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17 agosto 2025

Transformação de Miguel Lemos


 

Carta a um aspirante ao sacerdócio positivo

No dia 5 de Gutenberg de 171 (17.8.2025) realizamos uma prédica extraordinária, consistindo exclusivamente na leitura da apresentação pessoal realizada no final do mês de César deste ano. 

Com as devidas alterações, essa apresentação pode ser entendida como uma "carta a um aspirante ao sacerdócio positivo", cujo texto está reproduzido abaixo.

A prédica foi transmitida no canal Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/live/BHdxB9CeVO0?si=uWvHXJ9D6S8fs386).

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Apresentação pessoal; ou carta a um aspirante ao sacerdócio da Humanidade 

O documento abaixo foi inicialmente redigido para exposição em uma prédica positiva realizada em 28 de César de 171 (20.5.2025)[1]. Desde o início planejamos elaborar a partir delas uma separata, fosse para divulgação do texto em si, fosse como roteiro de um vídeo curto unicamente dedicado à nossa apresentação pessoal.

Entretanto, em uma conversa pessoal que mantivemos com nosso amigo Hernani Gomes da Costa logo após a prédica, ele sugeriu que tal separata fosse chamada de “Carta a um aspirante ao sacerdócio da Humanidade”, na medida em que, na generosa apreciação de Hernani, nossa exposição, para além da apresentação propriamente pessoal, reúne e resume alguns dos mais importantes elementos necessários à preparação e à atuação do sacerdócio da Humanidade.

Dessa forma, a exposição inicial foi adaptada para transformar-se neste documento. Esperamos que os comentários abaixo correspondam à gentil e simpática apreciação de nosso amigo e que possam efetivamente ser úteis a todos aqueles que desejam trilhar o importante, honroso e árduo caminho do sacerdócio da Humanidade.

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Caras amigas, caros amigos, caras irmãs, caros irmãos na Humanidade:

Escrevo estas palavras com a esperança de que, a partir da minha experiência e considerando as exigências morais, intelectuais e práticas, seja mais fácil para vocês a orientação rumo ao sacerdócio da Humanidade.

Embora eu estude, defenda, divulgue e aplique o Positivismo há algumas décadas, faz somente alguns anos que realizo prédicas, em particular na internet; essas prédicas têm sido realizadas em diferentes modelos e creio ter um reconhecimento crescente de minhas atividades.

Desde o início eu parti do pressuposto de que, mais que por meio de títulos e pompas, a minha atuação deveria legitimar-se ao longo do tempo pela qualidade dessa atuação, na medida em que eu atuasse como um verdadeiro e efetivo poder Espiritual: assim, eu procuro realizar exposições claras, honestas, competentes, úteis, informativas, elaboradas com autonomia e responsabilidade, respeitando e valorizando o público.

Após alguns anos fazendo as prédicas, eu creio que convém agora fazer uma apresentação pessoal, para expor os parâmetros que eu adoto em minhas exposições. O objetivo, no fundo, é bem simples: é ganhar, ou reforçar, a confiança do público no sacerdócio, sendo que essa confiança tem que ser ao mesmo tempo no conjunto do sacerdócio e em cada um dos sacerdotes. Estes comentários assumem, portanto, ao mesmo tempo um aspecto de apresentação pessoal e também de prestação pública de contas, dentro do que nosso mestre advogava como sendo o “viver às claras”. De qualquer maneira, em termos de prestação de contas, esta exposição é complementar às “circulares anuais” que tenho elaborado para a Igreja Positivista Virtual, dando continuidade a uma prática iniciada por Augusto Comte e continuada pelos seguintes grandes sacerdotes e apóstolos da Humanidade, embora lamentavelmente interrompida nas últimas décadas pelos vários (supostos) órgãos do poder Espiritual positivo.

Antes de passar diretamente para a carta, uma última observação preliminar. Como é natural, nas prédicas eu costumo usar a primeira pessoa do plural (o “nós”), seja na forma do plural modéstico, seja na forma do plural majestático; mas, como esta carta consiste em uma apresentação e uma justificativa pessoais, nesta exposição eu usarei a primeira pessoa do singular (o “eu”).

Então, vamos lá. Eu sou Gustavo Biscaia de Lacerda; sou sacerdote da Religião da Humanidade e Diretor e fundador da Igreja Positivista Virtual. Sou sacerdote da Humanidade porque sou oficiante da Religião da Humanidade; além disso, sou apóstolo da Humanidade, pois sou difusor da Religião da Humanidade; nas duas situações, minha preocupação, minha pretensão é a de ser um órgão do poder Espiritual positivo.

Para cumprir essas atribuições, procuro seguir as orientações da Igreja e Apostolado Positivista do Brasil, conforme as disposições de 1881 (na época da fundação da IPB) e os Expedientes de 1917/1927 (estabelecidos nas transformações de Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes), que, por sua vez, basearam-se nas orientações de Augusto Comte. Ainda assim, é claro que as disposições que adoto consideram a história do Positivismo, ou seja, as inúmeras experiências concretas do Positivismo, bem como a situação moral, social e intelectual em que vivemos atualmente.

Procuro filiar-me à tradição moral e prática estabelecida pela Igreja Positivista do Brasil: a tradição oral das práticas efetivas da IPB é importante, mas em última análise a mera repetição oral de tradições é insuficiente e tem que ser lastreada em documentos públicos, que assumem o aspecto de documentos escritos e publicados. Esses documentos, que realizam o “viver às claras”, garantem a realidade, a certeza e a clareza das informações e permitem que evitem e/ou resolvam ambiguidades, dificuldades, incertezas, além de oferecerem parâmetros para aplicação concreta do Positivismo.

Uma preocupação constante de minha atuação é com a “atualização” do Positivismo. Eu já dediquei algumas prédicas a esse tema; considero que atualizar o Positivismo consiste em adaptá-lo à realidade em que vivemos, utilizar os meios adequados e disponíveis à sua difusão e aplicá-lo à realidade concreta vivida pelos seres humanos. Há aspectos específicos da doutrina positivista que podem, e até devem, ser revistos, em face de desenvolvimentos posteriores às elaborações de Augusto Comte: entretanto, por um lado são aspectos muito pontuais (geralmente relativos a questões especificamente científicas) e, por outro lado e mais importante, o conjunto da obra de nosso mestre e a quase totalidade de suas concepções mantêm-se relativisticamente inalteradas, em particular em termos sociológico-morais, filosóficos, cultuais e de regime.

Em particular, eu rejeito a tendência, muito própria aos hábitos mentais contemporâneos – profundamente marcados pela metafísica e por sua criticidade destruidora –, segundo os quais a “atualização” do Positivismo na prática consistiria em “rever”, negar, desprezar a obra de Augusto Comte, sem nenhuma preocupação com relativismo, simpatia, organicidade e veneração. Esses hábitos mentais (mais uma vez: profundamente metafísicos) são particularmente ativos no jornalismo diário e nas academias, ambientes nos quais o novidadismo destruidor, antiorgânico e antissimpático apresenta-se como virtuoso e progressista; isso tudo com freqüência é esgrimido por pessoas que se aproximam do Positivismo mas desconhecem a doutrina e, em particular, não entendem seus sentimentos, suas idéias e suas preocupações práticas.

Voltando às diretrizes estabelecidas pela Igreja Positivista do Brasil e o respeito que tenho por elas. Eu tenho, por um lado, um respeito geral a essas diretrizes e um respeito à autoridade moral e espiritual – subjetiva – de Miguel Lemos e Teixeira Mendes; por outro lado, como órgão empírico da Religião da Humanidade, mantenho autonomia objetiva em minhas atividades e decisões. Dessa forma, em última análise, a responsabilidade por minhas ações é minha, sendo pessoal e intransferível. (O sacerdócio empírico é aquele que surge espontaneamente em algum lugar, a partir das necessidades sociais e das vocações individuais; o sacerdócio sistemático é aquele que se perpetua ao longo do tempo, que se constitui, prepara-se e legitima-se de acordo com os parâmetros positivos, especialmente os da hereditariedade sociocrática.)

A responsabilidade pessoal e intransferível pelas opiniões e ações do poder Espiritual é uma característica inerente a todos os servidores da Humanidade, quer sejam espirituais, quer sejam temporais; em qualquer caso, essa responsabilidade é condição e garantia da confiança depositada pelo público no servidor da Humanidade. Se isso é válido para qualquer servidor da Humanidade, é ainda mais válido para o sacerdócio positivo, cuja atuação baseia-se essencialmente na confiança depositada em si pelo público. Além disso, a responsabilidade pessoal e intransferível também se verifica na medida em que, conversando com outros positivistas, pedindo esclarecimentos e sugestões – em particular de nosso amigo de longa data, Hernani Gomes da Costa –, as opiniões expostas e as ações tomadas são sempre decididas e assumidas em última análise por mim. Isso não é personalismo, que seria incompatível com o altruísmo positivista, mas de responsabilização clara, consciente e pública do servidor da Humanidade por suas ações.

Nascido no ano 113 da era normal (1977), atualmente eu tenho 48 anos de idade e sou positivista desde os 16 anos; nasci e vivo em Curitiba, capital do Paraná; minha profissão é de sociólogo, que exerço na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Olhando para trás, posso dizer que, desde que conheci o Positivismo e mesmo antes, sempre me orientei para o sacerdócio da Humanidade, valorizando o conhecimento do ser humano, valorizando a moral e a moralidade, assim como valorizando o conhecimento positivo de modo geral. Em termos de carreira acadêmica e profissional, fiz graduação em Ciências Sociais (na UFPR), mestrado em Sociologia (na UFPR) e doutorado em Sociologia Política (na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)); também fiz um pós-doutorado em Teoria Política (na UFSC) e um em Filosofia das Ciências (na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)); desde 2004 sou sociólogo profissional na UFPR.

Eu sou (1) positivista (2) religioso e (3) sacerdote da Humanidade. Para mim, cada um desses aspectos significa o seguinte.

Como positivista, entendo que a obra de Augusto Comte é uma única, embora evidentemente ela tenha passado por diferentes fases, que correspondem a um longo, importante e necessário processo de amadurecimento moral e intelectual. Esse processo teve um ponto de inflexão particularmente importante durante o belo “ano sem par”, quando nosso mestre conheceu e apaixonou-se pela angélica Clotilde de Vaux, mulher de qualidades superiores, à altura do amor e da missão de nosso mestre. Isso culminou na criação da Religião da Humanidade, que, por seu turno, teve precisa e necessariamente como primeiro sacerdote – mas não único sacerdote – Augusto Comte. Em face da Religião da Humanidade, procuro ser um positivista completo, também chamado de “ortodoxo” ou, mais corretamente, de “religioso”, ao mesmo tempo em que me distancio dos positivistas incompletos, ou heterodoxos, que são meramente cientificistas e com freqüência anticlericais e/ou ateus.

Como positivista completo, ou ortodoxo, e ainda mais como sacerdote e apóstolo, procuro conhecer a obra de Augusto Comte diretamente na fonte, além de conhecer a obra de outros positivistas. É claro que “conhecer a obra” inclui não somente conhecer os livros canônicos (a Política positiva, o Catecismo positivista, a Síntese subjetiva etc.), mas também as cartas e as ações concretas (conforme expostas em relatos de discípulos, parentes e amigos) de Augusto Comte. De modo central, além de conhecer, é claro que também me esforço para aplicar essas concepções.

Sendo um positivista religioso e tendo a pretensão de ser um sacerdote e um apóstolo da Humanidade, não apenas correspondo à exigência intelectual fundamental – conhecer a obra de Augusto Comte e ser capaz de expor e explicar com autonomia e responsabilidade pessoal o Catecismo positivista e as últimas concepções de nosso mestre –, como também procuro cumprir as exigências morais, sociais e práticas correspondentes, em particular no sentido da separação entre os dois poderes. Sou (1) um apóstolo porque difundo a Religião da Humanidade e tenho conhecimento da doutrina; sou (2) um sacerdote porque atuo (ou procuro atuar) como um representante do poder Espiritual positivo e, além disso, ministro os sacramentos da Religião da Humanidade; em ambos os casos, (3) cumpro os requisitos exigidos para cada uma dessas atuações.

A minha condição de apóstolo e, principalmente, de sacerdote vincula-se também à necessidade urgente de reconstituição dos quadros positivistas, especialmente em termos práticos. A esse respeito, é necessário afirmar que a concepção de que só houve um único sacerdote da Humanidade – Augusto Comte –, sem a possibilidade de haver nenhum outro, embora em si mesma seja generosa, é uma concepção radicalmente equivocada, baseada em uma devoção mal orientada, ignorante da doutrina e daninha para a prática religiosa.

A reconstituição atual dos quadros positivistas é um objetivo real e ocorre de fato por diferentes meios. Para nossa felicidade, podemos dizer com segurança que não apenas a Igreja Positivista Virtual é uma realidade concreta como também o Templo Positivista de Porto Alegre é atuante e, além disso, há alguns anos fundou-se o Apostolado Positivista da Itália. Saímos, portanto, das angustiantes situações, vividas até algumas décadas atrás, em que não havia mais núcleos positivistas atuantes ou em que havia somente um único.

Também é fundamental lembrar e afirmar que não basta alguém querer ser líder espiritual apenas devido a uma pretensão de ser líder espiritual; a mera pretensão, se for uma pretensão vazia, baseia-se em vaidade e resulta em prepotência, enganos e equívocos. Embora a vaidade e o orgulho sejam motivadores até importantes e embora eles impressionem bastante os ignorantes e os incautos, eles são insuficientes como fundamentos para a vida sacerdotal/apostólica e, ao longo do tempo, como já tivemos inúmeras ocasiões de comprová-lo (no Brasil e em outros países), são desastrosos para o Positivismo. Para a liderança espiritual, é necessário conhecer a doutrina, praticá-la, viver conforme seus parâmetros, difundi-la e ser um exemplo dela; em outras palavras, realmente é necessário cumprir inúmeros requisitos morais, intelectuais, práticos e sociais.

Seja por temperamento, seja devido ao Positivismo, entendo os títulos e a pompa como formas que a vaidade mais tola e mais superficial tem para justificar-se e impor-se, especialmente quando essa vaidade é ignorante e sem méritos verdadeiros, ou seja, quando ela é vazia. Lembro que os sacerdotes, assim como os integrantes do poder Espiritual de modo geral, têm que ter uma certa vaidade, na medida em que a vaidade é o instinto egoísta que busca a aprovação alheia; mas as atividades sacerdotais não podem resumir-se a satisfazer essa vaidade, pois isso no final das contas tem como resultado a degradação da doutrina e do sacerdócio, muito mais que a degradação do próprio vaidoso. Da mesma forma, embora a pompa estimulada pela vaidade impressione bastante o comum das pessoas, ela resulta em apoios equívocos e equivocados. Dessa forma, nossa missão como poder Espiritual positivo consiste também em, por um lado, rejeitar a pompa, a vaidade vazia, a ignorância e, por outro lado, em valorizar a visão de conjunto, a existência real de atributos morais, intelectuais e práticos, a atuação social e individual efetiva.

Em vez de perseguir a satisfação da vaidade e/ou do orgulho, o poder Espiritual deve manter uma relação de responsabilidade, seja para com a Humanidade em geral, seja para a sociedade particular em que vive, seja para com os membros de sua igreja. Em outras palavras, em vez de o apóstolo e/ou o sacerdote buscar uma satisfação infantil ao ser ouvido e/ou obedecido pelos demais, o parâmetro que deve guiar a sua atuação é a responsabilidade decorrente da confiança depositada nele, como representante sistemático ou empírico da Humanidade, e que em termos concretos consiste em que o público que ouve o sacerdote e/ou apóstolo confia em seus conselhos e leva-os a sério.

Mudando um pouco de âmbito, passando para o da separação entre os dois poderes: não sou filiado a nenhum partido político; nunca concorri a nenhum cargo público eletivo; não pratico o jornalismo como profissão; não uso o Estado para difundir a doutrina. Essas restrições não têm nada de excepcionais e são elementares para o sacerdócio da Humanidade. Na verdade, considerando as exigências próprias a cada um dos dois poderes fundamentais (o poder Espiritual, que esclarece e aconselha, e o poder Temporal, que manda), tenho clareza de que quem pretende ser apóstolo da Humanidade (ou sacerdote de qualquer doutrina) não pode nunca concorrer a cargos e, inversamente, quem concorre não pode nunca ser apóstolo e/ou sacerdote. Além disso, não promovo outras doutrinas nem outras associações que possam concorrer, direta ou indiretamente, com o Positivismo. Na verdade, explicitamente rejeito qualquer ambigüidade a esse respeito: quando eu manifesto-me, procuro sempre deixar claro que é com base no Positivismo, quer seja em termos estritamente pessoais, quer seja quando falo em termos mais gerais.

O sofrimento não é mérito, mas às vezes ele pode evidenciar compromissos íntimos, especialmente por meio do martírio. Nesse sentido, a minha vinculação, a minha identificação e a minha vida conforme o Positivismo são suficientemente grandes e são atestadas por dificuldades e exclusões que sofri ao longo dos anos exatamente porque sou positivista. Um exemplo claro é a censura sofrida em concurso público para professor de Ciência Política na UFSC, em 2011, quando a banca, presidida por um liberal católico, proibiu-me de lecionar lá porque sou positivista – embora, em contraposição, feministas, marxistas, liberais, anarquistas etc. etc. tenham permissão para lecionar nas universidades públicas e para usar essas instituições como púlpitos em vez de cátedras. Vale notar que o uso que se faz das universidades como púlpitos e não como cátedras (1) despreza a separação entre o poder Espiritual e o poder Temporal, (2) confunde e degrada o poder Espiritual, (3) atrapalha, dificulta e, no limite, impede a reorganização espiritual e (4) justifica, mais uma vez, muitas das críticas de Augusto Comte às instituições acadêmicas. Além disso, com freqüência comento nas prédicas que o ambiente metafísico atualmente reinante na sociedade (ocidental) e na universidade gera equívocos e u’a mentalidade contrária ao Positivismo, que nos impede de falar, ao mesmo tempo em que se mente a nosso respeito e difundem-se doutrinas e “ideologias” daninhas à sociedade e ao ser humano.

Como é natural, os caminhos que levam ao Positivismo são muito variados; há quem chegue a ele pela filosofia, há quem chegue pela política, há quem chegue pelo coração, ou seja, pela inteligência, pela atividade prática e/ou pelos sentimentos. Conforme eu entendo a Religião da Humanidade, ela satisfaz e deve satisfazer cada um desses caminhos, ou melhor, cada um desses aspectos, ao mesmo tempo em que a Religião da Humanidade evidencia que os outros aspectos da vida humana também devem ser, necessariamente, satisfeitos.

O meu caminho foi basicamente intelectual e moral: adolescente, eu procurava uma orientação na vida, mas também me preocupava com a política. Chegando ao Positivismo, obtive essa orientação moral, intelectual e prática de que precisava; mas, para mim muito mais importante que isso, eu descobri e reconheci cada vez mais a importância do coração, que no fundo é o aspecto principal da Religião da Humanidade. Além disso, outros aspectos fundamentais do Positivismo – a afirmação da visão de conjunto e da realidade da totalidade humana – são concepções que cada vez mais aplico no conjunto da minha vida.

Como sacerdote e como apóstolo da Humanidade, entendo o aspecto de aconselhador do poder Espiritual: isso implica não somente que devo rejeitar a imposição das minhas crenças pelo Estado – bem como de qualquer outra crença –, mas que também devo ser um bom conselheiro para quem precisa de conselhos. Ora, o aconselhamento próprio ao poder Espiritual é coletivo – em termos políticos, sociais e morais – e também individual – em termos igualmente políticos, sociais e morais.

O aconselhamento coletivo dá-se por meio da apreciação de temas de interesse público e realiza-se na leitura comentada das obras de Augusto Comte, nos sermões das prédicas e quando elaboramos “manifestos” políticos e sociais. Já o aconselhamento privado ocorre tanto por meio das prédicas em geral – que, afinal, são vistas e acompanhadas por indivíduos – quanto por meio de aconselhamentos especificamente pessoais.

Se é verdade que os indivíduos só existem como abstrações, também é verdade que a Humanidade é um ser composto, que existe em última análise pelos indivíduos; da mesma forma, a ação sacerdotal modifica a sociedade também pela modificação dos indivíduos: não podemos deixar de lado o aconselhamento, o apoio, a valorização dos membros individuais de nossa igreja e, de modo mais amplo, da Humanidade. É importante eu notar que, enquanto eu preparei-me de modo especial ao longo de minha carreira em particular para o aconselhamento coletivo, o sacerdócio da Humanidade não pode nunca descuidar do aconselhamento individual: por esses motivos, e por muitos outros ainda, tenho-me dedicado cada vez mais a conhecer como lidar e como auxiliar de fato os indivíduos que acorrem ao Positivismo. A preocupação com o aconselhamento individual tem-se desenvolvido ao longo das prédicas, como resultado das interações ocorridas nas prédicas e também como resultado do amadurecimento de minhas atividades como sacerdote e apóstolo.

O último aspecto que quero comentar é que as prédicas têm evoluído ao longo do tempo. Minha atuação na Igreja Positivista Virtual dá-se basicamente pelas prédicas, que realizo toda terça-feira a partir das 19h, nos canais Positivismo (Youtube.com/ThePositivism) e Igreja Positivista Virtual (Facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual e Instagram.com/IgrejaPositivistaVirtual).

Quando eu iniciei as minhas prédicas à distância, já ocorriam nas manhãs de domingo as reuniões realizadas pelo Guardião do Templo Positivista de Porto Alegre, Érlon Jacques de Oliveira: com a especial e consciente preocupação de não o atrapalhar nem criar uma concorrência com ele – concorrência que seria desnecessária, desleal, contraproducente e antipositivista –, decidi realizar as minhas prédicas no meio da semana e à noite.

Sendo o progresso o desenvolvimento da ordem correspondente, creio que, aos poucos e cada vez mais, modifiquei e incrementei as prédicas, no sentido de torná-las mais sintéticas, mais orgânicas e mais simpáticas, ou seja, mais úteis, mais claras, mais interessantes, mais responsáveis e mais abertas ao diálogo. Esse progresso paulatino e incremental dá-se por meio de ajustes em meus procedimentos; no aumento de atividades; na diversificação das atividades; na mudanças de canais para transmissão; no estudo e no aperfeiçoamento das condições e das práticas de aconselhamento. O progresso paulatino e incremental também se dá, na medida de minhas possibilidades, por meio do estudo e da pesquisa sobre tudo quanto é dito e comentado nas prédicas, especialmente em termos de observações e dúvidas manifestadas pelo público; esse estudo é feito para que eu possa responder e comentar satisfatoriamente o que é dito pelo público e possa, portanto, aconselhar e orientar adequadamente.

Assim, sem pretender que o formato atual das prédicas seja excelente ou final, tenho certeza de que elas são hoje muito melhores do que eram no início – e isso não porque tenho agora maior desenvoltura na exposição, mas porque as prédicas estão melhor estruturadas, com mais elementos que indicam melhor o seu aspecto religioso e que satisfazem melhor as necessidades coletivas e as individuais.

Nesta carta eu comentei vários aspectos; a respeito de alguns eu aprofundei-me um pouco, a respeito de outros eu só fiz breves comentários; além disso, muitas outras questões não foram abordadas. O que eu abordei foi o que me pareceu – no momento em que redigi esta carta – mais relevante para apresentar as principais características e diretrizes da minha atuação como sacerdote e apóstolo da Religião da Humanidade. Alguns aspectos eu expus explicitamente, mas muitos outros eu deixo para que vocês, que têm interesse no sacerdócio positivo, procurem por si mesmos as indicações; é claro que as melhores exposições doutrinárias a respeito estão nas obras de Augusto Comte e de vários apóstolos da Humanidade (a começar pelos nossos Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes).

No final das contas, espero que esta carta tenha sido clara, útil e estimulante. 

Saúde e fraternidade, 

Gustavo Biscaia de Lacerda 

Curitiba, 5 de Gutenberg de 171 (17.8.2025).



[1] As anotações originais da prédica estão disponíveis aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/05/apresentacao-pessoal-formula-destinacao.html; já o vídeo dessa prédica pode ser visto aqui: https://www.youtube.com/live/wE5V1Z59bV8?si=Pn5x9RyN69sYKKCx. Acesso em 21.5.2025.

27 maio 2025

Igreja Positivista do Brasil: Regimento (1881)

Reproduzimos abaixo o regimento da Igreja Positivista do Brasil, conforme foi estabelecido por Miguel Lemos em 11 de maio de 1881.

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Miguel Lemos (19.5.1886)

Extraído das capas internas da edição brasileira do Apelo aos conservadores[1]

 

IGREJA E APOSTOLADO POSITIVISTA DO BRASIL

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GRÊMIO GERAL

I. A Igreja e o Apostolado Positivista do Brasil compõe-se do conjunto de indivíduos e de famílias que aceitam integralmente a Religião da Humanidade, fundada por Augusto Comte, e que reconhecem a autoridade espiritual do Apostolado Positivista do Brasil.

II. Ela compreende um grêmio geral constituído pela totalidade dos fiéis e um núcleo de direção espiritual formado por aquele Apostolado.

III. Os fiéis dividem-se, por sua vez, em dois grupos caracterizados respectivamente pelas denominações de positivistas completos e de prosélitos.

IV. Os primeiros se comprometem ao cabal cumprimento de todos os deveres positivos e negativos prescritos pela sua religião, harmonizando em tudo a conduta com a fé que professam.

V. Os segundos, conquanto participem da mesma plenitude de crenças e reconheçam igualmente a direção espiritual do Apostolado, não podem ainda, ou por deficiência de preparação própria, ou por circunstâncias exteriores, aceitar em toda a sua extensão o mesmo compromisso.

A apreciação dos obstáculos peculiares a cada caso individual compete ao Diretor do Apostolado.

VI. Os positivistas completos poderão receber todos os sacramentos conferíveis pelo Diretor do Apostolado; os prosélitos, porém, só receberão as consagrações compatíveis com a situação especial de cada um.

VII. Tanto os primeiros como os segundos comprometem-se especialmente:

1. A não aceitar cargos políticos durante a fase empírica da transição moderna, tal como foi definida por Augusto Comte;

2. A não exercer funções nos estabelecimentos oficiais de ensino superior e secundário, com exceção das escolas destinadas a preparar os professores primários.

Os que já forem professores em tais estabelecimentos antes de se converterem ao positivismo considerarão essa situação como provisória e farão a promessa solene de se esforçarem por deixar os respectivos cargos dentro de um prazo que cada qual determinará para si, com a aprovação do Diretor do Apostolado;

3. A não fazer parte de associações científicas, literárias ou políticas.

4. A não fazer parte do jornalismo, diário ou não, quer como redator ou simples colaborador, quer como proprietário ou associado, e a só recorrer a este meio de publicidade para comunicações urgentes e de efeito imediato, ou para simples anúncios;

5. A não auferir lucros pecuniários das publicações que fizerem, a assiná-las com o seu nome e assumir a inteira responsabilidade moral e legal que daí decorre.

VIII. Ao Diretor do Apostolado cabe exclusivamente deferir ou indeferir os pedidos de admissão na Igreja, baseando-se essas decisões numa escrupulosa apreciação de cada caso individual.

IX. Os postulantes deverão ser maiores de idade, contar já um ano, pelo menos, de iniciação positivista; e, tratando-se de senhoras solteiras, ainda sob a autoridade paterna, ou outra equivalente, deverá o pedido ser acompanhado do consentimento escrito do pai, ou de quem as suas vezes fizer.

Quanto às senhoras casadas, não poderão também ter ingresso em nossa Igreja senão mediante um consentimento análogo por parte de seus maridos.

X. A admissão de uma mãe de família no grêmio da Igreja importa a incorporação religiosa de seus filhos menores.

XI. É dever elementar de cada fiel concorrer periodicamente para o subsídio geral da Igreja, com uma quota que ele próprio arbitrará.

XII. Serão considerados como tendo renunciado a permanecer em nosso grêmio os que durante um ano seguido deixarem, sem motivo justificado, de contribuir para o sustento material da Igreja.

XIII. Ao Diretor do Apostolado cabe outrossim excluir do nosso grêmio os membros que aberrarem da fé e disciplina comuns, que faltarem com reincidência aos compromissos tomados, ou que se tornarem indignos pela sua conduta pessoal, doméstica, ou cívica.

 

NÚCLEO ESPIRITUAL

XIV. O elemento coordenador da Igreja é constituído pelo Apostolado Positivista do Brasil, composto dos positivistas completos que se consagram sistematicamente à propagação da nossa fé e ao exercício das funções espirituais que a situação atual comporta e exige.

XV. Nele distinguem-se dois graus: o de aspirante, na idade de 28 anos, e o de apóstolo propriamente dito, aos 35 anos.

XVI. São condições essenciais para o apostolado sistemático:

1. Uma preparação teórica cujo grau pode ser avaliado mediante a seguinte fórmula: ser suficientemente capaz de explicar o Catecismo positivista de Augusto Comte, com os complementos relativos à teoria da transição moderna e às últimas concepções do Mestre;

2. Uma abnegação temporal caracterizada pela obrigação de viver exclusivamente de um modesto subsídio fornecido pela Igreja, logo que esta o possa fazer;

3. Uma preparação moral resumida num digno casamento.

XVII. Ao Apostolado ficarão adidos os artistas positivistas que, aceitando a condição de abnegação temporal acima declarada, consagrarem a sua aptidão estética à propaganda e ao culto da nossa religião.

 

LIGA RELIGIOSA

XVIII. Finalmente sob o título de – Liga Religiosa – compreende-se a associação espontaneamente formada pelo apoio de todos quantos simpatizam com a missão do Apostolado, ou porque já se sintam inclinados a aceitar as soluções positivistas, ou porque, embora filiados a outros credos, reconhecem a utilidade social dos nossos esforços no sentido de estabelecer as condições gerais necessárias à realização da reforma religiosa.

XIX. A adesão a esta liga religiosa apenas supõe uma contribuição material permanente, cujo quantum fica ao arbítrio de cada um.

XX. As senhoras, porém, poderão ser dispensadas deste concurso pecuniário, substituído então por um ato de adesão explícita à Liga Religiosa.



[1] Augusto Comte, Apelo aos conservadores, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898.

Igreja Positivista do Brasil: Expedientes da Delegação Executiva (1919, 1927)

Reproduzimos abaixo os Expedientes da Delegação Executiva da Igreja Positivista do Brasil, conforme foram decididos em 1917, após a transformação de Miguel Lemos, e plenamente implementados em 1927, após a transformação de R. Teixeira Mendes.

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Extraído do opúsculo “A Igreja Positivista do Brasil na hora da transformação de R. T. Mendes”[1]

 

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[Capa do opúsculo]

 

N. 503

DELEGAÇÃO EXECUTIVA DA IGREJA POSITIVISTA DO BRASIL

O Amor por princípio, e a Ordem por base;

O Progresso por fim.

Viver às claras.                       Viver para outrem.                 Ordem e Progresso.

___________

A Igreja Positivista do Brasil

na hora da transformação de

R. TEIXEIRA MENDES

ex-vice-diretor

Apóstolo da Humanidade, empiricamente surgido da propaganda instituída por Miguel Lemos, e o mais antigo dos membros da Igreja que este fundou no Brasil, da qual o elegeu vice-diretor a 6 de janeiro de 1888.

___________

 

Que prazeres podem exceder os da dedicação?

Não há nada, na vida, irrevogável senão a morte. –

Clotilde de Vaux

Os vivos são sempre, e cada vez mais, governados necessariamente pelos mortos. – Augusto Comte.

Com bom senso e zelo todo mundo pode tornar-se apóstolo da Humanidade... Quanto ao sacerdócio, o seu acesso deve ser rigorosamente interdito aos que não preencherem as condições científicas que ele exige. – Aug. Comte, carta a de Capellen, 11 de Shakespeare de 64 (19 de setembro de 1852).

Paris é a França, o Ocidente, a Terra. – Augusto Comte.

Mas quando a homogeneidade positivista for suficientemente completa, o Ocidente apagar-se-á diante da Terra, e Paris não preencherá mais as diversas condições essenciais de um verdadeiro centro universal. Então a capital definitiva será, para toda a duração da nossa espécie, Constantinopla, que o islamismo conserva em depósito para unir o Oriente e o Ocidente, fundindo as teocracias na sociocracia. – Aug. Comte.

Considerando o advento do catolicismo todos os meus leitores podem sentir que os meus contemporâneos serão sobretudo julgados individual e coletivamente conforme a conduta deles em relação ao Positivismo. – Augusto Comte, Circulares anuais. Edição Lagarrigue, p. 102.

Ao terminar esta circular, repetirei, como o faço todos os anos, que, sejam quais forem os nossos progressos no Brasil, eles se conservarão sempre precários enquanto Paris não tomar a dianteira do movimento regenerador.

É sempre da grande metrópole que esperamos o impulso, a luz, e a direção. – Miguel Lemos, fundador e diretor da Igreja e Apostolado Positivista do Brasil; Circular anual relativa a 1898.

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RIO DE JANEIRO

Na Sede Central da Igreja Positivista do Brasil

Templo da Humanidade: Rua Benjamin Constant, 74

140/1928

 

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SEGUNDA PARTE[2]

 

Principais conselhos e reflexões de R. Teixeira Mendes acerca da situação da Igreja Positivista do Brasil, para manter-se a continuidade dos esforços regeneradores do seu fundador, independentemente do concurso direto dele, Teixeira Mendes, e apesar da fatal ausência de um diretor objetivo da mesma igreja.

Em nossa reunião de 6 de Gutenberg de 129 (sábado, 18 de agosto de 1917) convocada por Teixeira Mendes logo após da [sic] transformação de Miguel Lemos, ocorrida oito dias antes, o nosso pranteado Apóstolo deu-nos a conhecer a sua irrevogável decisão de resignar as funções especiais que exercia em nossa Igreja, de conformidade com as resoluções que mutuamente, ele e Miguel Lemos, se haviam comunicado, na previsão da eventualidade da morte de qualquer dentre eles. Semelhante reunião tinha ainda por fim “assentar nas medidas a tomar para auxiliar, no que estivesse ao alcance dos membros atuais da nossa Igreja, sob a direção subjetiva do seu Fundador e Diretor, os esforços regeneradores deste, à cuja ação objetiva a Fatalidade benévola, porém cega, acabava de pôr termo.”

Tudo o que foi exposto pelo saudoso Apóstolo da Humanidade nessa reunião memorável, realizada em nosso Templo, consta da publicação n. 418, a qual nos servirá aqui de modelo e guia, e que tem por título:

A Igreja e o Apostolado Positivista do Brasil, seu Passado, seu Porvir, seu Presente, na hora da transformação de Miguel Lemos, Fundador e Diretor da mesma Igreja e Apostolado.

Ao fundamentar a resignação das funções especiais que exercia em nossa Igreja, para restringir-se, desde então, ao posto de simples confrade e de livre apóstolo da Humanidade, diz Teixeira Mendes “é minha profunda convicção, que nossa Igreja pode prosseguir na sua vida, interna e externa, sob a direção subjetiva do seu Fundador e Diretor, independentemente do meu concurso objetivo. É essa a minha íntima convicção de longa data, inspirando-me nos ensinos e exemplos de Augusto Comte. De sorte que só aceitamos, há quatorze anos, a substituição interina do Diretor de nossa Igreja, – na administração, e não na direção desta, – por invocar ele o estado de sua saúde, como declaramos na circular respectiva[3]. E havendo ele nos comunicado posteriormente que, no caso de morrer eu antes dele, ele convocaria nossos confrades e lhes confiaria o livre prosseguimento da vida da nossa Igreja, tivemos ensejo de dizer-lhe que também era meu propósito proceder assim, se ele morresse antes de mim.” (Op. cit. p. 58-59).

Teixeira Mendes apelou, então, para os confrades a fim de que tomassem as decisões que estivessem ao alcance deles, “segundo os ensinos da nossa doutrina sempre superior aos seus órgãos quaisquer, e os exemplos de nosso Mestre, com o fito de auxiliar o prosseguimento espontâneo dos esforços regeneradores de Miguel Lemos, resumidos na vida da nossa Igreja até hoje. Ponderei-lhes (escreve, p. 59) que não podiam pretender instituir um Diretor objetivo da nossa Igreja. Porque segundo a nossa doutrina, o processo eleitoral é um expediente anárquico que nunca serviu senão para dissolver gradualmente uma ordem viciosa.

“Um diretor, – como o órgão de qualquer função social, – ou é instituído sistematicamente pelo seu antecessor, segundo as condições que nosso Mestre mesmo estabeleceu, e que os nossos confrades conhecem; ou surge espontaneamente, como surgiu o Fundador e Diretor de nossa Igreja, conquistando gradualmente o ascendente sobre aqueles cuja adesão ele foi aceitando.

“O objetivo portanto de todos nós membros da Igreja fundada por Miguel Lemos, para a fiel propaganda da Religião da Humanidade, deve resumir-se em constatar o que está realmente ao nosso alcance, para auxiliar o prosseguimento espontâneo dos esforços regeneradores do Fundador da nossa Igreja, esforços resumidos na vida dessa Igreja até hoje. Para isso, cumpre antes de tudo, lembrarmo-nos sempre e sempre, na vida íntima como na vida pública, que os vivos são sempre, e cada vez mais, governados necessariamente pelos mortos. É assim que a nossa Igreja, como qualquer Igreja positivista, foi e será eternamente governada realmente, embora subjetivamente, por Augusto Comte, sob o santíssimo padroado contínuo dos seus Três Anjos, resumidos na sua terna e imaculada Inspiradora, Clotilde de Vaux, que é a sua representante suprema da Humanidade.

“Miguel Lemos foi um órgão objetivo desse governo subjetivo de nosso Mestre, em relação à nossa Igreja, e limitou-se, em tal posto, só e só ao que considerou que estava ao seu alcance, segundo os ensinos de nosso Mestre. Como membros da Igreja Positivista do Brasil, devemos imitar o seu exemplo, contribuindo para conservar e desenvolver o grau de organização religiosa já atingido. E, para julgar o que está ao nosso alcance, temos de atender, não às nossas necessidades em absoluto, como se fôssemos teologistas ou metafísicos; não ao que desejamos cegamente, como se fôssemos empíricos simplesmente; porém esclarecidos pela nossa doutrina, com a mais profunda humildade e o mais ilimitado devotamento; com a santa resignação às Fatalidades que nos dominam, e a mais corajosa resolução no que as mesmas Fatalidades deixarem à eficácia de nossa intervenção altruísta, segundo o princípio: Para completar as leis, são necessárias vontades.

“De acordo com essas verdades, – demonstráveis como qualquer concepção positiva, – a missão atual dos membros da nossa Igreja consiste em constatar os encargos que a mesma Igreja estava desempenhando na hora fatal em que se operou a Transformação do seu Fundador e Diretor; e examinar, dentre esses encargos, quais o que cada um se considera nos casos de desempenhar com o assentimento dos outros. E, para regular essa iniciativa e esse assentimento, cumpre-nos obedecer às prescrições explícitas de nosso Mestre, conforme lembramos no começo da reunião.

“Enumerando os encargos atuais da nossa Igreja lembramos que a livre iniciativa de diversos confrades mostrava que tais encargos podiam continuar a ser essencialmente desempenhados, independentemente do meu concurso objetivo, sob o governo subjetivo do Fundador da nossa Igreja.

“À vista da confiança que generosamente em mim depositara o Fundador de nossa Igreja, e da que os nossos confrades benevolamente me dispensavam, terminamos ponderando as vantagens que havia em serem tomadas essas resoluções enquanto estou vivo, em vez de esperarem pela minha morte.”

 

[...]

 

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IGREJA POSITIVISTA DO BRASIL[4]

 

O Amor por princípio, e a Ordem por base;

O Progresso por fim.

Viver para outrem.

Viver às claras.                                               Ordem e Progresso.

 

Expedientes adotados pelos atuais membros da Igreja Positivista do Brasil para facilitar o prosseguimento da vida desta no que depende da ação coletiva.

Em virtude da resolução do nosso confrade Sr. R. Teixeira Mendes, comunicada na reunião de 6 de Gutenberg de 129 (18 de agosto de 1917), em nossa sede à rua Benjamin Constant nº 74, resignando as funções de Vice-Diretor da Igreja, que exerceu por muitos anos em vida do nosso caríssimo Diretor e Fundador, Sr. Miguel Lemos, e confiando aos confrades o livre prosseguimento da vida de nossa Igreja, conforme este lhe comunicara, que faria, caso o Sr. Mendes morresse antes dele, e a declaração do mesmo ao nosso Diretor, de que procederia igualmente se, ao contrário, fosse o Sr. Lemos quem primeiro falecesse, como sucedeu, nós, membros atuais da mesma Igreja, continuando a acatar todas as resoluções de nosso Fundador, nomeadamente as referentes à conservação de nosso Templo e da casa de Clotilde, à continuação da propaganda religiosa na nossa sede e ao preenchimento dos serviços internos de nossa organização, tudo como se acha exposto no opúsculo nº 418, publicado pelo Sr. R. Teixeira Mendes por ocasião do passamento do nosso Diretor, resolvemos, por acordo, adotar os seguintes expedientes para facilitar o prosseguimento da vida da Igreja, no que depende da ação coletiva.

1º – As decisões coletivas dos membros atuais da Igreja Positivista do Brasil serão tomadas, até nova deliberação dos mesmos, por meio de uma Delegação Executiva, constituída de treze pessoas. Esta Delegação Executiva será o órgão dos membros atuais que a aceitarem, e exclusivamente para os fins previamente determinados, pelo que não poderá ela falar em nome da Igreja, em intervenções públicas, e nem instituir-se como seu representante de ordem espiritual.

2º – A Delegação Executiva será formada pelos confrades mais antigos (Senhoras e homens), na ordem de sua admissão na Igreja.

Se qualquer destes membros mais antigos desistir de fazer parte da Delegação Executiva, seu lugar será preenchido pelo confrade que se seguir aos treze primeiros, na ordem de antiguidade de admissão.

3º – Os membros da Delegação Executiva poderão fazer-se representar nos impedimentos temporários ou ocasionais, por outro membro da Igreja, bem como poderão, sem comparecer, apresentar o seu voto por escrito.

4º – As vagas que sobrevierem na Delegação Executiva, por morte ou qualquer outro motivo, serão preenchidas pelos confrades atuais, sempre na ordem de sua antiguidade de admissão, até haver-se esgotado a lista dos mesmos. Daí em diante, as vagas serão preenchidas por escolha do membro que der lugar à vaga, e, em falta desta, pelos membros subsistentes. A escolha do membro que tiver dado a vaga será considerada efetiva, se não forem apresentadas objeções por qualquer dos confrades, dentro de três semanas após a verificação da vaga; e, se ocorrerem objeções, a escolha será decidida pela maioria.

5º – A propaganda positivista na sede da Igreja será feita indistintamente por qualquer confrade que a isso se propuser, baseando-se segundo as tradições da mesma, aos domingos, na leitura do Catecismo (tradução do Fundador) completada por outros trechos do nosso Mestre; e, para as comemorações sociolátricas, na celebração das festas que foram realizadas pelo Diretor, em 15 de agosto, 7 de setembro, e 12 de outubro[5].

Os membros da Igreja que realizarem conferências aos domingos ou comemorações sociolátricas, agirão sempre sob sua responsabilidade pessoal, e não poderão delegar a outros confrades incumbências que devem ser somente da iniciativa individual de cada um. Quando vários confrades se propuserem realizar simultaneamente as conferências dos domingos ou qualquer dessas comemorações, o acordo decidirá quem deve fazê-las; e, não se dando este, prevalecerá a ordem da iniciativa, depois a da antiguidade, e por fim a idade. Quanto aos sacramentos instituídos na Igreja em vida do seu Fundador, serão mantidas as praxes estabelecidas.

6º – A admissão de novos membros da Igreja será feita mediante proposta de três de seus membros, a qual será comunicada em circular dos proponentes a todos os confrades para que estes se pronunciem a respeito, quando julgarem necessário. As observações quaisquer que forem enviadas à Igreja dentro do prazo de três meses após a expedição da circular, serão tomadas em consideração pela Delegação Executiva, que terá a proposta como aprovada desde que não haja objeções; se estas forem apresentadas, decidirá a maioria da Delegação Executiva.

Resolvida a entrada do novo confrade, marcar-se-á, de acordo com ele, a data da cerimônia de sua admissão, que será presidida pelo confrade de sua escolha, servindo de testemunhas especiais dois dos seus apresentantes.

Tratando-se da admissão de uma Senhora, bastará que a proposta seja feita por uma das confreiras, ou, se for ela casada com um membro da Igreja, ou parenta próxima de um destes, pelo próprio marido ou parente. A circular da proposta terá assinatura do apresentante; ficando as testemunhas especiais da admissão à escolha da nova confreira.

7º – Das decisões coletivas da Delegação Executiva será lavrada uma ata, que deve ser assinada pelos membros presentes, ao menos três. Suas resoluções, para serem válidas, salvo caso de urgência, deverão ser tomadas com a presença de mais de seis de seus membros. As deliberações e decisões da Delegação Executiva serão tomadas, salvo urgência ou motivos excepcionais, nas reuniões confraternais dos mercuridias à noite, nas quais devem ser apresentadas quaisquer observações dos confrades sobre as questões tratadas. Caberá aos membros atuais da Igreja, que não estiverem de acordo com as decisões da Delegação reclamar desta a consulta a todos os outros confrades decidindo então a maioria destes, inclusive sobre a admissão dos confrades.

Rio de Janeiro, 5 de Shakespeare de 131 (14 de setembro de 1919)[6].

 

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Relação dos membros da Igreja que assinaram o original dos “Expedientes”, postos em ordem, neste folheto, segundo a data de sua admissão na Igreja, e com a indicação – D – dos que fazem parte da Delegação Executiva:

1 – D – José Mariano de Oliveira: admitido a 29 de Março de 1881, empossado como delegado a 14 de Setembro de 1919.

2 – D – Joaquim Bagueira do Carmo Leal: a. depois de 11 Maio 1881; D. 14 Setembro 1919.

3 – Maria Izabel Gomide Furtado: a. em 1884.

4 – D – João Montenegro Cordeiro: a. 19 Maio 1886; D. 14 Setembro 1919.

5 – Alice Torres de Carvalho: a. 12 Maio 1887.

6 – Trajano Sabóia Viriato de Medeiros: a. 8 Agosto 1888, D. 14 Setembro 1919; retirou-se da Igreja por carta de 5 Novembro 1922; substituído na Delegação Executiva por Otávio B. Carneiro.

7 – João Fernandes da Silva: a. 31 Set. 1891; D. 14 Set. 1919.

8 – D – Oscar Henrique Ferreira: a. 31 Set. 1891; D. 14 Set. 1919.

9 – D – Adelina Torres de Carvalho Figueiredo: a. 19 Ja. 1892; D. 14 Set. 1919.

10 – D – Joaquim da Silveira Santos: a. 5 Set. 1894; D. 14 Set. 1919.

11 – D – Malaquias Pereira da Silva: a. 5 Abril 1897; D. 14 Set. 1919.

12 – D – Ernesto de Otero: a. 5 Abril 1897; D. 14 Set. 1919.

13 – D – Mário Barbosa Carneiro: a. 5 Abril 1897; D. 14 Set. 1919.

14 – D – Luíza Barbosa Carneiro: a. 8 Ja. 1899; D. 14 Set. 1919.

15 – D – Genoveva Adelaide Bagueira Leal: a. 5 Fev. 1899; D. 14 Set. 911[7].

16 – D – Otavio Barbosa Carneiro: a. 12 Fev. 1899; D. 13 Dezembro 1922; substituía Trajano S. V. de Medeiros.

17 – Horário Barbosa Carneiro: a. 23 Abril 1899.

18 – Luciano Godofredo de Souza Pinto: a. 22 Abril 1900.

19 – Maria Teodora de Berredo Carneiro: a. 27 Maio 1909.

20 – Cândido Mariano da Silva Rondon: a. 15 Jul. 1900.

21 – Francisca Xavier da Silva Rondon: a. 15 Jul. 1900.

22 – Corina Ribeiro de Otero: a. 21 Outubro 1900.

23 – Tereza Sílvia Barbosa Carneiro: confirmada a 15 Agosto 1901.

24 – Francisco Farias: a. 22 Dezembro 1901.

25 – Venâncio de Figueiredo Neiva: a. 2 Março 1902.

26 – Júlio Canavarro de Negreiros Mello: a. 27 Abril 1902.

27 – Heloísa Barbosa Carneiro Farias: c. 27 Agosto 1902.

28 – Crizanto Sá de Miranda Pinto: a. 28 Set. 1902.

29 – Renato Barbosa Rodrigues Pereira: a. 9 Outubro 1902.

30 – Pedro Celestino Leivas: a. 9 Outubro 1902.

31 – Carlos Torres Gonçalves: a. 10 Maio 1903.

32 – Rozália Nansi Bagueira Bandeira: c. 24 Setembro 1905.

33 – Dagmar Torres Gonçalves: a. 22 Outubro 1905.

34 – João Luís de Faria Santos: a. 31 Agosto 1906.

35 – Alípio Bandeira: a. 7 Novembro 1906.

36 – João Alfredo Alves de Lira Andrade: a. 25 Novembro 1906.

37 – Pedro Ribeiro Dantas: a. 13 Janeiro 1907; falecido a 5 Maio 1922.

38 – Alice Barroso dos Reis Dantas: a. 13 Jan. 1907.

39 – Manoel Rabello: a. 20 Janeiro 1907.

40 – Clotilde Heloíza Guimarães Cordeiro Rabello: c. 27 Janeiro 1907.

41 – Nicolau Bueno Horta Barbosa: a. 7 Março 1907.

42 – Maria Augusta de Castro Fernandes da Silva: a. 25 Abril 1907.

43 – Joaquina Xaltron Monteiro Esteves: a. 9 Junho 1907.

44 – Clotilde Rozália Teixeira Mendes Horta Barbosa: c. 8 Maio 1909.

45 – Sipriano Godofredo de Carvalho Teixeira Mendes: c. 8 Maio 1909; falecido 8 Maio 1923.

46 – Jéferson Sensburg Vieira de Lemos: a. 26 Dezembro 1909.

47 – Berenice da Silva Horta Barbosa: a. 2 Janeiro 1910.

48 – Frederico Bueno Horta Barbosa: a. 2 Janeiro 1910.

49 – Beatriz Heloíza Guimarães Cordeiro Rodrigues Pereira: c. 28 Janeiro 1912.

50 – Justa Barbosa da Silveira: a. 22 Fevereiro 1912.

51 – Amaro Correia da Silveira: a. 22 Fevereiro 1912.

52 – Washington Barbosa Rodrigues Pereira: a. 10 Março 1912.

53 – Luís Dodsworth Martins: a. 13 Julho 1913.

54 – Izabel Ofélia Bagueira Leal: c. 3 Agosto 1913.

55 – Maria Rita Marchand Bittencourt Miranda Pinto: a. 24 Maio 1914.

56 – Amélia Barbosa Rodrigues Pereira Teixeira Mendes: a. 26 Novembro 1914.

57 – Sílvio Vieira Souto: a. 25 Abril 1915.

58 – Cipriano César de Carvalho Lemos: c. 11 Maio 1919.

Dos 70 membros da Igreja que existiam, por ocasião do falecimento de Miguel Lemos, a 10 de Agosto de 1917, 4 deixaram de assinar os “Expedientes”: Raimundo Teixeira Mendes, de acordo com o exposto no preâmbulo dos mesmos, Pedro Barreto Galvão, de acordo com a declaração que publicou no Jornal do Comércio de 22 de Setembro de 1920 (tendo depois, no Jornal do Comércio de 1 Julho 1923, declarado não ser mais positivista), e Antônio Rodrigues Pereira e sua esposa D. Alzira Albernaz Rodrigues Pereira sem declaração de motivo; 3, que estão ausentes, ainda não assinaram: D. Maria Augustine Lejeune Barros, D. Berta Arminda de Mello Nunes e D. Júlia Viacava de Paiva; 4 haviam falecido: D. Heloíza Elvira de Oliveira Lemos, D. Dulcina Bermann de Borges Bagueira Leal, Manuel Luís de Mello Nunes e Bernardino Cândido de Carvalhoo; um se havia retirado, por carta de 23 de Novembro de 1917, e outro se retirou por carta da data dos “Expedientes”; entre os 70 não figura um dos signatários, o último da relação, o qual, só posteriormente foi confirmado.

As Bases da organização da Igreja constam dos folhetos ns. 116, 196, 207 etc., e 418.

 

Rio de Janeiro, 15 de César de 136 – 6 de Maio 1924.

 

 

Venâncio de Figueiredo Neiva.

 

Encarregado do expediente da Igreja[8]

 



[1] Opúsculo n. 503, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1928, p. 15-18, 46-49. A ortografia foi atualizada. Agradecemos a indicação feita por Hernani Gomes da Costa. Na seqüência reproduz-se o opúsculo n 5 do ano 131 (1919), com segunda edição em 136 (1924).

[2] Páginas 15 a 18 do opúsculo.

[3] Nota da Delegação Executiva: “Ver o Apêndice”.

[4] Páginas 46 a 49 do opúsculo. Reprodução do opúsculo n 5 do ano 131 (1919), com segunda edição em 136 (1924).

[5] Respectivamente: Festa da Mulher, Independência do Brasil (glorificação de José Bonifácio) e Descoberta da América (festa de Colombo).

[6] Nota da Delegação Executiva: “Esses Expedientes constam da nossa publicação nº 5 do ano 131-1919. Na reedição que dela se fez em 1924 foram incluídos os nomes dos confrades que assinaram os Expedientes posteriormente, tendo figurado aí por equivoco o do confrade Pedro Celestino Leivas”.

[7] Sem dúvida se trata de erro de composição; a data correta é 1919.

[8] Termina aqui o opúsculo n 5 do ano 131 (1919), com segunda edição em 136 (1924).