Mostrando postagens com marcador Politicamente correto. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Politicamente correto. Mostrar todas as postagens

06 julho 2023

Sobre o "politicamente correto"

No dia 17 de Carlos Magno de 169 (4.7.2023) realizamos a nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua sétima conferência, dedicada à filosofia das ciências naturais.

Após a leitura comentada, realizamos nosso sermão, dedicado nesta semana ao chamado "politicamente correto". As anotações que serviram de base para o sermão estão reproduzidos abaixo.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/kajkk) e Apostolado Positivista do Brasil (aqui: https://acesse.one/10ia6). O sermão pode ser visto a partir de 45' 07".

*   *   *

Sobre o politicamente correto

-        A expressão “politicamente correto” é uma das mais usadas nas últimas décadas, já tendo sido incorporada ao léxico corrente

o   Essa expressão é extremamente ambígüa:

§  Por um lado, ela serve de parâmetro para avaliação moral, intelectual e social

§  Por outro lado, ela notavelmente não é definida de maneira clara, sendo mais uma “noção” e, ainda mais, sendo objeto de críticas contrárias a ela (ou seja, com freqüência ela é definida por seus críticos, não por seus defensores)

o   Na medida em que o “politicamente correto” pretende regrar padrões de comportamentos morais, intelectuais e sociais, ele é de interesse direto para o Positivismo e, portanto, deve ser objeto de nossas reflexões

-        A origem da expressão vem do inglês “political correctness”, que significa “correção política”

§  O sentido da correção política é o da subordinação das atitudes e das opiniões à estrita conveniência política de um partido político – em particular, do Partido Comunista, com sua disciplina do “centralismo democrático” leninista

§  Apesar de sua origem vinculada ao Partido Comunista, o fato é que é possível – na verdade, é necessário – ampliar a concepção do “political correctness” a diversos outros partidos, tanto de esquerda quanto de direita

§  Essa ampliação é necessária não apenas em termos históricos como também em termos atuais, como as disputas ocorridas nas “redes sociais” com fake news evidenciam intensamente

o   Assim, a correção política consiste em realizar um policiamento intelectual e moral conforme as exigências partidárias do momento, em que se exige que se elogie algo ou alguém ou, inversamente, que não se critique algo ou alguém

o   Esse sentido corresponde, portanto, à subordinação da moral à política e à redução da moralidade às disputas cotidianas pelo poder

§  Evidentemente, essa degradação implica que essa origem, ou melhor, essa vertente do “politicamente correto” é inaceitável

-        Embora o sentido partidário da expressão não seja negligenciável, o sentido mais recente, mais difuso e mais difundido tem um elemento mais claramente moral

o   A origem específica do sentido difuso é desconhecida: isso quer dizer que não conseguimos determinar nenhuma filosofia específica proponente do “politicamente correto”

§  O máximo que conseguimos determinar é que se trata de um impulso originário dos Estados Unidos, a partir dos anos 1980

§  No Brasil o “politicamente correto” começa a difundir-se no início dos anos 1990, talvez já no final dos anos 1980

§  Mas é necessário ter-se clareza de um aspecto: embora não consigamos determinar a origem filosófica específica desse movimento, ainda assim ele surtia efeito, ou seja, ele irradiava-se de algum lugar

§  Além disso, vale notar que sua definição era (como é) feita por seus críticos, não por seus proponentes

o   O conteúdo do “politicamente correto” difuso, em suas linhas gerais, é bastante claro: trata-se do respeito às diferenças, o combate aos preconceitos, a afirmação da dignidade do ser humano em geral e das suas particularidades etc.

§  Portanto, há um forte elemento de fraternidade universal, de dignidade do ser humano; em outras palavras, é um humanismo que se afirma contra as discriminações e as opressões

o   O âmbito de atuação desse “politicamente correto” difuso é a sociedade civil, pelo menos na medida em que ele era difuso, referia-se a valores morais e intelectuais e não tinha defensores (explícitos, pelo menos)

-        Quais as críticas mais comuns, ou mais importantes, ao “politicamente correto”?

o   Em primeiro lugar, a sua “psicologia floco de neve”, que considera que se as pessoas são frágeis e que ao menor sinal de desrespeito ficarão eterna e profundamente marcadas

§  Ainda no âmbito da “psicologia floco de neve”, considera-se que a vida não exige força e persistência para enfrentar-se adversidades variadas, nem que essas mesmas adversidades, bem ou mal, acabem tendo um caráter pedagógico para grupos e indivíduos variados

§  Decorrente dessa “psicologia floco de neve”, o “politicamente correto” difuso previa o uso sistemático de eufemismos e de expressões corretivas variadas, além de uma higiene lingüística geral

o   Uma conseqüência geral das características acima é a sisudez do “politicamente correto” difuso, ou seja, a falta de bom humor

§  É claro que muitas pessoas reclamavam, como reclamam, do “politicamente correto” porque, conforme seus parâmetros, não seria mais possível fazer piadas ofensivas ou preconceituosas

§  Mas, por outro lado, o “politicamente correto” difuso é particularmente mau humorado, rejeitando as piadas de modo geral

·         É importante lembrarmos que rir faz parte da existência humana, sendo importante para relaxarmos a mente, para divertirmo-nos, mesmo para podermos refletir em geral

§  Na verdade, o “politicamente correto” difuso até aceita piadas, desde que sejam dos “oprimidos” contra os “opressores”

·         Sem negar a relativa utilidade de piadas politicamente orientadas, o fato é que esse critério mata o aspecto lúdico das piadas, ao assumir um caráter de combate

§  Tal sisudez, além disso, revela o predomínio da pureza em detrimento da ternura

·         Esse predomínio da pureza em detrimento da ternura costuma estar associado a movimentos inquisitoriais

·         Além disso, a mentalidade própria aos Estados Unidos é particularmente imbuída da busca da pureza, contra a ternura, conforme sua origem protestante

o   A ausência da determinação da origem do “politicamente correto” difuso impede que se faça uma avaliação mais justa do movimento

§  Por que se impede a avaliação mais justa? Porque não se tem acesso a documentos estruturados, com indicação clara de intenções e princípios morais e filosóficos envolvidos

·         O máximo que se tem com um movimento difuso são avaliações gerais, baseadas em noções imprecisas e em críticas negativas

·         A ausência de fontes também impede, ou pelo menos dificulta, que se atribuam responsabilidades aos seus autores e mentores

§  A despeito desses problemas intelectuais e políticos, como veremos na seqüência, o “politicamente correto” em sua vertente difusa acaba tendo algumas virtudes – exatamente devido ao seu caráter difuso

-        Mas, por outro lado, bem vistas as coisas, as características do “politicamente correto” correspondem a uma filosofia e uma política bastante clara: trata-se da política identitária

o   A origem do “politicamente correto” difuso na política identitária é uma sugestão da nossa parte (uma “hipótese de pesquisa”, por assim dizer), a partir das coincidências de valores, concepções e épocas em que ambos passaram a ser difundidos

§  O “politicamente correto” difuso consistiria, então, na difusão da mentalidade e dos valores identitários sem pressão sistemática dos grupos identitários, aliada à simpatia generalizada despertada por sentimentos e valores de fraternidade universal, de combate aos preconceitos e às opressões etc.

o   Como sabemos, a política identitária é particularista e raivosamente exclusivista, ainda que afirme combater preconceitos e opressões

§  O agressivo particularismo exclusivista da política identitária diverge da promessa de fraternidade do “politicamente correto” difuso

·         Mas é claro que essa divergência pode ser explicada pelo caráter difuso do “politicamente correto”, isto é, pela relativa ausência de um claro centro difusor

o   Além disso, o identitarismo tem uma origem pós-moderna, que nega toda a ciência e reduz a sociedade e o mundo (1) a disputas incessantes de poder e (2) a meros discursos

§  A conseqüência da ultrapolitização e do construtivismo lingüístico radical do identitarismo é que, para ele, há apenas “discursos” e as disputas políticas são travadas em torno de palavras

·         É importante notar que o conceito de poder é manipulado de maneira cínica, no sentido de que o poder é exercido apenas pelos supostos opressores contra os identitários e nunca pelos identitários contra outros grupos quaisquer

·         Essa manipulação cínica tem como objetivo permitir a afirmação de que os identitários, “por definição”, nunca oprimem, nunca discriminam

§  Com isso, mudar as palavras torna-se o aspecto central da política identitária: daí os eufemismos, as gírias e a novilíngua identitária

§  A centralidade lingüística do identitarismo denuncia com clareza o seu intelectualismo e, mais ainda, o seu academicismo

o   Um aspecto central do identitarismo, entretanto, é que ele é fortemente orientado para o Estado

§  A “orientação para o Estado” significa que o identitarismo busca com toda a clareza usar o Estado para impor sua agenda moral e intelectual sobre o conjunto da sociedade, tornando políticas oficiais de Estado os eufemismos, as gírias e a novilíngua identitária

§  Nesse sentido, é necessário reconhecer que o “politicamente correto” difuso – que atua na sociedade civil – é diferente da política identitária

·         Essa diferença também pode ser explicada pelo caráter difuso do “politicamente correto”, ou seja, pela aparente ausência de um centro difusor definido

-        Feitas essas observações todas, podemos sugerir uma avaliação do “politicamente correto” pelo Positivismo:

o   A variedade partidária do “politicamente correto” é, pura e simplesmente, inaceitável, na medida em que degrada a moral e também degrada a política

o   A variedade difusa do “politicamente correto”, na medida em que não tem um claro centro difusor, é um pouco mais aceitável

§  O que ela tem de aceitável é a valorização do ser humano, o combate às opressões, o combate aos preconceitos, o cuidado no usar as palavras para não ofender os demais; em uma palavra, trata-se da afirmação da fraternidade universal

§  O caráter difuso dessa variedade acarreta alguns problemas e permite algumas qualidades:

·         Os defeitos estão na impossibilidade efetiva de avaliação consistente e na pieguice da moralidade implícita (“psicologia floco de neve”)

·         As qualidades são uma conseqüência do caráter difuso, em que os sentimentos generosos e amplos suplantam a origem identitária particularista e raivosa (trata-se de uma versão política e moral do “quem conta um conto acrescenta, ou modifica, um ponto”)

o   Sugerimos aqui a origem identitária do “politicamente correto” difuso: o identitarismo, apesar de afirmar-se “libertador”, é exclusivista, excludente, agressivo; ele explícita e conscientemente nega a universalidade de valores, a começar pela fraternidade universal

§  O identitarismo, além desses graves defeitos morais e intelectuais, não esconde que busca usar o Estado para impor seus valores como política oficial de Estado

§  Assim, repetindo algo dito acima, o resultado é que o “politicamente correto” difuso, ainda que tenha problemas intelectuais e morais, exatamente devido ao seu caráter difuso – ou seja, meio vago – torna-se superior à sua origem sistemática, que é o identitarismo

25 julho 2020

Aforismos sociológicos X: anotações sobre o politicamente correto


Anotações sobre o politicamente correto

-        Antes de mais nada, é importante notar que a expressão “politicamente correto” é uma tradução incorreta para o português do original em inglês “political correctness”, que, adequadamente traduzido, significa “correção política”

-        A origem remota da expressão está na adequação e na submissão de opiniões quaisquer às disputas políticas travadas pelo Partido Comunista soviético; nesse sentido, muitas opiniões não poderiam ser manifestadas caso entrassem em choque com a doutrina oficial do partido, fosse diretamente, fosse porque sugeriria uma nuança na argumentação empregada

o   Assim, a origem da expressão está ligada ao controle das opiniões e, portanto, à submissão (servil, além de tudo) do poder Espiritual ao poder Temporal

-        A partir dos anos 1980, talvez um pouco antes, a esquerda estadunidense passou a propagar mudanças de valores que refletiriam na linguagem utilizada; essas mudanças propostas passaram a ser chamadas também de “politicamente corretas”

o   O politicamente correto[1] dos anos 1980 baseava-se por um lado na política identitária (ou seja, correspondia ao abandono de um projeto universalista) e, por outro lado, no pós-modernismo (ou seja, nas concepções ultrassubjetivistas, ultra-relativistas e textualistas da realidade)

o   Esse politicamente correto buscava respeitar os grupos identitários, modificando expressões consideradas ofensivas, degradantes, “subalternizantes” etc.

§  Até onde sei, não há continuidade entre o controle político exercido pelos soviéticos sobre as opiniões quaisquer e a prática desenvolvida pela esquerda estadunidense

§  A vinculação da expressão “politicamente correto” à política identitária dos anos 1980 ocorreu pelos críticos à direita (conservadores) dessa mesma política identitária; independentemente da nossa concordância ou discordância com essa prática política, talvez a intenção dos seus críticos fosse associá-la ao controle mental exercido pelos soviéticos

§  O caráter lingüístico e ao mesmo tempo identitário do politicamente correto torna-o bastante arredio (para não dizer refratário) à noção de cidadania, na medida em que esta é ao mesmo sócio-política, universalizante e includente

o   A nova “política lingüística” instituída pelo politicamente correto substituiu a política “real”, isto é, a política que se concentra(va) em questões de classe, de poder (e, no caso dos EUA, de raça)

o   O raciocínio empregado pela política lingüística é ambígüo, considerando que mudanças lingüísticas podem resultar com o passar do tempo em mudanças reais ou, em uma versão mais forte da tese, que essas mudanças lingüísticas são tudo o que importa para a política

-        As críticas ao politicamente correto são variadas:

o   Critica-se a pretensão de que as mudanças lingüísticas conduzam necessariamente a mudanças reais

o   Também se critica a pretensão de que as mudanças lingüísticas bastem, desconsiderando as mudanças reais

o   De um ponto de vista lingüístico, as críticas acima opõem-se à “hipótese Whorf-Sapir”, que em sua versão forte é de fato insustentável[2]

o   Também se critica a instituição de uma polícia lingüística, estabelecida e mantida por grupos político-sociais e que, a partir do controle das expressões, acaba controlando as idéias

o   Em um sentido menos duro que a crítica anterior, também se critica o uso reiterado de eufemismos para descrever grupos sociais, em substituição a expressões consideradas “duras” (como “maior idade” ou “melhor idade” no lugar de “idosos”)

§  No caso dos eufemismos, com freqüência se busca empregar longos circunlóquios para descrever situações ou coisas que se pode descrever com uma ou poucas palavras (sejam eufemísticas ou não essas poucas palavras)

§  Em sentido semelhante ao item anterior, critica-se a censura a expressões habituais como “criado-mudo” (suposta apologia à opressão de trabalhadores, em particular trabalhadores negros) ou “a situação ficou preta” (suposto racismo) – sendo que tais expressões não são necessariamente degradantes (seja em sua origem, seja em seu uso atual)

o   Uma forma radical de “política lingüística” instituída pelo politicamente correto é a pretensão ­– de origem claramente identitária – de realizar uma completa revolução lingüística a partir de parâmetros estritamente políticos, como no caso de forçar no português a neutralidade de gênero para todos os casos, por meio da substituição das desinências “o” e “a” por “x” e/ou “e” (por exemplos: “pessoes” ou “pessoxs” no lugar de “pessoas”)

§  Esse projeto, além de tudo, é encarado por seus defensores como eminentemente “progressista”

-        Uma avaliação positiva do politicamente correto segue as seguintes linhas:

o   Antes de mais nada, vale notar que o sentido original da “correção política” é inaceitável: o controle político das idéias não pode ocorrer nunca, em nenhuma situação

§  Para que o controle político das idéias não ocorra, é necessário respeitar-se criteriosamente a separação entre os dois poderes (Espiritual e Temporal)

§  Essa advertência inicial é tão mais necessária quanto considera-se que os movimentos que defendem o politicamente correto são movimentos “políticos”, no duplo sentido de que têm em vista objetivos políticos e que desprezam os procedimentos morais; além disso, os movimentos que defendem o politicamente correto são “revolucionários” e apodam a defesa da moralidade como “conservadora”[3]; mas o principal é que tais movimentos elegem a ação política como preferencial, o que significa que tendem a querer que suas pautas sejam implementadas, ou melhor, impostas pelo Estado

o   A inspiração afetiva básica do politicamente correto atual é aceitável e em linhas gerais é correta, na medida em que seu objetivo é evitar-se expressões degradantes e ofensivas

§  Essa inspiração corresponde tanto a uma aplicação específica do altruísmo quanto à fraternidade, em que a inteligência seleciona expressões que não correspondem aos sentimentos atuais de respeito ao ser humano e à diversidade social

§  A atenção a ser dada ao emprego de determinadas palavras e expressões corresponde a um refinamento da nossa sensibilidade, bem como a uma atualização dessa sensibilidade, em que se presta maior atenção à correspondência entre os valores professados e as expressões empregadas correntemente

o   O meio selecionado pelo politicamente correto basicamente atua no âmbito do poder Espiritual, pois refere-se aos valores e às palavras empregadas para expressar tais valores, além de alguns valores cristalizados (ou, quem sabe, fossilizados) em algumas expressões

§  Parte das críticas sofridas pelo politicamente correto devem-se ao desajuste entre os valores próprios ao politicamente correto e o conjunto da sociedade, no sentido de que o conjunto da sociedade resiste a rever seus valores e a agir em conformidade com essa revisão

§  Embora em si mesmas as mudanças propostas pelo politicamente correto compitam ao poder Espiritual, a origem revolucionária do movimento politicamente correto leva-o a adotar meios políticos para problemas espirituais

o   Para qualquer pessoa sensata, e para qualquer pessoa com sensibilidade histórica, deve ser claro que qualquer mudança social implica também uma alteração lingüística, no sentido de que novas expressões tornam-se correntes, outras perdem relevância, outras mudam de sentido e outras são explicitamente rejeitadas

§  Na verdade, o politicamente correto inverte radicalmente a ordem das mudanças: em vez de haver mudanças sociais seguidas por mudanças lingüísticas, ele quer que as mudanças linguísticas ocorram antes das mudanças sociais

§  No caso do politicamente correto, a mudança social é vista como ocorrendo apenas ou principalmente por meio da mudança lingüística; assim, a língua concentra as disputas sociais

o   A indução de mudanças sociais por meio de alterações lingüísticas é aceitável; em certo sentido, isso corresponde precisamente à atuação do poder Espiritual

§  As mudanças sociais a partir das mudanças lingüísticas não ocorrem apenas porque as palavras mudam, mas porque as sensibilidades, as idéias e os valores alteram-se

§  A lógica do poder Espiritual, portanto, corresponde à seguinte seqüência: mudança de valores e idéias à mudança de sensibilidade à mudança de palavras

§  A lógica do politicamente correto pode ser descrita pelo seguinte esquema: mudança de palavras à mudança de sensibilidade à mudança de valores e idéias

§  O esquema acima deixa claro que, em relação à lógica positiva, em vez de o politicamente correto adequar-se à inspiração afetiva e, a partir daí, alterar de maneira conforme os sinais empregados (ou seja, a linguagem), ele despreza a lógica positiva, despreza a origem afetiva e quer forçar os sentimentos por meio dos sinais

o   Por outro lado, a maior parte das críticas ao politicamente correto são acertadas:

§  ele não é relativista e, ao contrário, é absoluto, anti-histórico e antissociológico

§  despreza a historicidade das expressões (ou seja, as expressões e as palavras mudam de sentido com o passar do tempo); ela também força interpretações negativas em palavras e expressões que, em si mesmas, não são ofensivas e cujos sentidos originais perderam-se com o tempo

§  reduz a subjetividade humana apenas à linguagem; em vez de buscar regular e sistematicamente acordos e consensos nessa subjetividade (mesmo que reduzida), transforma a linguagem em palco de disputas políticas

§  a concepção de política que adota freqüentemente não tem em vista a coletividade, a harmonia nem o bem comum, mas tem um caráter bélico (amigos vs. inimigos) e particularista (afinal, é identitária)

§  tem uma visão adolescente da vida social e política: adota um tudo-ou-nada e a lei de Talião como princípios diretivos, assim como a culpa e o inculpar-se como princípios de justiça

§  em vez de pautar-se pelo altruísmo e pela fraternidade universal, o princípio afetivo que o orienta é o ressentimento

§  tende a desprezar a realidade, no sentido de que adota a interpretação textualista do pós-modernismo e que rejeita a realidade material da sociedade

-        Em suma: de modo geral, o politicamente correto é um desvio, mesmo uma corrupção, do altruísmo, que, imbuído de um espírito crítico, assume um direcionamento revolucionário, violento e político, em vez de manter-se no poder Espiritual, estritamente no âmbito do aconselhamento, com a aplicação cuidadosa e circunstanciada da revisão das palavras como passo seguinte à mudança geral de sentimentos

o   Além disso, falta ao politicamente correto o emprego altruísta dos sentimentos altruístas, no sentido de que como regra o politicamente correto não formula a hipótese mais simpática, dando sempre ênfase às hipóteses mais negativas e destruidoras

o   Vale notar que o politicamente correto de modo geral assume um caráter repressivo, que está de acordo com a inspiração geral da sociedade estadunidense, marcadamente protestante nesse como em outros aspectos 



[1] Embora, como vimos, a tradução adequada de political correctness seja “correção política”, usarei “politicamente correto” por uma questão de comodidade.

[2] Em termos bastante simples, a hipótese Whorf-Sapir estabelece que os limites da compreensão que um grupo social (e, por extensão, cada indivíduo) tem é dado pelos limites descritivos de cada língua; assim, para que um determinado grupo social amplie compreensão do mundo ele deve “importar” palavras de outras línguas. De qualquer maneira, a versão forte da hipótese propõe que a ampliação da língua é condição sine qua non para ampliação do entendimento, em vez de ser sua conseqüência. Vale notar que os próprios Edward Lee Whorf e Edward Sapir não elaboraram a hipótese a eles atribuída, pelo menos em sua versão forte.

[3] Para tais grupos, a moralidade só é aceitável na medida em que for a própria moralidade e em que eles próprios defendam pautas morais; a moralidade de outros grupos, especialmente aquelas de quem eles discordam, é sempre, por definição, vista como “conservadora”, “dominadora” e hipócrita. Além disso, a moralidade não raro é entendida como um meio para um fim, em vez de ser ela mesma um fim em si própria.

15 maio 2017

Contra a retórica da violência

Nos últimos anos tem crescido no país um estilo retórico pleno de violência e agressividade, sob a justificativa de "reação ao politicamente correto".

Claro que o grande nome brasileiro dessa retórica é Olavo de Carvalho, mas ele está acompanhado por outros nomes, como Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi e Rodrigo Constantino e seus seqüazes - provavelmente não por acaso, todos de "direita". (Aliás, embora sejam brasileiros e refiram-se ao Brasil, com base em teorias da conspiração muitos deles auto-exilaram-se.)

Isso serve apenas para tornar o ambiente pior. O "politicamente correto" trouxe sérios danos à racionalidade e aos hábitos sócio-políticos, mas o fato é que não é por meio dos berros e dos xingamentos que se reverterá esses danos.

Adotar a agressividade como uma suposta forma de demonstrar "liberdade" e "ausência de preconceitos" é uma tolice - e uma perigosa tolice. Em vez de consagrar verdadeiramente a liberdade, a retórica da violência e a retórica violenta servem apenas para consagrar a própria violência. Em suma, a despeito de pretender-se a favor de padrões civilizatórios, a retórica violenta/da violência é um dos mais poderosos instrumentos contra a própria civilização; mais que uma reação, é reacionária e retrógrada.

Cabe aqui uma observação de Bertrand Russell, em um contexto um pouco diferente, mas perfeitamente aplicável ao presente caso: "se muitos dos problemas atuais decorrem da racionalidade, não é com menos racionalidade que esses problemas serão solucionados".

(Claro: o que eu disse acima aplica-se da mesma forma a toda a gente da "esquerda" - desde aqueles que pregam a morte à burguesia e a ditadura comunista até a suposta filósofa que afirmou que "a classe média é uma merda", passando por todos os que defendem anarquismos anticapitalistas.)