Há algumas semanas vários
comentários sobre o “mundo pós-pandemia” têm sido feitos. Há exageros e
palpites aí, mas creio que no fundo o esforço vale a pena: por um lado, e neste
momento de modo mais importante, porque há a simples e direta necessidade
psicológica de termos esperança, de sabermos que o mundo não acabará; por outro
lado, porque é necessário sabermos minimamente para onde vamos para podermos
agir de acordo (é o “saber para prever a fim de prover” de nosso mestre Augusto
Comte).
Minhas sugestões para o que ocorrerá no "mundo pós-pandemia", neste momento, são
as seguintes:
1) antes de mais nada, não estamos em uma “economia de guerra”;
mas, como é evidente, também não estamos na normalidade econômica. Se precisamos
de uma denominação para a atual fase econômico-social (e creio que realmente
precisamos), que utilizemos “economia de pandemia”. A economia de guerra
envolve privação da população civil, mas não diminuição da atividade econômica;
o que ocorre é aumento da atividade econômica e o seu direcionamento para os
esforços de guerra (cujo objetivo é tirar vidas e destruir coisas). O que
vivemos desde o início de 2020 é a diminuição da atividade econômica, em
virtude do “isolamento social”, cujo objetivo é preservar vidas.
2) Até o final do ano com certeza voltaremos
à normalidade relativa – isto é, deixando de lado as mortes, os problemas
econômicos mundiais (e nacionais) e as necessárias mudanças de hábitos. Assim,
quem afirma que “o mundo nunca mais será o mesmo” está vendo apenas e em
excesso bobagens como a série televisiva The
Walking Dead ou, então, filmes como Independence
Day. Rigorosamente, é evidente que o mundo daqui a um segundo será
diferente do mundo de um segundo atrás. Dessa forma, afirmar que após a
pandemia “o mundo nunca mais será como antes”, das duas uma: ou é uma
trivialidade sociológica ou é um exagero completo inspirado na escatologia
estadunidense. (“Escatológico” significa duas coisas: (1) relativo ao “fim do
mundo” e (2) relativo às fezes.)
3) Haverá um período de luto
variável, que deve durar entre seis meses a um ano conforme o lugar. Creio que
esse luto será mais individual no
conjunto do Brasil, embora ele deva assumir um caráter também mais coletivo em alguns lugares (como a
cidade de Manaus). Entretanto, tenho a triste impressão de que, em seu conjunto,
devido à nossa burrice coletiva (capitaneada pelos nossos líderes políticos
demagógicos, autoritários e obscurantistas, secundada pela nossa burguesia mesquinha
e egoísta), não teremos luto coletivo no Brasil;
3) A adoção do feliz hábito de usar
EPIs (equipamentos de proteção individual), em particular as máscaras, quando
tivermos gripe ou resfriados. Provavelmente esse novo hábito não será
generalizado, mas com certeza deixará de ser estranho ver-se nas ruas pessoas
usando as máscaras, quando estiverem acometidas de doenças respiratórias.
4) O fortalecimento e a estruturação
mais clara do teletrabalho, seja na iniciativa privada, seja no setor público;
isso, aliás, ocorrerá não apenas em serviços de escritório mas também se
refletirá no incremento do ensino à distância, provavelmente mesmo para crianças
e adolescentes. Uma consequência daninha disso será o estímulo ainda maior à “uberização”
do trabalho no Brasil, aumentando a informalidade e os trabalhos de baixa
qualidade no país.
5) A despeito dos berros histéricos sobre
“comunismo”, provenientes dos suspeitos grupos ideológicos da nova extrema direita,
haverá um reforço claro do SUS (Sistema Único de Saúde) no Brasil, a ser apoiado
também por iniciativas internacionais nesse sentido (como na Inglaterra e até
nos EUA).
6) Em virtude da necessidade de
firme atuação do Estado para lidar com a pandemia – seja em termos de controle
da população, seja em termos de manutenção de um sistema público de saúde
eficiente, seja em termos de adoção de medidas econômicas para controle da
crise e para recuperação da recessão que virá depois – também ocorrerá um
enfraquecimento do discurso ultraliberal (capitaneado pelo Ministro Paulo
Guedes e apoiado por capitalistas como João Amoêdo, todos ignorantes da realidade
social e política do Brasil). Concomitantemente ao feliz descrédito do
ultraliberalismo, talvez ocorra um fortalecimento do keynesianismo e, quem
sabe, do neodesenvolvimentismo.
7) Deverá ocorrer a criação de um
sistema internacional de prevenção e controle de doenças infectocontagiosas
mais eficiente e coordenado, alguma coisa como uma “OMS (Organização Mundial da
Saúde) turbinada”) – a despeito dos EUA (e da China e da Rússia) e, portanto,
liderada pela União Européia, pela ONU (Organização das Nações Unidas) e por
uma coalizão de diversos países.
8) Quando as restrições à
movimentação forem totalmente levantadas, lá pelo final do ano, provavelmente
teremos uma epidemia de comportamento desregrado, fortemente compensatório em
termos subjetivos, resultando, no segundo semestre do ano que vem, em uma
explosão de partos (algo semelhante ao que ocorreu nos EUA e, em menor escala,
na Europa após a II Guerra Mundial).
De pronto, é nisso que eu penso.
Comentários e sugestões são bem-vindos!