parceiros estratégicos tendo em vista os propósitos do desenvolvimento. As relações com os Estados Unidos constituem, portanto, um dos temas perenes da política externa brasileira, inclusive neste início de século XXI. Por isso, ao destacar essas relações como objeto de análise privilegiado, o livro de Gustavo Biscaia de Lacerda apresenta uma importante contribuição para os estudos de políticas externas em perspectiva comparada ao oferecer aos seus leitores uma análise das perspectivas distintas alimentadas pelos dois países na cena internacional dos anos 1950 e 1960: a visão estadunidense sobre a América Latina e, particularmente, o Brasil; a visão brasileira sobre a funcionalidade das relações brasileiras com os Estados Unidos no contexto de enfrentamento de um dos principais gargalos do nosso desenvolvimento econômico: a ausência de capitais necessários para alavancar o processo substitutivo de importações inaugurado a partir dos anos 1930. A visão dos Estados Unidos emergiu na iniciativa intitulada “Aliança para o Progresso” de 1961, enquanto a visão brasileira apareceu, antes, na iniciativa da “Operação Pan-Americana”, de 1958, lançada pelo governo Juscelino Kubitschek (1956-1961). As duas iniciativas estão situadas no contexto da Guerra Fria, caracterizado pelo conflito entre a União Soviética e os Estados Unidos. Ambas tiveram como propósito pensar estratégias para o desenvolvimento da América Latina, afastando os países dessa região do comunismo e da influência soviética. São, portanto, duas iniciativas marcadas pelo contexto internacional da bipolaridade, mas que são apresentadas por países em posições muito distintas no sistema internacional: de um lado, a maior potência bélica e econômica do mundo; de outro lado, um país subdesenvolvido e orientado por uma estratégia de desenvolvimento, compreendida, por muitos intelectuais do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) nos anos 1950, como Álvaro Vieira Pinto e Roland Corbisier (para citar alguns deles) como o meio a partir do qual o Brasil ingressaria no seleto grupo das grandes potências em condição menos subalterna. As duas iniciativas, ainda, estão orientadas por objetivos distintos: os Estados Unidos visavam a manter sua influência na América Latina por intermédio do afastamento dos países da região da ameaça comunista; o Brasil, por sua vez, orientava e instrumentalizava sua política externa na direção do desenvolvimento, procurando jogar segundo as regras estabelecidas pelo conflito – que era, sobretudo, ideológico e político – entre as superpotências. 

17 junho 2015

Resumos das exposições sobre a audiência sobre ensino religioso confessional

Indico abaixo várias matérias produzidas pela assessoria de comunicação do Supremo Tribunal Federal ao longo do dia 15.6.2015 a respeito da audiência sobre ensino religioso obrigatório confessional.

Como são muitas matérias, não as reproduzirei integralmente; apenas indicarei os títulos e os vínculos.

Alguns comentários gerais.

Evidentemente, os grupos humanistas acadêmicos e da sociedade civil puseram-se contrários tanto ao ensino religioso obrigatório quanto ao ensino confessional. Entram nessa categoria cinco ou seis expositores, o que revela uma concordância generalizada contra o clericalismo pedagógico.

É digno de nota que também judeus, batistas e espíritas são completamente contrários ao ensino religioso obrigatório e, ainda, ao confessional.

Os representantes dos chamados cultos afrobrasileiros e da ioga foram ambivalentes, ao proporem que o ensino religioso contemple todas as religiões. O representante do budismo, segundo a matéria, foi genérico e não expôs de verdade nenhuma posição a respeito do tema em pauta.

Os representantes das Assembléias de Deus não tiveram unidade de idéias: dois foram fortemente contrários ao ensino confessional e outro foi favorável.

Os católicos, os muçulmanos, a Igreja Universal e - pasme-se! - a Câmara dos Deputados (!!!) são a favor do ensino religioso obrigatório e confessional. A "Frente Parlamentar Mista em Defesa da Família" - nome pomposo que aglutina os teológicos monoteístas no Congresso Nacional - também defendeu o clericalismo. O Conselho Nacional de Secretários de Educação foi ambíguo a respeito, tendendo a ser favorável ao clericalismo pedagógico.

Não se entende porque houve dois representantes católicos (CNBB e Arquidiocese do Rio de Janeiro), três representantes das Assembléias de Deus (Igreja de Belém e Convenção Nacional), dois representantes judeus (Juristas Brasil-Israel e Confederação Israelita), além de vários grupos jurídicos.

Inversamente, a Igreja Positivista do Brasil e a Igreja Positivista de Porto Alegre - que pleitearam representação na audiência e que desde sempre são algumas das mais importantes defensoras da laicidade do Estado - tiveram negadas suas representações.

Por fim, deve-se notar que, contrariamente ao que afirmou o representante batista, a proclamação da República em 1889 acarretou imediatamente a laicização do Estado e a inexistência de ensino religioso público, obrigatório ou não, confessional ou não. Essa disciplina só passou a existir após 1930, devido à pressão da Igreja Católica, na pessoa do cardeal Sebastião Leme, que conduzia desde 1916 o movimento da "neocristandade". 

Além disso, foi devido à pressão da Igreja Católica e dos evangélicos na Constituinte de 1987-1988 e da ação de Ulisses Guimarães, que há a referência ao "deus" no "Preâmbulo" da Constituição e a previsão constitucional de ensino obrigatório de uma única disciplina, que é a de "religião".

Abaixo, as matérias do STJ:

Ministro Roberto Barroso abre audiência pública sobre ensino religioso nas escolas públicas

Expositores iniciam apresentações na audiência pública sobre ensino religioso

Ensino religioso: no período da manhã, 14 entidades se pronunciam na audiência pública

Audiência pública sobre ensino religioso prossegue à tarde com 17 expositores

Mais especialistas expõem seus argumentos na audiência pública sobre ensino religioso

Expositores concluem apresentações na audiência pública sobre ensino religioso

Ministro Barroso encerra audiência pública e destaca enriquecimento intelectual proporcionado pela discussão

É possível assistir às exposições aqui: https://www.youtube.com/user/STF.

Resultados da audiência sobre ensino religioso

Reproduzo abaixo matéria publicada pela revista eletrônica Consultor Jurídico, sobre a audiência pública realizada em 15.6.2015 pelo Ministro Luís Roberto Barroso, sobre a constitucionalidade do ensino religioso público obrigatório confessional. O original pode ser lido aqui.

De qualquer maneira, devo admitir que fico muito, muito, muito satisfeito com a referência que o "consultor jurídico" da Câmara dos Deputados fez ao positivismo comtiano (em destaque meu, no final do texto). Na verdade, é uma honra, é um grande elogio e um grande reconhecimento afirmarem que o Positivismo é pela laicidade do Estado - mesmo que o "consultor jurídico" tenha feito a referência em tom acusatório.

Tenho apenas duas dúvidas:

(1) Por que é que um "consultor jurídico" da Câmara dos Deputados manifestou-se contra o ensino laico? O ensino confessional - ou seja, a imposição carola de uma crença para-oficial - é a posição oficial da Câmara?

(2) Quando foi que o Positivismo tentou ir contra a Constituição para "banir o ensino religioso"? Gostaria muito que ele mostrasse de onde tirou essa bobagem; é uma observação sofística, do tipo "é verdade que você não bate na sua esposa?", em que se nega apenas para afirmar sub-repticiamente.

O Positivismo sempre foi muito claro que isso não é matéria constitucional; na verdade, a Constituição de 1988 obriga as redes de ensino a terem uma única disciplina, que é religião (nem português, nem matemática são obrigatórios segundo a Constituição!): isso, evidentemente, é o resultado da pressão dos grupos de pressão católicos e evangélicos.

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AUDIÊNCIA PÚBLICA

Barroso promete liberar ação do ensino religioso no segundo semestre

O ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a ação direta de inconstitucionalidade que questiona a legalidade do ensino religioso nas escolas da rede pública deverá ser julgada já no segundo semestre deste ano.
Ele promoveu uma audiência pública sobre o tema nessa segunda-feira (15/6), em Brasília. Após ouvir posicionamentos de diversas entidades favoráveis e contrárias à inclusão dessa disciplina na grade curricular das instituições de ensino, ele afirmou estar mais apto para julgar. “Pessoalmente saio daqui muito mais capaz de equacionar as questões tratadas no processo do que antes da audiência”, afirmou.
Audiência convocada por Barroso confrontou correntes que defendem ensino religioso laico e confessional.
Fellipe Sampaio/SCO/STF
O ministro esclareceu que o questionamento feito na ADI restringe-se às escolas públicas. Portanto o julgamento não vai interferência nas instituições privadas, que poderão continuar ministrando livremente o ensino religioso confessional a quem se interessar. De acordo com o ministro, a audiência pública foi importante em razão dos valores constitucionais tratados na ação: a liberdade religiosa, o Estado laico e a previsão constitucional expressa de que haja ensino religioso nas escolas públicas.
A ADI em curso no STF foi ajuizada pela Procuradoria Geral da República, que defende que o ensino religioso seja ministrado de forma laica, sob um contexto histórico e abordando a perspectiva das várias religiões. A ação visa a conferir interpretação conforme a Constituição Federal a dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e ao acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (Decreto 7.107/2010).
Participaram da audiência 31 entidades. Uma delas foi o Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação. O representante Luiz Roberto Alves destacou que o artigo 33, da Lei de Diretrizes Básicas da Educação (Lei nº 9.394/96), estabelece que o ensino religioso é parte integrante da formação básica do cidadão. Por isso, deve ser ministrado de forma laica. “Deve ser um estudo aberto, criativo e autônomo do fenômeno cultural da religião ou das formas de religiosidades, portanto plenamente ligado ao ético, estético, linguístico e ao científico”, afirmou.
Para Gilbraz Aragão, representante do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o ensino religioso, em um estado laico como o Brasil, se justifica “pela necessidade de formação de cidadãos críticos e responsáveis, capazes de avaliarem as notícias religiosas em seu contexto, sem imposição de doutrinas e, portanto, de natureza não confessional”.
Já Wilhelm Wachholz, representante da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião, defendeu proposições que busquem consolidar o ensino religioso não confessional como direito do cidadão em favor da promoção da liberdade religiosa e de uma sociedade democrática e ética.
Na avaliação do advogado Gilberto Antonio Viana Garcia, do Instituto dos Advogados Brasileiros, o Brasil não pode financiar o ensino de qualquer confissão religiosa em específico, e deve inevitavelmente adotar o modelo não confessional. De acordo com ele, é um dever do Estado resguardar e proteger todas confissões religiosas.
Divergências
Na opinião do membro da Associação Nacional de Advogados e Juristas Brasil-Israel, Carlos Roberto Schlesinger, o ensino religioso não deveria existir em forma alguma; mas se existir, a única forma de se compatibilizar o caráter laico do Estado é a adoção do modelo não confessional. Ele disse acreditar que o apropriado ao país seria a adoção do ensino da história das religiões de forma a se ensinar o respeito à crença e à cultura do outro. 
O integrante da frente parlamentar que reúne 268 deputados federais e senadores, deputado Pastor Eurico (PSB/PE), manifestou-se favoravelmente ao ensino religioso, por “levar as pessoas a aprender mais sobre valores e relacionamentos interpessoais”.
Já o diplomata Luiz Felipe de Seixas Corrêa defendeu, em nome da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que o ensino religioso seja confessional. “Interpretar o ensino religioso como o da história das religiões não é compatível nem com a letra nem com o espírito da lei”, afirmou.
O consultor da Câmara dos Deputados Manoel Morais, por sua vez, criticou as posições “laicizantes”, que teriam viés ideológico, em contraposição aos movimentos pela laicidade. “O movimento laicizante é uma roupagem nova do positivismo comtiano, que tenta banir o ensino religioso das escolas públicas, à revelia da Constituição”, afirmou.
Já o professor de Direito Constitucional Daniel Sarmento, da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ, ao manifestar-se pelo ensino religioso não confessional, afirmou que existem cerca de 30 milhões de crianças e adolescentes matriculados em escolas públicas que, quando a disciplina é ministrada por religiosos, estão expostas a visões dogmáticas e excludentes.
De acordo com ele, a mera possibilidade de o aluno se ausentar das aulas não é suficiente para garantir a liberdade de crença, em razão das pressões psicológicas, às quais crianças e adolescentes, como seres em formação, estão sujeitos.  Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
ADI 4.439
Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2015, 18h38