08 janeiro 2013

Impossibilidade de separação entre fato e valor


A passagem abaixo é de uma importância radical. Tratando ainda das considerações preliminares sobre a Astronomia, Comte indica que toda observação (empírica) é necessariamente pautada por uma série de considerações teóricas: as teorias guiam as observações e estabelecem os vínculos, constituindo as hipóteses.
Essa idéia foi exposta com clareza meridiana nos Opúsculos de filosofia social (publicados entre 1819 e 1828, com tradução brasileira de 1972, publicada pela USP e pela editora Globo, de Porto Alegre) e também no Sistema de filosofia positiva (1830-1842). Mas no cap. I do v. II do Sistema de política positiva, publicado em 1852 e dedicado à teoria da religião, Comte reafirma essa idéia, indicando que não é possível determinar as porções em que a subjetividade e a objetividade combinam-se para a elaboração de qualquer idéia e para a realização de qualquer investigação empírica: o que há é uma variação entre objetividade e subjetividade, dependendo da atividade mental específica.
Na filosofia das ciências proposta por A. Comte, aliás, a subjetividade que opera na produção de teorias e na observação de fatos não é somente "intelectual"; ela também é afetiva e moral. Em outras palavras, as variações entre objetividade e subjetividade dizem respeito não apenas à formulação de hipóteses como à influência sofrida pelos seres humanos pelos seus sentimentos e por seus valores ao elaborarem suas afirmações quaisquer. Em outras palavras: para Comte não há "separação radical entre fato e valor".
Essas indicações são importantes porque põem por terra, de maneira cabal, o mito segundo o qual o “positivismo” e Comte são “objetivistas”, “empiricistas”, “colecionadores de fatos”, “inimigos das teorias e das hipóteses” e por aí vai, conforme difundido não apenas por especialistas em Epistemologia, História e Filosofia das Ciências como também por praticantes das Ciências Humanas e Naturais.


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“Il n’existe aucune séparation absolue entre observer et raisonner. Nulle observation ne peut, ni ne doit, être purement objective. En tant que phénomène humain, cette première opération mentale est en même temps subjective, dans un cas quelconque, à un degré proportionnel à sa complication. L’observation astronomique manifeste clairement cette nécessité générale. Toutes nos spéculations, même géométriques, s’y rapportent à des phénomènes qui ne sauraient être immédiatement explorés. On n’y peut proprement voir que des directions, simultanées ou successives, d’après lesquelles l’esprit doit construire la forme ou le mouvement que l’œil n’a pu embrasser. Le mélange nécessaire et constant entre l’inspection et la prévision ne saurait ailleurs devenir aussi intime ni aussi évident, puisqu’il affecte ici jusqu’aux opérations élémentaires.

C’est de là que résulte la seconde propriété logique de l’astronomie, son aptitude spontanée à caractériser la saine institution des hypothèses scientifiques. En aucun autre cas on ne peut aussi bien sentir à la fois le besoin et la nature de ce puissant procédé, qui devra toujours être d’abord apprécié à cette source, afin de devenir sagement applicable partout ailleurs. Dés le début, dogmatique ou historique, de la véritable astronomie, la simple ébauche géométrique du mouvement diurne resterait impossible sans une hipothèse  abstraite que l’on compare au spectacle concret, pour lier les positions célestes. L’esprit sent là clairement, ce qui ailleurs demeure longtemps équivoque, que le domaine normal de l’hipothèse coïncide essentiellement avec celui de l’observation, dont elle est partout destinée à remplir les lacunes nécessaires. Aucune discussion phillosophique ne devint jamais indispensable pour établir, en astronomie, que les hypothèses légitimes, comme les observations elles-mêmes, concernent seulement les faits et les lois, mais non les causes. Cette précieuse conviction logique se développe spontanément pendant tout le cours des études célestes, tant mécaniques que géométriques. Mais une telle sagesse ne témoigne aucune supériorité philosophique chez les astronomes, qui furent presque toujours dominés par les préjugés contemporains sur la vaine recherche des causes. Elle est entièrement due aux difficultés spéciales qui ont concentré leurs principaux efforts scientifiques vers l’appréciation des faits et des lois, même quand leur esprit était le plus préocuppé de tentatives chimériques” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 500-501).

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