No dia 3 de Shakespeare de 169 (12.9.2023) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista - em sua "Oitava conferência", dedicada à filosofia das ciências superiores, isto é, à Sociologia e principalmente à Moral.
Em seguida, na parte do sermão, abordamos como o Positivismo considera o otimismo, o pessimismo e o "negativismo".
Antes da prédica, fizemos alguns comentários sobre o livro do jornalista investigativo do jornal The New York Times Max Fisher, A máquina do caos - como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo (São Paulo: Todavia, 2023). Entre muitos aspectos, e apesar de certas limitações intelectuais e morais do autor, o livro indica como as redes sociais (especialmente o Facebook e o Youtube) de maneira consciente e intencional atuam no sentido de viciar os seus usuários e de estimular a polarização política e social.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://ury1.com/Dhbnz) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/kysA0). O sermão começou aos 58' 08" do vídeo do canal Igreja Positivista Virtual.
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Otimismo e pessimismo à luz do Positivismo
- À primeira vista, é extremamente natural falar-se em “otimismo” (e até em “pessimismo”) no âmbito do Positivismo
o Em um sentido ingênuo e popular, as expressões “positivismo”, “positividade” e “espírito positivo” equivalem a otimismo, a uma esperança geral e difusa, a uma boa vontade também geral e difusa
§ Assim, por exemplo, em seu primeiro mandato, Lula afirmou que seria necessário mais “positivismo no Brasil”
o Essa associação do Positivismo com o otimismo não está errada e pode ser incluída no Positivismo; mas, ao mesmo tempo, ela é imprecisa, vaga e pode originar desvios intelectuais, morais e práticos, de modo que tem que ser devidamente avaliada e corrigida
o A partir da associação ingênua e popular do Positivismo com o otimismo, também podemos considerar as relações do Positivismo com o pessimismo e com algo chamado de “negativismo”
- Comecemos então com os sentidos da palavra “positivo”:
o A origem da expressão “positivismo” vincula-se ao conhecimento positivo, isto é, real, efetivo, verdadeiro; daí também a expressão “ciências positivas”, conforme usado, por exemplo, por Francis Bacon
§ Por extensão, em uma primeira abordagem, muito básica, o Positivismo refere-se àquilo que é real, que é verdadeiro, que é efetivo
§ Com gigantesca e escandalosa freqüência, as definições que manuais e vídeos de Sociologia, Moral e Filosofia dão do Positivismo limitam-se a esse conceito básico
· Esse conceito em si mesmo não está errado, mas é tão limitado e tão básico que, no final das contas, ele sugere e daí deduz uma concepção de Positivismo que é (total ou majoritariamente) errada
· É necessário dizê-lo com clareza: manuais e vídeos que adotam esse conceito são intelectualmente molengas, covardes e, no limite, desonestos, ao preferirem repetir frases feitas a partir da lei do mínimo esforço (ou do nenhum esforço)
o Todavia, apenas a “realidade” não basta, seja porque o “realismo” tem que ser complementado por outros atributos próximos, seja porque precisamos e aplicamos outros parâmetros
§ Além disso, o desenvolvimento do Positivismo na obra de Augusto Comte acrescentou parâmetros inauditos à primeira vista
§ Daí os sete sentidos indicados por Augusto Comte no Apelo aos conservadores: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático
N. |
Acepção |
Opõe-se a |
Estatuto teórico |
1. |
Real |
Irreal (fictício) |
Condições fundamentais |
2. |
Útil |
Inútil |
|
3. |
Certo |
Incerto |
Atributos intelectuais |
4. |
Preciso |
Vago |
|
5. |
Relativo |
Absoluto |
Propriedades sociais |
6. |
Orgânico |
Crítico |
|
7. |
Simpático |
Antipático (ou egoísta) |
Fonte moral |
o Das acepções acima, na minha opinião, o que se distancia, delimita e modifica o “real” são o “útil”, o “orgânico” e o “simpático”
§ O útil estabelece uma delimitação muito clara e direta, embora nem sempre seja compreendida nem devidamente aplicada
§ O orgânico relaciona-se com o relativo e, de qualquer maneira, é o que distancia o “positivo” da metafísica
§ O simpático, ao afirmar o caráter moral do Positivismo, dá um conteúdo que lembra com clareza que a inteligência e a prática não podem, nunca, separar-se do altruísmo
o Dito isso, em que sentido podemos considerar que o Positivismo é uma forma de otimismo?
§ De duas formas que, com freqüência, combinam-se na mentalidade popular: por um lado, com a esperança; por outro lado, com a simpatia
§ No que se refere à esperança, as leis naturais permitem-nos prever o que será a partir do que é e, com isso, permite-nos agir adequadamente; ou, por outra, como a verdadeira esperança é aquela que se baseia na realidade, o Positivismo, ao indicar-nos o que pode e o que não pode ser feito, permite-nos desenvolver uma adequada confiança nas possibilidades humanas
§ No que se refere à simpatia, o Positivismo afirma que todos devemos ser altruístas: a lei-mãe da Filosofia Primeira estabelece que devemos elaborar sempre a hipótese mais simples, mais sintética, mais estética e mais altruísta, o que equivale a basicamente ver com bons olhos os seres humanos
- Entretanto, afirmada a esperança e o altruísmo no Positivismo, temos que ter clareza de que ele não é um providencialismo:
o O providencialismo é aquela postura geral frente ao mundo que considera que tudo está bom, que tudo é perfeito, que não há nada de errado no mundo
§ Essa postura tem clara origem teológica (em particular monoteísta), ao considerar que a divindade – onisciente, onipotente e onibondosa – criou o mundo com perfeição
· Essa origem teológica já evidencia que o providencialismo incorre no vício intelectual e moral do espiritualismo
§ A concepção metafísica mais geral, a da Natureza, muitas vezes também recai no providencialismo; muitos cientistas (especialmente matemáticos, astrônomos e físicos) com freqüência adotam uma perspectiva providencialista
§ Leibniz propôs a concepção (metafísica) de que vivemos no melhor dos mundos possíveis; Voltaire ridicularizou essa concepção em seu Cândido, ou o otimismo
§ É certo que essa perspectiva caracteriza-se por grande altruísmo, mas: é um altruísmo vago e, acima de tudo, é uma concepção que falha miseravelmente na parte da realidade (isso para não mencionar a parte da utilidade)
§ Além disso, é necessário notar também que o providencialismo estimula a passividade
o A realidade é extremamente imperfeita
§ Se por vezes isso não é evidente, a mera necessidade de termos que realizar uma série interminável de aperfeiçoamentos no mundo e na vida deveria acabar com qualquer pretensão providencialista
§ Afinal de contas, só podemos aperfeiçoar o que é imperfeito
o No que se refere ao providencialismo, por vezes aparece uma tradução para o português da máxima “vivre au grand jour” que tem um aspecto providencialista – o que já deveria indicar que essa tradução é errada
§ O francês “vivre au grand jour” é traduzido como “viver às claras”
· O francês jour significa tanto “dia” quanto “claridade”, “clareza” em português
§ Mas há pessoas que não conhecem o francês – e/ou não conhecem a tradução consagrada – e palpitam traduzir como “viver para o grande dia”
§ O problema de “viver para o grande dia” é que sugere que o Positivismo adota um messianismo e/ou um milenarismo, ao afirmar um suposto “grande dia”, alguma coisa como “o juízo final” – o que deveria ser muito claro que não corresponde, de maneira nenhuma e nunca, ao Positivismo
- Passando para o pessimismo em face do Positivismo:
o Considerando os aspectos indicados acima, parece claro que não há muito espaço para o pessimismo no âmbito do Positivismo
o Evidentemente há momentos em que podemos ficar pessimistas; mas ficar pessimista em alguns momentos, em algumas ocasiões, a respeito de alguns assuntos, é muito diferente de assumir o pessimismo como uma postura geral perante a vida
§ De modo geral, o Positivismo adota uma perspectiva otimista em relação ao ser humano e uma esperança a respeito do seu aperfeiçoamento
o Muitas filosofias são “pessimistas” porque conjugam um suposto “realismo” com um estímulo a estados mórbidos
§ Sobre o suposto “realismo”:
· Ele adota uma perspectiva negativa do ser humano, negando totalmente o altruísmo e também o desenvolvimento histórico e considerando que o ser humano é sempre egoísta e que ele nunca muda ao longo da história
· Essa concepção, que é largamente herdeira do monoteísmo cristão, com facilidade descamba em ou justifica o cinismo
· Da mesma forma, esse “realismo” antialtruístico justifica um amoralismo que, na verdade, é apenas uma desculpa para o imoralismo
· Além disso, muitos pessimistas adotam uma perspectiva e/ou um comportamento blasé, de ironia e/ou desprezo fácil e incoerente em relação aos esforços de aperfeiçoamento humano
§ Sobre os estados mórbidos:
· O pessimismo conduz a negar as alegrias da vida e, com isso, a tirar toda a satisfação nas atividades
· Daí, os indivíduos não se satisfazem com o convívio social nem com suas atividades individuais: o resultado é a depressão
· Como esse quadro moral não tem solução, os assim chamados pessimistas vivem em uma situação contraditória, consciente ou inconscientemente, obtendo satisfação com suas atividades e com o convívio social e reconhecendo possibilidades de melhorias, mas fingindo que nada disso ocorre
- A respeito de um suposto “negativismo” como oposto ao Positivismo:
o Por vezes já ouvi perguntarem-me a respeito do que seria um suposto “negativismo” como contrário ao Positivismo
o Uma possibilidade inicial pode ser o pessimismo, que comentamos acima
o Uma outra possibilidade desse “negativismo” dar-se-ia pela negação dos sentidos da palavra “positivo”; assim, o negativismo seria o irreal, o inútil, o incerto, o impreciso, o absoluto, o crítico e/ou o antipático
o Dependendo da referência, podemos considerar que esse negativismo como antítese do Positivismo seria a teologia (irreal, incerta, impresa e absoluta) ou talvez a metafísica (irreal, incerta, imprecisa, absoluta, crítica e antipática)
§ Apesar de seu irrealismo, a teologia afirma coisas e, nesse sentido, ela não é negativista, no sentido de que ela não nega coisas
§ Por outro lado, nem toda metafísica é puramente negativa; por exemplo, Platão desenvolveu u’a metafísica que atuou como solvente do politeísmo e como preparatória para o monoteísmo
§ Mas a metafísica moderna, começando com o protestantismo e seguindo pelo liberalismo e pelo espírito revolucionário consagrado pelo marxismo e chegando aos pós-modernos atuais, é cada vez mais negativista
§ Essa metafísica moderna, apesar de profundamente negativista, é claro que muitas vezes tem que se haver com a realidade concreta e, aí, de maneira profundamente contraditória, vê-se obrigada a aceitar a positividade, como na frase de Trótski: “pessimismo da razão, otimismo na prática”
- Em suma:
o O Positivismo aceita e estimula um certo otimismo, seja em relação aos seres humanos em geral, seja em relação às nossas possibilidades de atuação
§ Mas esse otimismo de fundo exige sempre ser temperado pela prudência e pelo cuidadoso conhecimento das realidades que vivemos
§ Além disso, esse otimismo não pode nunca ser confundido com o providencialismo
o Por outro lado, de maneira inversa ao otimismo, é possível dizer que somos contrários ao pessimismo como postura de vida
o No que se refere ao “negativismo”, especialmente da metafísica moderna, somos totalmente contrários a ele