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12 setembro 2025

Igreja Positivista do Brasil: pacifismo, fraternidade, guerra civil, República

Mais 11 publicações da Igreja Positivista do Brasil disponíveis no Internet Archive.

Os temas são atualíssimos, ainda que as publicações sejam de 1907 a 1910: guerra civil, pacifismo e antimilitarismo, liberdade de testamento, respeito aos índios, depotismo sanitário, republicanismo.

A relação de textos e seus endereços estão abaixo.  

-        n. 252: Despotismo sanitário (1907), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20252%20-%20Despotismo%20sanit%C3%A1rio%20%282a%20ed.%20FP%29.pdf

-        n. 254: Liberdade de testamento (1907), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20254%20-%20Liberdade%20de%20testar%20%282a%20ed.%20FP%29.pdf

-        n. 255: Diplomacia, república e Positivismo (1908), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20255%20-%20Diplomacia%2C%20Rep%C3%BAblica%20e%20Positivismo%20%282a%20ed.%20FP%29.pdf

-        n. 256: Lutas fratricidas, militarismo e mensagens presidenciais (1908), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20256%20-%20Lutas%20fratricidas%2C%20militarismo%20e%20mensagem%20presidencial%20%282a.%20ed.%20FP%29.pdf

-        n. 283: Relações entre Brasil e Uruguai (1909), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20283%20-%20Brasil-Uruguai%20%282%C2%AA%20ed.%20FP%29.pdf

-        n. 285: Fraternidade sul-americana (1909), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20285%20-%20Ainda%20a%20fraternidade%20sul-americana%20%282%C2%AA%20ed.%20FP%29.pdf

-        n. 286: Culto aos mortos e despotismo sanitário (1909), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20286%20-%20Culto%20aos%20mortos%20e%20despotismo%20sanit%C3%A1rio%20%282a%20ed.%20FP%29.pdf

-        n. 289: Atentados política e repressão na Espanha (1909), de Raimundo Teixeira Mendes: https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20289%20-%20Atentados%20pol%C3%ADticos%20e%20repress%C3%A3o%20na%20Espanha%20%282a.%20ed.%20FP%29.pdf

-        n. 292: Fraternidade universal e sul-americana (1909), de Raimundo Teixeira Mendes:  https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20292%20-%20Fraternidade%20universal%20e%20sul-americana%20%282a.%20ed.%20FP%29.pdf

-        n. 294: Civilização dos índios brasileiros (1910), de Raimundo Teixeira Mendes:  https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20294%20-%20Civiliza%C3%A7%C3%A3o%20dos%20ind%C3%ADgenas%20brasileiros%20%282a.%20ed.%20FP%29.pdf

-        n. 295: Despotismo sanitário e República (1910), de Raimundo Teixeira Mendes:  https://ia600903.us.archive.org/21/items/n.-283-brasil-uruguai-2a-ed.-fp/N.%20295%20-%20Ainda%20despotismo%20sanit%C3%A1rio%20e%20pol%C3%ADtica%20republicana%20%282a.%20ed.%20FP%29.pdf

Contra o militarismo presidencial e as lutas fratricidas

Reproduzimos abaixo o opúsculo n. 256 da Igreja Positivista do Brasil, de 1908, que tem por título "Basta de lutas fratricidas". 

Da autoria de Raimiundo Teixeira Mendes e publicado originalmente há quase 120 anos, ele é tristemente atualíssimo e é por isso que o publicamos. Como se pode ler abaixo, sua atualidade reside em particular em que as "lutas fratricidas" que se combatia em 1908 eram  (1) estimuladas por mensagens presidenciais que (2) excitavam grupos militaristas.

Esse opúsculo, além de revelar-se atualíssimo, mais uma vez evidencia que - contra o senso comum acadêmico brasileiro - o Positivismo é pacifista e civilista, ou seja, é antimilitarista e contra a violência.

A transcrição do opúsculo foi gentilmente feita pelo Prof. Fernando Pita, da UERJ.

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Nº 256 


IGREJA E APOSTOLADO POSITIVISTA DO BRASIL

 

O Amor por princípio e a Ordem por base:

o Progresso por fim

 

Viver para outrem.                                                           Viver às claras.

 

Basta de lutas fratricidas

 

A propósito da agravação que a mensagem presidencial veio a produzir na agitação militarista, devida à retomada das tradições da diplomacia imperial.

 

Todos os artifícios retrógrados introduzidos depois para impedir semelhante resultado foram tão impotentes para reanimar o cadáver da guerra como o do teologismo, mesmo sob pretexto de progresso, e apesar da ausência das convicções públicas que deviam estigmatizar essa conduta. Em relação ao mais imoral desses expedientes, ouso proclamar aqui os votos solenes que faço, em nome dos verdadeiros positivistas, para que os árabes expulsem energicamente os franceses da Argélia, se estes não a souberem dignamente restituir àqueles. Ufanar-me-ei sempre de ter, na minha infância, desejado ardentemente o sucesso da heroica defesa dos espanhóis. (Augusto ComteCatecismo Positivista, 13ª Conferência)

 

            Uma frase pungentíssima e desastradíssima da mensagem presidencial veio inesperadamente produzir uma agravação na agitação militarista determinada e entretida pela retomada das tradições diplomáticas peculiares ao tristíssimo passado imperial do povo brasileiro. Essa frase é tanto mais condenável quanto forma o mais insólito contraste com as mais nobres aspirações pacíficas da diplomacia ocidental. Julgamos por isso do nosso dever apelar, ainda uma vez, para o altruísmo e a razão das classes dominantes, e especialmente do Sr. Presidente da República, e sobretudo do Sr. Ministro das Relações Exteriores.

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            Nesse intuito, basta recordar a série das publicações em que, desde o seu início, em 1881, o Apostolado Positivista do Brasil tem-se esforçado por fazer chegar ao público e aos estadistas brasileiros o conjunto dos ensinos de Augusto Comte acerca da missão pacífica reservada à diplomacia. É incontestável que essa vulgarização — graças à índole essencialmente humanitária do povo brasileiro, como de todas as nações ibero-americanas — tem contribuído para conjurar as mais graves consequências dos extravios militaristas.

            Mas essa influência continua a ser contrariada pela educação metafísica das classes letradas, educação que as expõe às mais cruéis devastações da política retrógrada, inaugurada pela sanguinária dominação de Robespierre e desenvolvida pelo triunfo ainda mais sanguinário do primeiro Bonaparte.

            Sem atenderem para a conduta dos grandes políticos ocidentais desde Henrique IV, nem para a incomparável evolução dos pensadores modernos, entre os quais basta citar Leibniz, Kant, Condorcet e Augusto Comte, nem para o irresistível ascendente da fraternidade universal na massa feminina e proletária, os políticos brasileiros se deixam fascinar pelas vitórias efêmeras da retrogradação no Ocidente europeu, no correr do século XIX.

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            Para dissipar essas funestas ilusões, nos limitaremos a lembrar aqui a lista das publicações a que aludimos. Elas podem ser encontradas em muitas das bibliotecas públicas do Brasil, além de que várias foram distribuídas pelos estadistas brasileiros a ocidentais, sobretudo americanos.

            A essa lista, juntaremos apenas 2 ordens de ponderações. Eis a lista de que nos ocupamos:

Imigração chinesa. Mensagem ao embaixador chinês em Londres, 1881.

Question franco-chinoise. Idem, 1881.

Questão de limites entre o Brasil e Argentina, 1884.

Esboço biográfico de Benjamin Constant, fundador da República brasileira. Acha-se aí uma apreciação da diplomacia imperial especialmente da guerra do Paraguai, 1892.

Pelos indígenas brasileiros, 1894.

À nossa irmã a República do Paraguai. 1894.

A propos du conflit hispano-américain, Bulletin 2, 1898.

Sentence arbitrale de Berne, sur la contestation entre la France et le Brésil. Bulletin 8, 1900.

A questão do Acre. Boletins 22, 29, 30. 1901, 1903, 1904.

A questão com o Peru. Boletim 32, 1904.

A República e o militarismo, 1906.

O militarismo ante a política moderna, 1907.

A diplomacia e a regeneração social. I. A missão diplomática, II. A franqueza diplomática, III A Conferência de Haia em 1907, publicados estes últimos (III) também em francês, 1907.

Ainda os indígenas do Brasil e a política moderna, 1907.

Ainda o militarismo perante a política moderna. A propósito da agitação a que deu lugar a lei do sorteio, 1908.

 

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            Isto posto, a primeira das nossas observações atuais deduz-se logo da inspeção da lista precedente. Ela mostra que as intervenções acerca dos extravios solidários, diplomáticos e militaristas do governo brasileiro têm se tornado mais frequentes depois que o Ministério do Exterior foi confiado ao Sr. Paranhos do Rio Branco. Hora, quando se compara o conceito de que goza o Sr.Ministro do Exterior, e os seus antecedentes, qual dos presidentes que o têm apoiado, e quando se considera a situação do Brasil em relação às nações vizinhas, não se pode ter a mínima dúvida de que é ao atual Sr.Ministro do Exterior que cabe a responsabilidade capital da política dos governos brasileiros que por ele se têm guiado, e mesmo a dos governos sul-americanos alarmados. Eis por que devemos dirigir especialmente este apelo ao Sr.Ministro das Relações Exteriores.

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            Ninguém melhor do que o Sr.Ministro sabe o alcance real dos motivos que determinaram a sua elevação política. Porque os sucessos brasileiros dos arbitramentos aque ligou o seu nome podem ser tão legitimamente atribuídos à preeminência do seu patriotismo e da sua habilidade diplomática, como o fracasso brasileiro do arbitramento em que figurou o Sr. Joaquim Nabuco pode ser imputado à falta de civismo e à imperícia deste. Em tais litígios — como em todos os processos —, o êxito depende sobretudo das disposições dos juízes. A justiça das causas e o mérito dos negociadores, inseparável daquela, não podem, pois, ser aquilatados simplesmente pela sentença, frequentemente tão cega como a sorte das guerras.

            Aliás, só por um abuso de linguagem poder seria invocar a justiça em semelhantes pleitos. Porque as nações ocidentais disputam-se então um território que elas arrancaram, com requintada crueldade, às ingênuas tribos fetichistas que o povoavam. Como dizia o velho José Bonifácio, cumpre não esquecer que todos são usurpadores.

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            Semelhante reflexão mostra logo que o arrastamento com que a turba-multa dos letrados políticos brasileiros aclamou os sucessos diplomáticos do Sr.Ministro do Exterior foi devido unicamente à anarquia moral e mental da sociedade contemporânea, que perdeu a moral e a fé teológicas sem ter ainda achado a moral e a fé científicas. A marcha do povo brasileiro, lisonjeada no seu amor-próprio nacional, acompanhou o cegamente as classes dominantes que o desnorteiam em vez de dirigi lo.

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            Tais foram as circunstâncias que determinaram o último presidente e o seu sucessor, ligados espontaneamente pelos seus precedentes monarquistas, a confiarem a conduta da diplomacia brasileira, e mesmo sul-americana, ao Sr.Ministro do Exterior. Nesta situação excepcional, o Sr.Ministro podia, e pode ainda, transformar a sua elevação política em pedestal de uma verdadeira glória, tornando-se o promotor abençoado da paz sul-americana.

            A política positiva não discute a origem das forças sociais, e propõe-se apenas a dirigir a aplicação dessas forças, segundo os interesses supremos da Humanidade. E assim tem procedido o Apostolado Positivista do Brasil, desde o seu início.

            Fiel aos ensinos de Augusto Comte, o Apostolado Positivista tem, portanto, apelado continuamente para o altruísmo e a razão do Sr.Ministro do Exterior, esforçando-se por patentear e todo o bem que a sua posição lhe proporciona fazer, toda a glória que daí reverterá para o povo brasileiro e para o seu nome individual, e assinalado, indiretamente, a gravidade da condenação em que está incorrendo e fazendo incorrer o povo brasileiro, persistindo na política militarista do Império.

            Da mesma maneira que quando pela vamos para o altruísmo e a razão do ex-imperador D. Pedro II, não nos desanima o contraste entre a iminente posição política do Sr.Ministro do Exterior e a nossa humildade apostólica. Porque somos apenas órgãos, imperfeitíssimos embora, da elite das almas humanas, mulheres e homens em todos os tempos em todos os lugares, condensadas pela evolução social em Augusto Comte. Em tais condições, é essa elite a quem ouviria o Sr.Ministro, e não a nós; como é essa elite que o Sr.Ministro desconhece quando menospreza as reflexões de que somos apenas fiéis transmissores.

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            Apoiados em tais convicções, ainda uma vez solicitamos a atenção do Sr.Ministro do Exterior parar a meditação científica do Passado e a previsão, também científica, da Posteridade, sem as quais o nosso tempestuoso Presente não pode ser compreendido, e, portanto, guiado.

            A evolução da Humanidade é regida por leis naturais tão superiores à intervenção dos homens como as leis astronômicas. Seja qual for o poder de que um povo ou um estadista pensem dispor, em um momento dado, esse povo e esse homem são fatalmente dominados pelas leis da evolução social. O homem se agita e a Humanidade o conduz.

            Todo o poder dos povos e dos homens só lhe permite perturbarem momentaneamente tal evolução, se lhe for contrário, ou acelerarem-na, se lhe for favorável. Daí resulta que a Posteridade não poderá nem ser frustrada, nem ser corrompida, os aplausos e os sucessos do Presente são impotentes para conter ou desviar a obra secular das gerações.

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            Em virtude dessa evolução, o futuro do povo brasileiro será o que ela determina, e não o que o amor-próprio dos estadistas atuais pode ambicionar. Assim como o povo brasileiro quebrou a unidade política da raça lusitana, o mesmo povo fragmentar se há em nações independentes politicamente, desde que a fatal vulgarização da poesia, da ciência, e da indústria, houver permitido satisfazer plenamente às aspirações da fraternidade universal. Igualfuturo aguarda os grandes Estados atuais, grandes pelo território. É, pois, para o encaminhamento pacífico desse ideal inevitável de livre união religiosa, que devem convergir todos os esforços dos verdadeiros estadistas.

 

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            Daí decorre o dever atual de manter a paz a todo o transe. Só a invasão do território brasileiro, não contestado e habitado efetivamente por brasileiros, e não simplesmente explorado por aventureiros, pode justificar hoje a repulsa pelas armas. Mas, mesmo então, cumpre não proceder para com os povos mais fracos ou equivalentes, como não se procederia para com os povos mais fortes. É preciso ter sempre presente a conduta tantas vezes observada e ainda ultimamente seguida por ocasião da ocupação inglesa da ilha da Trindade.

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            Ora, seria simplesmente quimérico imaginar um ataque dessa ordem por parte das nações que cercam o Brasil. Lemos o folhetoCorrendo o véu, e essa leitura basta para mostrar quanto seria fácil ao Sr.Ministro do Exterior dissipar todas as apreensões ali enumeradas.

            A homogeneidade social dos povos sul-americanos assegura desde logo ao povo brasileiro, à vista de uma superioridade numérica e de sua posição geográfica, uma força política que o torna o principal responsável pela página América do Sul. Acresce que a vulgarização da Religião da Humanidade aqui, vulgarização que não existe em grau comparável nas outras nações sul-americanas, inclusive o Chile, apesar dos esforços dos nossos correligionários Lagarrigue, torna essa responsabilidade ainda mais irrecusável.

 

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            De sorte que, da elevação moral e política do governo brasileiro depende essencialmente hoje a dissipação de todas as prevenções e preconceitos nacionalistas dos povos que rodeiam o Brasil, em relação a este.

            Por outro lado, a política positiva demonstra que, apesar dos manejos quaisquer da política brasileira, a paz sul-americana poderia ser mantida, se as nações que rodeiam o Brasil ouvissem os conselhos de Augusto Comte. Mas a falta de propaganda positivista sistemática nessas nações as expõeàs ciladas de um cego amor-próprio nacional. E isso constitui uma atenuante para os extravios políticos dos respectivos governos, atenuante que se torna agravante para a conduta militarista do governo brasileiro.

 

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            Cremos que seria inútil insistir mais para patentear ao Sr.Ministro do Exterior quanto urge que ele coloque a sua elevação política ao serviço real da causa da Humanidade, que é, ao mesmo tempo, a causa do povo brasileiro. Semelhante atitude lhe granjearia uma glória imortal; ao passo que a persistência da diplomacia imperial só pode acarretar uma inevitável condenação por parte da elite dos contemporâneos e do conjunto da Posteridade, tanto sobre a sua memória, como sobre esta angustiosa fase

histórica do povo brasileiro.

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            Quanto à nossa segunda ordem de reflexões, refere-se à conduta dos republicanos brasileiros, isto é, daqueles para os quais a república significa a supremacia da fraternidade universal, buscando na poesia, na ciência, e na indústria, os únicos elementos da grandeza nacional.

            Os nossos antecedentes históricos e toda a evolução brasileira e americana, depois da nefanda guerra do Paraguai, induzem a crer que a agitação militarista atual e os extravios imperialistas da diplomacia brasileira não terão poder de suscitar uma nova luta fratricida entre as nações sul-americanas. Entretanto, essas cruéis circunstâncias bastam para fomentar um sobressalto político e moral extremamente favorável a todas as perturbações sociais.

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            Nessas condições, devemos recordar que a nenhum patriota, civil ou militar, é lícito colaborar na política imperialista atual do governo brasileiro, e muito menos tomar parte em guerras que possam resultar de tal política. Todos os sacrifícios, pessoais, domésticos, e cívicos, devem ser preferidos, sem hesitação, a contribuir-se para a renovação das monstruosas lutas que têm ensanguentado e desonrado a memória dos povos americanos.

            Cumpre, pois estarem todos preparados para recusar obedecer a qualquer ordem do governo nesse sentido, preferindo os ultrajes de que foi vítima o velho José Bonifácio, por parte dos seus contemporâneos, e mesmo o martírio de Tiradentes, votado à infâmia pelos que se proclamavam então os órgãos do povo lusitano. Tudo deve ser aceito, menos prestar-se a ser instrumento de estadista que se transformarem em algozes da humanidade e das pátrias sul-americanas.

            E temos fé que os brasileiros de onde não consentiram em ser cegamente arrastados a macular sacrilegamente, em carnificinas de canibais, o emblema de aspirações regeneradoras da Humanidade, que Benjamin Constant lhes legou. Para afastarmos horrorizados tamanha catástrofe, basta a lembrança de que a política imperial que se tenta reviver conduziu os nossos antepassados a profanarem, em ferozes guerras fratricidas, civis e sul-americanas, e na persistência dos crimes em nome da escravidão africana, o símbolo que o velho José Bonifácio lhes dera, a fim de evocar habitualmente as mesmas aspirações, resumidas desde então na sua fórmula: A sã política é filha da moral e da razão.

Pela Igreja e Apostolado Positivista do Brasil,

R. Teixeira Mendes,

Vice-Diretor

 

Em nossa sede, Templo da Humanidade, rua Benjamin Constant, nº 30.

Rio, 10 de Moisés de 120 (10 de janeiro de 1908).

 

(Publicado na seção ineditorial do Jornal do Commercio de 11 de janeiro de1908)


17 agosto 2025

Transformação de Miguel Lemos


 

Carta a um aspirante ao sacerdócio positivo

No dia 5 de Gutenberg de 171 (17.8.2025) realizamos uma prédica extraordinária, consistindo exclusivamente na leitura da apresentação pessoal realizada no final do mês de César deste ano. 

Com as devidas alterações, essa apresentação pode ser entendida como uma "carta a um aspirante ao sacerdócio positivo", cujo texto está reproduzido abaixo.

A prédica foi transmitida no canal Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/live/BHdxB9CeVO0?si=uWvHXJ9D6S8fs386).

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Apresentação pessoal; ou carta a um aspirante ao sacerdócio da Humanidade 

O documento abaixo foi inicialmente redigido para exposição em uma prédica positiva realizada em 28 de César de 171 (20.5.2025)[1]. Desde o início planejamos elaborar a partir delas uma separata, fosse para divulgação do texto em si, fosse como roteiro de um vídeo curto unicamente dedicado à nossa apresentação pessoal.

Entretanto, em uma conversa pessoal que mantivemos com nosso amigo Hernani Gomes da Costa logo após a prédica, ele sugeriu que tal separata fosse chamada de “Carta a um aspirante ao sacerdócio da Humanidade”, na medida em que, na generosa apreciação de Hernani, nossa exposição, para além da apresentação propriamente pessoal, reúne e resume alguns dos mais importantes elementos necessários à preparação e à atuação do sacerdócio da Humanidade.

Dessa forma, a exposição inicial foi adaptada para transformar-se neste documento. Esperamos que os comentários abaixo correspondam à gentil e simpática apreciação de nosso amigo e que possam efetivamente ser úteis a todos aqueles que desejam trilhar o importante, honroso e árduo caminho do sacerdócio da Humanidade.

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Caras amigas, caros amigos, caras irmãs, caros irmãos na Humanidade:

Escrevo estas palavras com a esperança de que, a partir da minha experiência e considerando as exigências morais, intelectuais e práticas, seja mais fácil para vocês a orientação rumo ao sacerdócio da Humanidade.

Embora eu estude, defenda, divulgue e aplique o Positivismo há algumas décadas, faz somente alguns anos que realizo prédicas, em particular na internet; essas prédicas têm sido realizadas em diferentes modelos e creio ter um reconhecimento crescente de minhas atividades.

Desde o início eu parti do pressuposto de que, mais que por meio de títulos e pompas, a minha atuação deveria legitimar-se ao longo do tempo pela qualidade dessa atuação, na medida em que eu atuasse como um verdadeiro e efetivo poder Espiritual: assim, eu procuro realizar exposições claras, honestas, competentes, úteis, informativas, elaboradas com autonomia e responsabilidade, respeitando e valorizando o público.

Após alguns anos fazendo as prédicas, eu creio que convém agora fazer uma apresentação pessoal, para expor os parâmetros que eu adoto em minhas exposições. O objetivo, no fundo, é bem simples: é ganhar, ou reforçar, a confiança do público no sacerdócio, sendo que essa confiança tem que ser ao mesmo tempo no conjunto do sacerdócio e em cada um dos sacerdotes. Estes comentários assumem, portanto, ao mesmo tempo um aspecto de apresentação pessoal e também de prestação pública de contas, dentro do que nosso mestre advogava como sendo o “viver às claras”. De qualquer maneira, em termos de prestação de contas, esta exposição é complementar às “circulares anuais” que tenho elaborado para a Igreja Positivista Virtual, dando continuidade a uma prática iniciada por Augusto Comte e continuada pelos seguintes grandes sacerdotes e apóstolos da Humanidade, embora lamentavelmente interrompida nas últimas décadas pelos vários (supostos) órgãos do poder Espiritual positivo.

Antes de passar diretamente para a carta, uma última observação preliminar. Como é natural, nas prédicas eu costumo usar a primeira pessoa do plural (o “nós”), seja na forma do plural modéstico, seja na forma do plural majestático; mas, como esta carta consiste em uma apresentação e uma justificativa pessoais, nesta exposição eu usarei a primeira pessoa do singular (o “eu”).

Então, vamos lá. Eu sou Gustavo Biscaia de Lacerda; sou sacerdote da Religião da Humanidade e Diretor e fundador da Igreja Positivista Virtual. Sou sacerdote da Humanidade porque sou oficiante da Religião da Humanidade; além disso, sou apóstolo da Humanidade, pois sou difusor da Religião da Humanidade; nas duas situações, minha preocupação, minha pretensão é a de ser um órgão do poder Espiritual positivo.

Para cumprir essas atribuições, procuro seguir as orientações da Igreja e Apostolado Positivista do Brasil, conforme as disposições de 1881 (na época da fundação da IPB) e os Expedientes de 1917/1927 (estabelecidos nas transformações de Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes), que, por sua vez, basearam-se nas orientações de Augusto Comte. Ainda assim, é claro que as disposições que adoto consideram a história do Positivismo, ou seja, as inúmeras experiências concretas do Positivismo, bem como a situação moral, social e intelectual em que vivemos atualmente.

Procuro filiar-me à tradição moral e prática estabelecida pela Igreja Positivista do Brasil: a tradição oral das práticas efetivas da IPB é importante, mas em última análise a mera repetição oral de tradições é insuficiente e tem que ser lastreada em documentos públicos, que assumem o aspecto de documentos escritos e publicados. Esses documentos, que realizam o “viver às claras”, garantem a realidade, a certeza e a clareza das informações e permitem que evitem e/ou resolvam ambiguidades, dificuldades, incertezas, além de oferecerem parâmetros para aplicação concreta do Positivismo.

Uma preocupação constante de minha atuação é com a “atualização” do Positivismo. Eu já dediquei algumas prédicas a esse tema; considero que atualizar o Positivismo consiste em adaptá-lo à realidade em que vivemos, utilizar os meios adequados e disponíveis à sua difusão e aplicá-lo à realidade concreta vivida pelos seres humanos. Há aspectos específicos da doutrina positivista que podem, e até devem, ser revistos, em face de desenvolvimentos posteriores às elaborações de Augusto Comte: entretanto, por um lado são aspectos muito pontuais (geralmente relativos a questões especificamente científicas) e, por outro lado e mais importante, o conjunto da obra de nosso mestre e a quase totalidade de suas concepções mantêm-se relativisticamente inalteradas, em particular em termos sociológico-morais, filosóficos, cultuais e de regime.

Em particular, eu rejeito a tendência, muito própria aos hábitos mentais contemporâneos – profundamente marcados pela metafísica e por sua criticidade destruidora –, segundo os quais a “atualização” do Positivismo na prática consistiria em “rever”, negar, desprezar a obra de Augusto Comte, sem nenhuma preocupação com relativismo, simpatia, organicidade e veneração. Esses hábitos mentais (mais uma vez: profundamente metafísicos) são particularmente ativos no jornalismo diário e nas academias, ambientes nos quais o novidadismo destruidor, antiorgânico e antissimpático apresenta-se como virtuoso e progressista; isso tudo com freqüência é esgrimido por pessoas que se aproximam do Positivismo mas desconhecem a doutrina e, em particular, não entendem seus sentimentos, suas idéias e suas preocupações práticas.

Voltando às diretrizes estabelecidas pela Igreja Positivista do Brasil e o respeito que tenho por elas. Eu tenho, por um lado, um respeito geral a essas diretrizes e um respeito à autoridade moral e espiritual – subjetiva – de Miguel Lemos e Teixeira Mendes; por outro lado, como órgão empírico da Religião da Humanidade, mantenho autonomia objetiva em minhas atividades e decisões. Dessa forma, em última análise, a responsabilidade por minhas ações é minha, sendo pessoal e intransferível. (O sacerdócio empírico é aquele que surge espontaneamente em algum lugar, a partir das necessidades sociais e das vocações individuais; o sacerdócio sistemático é aquele que se perpetua ao longo do tempo, que se constitui, prepara-se e legitima-se de acordo com os parâmetros positivos, especialmente os da hereditariedade sociocrática.)

A responsabilidade pessoal e intransferível pelas opiniões e ações do poder Espiritual é uma característica inerente a todos os servidores da Humanidade, quer sejam espirituais, quer sejam temporais; em qualquer caso, essa responsabilidade é condição e garantia da confiança depositada pelo público no servidor da Humanidade. Se isso é válido para qualquer servidor da Humanidade, é ainda mais válido para o sacerdócio positivo, cuja atuação baseia-se essencialmente na confiança depositada em si pelo público. Além disso, a responsabilidade pessoal e intransferível também se verifica na medida em que, conversando com outros positivistas, pedindo esclarecimentos e sugestões – em particular de nosso amigo de longa data, Hernani Gomes da Costa –, as opiniões expostas e as ações tomadas são sempre decididas e assumidas em última análise por mim. Isso não é personalismo, que seria incompatível com o altruísmo positivista, mas de responsabilização clara, consciente e pública do servidor da Humanidade por suas ações.

Nascido no ano 113 da era normal (1977), atualmente eu tenho 48 anos de idade e sou positivista desde os 16 anos; nasci e vivo em Curitiba, capital do Paraná; minha profissão é de sociólogo, que exerço na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Olhando para trás, posso dizer que, desde que conheci o Positivismo e mesmo antes, sempre me orientei para o sacerdócio da Humanidade, valorizando o conhecimento do ser humano, valorizando a moral e a moralidade, assim como valorizando o conhecimento positivo de modo geral. Em termos de carreira acadêmica e profissional, fiz graduação em Ciências Sociais (na UFPR), mestrado em Sociologia (na UFPR) e doutorado em Sociologia Política (na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)); também fiz um pós-doutorado em Teoria Política (na UFSC) e um em Filosofia das Ciências (na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)); desde 2004 sou sociólogo profissional na UFPR.

Eu sou (1) positivista (2) religioso e (3) sacerdote da Humanidade. Para mim, cada um desses aspectos significa o seguinte.

Como positivista, entendo que a obra de Augusto Comte é uma única, embora evidentemente ela tenha passado por diferentes fases, que correspondem a um longo, importante e necessário processo de amadurecimento moral e intelectual. Esse processo teve um ponto de inflexão particularmente importante durante o belo “ano sem par”, quando nosso mestre conheceu e apaixonou-se pela angélica Clotilde de Vaux, mulher de qualidades superiores, à altura do amor e da missão de nosso mestre. Isso culminou na criação da Religião da Humanidade, que, por seu turno, teve precisa e necessariamente como primeiro sacerdote – mas não único sacerdote – Augusto Comte. Em face da Religião da Humanidade, procuro ser um positivista completo, também chamado de “ortodoxo” ou, mais corretamente, de “religioso”, ao mesmo tempo em que me distancio dos positivistas incompletos, ou heterodoxos, que são meramente cientificistas e com freqüência anticlericais e/ou ateus.

Como positivista completo, ou ortodoxo, e ainda mais como sacerdote e apóstolo, procuro conhecer a obra de Augusto Comte diretamente na fonte, além de conhecer a obra de outros positivistas. É claro que “conhecer a obra” inclui não somente conhecer os livros canônicos (a Política positiva, o Catecismo positivista, a Síntese subjetiva etc.), mas também as cartas e as ações concretas (conforme expostas em relatos de discípulos, parentes e amigos) de Augusto Comte. De modo central, além de conhecer, é claro que também me esforço para aplicar essas concepções.

Sendo um positivista religioso e tendo a pretensão de ser um sacerdote e um apóstolo da Humanidade, não apenas correspondo à exigência intelectual fundamental – conhecer a obra de Augusto Comte e ser capaz de expor e explicar com autonomia e responsabilidade pessoal o Catecismo positivista e as últimas concepções de nosso mestre –, como também procuro cumprir as exigências morais, sociais e práticas correspondentes, em particular no sentido da separação entre os dois poderes. Sou (1) um apóstolo porque difundo a Religião da Humanidade e tenho conhecimento da doutrina; sou (2) um sacerdote porque atuo (ou procuro atuar) como um representante do poder Espiritual positivo e, além disso, ministro os sacramentos da Religião da Humanidade; em ambos os casos, (3) cumpro os requisitos exigidos para cada uma dessas atuações.

A minha condição de apóstolo e, principalmente, de sacerdote vincula-se também à necessidade urgente de reconstituição dos quadros positivistas, especialmente em termos práticos. A esse respeito, é necessário afirmar que a concepção de que só houve um único sacerdote da Humanidade – Augusto Comte –, sem a possibilidade de haver nenhum outro, embora em si mesma seja generosa, é uma concepção radicalmente equivocada, baseada em uma devoção mal orientada, ignorante da doutrina e daninha para a prática religiosa.

A reconstituição atual dos quadros positivistas é um objetivo real e ocorre de fato por diferentes meios. Para nossa felicidade, podemos dizer com segurança que não apenas a Igreja Positivista Virtual é uma realidade concreta como também o Templo Positivista de Porto Alegre é atuante e, além disso, há alguns anos fundou-se o Apostolado Positivista da Itália. Saímos, portanto, das angustiantes situações, vividas até algumas décadas atrás, em que não havia mais núcleos positivistas atuantes ou em que havia somente um único.

Também é fundamental lembrar e afirmar que não basta alguém querer ser líder espiritual apenas devido a uma pretensão de ser líder espiritual; a mera pretensão, se for uma pretensão vazia, baseia-se em vaidade e resulta em prepotência, enganos e equívocos. Embora a vaidade e o orgulho sejam motivadores até importantes e embora eles impressionem bastante os ignorantes e os incautos, eles são insuficientes como fundamentos para a vida sacerdotal/apostólica e, ao longo do tempo, como já tivemos inúmeras ocasiões de comprová-lo (no Brasil e em outros países), são desastrosos para o Positivismo. Para a liderança espiritual, é necessário conhecer a doutrina, praticá-la, viver conforme seus parâmetros, difundi-la e ser um exemplo dela; em outras palavras, realmente é necessário cumprir inúmeros requisitos morais, intelectuais, práticos e sociais.

Seja por temperamento, seja devido ao Positivismo, entendo os títulos e a pompa como formas que a vaidade mais tola e mais superficial tem para justificar-se e impor-se, especialmente quando essa vaidade é ignorante e sem méritos verdadeiros, ou seja, quando ela é vazia. Lembro que os sacerdotes, assim como os integrantes do poder Espiritual de modo geral, têm que ter uma certa vaidade, na medida em que a vaidade é o instinto egoísta que busca a aprovação alheia; mas as atividades sacerdotais não podem resumir-se a satisfazer essa vaidade, pois isso no final das contas tem como resultado a degradação da doutrina e do sacerdócio, muito mais que a degradação do próprio vaidoso. Da mesma forma, embora a pompa estimulada pela vaidade impressione bastante o comum das pessoas, ela resulta em apoios equívocos e equivocados. Dessa forma, nossa missão como poder Espiritual positivo consiste também em, por um lado, rejeitar a pompa, a vaidade vazia, a ignorância e, por outro lado, em valorizar a visão de conjunto, a existência real de atributos morais, intelectuais e práticos, a atuação social e individual efetiva.

Em vez de perseguir a satisfação da vaidade e/ou do orgulho, o poder Espiritual deve manter uma relação de responsabilidade, seja para com a Humanidade em geral, seja para a sociedade particular em que vive, seja para com os membros de sua igreja. Em outras palavras, em vez de o apóstolo e/ou o sacerdote buscar uma satisfação infantil ao ser ouvido e/ou obedecido pelos demais, o parâmetro que deve guiar a sua atuação é a responsabilidade decorrente da confiança depositada nele, como representante sistemático ou empírico da Humanidade, e que em termos concretos consiste em que o público que ouve o sacerdote e/ou apóstolo confia em seus conselhos e leva-os a sério.

Mudando um pouco de âmbito, passando para o da separação entre os dois poderes: não sou filiado a nenhum partido político; nunca concorri a nenhum cargo público eletivo; não pratico o jornalismo como profissão; não uso o Estado para difundir a doutrina. Essas restrições não têm nada de excepcionais e são elementares para o sacerdócio da Humanidade. Na verdade, considerando as exigências próprias a cada um dos dois poderes fundamentais (o poder Espiritual, que esclarece e aconselha, e o poder Temporal, que manda), tenho clareza de que quem pretende ser apóstolo da Humanidade (ou sacerdote de qualquer doutrina) não pode nunca concorrer a cargos e, inversamente, quem concorre não pode nunca ser apóstolo e/ou sacerdote. Além disso, não promovo outras doutrinas nem outras associações que possam concorrer, direta ou indiretamente, com o Positivismo. Na verdade, explicitamente rejeito qualquer ambigüidade a esse respeito: quando eu manifesto-me, procuro sempre deixar claro que é com base no Positivismo, quer seja em termos estritamente pessoais, quer seja quando falo em termos mais gerais.

O sofrimento não é mérito, mas às vezes ele pode evidenciar compromissos íntimos, especialmente por meio do martírio. Nesse sentido, a minha vinculação, a minha identificação e a minha vida conforme o Positivismo são suficientemente grandes e são atestadas por dificuldades e exclusões que sofri ao longo dos anos exatamente porque sou positivista. Um exemplo claro é a censura sofrida em concurso público para professor de Ciência Política na UFSC, em 2011, quando a banca, presidida por um liberal católico, proibiu-me de lecionar lá porque sou positivista – embora, em contraposição, feministas, marxistas, liberais, anarquistas etc. etc. tenham permissão para lecionar nas universidades públicas e para usar essas instituições como púlpitos em vez de cátedras. Vale notar que o uso que se faz das universidades como púlpitos e não como cátedras (1) despreza a separação entre o poder Espiritual e o poder Temporal, (2) confunde e degrada o poder Espiritual, (3) atrapalha, dificulta e, no limite, impede a reorganização espiritual e (4) justifica, mais uma vez, muitas das críticas de Augusto Comte às instituições acadêmicas. Além disso, com freqüência comento nas prédicas que o ambiente metafísico atualmente reinante na sociedade (ocidental) e na universidade gera equívocos e u’a mentalidade contrária ao Positivismo, que nos impede de falar, ao mesmo tempo em que se mente a nosso respeito e difundem-se doutrinas e “ideologias” daninhas à sociedade e ao ser humano.

Como é natural, os caminhos que levam ao Positivismo são muito variados; há quem chegue a ele pela filosofia, há quem chegue pela política, há quem chegue pelo coração, ou seja, pela inteligência, pela atividade prática e/ou pelos sentimentos. Conforme eu entendo a Religião da Humanidade, ela satisfaz e deve satisfazer cada um desses caminhos, ou melhor, cada um desses aspectos, ao mesmo tempo em que a Religião da Humanidade evidencia que os outros aspectos da vida humana também devem ser, necessariamente, satisfeitos.

O meu caminho foi basicamente intelectual e moral: adolescente, eu procurava uma orientação na vida, mas também me preocupava com a política. Chegando ao Positivismo, obtive essa orientação moral, intelectual e prática de que precisava; mas, para mim muito mais importante que isso, eu descobri e reconheci cada vez mais a importância do coração, que no fundo é o aspecto principal da Religião da Humanidade. Além disso, outros aspectos fundamentais do Positivismo – a afirmação da visão de conjunto e da realidade da totalidade humana – são concepções que cada vez mais aplico no conjunto da minha vida.

Como sacerdote e como apóstolo da Humanidade, entendo o aspecto de aconselhador do poder Espiritual: isso implica não somente que devo rejeitar a imposição das minhas crenças pelo Estado – bem como de qualquer outra crença –, mas que também devo ser um bom conselheiro para quem precisa de conselhos. Ora, o aconselhamento próprio ao poder Espiritual é coletivo – em termos políticos, sociais e morais – e também individual – em termos igualmente políticos, sociais e morais.

O aconselhamento coletivo dá-se por meio da apreciação de temas de interesse público e realiza-se na leitura comentada das obras de Augusto Comte, nos sermões das prédicas e quando elaboramos “manifestos” políticos e sociais. Já o aconselhamento privado ocorre tanto por meio das prédicas em geral – que, afinal, são vistas e acompanhadas por indivíduos – quanto por meio de aconselhamentos especificamente pessoais.

Se é verdade que os indivíduos só existem como abstrações, também é verdade que a Humanidade é um ser composto, que existe em última análise pelos indivíduos; da mesma forma, a ação sacerdotal modifica a sociedade também pela modificação dos indivíduos: não podemos deixar de lado o aconselhamento, o apoio, a valorização dos membros individuais de nossa igreja e, de modo mais amplo, da Humanidade. É importante eu notar que, enquanto eu preparei-me de modo especial ao longo de minha carreira em particular para o aconselhamento coletivo, o sacerdócio da Humanidade não pode nunca descuidar do aconselhamento individual: por esses motivos, e por muitos outros ainda, tenho-me dedicado cada vez mais a conhecer como lidar e como auxiliar de fato os indivíduos que acorrem ao Positivismo. A preocupação com o aconselhamento individual tem-se desenvolvido ao longo das prédicas, como resultado das interações ocorridas nas prédicas e também como resultado do amadurecimento de minhas atividades como sacerdote e apóstolo.

O último aspecto que quero comentar é que as prédicas têm evoluído ao longo do tempo. Minha atuação na Igreja Positivista Virtual dá-se basicamente pelas prédicas, que realizo toda terça-feira a partir das 19h, nos canais Positivismo (Youtube.com/ThePositivism) e Igreja Positivista Virtual (Facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual e Instagram.com/IgrejaPositivistaVirtual).

Quando eu iniciei as minhas prédicas à distância, já ocorriam nas manhãs de domingo as reuniões realizadas pelo Guardião do Templo Positivista de Porto Alegre, Érlon Jacques de Oliveira: com a especial e consciente preocupação de não o atrapalhar nem criar uma concorrência com ele – concorrência que seria desnecessária, desleal, contraproducente e antipositivista –, decidi realizar as minhas prédicas no meio da semana e à noite.

Sendo o progresso o desenvolvimento da ordem correspondente, creio que, aos poucos e cada vez mais, modifiquei e incrementei as prédicas, no sentido de torná-las mais sintéticas, mais orgânicas e mais simpáticas, ou seja, mais úteis, mais claras, mais interessantes, mais responsáveis e mais abertas ao diálogo. Esse progresso paulatino e incremental dá-se por meio de ajustes em meus procedimentos; no aumento de atividades; na diversificação das atividades; na mudanças de canais para transmissão; no estudo e no aperfeiçoamento das condições e das práticas de aconselhamento. O progresso paulatino e incremental também se dá, na medida de minhas possibilidades, por meio do estudo e da pesquisa sobre tudo quanto é dito e comentado nas prédicas, especialmente em termos de observações e dúvidas manifestadas pelo público; esse estudo é feito para que eu possa responder e comentar satisfatoriamente o que é dito pelo público e possa, portanto, aconselhar e orientar adequadamente.

Assim, sem pretender que o formato atual das prédicas seja excelente ou final, tenho certeza de que elas são hoje muito melhores do que eram no início – e isso não porque tenho agora maior desenvoltura na exposição, mas porque as prédicas estão melhor estruturadas, com mais elementos que indicam melhor o seu aspecto religioso e que satisfazem melhor as necessidades coletivas e as individuais.

Nesta carta eu comentei vários aspectos; a respeito de alguns eu aprofundei-me um pouco, a respeito de outros eu só fiz breves comentários; além disso, muitas outras questões não foram abordadas. O que eu abordei foi o que me pareceu – no momento em que redigi esta carta – mais relevante para apresentar as principais características e diretrizes da minha atuação como sacerdote e apóstolo da Religião da Humanidade. Alguns aspectos eu expus explicitamente, mas muitos outros eu deixo para que vocês, que têm interesse no sacerdócio positivo, procurem por si mesmos as indicações; é claro que as melhores exposições doutrinárias a respeito estão nas obras de Augusto Comte e de vários apóstolos da Humanidade (a começar pelos nossos Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes).

No final das contas, espero que esta carta tenha sido clara, útil e estimulante. 

Saúde e fraternidade, 

Gustavo Biscaia de Lacerda 

Curitiba, 5 de Gutenberg de 171 (17.8.2025).



[1] As anotações originais da prédica estão disponíveis aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/05/apresentacao-pessoal-formula-destinacao.html; já o vídeo dessa prédica pode ser visto aqui: https://www.youtube.com/live/wE5V1Z59bV8?si=Pn5x9RyN69sYKKCx. Acesso em 21.5.2025.

27 maio 2025

Igreja Positivista do Brasil: Regimento (1881)

Reproduzimos abaixo o regimento da Igreja Positivista do Brasil, conforme foi estabelecido por Miguel Lemos em 11 de maio de 1881.

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Miguel Lemos (19.5.1886)

Extraído das capas internas da edição brasileira do Apelo aos conservadores[1]

 

IGREJA E APOSTOLADO POSITIVISTA DO BRASIL

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GRÊMIO GERAL

I. A Igreja e o Apostolado Positivista do Brasil compõe-se do conjunto de indivíduos e de famílias que aceitam integralmente a Religião da Humanidade, fundada por Augusto Comte, e que reconhecem a autoridade espiritual do Apostolado Positivista do Brasil.

II. Ela compreende um grêmio geral constituído pela totalidade dos fiéis e um núcleo de direção espiritual formado por aquele Apostolado.

III. Os fiéis dividem-se, por sua vez, em dois grupos caracterizados respectivamente pelas denominações de positivistas completos e de prosélitos.

IV. Os primeiros se comprometem ao cabal cumprimento de todos os deveres positivos e negativos prescritos pela sua religião, harmonizando em tudo a conduta com a fé que professam.

V. Os segundos, conquanto participem da mesma plenitude de crenças e reconheçam igualmente a direção espiritual do Apostolado, não podem ainda, ou por deficiência de preparação própria, ou por circunstâncias exteriores, aceitar em toda a sua extensão o mesmo compromisso.

A apreciação dos obstáculos peculiares a cada caso individual compete ao Diretor do Apostolado.

VI. Os positivistas completos poderão receber todos os sacramentos conferíveis pelo Diretor do Apostolado; os prosélitos, porém, só receberão as consagrações compatíveis com a situação especial de cada um.

VII. Tanto os primeiros como os segundos comprometem-se especialmente:

1. A não aceitar cargos políticos durante a fase empírica da transição moderna, tal como foi definida por Augusto Comte;

2. A não exercer funções nos estabelecimentos oficiais de ensino superior e secundário, com exceção das escolas destinadas a preparar os professores primários.

Os que já forem professores em tais estabelecimentos antes de se converterem ao positivismo considerarão essa situação como provisória e farão a promessa solene de se esforçarem por deixar os respectivos cargos dentro de um prazo que cada qual determinará para si, com a aprovação do Diretor do Apostolado;

3. A não fazer parte de associações científicas, literárias ou políticas.

4. A não fazer parte do jornalismo, diário ou não, quer como redator ou simples colaborador, quer como proprietário ou associado, e a só recorrer a este meio de publicidade para comunicações urgentes e de efeito imediato, ou para simples anúncios;

5. A não auferir lucros pecuniários das publicações que fizerem, a assiná-las com o seu nome e assumir a inteira responsabilidade moral e legal que daí decorre.

VIII. Ao Diretor do Apostolado cabe exclusivamente deferir ou indeferir os pedidos de admissão na Igreja, baseando-se essas decisões numa escrupulosa apreciação de cada caso individual.

IX. Os postulantes deverão ser maiores de idade, contar já um ano, pelo menos, de iniciação positivista; e, tratando-se de senhoras solteiras, ainda sob a autoridade paterna, ou outra equivalente, deverá o pedido ser acompanhado do consentimento escrito do pai, ou de quem as suas vezes fizer.

Quanto às senhoras casadas, não poderão também ter ingresso em nossa Igreja senão mediante um consentimento análogo por parte de seus maridos.

X. A admissão de uma mãe de família no grêmio da Igreja importa a incorporação religiosa de seus filhos menores.

XI. É dever elementar de cada fiel concorrer periodicamente para o subsídio geral da Igreja, com uma quota que ele próprio arbitrará.

XII. Serão considerados como tendo renunciado a permanecer em nosso grêmio os que durante um ano seguido deixarem, sem motivo justificado, de contribuir para o sustento material da Igreja.

XIII. Ao Diretor do Apostolado cabe outrossim excluir do nosso grêmio os membros que aberrarem da fé e disciplina comuns, que faltarem com reincidência aos compromissos tomados, ou que se tornarem indignos pela sua conduta pessoal, doméstica, ou cívica.

 

NÚCLEO ESPIRITUAL

XIV. O elemento coordenador da Igreja é constituído pelo Apostolado Positivista do Brasil, composto dos positivistas completos que se consagram sistematicamente à propagação da nossa fé e ao exercício das funções espirituais que a situação atual comporta e exige.

XV. Nele distinguem-se dois graus: o de aspirante, na idade de 28 anos, e o de apóstolo propriamente dito, aos 35 anos.

XVI. São condições essenciais para o apostolado sistemático:

1. Uma preparação teórica cujo grau pode ser avaliado mediante a seguinte fórmula: ser suficientemente capaz de explicar o Catecismo positivista de Augusto Comte, com os complementos relativos à teoria da transição moderna e às últimas concepções do Mestre;

2. Uma abnegação temporal caracterizada pela obrigação de viver exclusivamente de um modesto subsídio fornecido pela Igreja, logo que esta o possa fazer;

3. Uma preparação moral resumida num digno casamento.

XVII. Ao Apostolado ficarão adidos os artistas positivistas que, aceitando a condição de abnegação temporal acima declarada, consagrarem a sua aptidão estética à propaganda e ao culto da nossa religião.

 

LIGA RELIGIOSA

XVIII. Finalmente sob o título de – Liga Religiosa – compreende-se a associação espontaneamente formada pelo apoio de todos quantos simpatizam com a missão do Apostolado, ou porque já se sintam inclinados a aceitar as soluções positivistas, ou porque, embora filiados a outros credos, reconhecem a utilidade social dos nossos esforços no sentido de estabelecer as condições gerais necessárias à realização da reforma religiosa.

XIX. A adesão a esta liga religiosa apenas supõe uma contribuição material permanente, cujo quantum fica ao arbítrio de cada um.

XX. As senhoras, porém, poderão ser dispensadas deste concurso pecuniário, substituído então por um ato de adesão explícita à Liga Religiosa.



[1] Augusto Comte, Apelo aos conservadores, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898.