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18 fevereiro 2025

Sobre simpatia e esperança

No dia 21 de Homero de 171 (18.2.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores, em sua "Introdução".

No sermão abordamos a simpatia e suas relações com a esperança, em termos individuais e coletivo, indicando a sua importância para a felicidade individual e a ação política.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=IX-4oJlYZrk&t) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/1269497177455746).

As anotações que serviram de base para a exposição oral estão disponíveis abaixo.

*   *   *

Sobre simpatia e esperança

(21 de Homero de 171/18.2.2025) 

1.       Abertura

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Como somos uma igreja, ministramos os sacramentos: quem tiver interesse, entre em contato conosco!

2.4.    Precisamos de sua ajuda; há várias maneiras para isso:

2.4.1. Divulgação, arte, edição de vídeos e livros! Entre em contato conosco!

2.4.2. Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Datas e celebrações:

3.1.    Dia 20 de Homero (17.2): nascimento de Agliberto Xavier (1869) e transformação de Paulo Carneiro (1982)

3.2.    Dia 24 de Homero (21.2): nascimento de Pierre Laffitte (1823)

3.3.    Dia 27 de Homero (24.2): nascimento de Teófilo Braga (1843)

3.4.    Dia 1º de Aristóteles (26.2): Live AOP com Érlon

4.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

4.1.    Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

4.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

4.1.1.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

4.1.1.2.             Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

4.1.2. A religião estabelece parâmetros morais, intelectuais e práticos para a existência humana e, portanto, orienta a política, estabelece as suas metas, as suas possibilidades e os seus limites

4.1.2.1.             A religião, conforme o Positivismo estabelece, não é sinônima de “teologia”

4.2.    Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

4.3.    O capítulo em que estamos é a “Introdução”, cujo subtítulo é “Advento dos verdadeiros conservadores”

4.4.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

5.       Uma observação preliminar sobre as prédicas

5.1.    O objetivo das prédicas é expor a Religião da Humanidade, em suas concepções e em suas aplicações, ao maior público possível, ou seja, é popularizá-la

5.2.    Devido a esse motivo, evitamos a todo custo exibições de erudição

5.2.1. É claro que não se trata de rejeitar o conhecimento das coisas; as vistas gerais, exigidas por Augusto Comte, impõem o conhecimento de muita coisa

5.3.    Entretanto, há vários motivos que nos levam a rejeitar a ostentação da erudição:

5.3.1. A clareza na exposição

5.3.2. A rejeição do academicismo e do cientificismo

5.3.3. O seguir a recomendação didática de Augusto Comte: apresentar idéias a partir de casos claros e decisivos

5.4.    Este nosso esclarecimento é importante porque muita gente considera, mesmo sem admitir ou sem expressar publicamente, que exposições claras e diretas seriam simplistas, pobres e sem valor

5.4.1. Quando nós citamos, de modo geral citamos Augusto Comte, Clotilde de Vaux e os apóstolos da Humanidade (Miguel Lemos e Teixeira Mendes); procuramos restringir as citações a eles por questões de culto e de respeito, mantendo ao mesmo tempo nossas exposições claras e despretensiosas

6.       Sermão: Simpatia e esperança

6.1.    O tema que desejamos abordar hoje é um ótimo exemplo de temas e questões que têm uma origem afetiva e grandes conseqüências intelectuais e práticas políticas, diretas e indiretas

6.1.1. O que desejamos fazer é uma pequena reflexão ao mesmo tempo filosófica, sociológica e, claro, moral

6.1.1.1.             Apenas a título de comentário lateral: se eu incluísse muitas citações eruditas e referências bibliográficas, estas reflexões poderiam ser apresentadas como um “ensaio filosófico” acadêmico – o que, como comentamos há pouco, resolutamente não desejamos

6.1.2. O título que selecionei é apenas “simpatia e esperança”; esse título apresenta de maneira clara dois aspectos que nos interessam, mas, na verdade, queríamos dar um título um pouco maior: “amor, altruísmo, simpatia, generosidade – e esperança”

6.2.    Augusto Comte adotava, especialmente na fase religiosa, um procedimento ao mesmo tempo rico e sintético, a “polissemia”, em que usava uma palavra para expressar diferentes idéias, ou, dito de outra forma, ele usava uma palavra e ampliava bastante os seus sentidos

6.2.1. Uma palavra exemplar é “amor”, que cobre uma ampla variedade de sentidos: amor, altruísmo, simpatia, generosidade; o amor pode ser a fraternidade, o filial, o paterno, o materno; a simpatia pode ser a empatia, a amizade fraterna, a inclinação generosa, uma boa vontade geral para com os outros

6.2.2. É claro que cada palavra tem seu próprio sentido específico, ou melhor, seu próprio campo semântico; Augusto Comte não nega nem finge que não é assim; a polissemia que ele adota é um recurso filosófico e artístico, ao mesmo tempo sintético e afetivo

6.3.    Ao mesmo tempo, o dogma positivo e as fórmulas religiosas e práticas indicam de maneira reiterada que os sentimentos são a base de nossa existência, havendo conseqüências intelectuais e práticas disso: “o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”; “agir por afeição e pensar para agir”

6.4.    No caso da simpatia, Augusto Comte usa-a em pelo menos duas ocasiões: (1) ao enumerar os sete sentidos da palavra “positivo”, no Apelo aos conservadores (real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático), e (2) no enunciado da lei-mãe da filosofia primeira (“formular a hipótese mais simples, mais estética e mais simpática que comporte o conjunto de dados a representar”)

6.4.1. Como veremos, esses dois usos da simpatia estão estreitamente vinculados e têm inúmeras conseqüências

6.4.2. De modo geral, nós, positivistas, entendemos a palavra “simpatia” significando: (1) seguir a inspiração afetiva, (2) seguir a orientação altruísta, (3) estimular o altruísmo, a generosidade, a empatia, (4) ter uma boa vontade geral de princípio para com os outros

6.5.    A simpatia, assim, embora esteja evidentemente próxima do amor, é mais próxima do altruísmo que do amor propriamente dito, pois ela é mais geral, mais superficial e menos específica

6.5.1. O amor propriamente dito tem sempre um objeto específico: nossos cônjuges, nossos pais, nossos filhos, nossos irmãos, nossos parentes, nossos amigos; não por acaso a família é o âmbito social próprio ao cultivo dos sentimentos

6.5.2. Aliás, também porque o amor exige um objeto específico que é necessária a representação da Humanidade com imagens

6.6.    O que sugerimos aqui é que o altruísmo exige a simpatia para realizar para além das relações domésticas (ou “familiares”); ou, talvez, o altruísmo para além das relações domésticas consiste na simpatia

6.6.1. A proximidade nas relações sociais torna-se bastante evidente aí: esse é um dos motivos porque Augusto Comte afirmava que as mátrias do futuro têm que ser, necessariamente, pequenas

6.7.    Podemos passar agora diretamente para o tema deste sermão: a concepção positivista de que as idéias e as ações baseiam-se em sentimentos de fundo é ilustrada com clareza nas relações entre simpatia e esperança

6.7.1. Nossas vidas são sempre dedicadas a viver para outrem; o Positivismo evidencia essa orientação e torna-a a base da moral, de modo a conjugar a lei do dever com a regra da felicidade individual

6.7.2. Ao vivermos para outrem, cada um de nós deve orientar suas atividades para outrem, mesmo que seja apenas em termos subjetivos, isto é, apenas em termos de intenções

6.7.3. Pois bem: essa orientação das nossas ações para os outros (mesmo que seja uma orientação apenas em termos de intenções) exige sempre a simpatia para com os outros, isto é, a boa vontade para com os outros

6.7.4. Se não temos boa vontade, se não temos simpatia, não é possível de verdade vivermos para outrem; nesse caso, vivemos de maneira egoísta e mesquinha e/ou somos hipócritas a respeito do viver para os outros

6.7.5. A boa vontade geral para com os outros é a condição para vivermos para os outros; além disso, a simpatia estimula por si só as vistas gerais (ou seja, a simpatia estimula a síntese) e a colaboração (a simpatia estimula a sinergia)

6.7.5.1.             Outra conseqüência da simpatia é que a boa vontade para com os demais estimula a boa vontade em relação ao futuro, o que, em termos simples, é a esperança

6.7.6. Tanto a simpatia, ou a boa vontade básica geral, quanto a esperança não impedem nem negam o reconhecimento de que a vida implica dificuldades e que há problemas em muitas coisas: o realismo próprio à positividade garante-o

6.7.6.1.             É o mesmo realismo que permite e exige que se reconheça problemas e dificuldades que nos conduz a adotarmos uma perspectiva equilibrada da vida e a reconhecermos que o que somos hoje, de bom e de ruim, baseia-se no passado, que a longo prazo as coisas estão melhorando e que a ação humana esclarecida e altruísta é o que permite as melhorias

6.7.6.2.             O realismo da positividade exige, então, um equilíbrio nas apreciações

6.7.6.2.1.                   Essa necessidade de equilíbrio é ilustrada de maneira... simpática no livro A luneta mágica, de Joaquim Manuel de Macedo, de 1869

6.7.7. Duas outras conseqüências do primado da simpatia na positividade e na formulação elementar de hipóteses são as seguintes:

6.7.7.1.             Por um lado, um bom humor básico e geral: como dizem, “rir é o melhor remédio”

6.7.7.2.             Por outro lado, a adoção de perspectivas positivas e afirmativas na elaboração inicial de apreciações, recomendações, condutas e exemplos; apenas depois e secundariamente apresentar críticas, recriminações, punições

6.7.7.2.1.                   Isso é estrondosamente válido para a pedagogia; deveria ser óbvio que é também válido para a política prática e, inversamente, para a regulação dos sentimentos e a elaboração de idéias

6.8.    Essas considerações sobre a simpatia, o viver para outrem e a esperança podem parecer banais e sem relevância quando não temos nenhum contexto; então, vale a pena considerarmos a situação oposta, ou seja, quando não temos simpatia para com os demais

6.8.1. A antipatia básica de todos para com todos é curiosamente uma característica do Brasil dos últimos 30 ou 40 anos

6.8.1.1.             É claro que é uma antipatia que por vezes se mistura com simpatia e que portanto depende do que estamos considerando

6.8.1.2.             Tornou-se o discurso-padrão, em livros escolares e acadêmicos de História e Sociologia do Brasil, bem como em discursos políticos, adotar uma perspectiva “realista” do nosso país

6.8.1.3.             Esse realismo consiste em larga medida, às vezes quase exclusivamente, em reclamações, críticas e destruições sistemáticas da nossa história, dos nossos antepassados, das nossas origens: em nome da “criticidade”, nada nunca presta, todos sempre foram ruins, burros, desonestos, covardes, mentirosos, exploradores, humilhadores etc.; cada uma das etapas da nossa história foi ruim, bem como o conjunto do que veio antes (e “antes” = “precisamente neste momento”)

6.8.1.3.1.                   Como cada etapa anterior de nossa história foi ruim, desprezível, humilhante, degradante etc., cada uma delas exige sua repulsa intelectual e política; daí a necessidade constante e periódica de rupturas e reinícios: em grandes linhas é assim que se apresenta a história do Brasil

6.8.1.3.2.                   Se nossa história é só mentira, miséria, exploração e degradação, logo se impõe a pergunta: por que deveríamos perder tempo com o nosso país? Por que deveríamos perder tempo preservando o que quer que seja do país, a começar por nossos concidadãos mas passando pelas instituições e pela memória?

6.8.1.4.             Considerações semelhantes podem ser feitas a respeito do Ocidente

6.8.1.5.             A perspectiva geral negativa oferece então um quadro desequilibrado e, portanto, irrealista; não há realismo aí, apenas uma “criticidade” generalizada, isto é, destruição e autorrejeição generalizadas

6.8.1.6.             Essa criticidade generalizada e irrealista é própria da revolta metafísica contra a história, que resulta em perspectivas intelectuais e sentimentos anti-históricos, que buscam sempre rupturas e recomeços

6.8.2. Um exemplo disso é o livrinho O Brasil no império português, de Luiz Carlos Baptista de Figueiredo e Janaína Passos Amado Baptista Figueiredo (Zahar, 2000)

6.8.2.1.             Todas as palavras dos autores a respeito de Portugal são críticas, destruidoras e negativas; Portugal não teria nunca feito nada de bom, correto, útil, valoroso, corajoso

6.8.2.2.             Assim, é inescapável terminarmos de ler esse livro com duas impressões (que, é bom realçarmos, os autores não apresentam): (1) por termos sido colonizados por Portugal, o Brasil não presta e (2) seguindo uma concepção difundida, melhor teria sido se tivéssemos sido colonizados pelos franceses, ou melhor, pelos ingleses, pelos alemães ou pelos neerlandeses

6.8.3. Um outro exemplo, mais concreto e mais imediato, é dado pelo identitarismo: de maneira radical, o identitarismo ilustra muito bem os vínculos entre simpatia, viver para outrem e esperança, ou melhor, inversamente, os vínculos entre antipatia, particularismo e desesperança

6.8.3.1.             O identitarismo baseia-se em um conjunto de concepções: apenas quem partilha de um traço específico de identidade é bom, correto e valoroso; essas pessoas, que constituem minorias, são por definição exploradas e humilhadas pela “maioria”; a par da necessária e eterna humilhação, o sentimento que move a minoria identitária é o ressentimento; quem não integra esse grupo (1) ou também é humilhado, explorado e movido pelo ressentimento (2) ou é humilhador e explorador: em outras palavras, o sentimento de ódio é a mola propulsora dessa concepção intelectual, que se baseia em e estimula o particularismo

6.8.3.2.             Enfim: o identitarismo estimula o ódio social e afirma o particularismo social e de vistas; a noção de “lugar de fala” ilustra com perfeição essas limitações; é difícil de verdade entender porque, em tal situação, deve-se “viver para os outros” e, ainda mais, é difícil perceber qualquer esperança verdadeira em tal quadro: não há como melhorar, não há chance de as coisas mudarem; os humilhadores/exploradores sempre serão assim

6.8.3.2.1.                   Como o particularismo exclusivista é insustentável em termos políticos e intelectuais, mesmo a solução identitária para isso – o conceito e a prática de “intersetorialidade” – mantém o particularismo e consiste apenas na justaposição tática de vários particularismos, mantendo-se em todo caso o ódio social como base afetiva

6.8.3.2.2.                   Os defensores do identitarismo afirmam que essas concepções são justificadas pela realidade, pela profundidade, pela extensão e pela urgência das discriminações enfrentadas: sem negar muitos desses problemas, a dificuldade radical com isso está em que, como os exemplos gritantes de Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela – e muitos e muitos outros – ilustram, problemas reais, profundos e urgentes podem ser tratados de diferentes maneiras, em particular de maneiras generosas e amplas, em vez de mesquinhas e estreitas

6.8.3.3.             O identitarismo baseia-se em maus sentimentos, articula-se em idéias ruins, resulta em uma prática desastrosa: se as conseqüências sociais disso são péssimas, em termos individuais elas também são: a ausência de esperança deprime e o ódio e o ressentimento impedem que vínculos mais amplos, mais profundos, mais sinceros, até mais leves, sejam constituídos; aí não há lei do dever (pois não há vínculos compartilhados nem obrigações mútuas), nem a possibilidade de felicidade individual

6.9.    Em suma:

6.9.1. Seguindo uma regra sugerida por Augusto Comte, que a derivou diretamente da noção de positividade e de simpatia, devemos sempre propor inicialmente nossos parâmetros de maneira afirmativa, positiva

6.9.1.1.             Dessa forma, a simpatia é um princípio moral, filosófico e prático realmente necessário para a vida coletiva, ao estimular a boa vontade básica geral de todos para com todos, a boa fé e a abertura para desenvolvermos relações duráveis e construtivas; isso tudo baseia-se em e estimula as vistas gerais; com isso, vivemos para os outros, conseguindo assim ao mesmo tempo termos esperança no futuro e realizarmos a lei do dever e a felicidade individual

6.9.2. É claro por vezes podemos então definir nossos parâmetros de maneira negativa

6.9.2.1.             A antipatia, a ausência de simpatia, o ódio, o ressentimento impedem a boa vontade básica geral, constituem o particularismo e o exclusivismo, impedem a esperança, impedem a lei do dever e resultam em profunda infelicidade, além de promoverem a irracionalidade na apreciação da história e da vida coletiva

7.       Exortações finais

7.1.    Sejamos altruístas!

7.2.    Façamos orações!

7.3.    Como somos uma igreja, ministramos os sacramentos: quem tiver interesse, entre em contato conosco!

7.4.    Precisamos de sua ajuda; há várias maneiras para isso:

7.4.1. Divulgação, arte, edição de vídeos e livros! Entre em contato conosco!

7.4.2. Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

8.       Término da prédica

07 janeiro 2025

Teixeira Mendes: Altruísmo, ciência da moral, vida em família e regulação religiosa

O belo trecho abaixo, escrito por Teixeira Mendes, está no início do capítulo quarto (“Novembro – abandono sem reserva”) do imponente O ano sem par, que é uma biografia escrita em 1900 sobre Augusto Comte e Clotilde de Vaux no período em que ambos relacionaram-se, ou seja, entre abril de 1845 e abril de 1846[1]. Em termos da vida conjunta de Augusto Comte e Clotilde, o trecho abaixo serve como introdução à fase dessa vida em que Clotilde passava a ter problemas crescentes com sua mãe mas, ao mesmo tempo e felizmente, já tinha grande confiança no respeito e no carinho do filósofo por si, de modo que, confiando nele, podia expandir-se afetivamente e buscar apoio nele para emergentes dificuldades familiares e antigas dificuldades domésticas.

Como de hábito nos textos positivistas, em particular nos de Augusto Comte e também nos de Teixeira Mendes, a riqueza dos comentários é impressionante, em que poucas linhas condensam reflexões das mais diversas ordens. Assim, a clareza e a beleza da exposição abaixo, bem como a rica concisão das idéias, motivaram-nos a reproduzir o trecho abaixo, para maior divulgação.

As reflexões abaixo lembram-nos das belezas e dos prazeres da vida doméstica, que, em situações normais (ou seja, em situações reguladas religiosamente), estimulam o altruísmo, comprimem o egoísmo e compensam as dissensões externas, a partir da intimidade, da confiança e do respeito mútuo do casal fundamental de cada família. O trecho abaixo também lembra que, inversamente, em épocas revolucionárias, em que essas intimidade e essa confiança são fragilizadas e criticadas, a vida doméstica deixa de ter ou tem menos a capacidade de proteger-nos e preparar-nos para a vida social mais ampla, além de compensá-la.

O texto abaixo aborda igualmente a ciência da moral, em vários sentidos. Por um lado, aborda-se o desenvolvimento da ciência da moral, em termos de conhecimento do ser humano mas também das exigências morais, intelectuais e práticas para que esse conhecimento (e a prática dele decorrente) seja elaborado. Por outro lado, o trecho expõe uma explicação sintética de uma das questões teóricas e práticas mais difíceis de serem entendidas – pelo menos no Ocidente, à luz do egoísmo materialista herdado tanto da teologia quanto do cientificismo –, a saber, a da primazia do altruísmo sobre o egoísmo e da relação entre ambos.

Contra o presentismo próprio à nossa época, que é aliás estimulado pelo cientificismo e pelo academicismo, todas essas considerações têm um valor permanente, ou seja, eram corretas em 1845 (quando Augusto Comte e Clotilde relacionaram-se), eram corretas em 1900 (quando Teixeira Mendes escreveu o texto abaixo) e são corretas em 2025 (quando escrevemos estes comentários). Mas, além disso, elas mantêm uma impressionante atualidade – como, de resto, o Positivismo e, claro, a Religião da Humanidade –, ao percebermos que elas abordam e resolvem questões tratadas como “atuais” nos dias de hoje.

Nesse sentido, a valorização da vida em família vai feliz e frontalmente contra os hábitos morais e políticos contemporâneos, na medida em que, em particular, grande parte do feminismo contemporâneo rejeita ou despreza a vida em família. Afirmando a necessidade de “tornar político o que é privado”, o feminismo estranhamente denuncia a família como um esquema criado pelos homens (o “patriarcado”) para oprimir as mulheres, resultando de uma única vez em que:

1)     em nome de uma crítica necessária às concepções retrógradas da família, promovidas pela teologia e que consideram que o chefe da família é dono (e dono absoluto) dos demais membros da família, o feminismo “joga fora o bebê juntamente com a água do banho”;

2)     a família é entendida unicamente como fonte de opressão e não como resguardo, local de intimidade, fonte de estímulo do altruísmo e fonte de aperfeiçoamentos efetivos;

3)     a família é negada e desprezada, em vez de ser afirmada, valorizada, respeitada e orientada para uma realização digna e valorizadora de homens e mulheres e de seu relacionamento terno e mutuamente cuidadoso e respeitoso;

4)     a família é “denunciada”, ou seja, é entendida sob as luzes da violência própria ao poder Temporal (“tornar político o que é privado”), em vez de mantê-la sob a delicadeza do poder Espiritual e de vincular de maneira efetiva e construtiva as existências privada e pública;

5)     em nome de supostamente valorizar as mulheres, na verdade desqualifica-as ou despreza-as, tornando-as iguais, ou melhor, idênticas aos homens; ao mesmo tempo, de maneira muito confusa (resultando então em hipocrisia), alega querer defender as mulheres e, aí, afirma a diferença das mulheres em relação aos homens (embora com a desvalorização dos traços específicos às mulheres).

6)     A partir do conjunto dos problemas indicados acima, torna-se mais evidente e mais chocante a afirmação corrente de que “falta amor no mundo atual”: com certeza o desprezo político da família não contribui para reverter essa falta de amor e, ao contrário, estimula muito a violência.

7)     Vale notar que a virulência e a dureza do feminismo – virulência e dureza intencionais – contrastam fortemente com a delicadeza dos comentários abaixo. Não deixa mesmo de ser degradante contrastar as considerações abaixo com a agressiva rejeição política da família promovida pelo feminismo.


 *   *   *


A vida doméstica é um santuário cujos arcanos só podem ser desvendados pelos olhos daqueles que têm corações unidos por um profundo amor. Porque, a natureza humana sendo fatalmente constituída pelo concurso dos pendores pessoais ou egoístas e das propensões sociais ou altruístas, todos os nossos atos trazem o cunho do permanente conflito entre uns e outros, de que é teatro a nossa alma. As maiores Santas não podem evitar semelhante fatalidade, como o evidenciam as tentações que não cessão de perturbar os seus esforços de contínuo aperfeiçoamento. Mas o amor supera tanto mais dificilmente as sugestões do individualismo, quanto mais revolucionária é a situação social que se teve por sorte. Nessas épocas calamitosas, as regras da conduta se acham mais ou menos profundamente alteradas em todos, mesmo nos que se julgam fiéis às crenças religiosas mortalmente feridas. Em vez de normas ligadas por um sistema, cada um não possui então senão opiniões insuficientes ou preconceitos desconexos e expostos a todas as sugestões da personalidade. De sorte que nada é mais fácil então do que o extravio de um sincero altruísmo.

É esta situação social e moral, – inevitável enquanto não se restabelece a unidade religiosa, – que determina todas as lutas da vida humana, pública ou privada. A existência pública, quer cívica, quer internacional, exigindo uma participação superior da atividade e da inteligência, torna então os choques mais rudes, e a intervenção do altruísmo mais difícil para moderá-los. Na existência doméstica, porém, o predomínio do sentimento sendo imensamente maior, a simpatia pode evitar mais os atritos; e, quando eles se dão, atenuar e anular mesmo as suas reações. Com efeito, a certeza de uma afeição profunda e mútua bem como de uma sincera estima recíproca espontaneamente assegura a todos que cada um julga então proceder conforme as aspirações do mais puro amor de que é capaz. De sorte que só resta imputar a erros fatais de apreciação as injustiças e os descuidos de que porventura se é vítima.

A moral positiva nos patenteia hoje que os extravios do espírito são, mesmo em tais casos, devidos muitas vezes à inconsciente reação da personalidade[2]. O catolicismo já tinha apanhado semelhante verdade, embora através das ilusões teológicas relativas à nossa natureza moral. A Religião da Humanidade vem pois sistematizar cientificamente os hábitos de humildade instituídos pelo regime medievo, tornando-nos atentos às ciladas das nossas propensões egoístas. Mas, por outro lado, a mesma Religião consolida igualmente a tendência vulgar a interpretar simpaticamente o procedimento dos entes que nos são mais caros. Porque nos mostra a impossibilidade do altruísmo superar o egoísmo sem as luzes que só podem provir da evolução coletiva, e que se tornam extremamente vacilantes nas épocas de dissolução religiosa.

A Moral só conseguiu, porém, tornar-se uma ciência positiva, justamente depois que o nosso Mestre consumou o seu surto[3] altruísta, graças ao amor inspirado pela sublime grandeza de Clotilde. A concepção científica da nossa alma só atingiu a sua forma definitiva em 4 de janeiro de 1850; e, desde então, a verdadeira natureza dos pendores benévolos foi ficando cada vez mais bem caracterizada. Na Síntese Subjetiva, escrita em 1856, o nosso Mestre formulou esta conclusão: “Todos os sofismas do orgulho não podem impedir o espírito positivo de reconhecer que toda revolta emana dos impulsos pessoais” (Síntese Subjetiva, p. 16).

Semelhante verdade é tão incontestável como o princípio que toda estimulação a alimentar-se provém do instinto nutritivo. O altruísmo intervém em tais casos apenas para determinar o inteligência a julgar da conveniência ou inconveniência simpática da inspiração egoísta. Porque, à vista da nossa organização e da nossa situação, a existência humana exige o concurso permanente dos instintos individuais com as propensões benévolas. Donde resulta que a virtude não consiste na anulação dos pendores egoístas, e sim na sua conveniente subordinação contínua ao amor.

Portanto, na época que estamos considerando[4], as melhores almas[5] mesmo se viam na fatal contingência de sofrer inconscientemente as reações da personalidade em um grau que o conhecimento positivo da nossa natureza teria impedido. Essa circunstância serve sem dúvida para realçar ainda mais a grandeza moral das naturezas superiores e patentear o alcance espontâneo do altruísmo delas. Mas a apreciação de cada conduta se torna assim mais melindrosa, em conseqüência da dificuldade de reconhecer que o procedimento foi sempre o mais altruísta que as condições de cada um comportava. E, por outro lado, ficaram possíveis erros e equívocos tanto mais dolorosos, quanto o esclarecimento da situação, de modo a permitir o restabelecimento da concórdia anterior, exigia condições que só o tempo permitiria realizar e de que uma morte prematura[6] frustra tão comumente!

(Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 451-453).



[1] Na transcrição abaixo mantivemos a pontuação original, mas atualizamos a grafia.

[2] A “personalidade”, neste trecho (como também adiante), tem o sentido de individualismo ou egoísmo.

[3] “Surto”, aqui, significa “desenvolvimento”.

[4] A época em questão é a década de 1840 na França.

[5] A expressão empregada por Teixeira Mendes é um pouco abstrata, mas ele refere-se em particular a Augusto Comte e a Clotilde.

[6] A “morte prematura” é a de Augusto Comte, em 5 de setembro de 1857, em que ele não conseguiu dar continuidade a inúmeras reflexões sociais e morais anunciadas, em particular para os volumes 2 a 4 da sua Síntese subjetiva; mas, bem vistas as coisas, a morte prematura também pode ser entendida como a de Clotilde, que faleceu em 5 de abril de 1846.