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22 maio 2010

Propaganda antecipada, cultura política e república

O texto abaixo foi publicado no jornal curitibano Gazeta do Povo de 20 de maio de 2010; pode ser consultado diretamente por aqui:

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1004919&tit=Propaganda-antecipada-cultura-politica-e-republica

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Três anos atrás, víamos que nos Estados Unidos a campanha eleitoral que escolheria o sucessor de George W. Bush iniciara-se mais de um ano e meio antes das eleições: já no Brasil a campanha só pode começar seis meses antes. Por que a diferença?

Nos dois países os valores em jogo são a consideração de que todos os cidadãos podem, em princípio, concorrer a todos os cargos em igualdade de condições e em ambientes livres (sem impedimentos socioinstitucionais). O que muda em cada caso é que nos Estados Unidos valoriza-se mais a liberdade de associar-se e difundir as ideias dos candidatos; no Brasil valoriza-se a igualdade de condições da disputa, procurando-se evitar que o poder econômico de alguns ponha em desvantagem os economicamente menos privilegiados, mas cuja participação, pelo simples fato de serem cidadãos, é considerada tão importante quanto a dos demais.

Não vem ao caso tratar do acerto da escolha brasileira: aceitemo-la e consideremos o que se pratica no país. O que se pratica? A afir­­ma­­ção despudorada, ainda que cautelosa, da força do poder políti­­co e não do poder econômico: são os grupos no poder que têm maior possibilidade de propaganda antecipada, transformando a administração pública em palanques eleitorais em nome do “povo” (Mas não consideramos aqui que os programas sociais em voga são “eleitoreiros”: afinal, o Brasil apresenta problemas sociais muito sérios, que exigem atitudes que se dirijam diretamente aos grupos excluídos; é natural que os políticos que satisfaçam essas necessidades terão apoio popular).

O que interessa aqui é o seguinte: o desrespeito à legislação que proíbe a propaganda antecipada afeta de que maneira a cultura política brasileira? A resposta direta é: esse desrespeito fragiliza a nossa “república”; essa fragilização não é somente uma consequência indireta, mas também é um resultado intencional de vários políticos.

Enquanto a democracia pode ser definida grosso modo como a afirmação da “soberania popular”, a república pode ser entendida como o conjunto de instituições políticas que organiza os cidadãos em sua vida coletiva. Essas instituições têm de ser legítimas, isto é, consideradas aceitáveis e representativas da vontade do conjunto dos cidadãos; além disso, elas têm de ser minimamente eficazes, no sentido de que consigam identificar as demandas sociais e dar soluções para elas.

Ora, o que se vê é que o desdém pelas instituições políticas brasileiras é cada vez mais a regra, mesmo apesar do afirmado apoio de vários grupos e partidos políticos às instituições republicanas. Na verdade, pode-se considerar com seriedade que esse apoio é a compensação retórica para o desrespeito prático. Daí se desenvolve um sistema de hipocrisia que a população reconhece com facilidade: não são casuais o desânimo e a apatia políticos manifestados atualmente.

O problema vai além, pois as outras instituições responsáveis pela saúde política da república, ou são omissas ou, quando fiscalizam, são mais e mais achincalhadas. Os exemplos mais dramáticos são a imprensa, o Tribunal Superior Eleitoral e o Ministério Público: de maneira hipócrita e demagógica, todas as investigações que tais órgãos fizeram nos últimos meses foram desqualificadas, ridicularizadas e afirmadas como “perseguição partidária”. O mais clamoroso exemplo, para o que nos interessa, é o desdém do presidente Lula às (raras) multas que o TSE aplicou-lhe pelo desavergonhado uso eleitoral da propaganda institucional.

Repitamos: esse desrespeito sistemático tem efeitos na cultura política nacional, no sentido de estimular a apatia. Para evitar isso, a vida política tem de ser entendida como mais ampla que a atividade partidária, incluindo principalmente o controle do público sobre o Estado. Assim, o apoio popular às investigações do Ministério Público e à cobrança de que o TSE multe com rigor as propagandas eleitorais antecipadas é uma forma republicana e efetiva de participação política.

13 dezembro 2009

Chico Alencar: A corrupção não é culpa do "sistema"

Caros amigos:

Vejam o discurso abaixo do Dep. Chico Alencar, enviado por um amigo do Rio de Janeiro. O Deputado argumenta que a corrupção que vivemos não é culpa do "sistema", mas das pessoas e, acima de tudo, dos valores que permitem, aceitam ou toleram as práticas criminosas e antirrepublicanas. Além disso, o Deputado critica - coberto de razão - que não adianta pôr a responsabilidade pelas canalhices em uma abstração chamada "sistema político", que deveria ser modificada, fazendo-se abstração dos motivos pessoais e dos valores que orientam as pessoas.

Embora o Chico Alencar seja da extrema-esquerda de origem marxista, nesse discurso ele apresenta-se radicalmente positivista: afinal, para o Positivismo não faz sentido, não é razoável querer mudar as instituições antes ou no lugar da mudança dos valores. A crise que vivemos não é "institucional" , ela é ética no sentido mais profundo; o que faz uma república algo "republicano" não são as instituições, mas os valores e as práticas dos cidadãos.

Gustavo.

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http://www.chicoale ncar.com. br/chico2004/ chamadas/ pronuncs/ pronunc20091203c .htm


A culpa não é só do sistema

Virou costume se dizer que todos os escândalos de corrupção acontecem por causa do sistema político e da falta de uma reforma profunda nele. Sim, o sistema político-eleitoral brasileiro, mantido intacto tanto na era FHC quanto no período lulista, instituiu uma espécie de "democracia empresarial" e de "eleições de negócios". Nós, do PSOL, repetimos sempre que os partidos são, com poucas exceções, ajuntamentos de interesses difusos para fruir das benesses do poder, viabilizando aumento de patrimônio de suas figuras mais importantes. Adesistas sempre, com programas que servem apenas para encher papel. Por isso, cada vez mais, incidem pouco ou nada no dia a dia das pessoas, anestesiadas pela despolitização galopante. A não ser quando, com suas malfeitorias reveladas, os "políticos", ancorados nos seus partidos, provocam indignação cidadã, como a que move, neste momento, os que ocupam a Câmara Legislativa do Distrito Federal, protestando contra o detrito federal que ali, e nas instâncias do Executivo, se produz. Os mandatos são meios de vida e não serviço, representação.
Todas estas distorções são amparadas pelo modelo político vigente, é verdade. As doações ocultas de campanha, que poderiam acabar na recente mudança da legislação eleitoral aqui votada, foi mantida. Mas há uma base essencial, de caráter, que também responsabiliza os indivíduos que ingressam na vida pública por seus delitos. Afirmar que tudo vem do "sistema" pode contribuir para a minimização dos crimes e para a praga alastrada da impunidade. Há aqui, sr. presidente, parlamentares que, apesar do sistema, não se deixam corromper. O "todo mundo faz" ou o "é da nossa cultura" ou mesmo o "só com Reforma Política", que eu mesmo tanto reitero, acabam sendo leniência, senão cumplicidade, com esses desvios que abalam a República, e que precisam acabar. Quem os pratica não é inocente presa de um sistema perverso: é mau caráter mesmo! Nenhum sistema político, por mais viciado que seja, obriga a pessoa a ser desonesta e dar as costas ao interesse público.
Nessa linha, transcrevo aqui a coluna de Dora Kramer, publicada hoje em vários jornais do país, e que aborda esta questão com muita propriedade:

Responsável de plantão

Quando o primeiro escândalo de corrupção do governo Luiz Inácio da Silva emergiu das imagens de Waldomiro Diniz, então braço direito do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, extorquindo o dito empresário Carlos Augusto Ramos, também conhecido como o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de imediato todas as vozes se levantaram em defesa de uma reforma política "profunda".
A tese por trás da proposta era a de que a culpa é do sistema político, eleitoral e partidário daninho. De lá para cá, repete-se a mesma cantilena a cada novo caso escabroso de corrupção, conferindo-se à reforma política o status de solução de plantão para todos os males.
Por esse raciocínio, o "sistema" é que seria o grande corruptor de pessoas inocentes, cujo desejo de governar para fazer o bem só se realiza ao custo da adesão à realidade nefasta fazendo política com as mãos sujas, não obstante o coração permaneça imaculado. Seria o preço a pagar.
Essa lógica sustentou o discurso de quem queria uma justificativa para apoiar a reeleição de Lula, mas não tinha coragem de dizer que estava pouco ligando para a ética. Esta servira como bandeira de oposição, mas atrapalhava a execução do projeto de poder.
Isso no caso do PT. Nos partidos que não haviam feito nenhum trato explícito com a ética na política, nem se apresentam justificativas. Muito embora também se agarrem com veemência na defesa da reforma política na hora em que a assombração transita por seus terreiros.
Depois da manifestação espontânea ao modo de Pôncio Pilatos - "as imagens não falam por si" -, orientado por sua assessoria sobre a ultrapassagem do limite do aceitável, o presidente Lula passou a considerar "deplorável" o que todo mundo viu sobre as atividades da quadrilha que atuava no governo de Brasília.
E, claro, atribuiu tudo à ausência da reforma política, acrescentando desconhecer as razões pelas quais ela não é aprovada. Levantou, porém uma suspeita: "Provavelmente porque os parlamentares seriam afetados pelas mudanças".
Para um gênio da política, Lula se mostra um tanto ingênuo. E esquecido. O primeiro enterro da reforma, ainda no primeiro mandato, ocorreu porque os partidos de sua base trocaram o arquivamento por votos a favor do projeto - fracassado - da reeleição do então presidente da Câmara, o petista João Paulo Cunha.
O funeral seguinte deu-se agora em 2009 pela conjugação de interesses dos partidos do governo e da oposição que, no lugar da reforma, aprovaram uns remendos que facilitaram sobremaneira o uso do caixa 2 e encurtaram os prazos para punições, na prática impedindo cassações de eleitos, inclusive os deputados de Brasília agora pegos com as mãos imundas na botija.
Isso quer dizer que o defeito primordial não é das regras - de fato defeituosas - é da deformação das pessoas, da permissividade geral e da impunidade de que desfrutam.

Agradeço a atenção,
Sala das Sessões, 03 de dezembro de 2009.

Chico Alencar
Deputado Federal, PSOL/RJ

28 janeiro 2009

Ele é meu e não abro!

Mudando um pouco o foco do blogue, publico trechos de um artigo escrito pela socióloga carioca Vânia Leal Cintra contra a reforma ortográfica que passou a valer em 1° de janeiro de 2009. Como ela, parece-me injustificável e inaceitável essa mudança.

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Só os que se recusam a calcular a dimensão das conseqüências dos atos insanos do atual Governo me dirão que estou errada!
Senhores e Senhoras, estou lhes pedindo a atenção, a consciência e uma conduta coerente.
Alguém poderia nos dizer de repente que a pauta musical, as claves ou as colcheias são desnecessárias para que se escreva e se leia música e, por isso, por decreto, poderia pretender eliminá-las em determinada região do mundo? Por certo que não. Pois como alfabetizar em português desprezando-se a correspondência entre um som e seu símbolo gráfico?
O texto que repasso abaixo “brinca” com o banimento do trema. Mas demonstra sobejamente o absurdo da atitude de submissão absoluta às conjunturas assumida pelos membros da ABL, que aprovaram e incentivaram a "reforma" ortográfica; e reafirma a imbecilidade absoluta do Governo brasileiro, mais uma vez comprovando-se que ele é composto por semi-alfabetizados que tocam de ouvido, a começar pelo Presidente [...].
No que depender de mim, ninguém nos mata ou rouba o trema. Ele é patrimônio intelectual nacional, é parte de nossa língua escrita e falada. Hei de usá-lo e defendê-lo até a morte! Mas quem sou eu para ser garante de algo, ainda mais agindo sozinha? Defender esse patrimônio não só é um direito meu e é meu dever, como é um direito e um dever nossos, dos brasileiros todos, um direito inalienável, um dever impostergável.
Se o trema é imprescindível à nossa língua, o K, o W e o Y são signos que puderam ser inteligentemente banidos de nosso alfabeto por serem desnecessários. Uma das razões que exigem novamente a sua incorporação é a grafia, agora tornada “oficial”, dos nomes de tribos [...]. E, assim, concordamos com ressuscitar o que morto e enterrado já estava, e falta nenhuma nos fazia, para que essa gente possa, além de nos impor seus “direitos” duvidosos, impor-nos sua linguagem curta e rudimentar, artificialmente remontada para que pudesse ser reconhecida como “tradicional” em seus grupos, em nossos mapas, que passam a mostrar territórios com nomes “internacionais”, e em nossos livros escolares.
Há, no entanto, uma outra razão ainda, bastante pragmática e maldosa, para que o K, o W e o Y tenham sido recuperados. O raciocínio e também as reações são estimulados por sensações, portanto, são estimulados por palavras que possam ser ouvidas e por imagens que possam ser vistas. Do Natal sob a neve ao peru devorado em ação de graças, do automóvel em impecáveis auto-estradas aos personagens de filmes e livros de ficção ou pseudo-história real, do alimento infantil ao sabonete, das placas de descontos e promoções às de entrega em domicílio, tudo vem sendo empurrado goela abaixo do brasileiro como se ele nunca pudesse ter falado desde sempre o português ou ter vivido desde sempre no Brasil. Observamos ainda que as marcas comerciais de produtos que consumimos são, em sua maioria, estrangeiras, que muitos deles são importados, e que, na propaganda que deles se faz, dos insumos, das técnicas e dos processos de sua fabricação, tudo goza do livre direito de ser grafado em inglês e a pronúncia original se mantém.
Vivemos como se nós fôssemos a ficção e a propaganda fosse a realidade. Cada vez mais sentimos a necessidade de “ler no original”... o que cada vez mais nos entorpece a capacidade de criar e de criticar. Os nomes dos produtos e dos responsáveis por eles, cheios de Ks, Ws e Ys, que nenhum glamour possuem na língua original, mas sim, nela, têm significado objetivo e são plenos de sentido, transformam-se em palavras mágicas, de sentido misterioso e, por isso, sejam materiais ou intelectuais, por piores que sejam, esses produtos fascinam o consumidor nacional. Os sons que os anunciam são ininteligíveis à maioria da população. Os ambientes em que são apresentados são irreconhecíveis. Mas o efeito desse conjunto é irresistível. Que benefício isso nos traz? Nenhum. A nada isso atende senão aos interesses comerciais e laborais estrangeiros. Facilitando, inclusive, que as embalagens e as mesmas propagandas sejam também importadas, ou seja, facilitando que haja cada vez menos postos de trabalho no País. Não há perguntas, não há mais dúvidas. Não há necessidade de argumentos, de explicações ou de comprovações. E cada vez menos são requeridas palavras para convencer. O que cada vez mais desestimula o raciocínio lógico, e escancara o caminho a que nunca sejam ponderados os motivos que justificam o avanço de toda gente estrangeira, a quem sempre nos submetemos, sobre nós, e que todos esses motivos, por mais fúteis ou mais sórdidos, sejam aceitos sem questionamento. As imagens nos bastam, são “bonitas” e, portanto, a “essência” delas nos deve “fazer bem”.
Que língua, afinal, nossas crianças estarão aprendendo a ler, a escrever e a falar? Que língua ampara seu crescimento intelectual? Em que ambiente estão sendo treinadas a sobreviver? Que valores estão sendo induzidas a adotar?
Nesse ponto se inaugura o processo que nos leva a encontrar a submissão como um fato natural.
Da mesma forma que deveríamos defender o trema com unhas e dentes, ninguém nos deveria obrigar a utilizar um K em lugar de QU, ou, muito menos, um W em palavras em que seu som seja um U ou aceitar um Y intrometido em nossas palavras. Meu próprio nome poderia ter sido registrado com W inicial, tal como muitas Wanias têm os seus. Mesmo tendo muita simpatia pelas questões e pelos "direitos" das chamadas “minorias” ou tendo muito fascínio pela excelência da produção dos povos ditos mais desenvolvidos, ninguém será capaz de chamá-las de Uania por isso. Quando os pais de uma criança resolvem registrá-la com nomes estranhos ou quando o escrivão encarregado do registro de nascimento de alguém resolve inventar e “enfeitar” um nome próprio, com um ph, por exemplo, reconhecemos esse ato como uma invenção tola ou como pernosticismo. Mas isso não afeta o conjunto da Nação, pois estará restrito a um âmbito individual. O que não tem qualquer cabimento é aceitarmos que um signo único assuma dois sons diferentes numa mesma língua ou que um sinal inútil venha a competir com outros sinais já existentes e que se mostram suficientes, competição que apenas provoca mais confusão e cada vez menos saber.
O que hoje nos estão impondo com a “reforma” ortográfica não significa qualquer evolução, é apenas um retrocesso. E é um atentado contra nossa integridade. Em pouco tempo estaremos aceitando ler e escrever utilizando os símbolos do alfabeto fonético internacional. E nos comunicando apenas por monossílabos.
A linguagem é um valor nacional estrutural. Em vez de macular nossa grafia, de permitir que nossa linguagem seja sobrepujada por outra qualquer ou de aceitar que ela possa ser desnecessária a certos grupos étnicos ou insuficiente a certos grupos profissionais, deveríamos tratar de fortalecê-la, não permitindo que retrocedesse às condições do séc. XVI. Amanhã ou depois poderemos estar incorporando um Ñ facultativo ao abecedário porque alguns o consideram mais elegante, mais econômico ou mais “correto” ao dialeto das fronteiras. E por certo veremos ser eliminada a cedilha do C. Corremos, assim, o risco de colaborar com transformar o rico idioma de Camões, que tanto ajudamos a se desenvolver e a se impor no mundo, em um dialeto afro-indo-ibérico, um linguajar de “tribo”, absolutamente desestruturado, que nos diminuirá e nos desestruturará como Nação, impedindo, para júbilo daqueles que acreditam que os recursos do mundo existem para que sejam partilhados entre os poucos que demonstrem possuir e exercer mais poder, que defendamos o que a nossa história permitiu que fosse nosso e assim nosso deverá permanecer.
Senhores e Senhoras, estou lhes pedindo a atenção, a consciência e uma conduta coerente.
Não podemos permitir que tantas tolices que são verdadeiros crimes contra o patrimônio nacional se façam com nossa conivência, apostando nos resultados de nossa inércia.
É preciso que nos organizemos e entremos urgentemente com uma ação coletiva na Justiça contra essa "reforma" ortográfica estúpida.
Talvez caiba um Mandado de Segurança, não sei, não sou do ramo.
Mas quem puder que ajude, com seu saber e sua habilitação profissional, de alguma forma, o nosso País e todos nós, brasileiros, a nos manter de pé — em vez de apenas lamentar os prejuízos que vamos acumulando momento a momento, acreditando que a responsabilidade por eles não lhe cabe ou que, individualmente, estará a salvo deles. Não podemos mais permanecer assistindo coisas estúpidas acontecendo, conforme a vontade pretensamente “soberana” das autoridades governamentais, e a nos considerar impotentes sem que tenhamos ao menos tentado evitá-las ou revertê-las.
Só os que se recusam a enxergar a dimensão das conseqüências dessa "reforma" sobre a expectativa de manutenção e afirmação de nossa unidade e dos valores e recursos nacionais poderão me dizer que estou errada!
Ou aqueles a quem nada disso importaria.
Vania

04 janeiro 2007

Valores republicanos e a estátua de Benjamin Constant


Toda sociedade tem seus símbolos e seus heróis míticos e, apesar do que alguns importantes políticos (e mesmo intelectuais) têm dito, precisamos deles. Muitas vezes esses “heróis”, da maneira como são percebidos, não correspondem aos fatos históricos, mas sua importância reside nos valores que transmitem, ou melhor, nos valores que despertam e atualizam em cada cidadão, em cada membro da sociedade.

A despeito das bobagens que se falou a respeito dos símbolos míticos, durante o século XX no mundo e particularmente a partir da década de 1980 no Brasil, todos precisamos desses “heróis”, pois são eles que nos inspiram, que “dizem” quem somos e quem desejamos ser. É claro que não são os símbolos, os mitos, os heróis que nos “dizem” essas coisas; no fundo, é a sociedade, é o que alguém já chamou de “consciência coletiva” que nos diz tudo isso.

Cada tipo que cultuamos indica traços de nós mesmos; ao vermos certas características em alguns tipos, estamos dizendo que elas são-nos importantes. Por outro lado, a maneira como lidamos com esses símbolos também indica o apreço ou desapreço que temos por alguns valores.

Em uma época em que se descobre que o “mensalão” é uma prática política corrente e semi-institucionalizada; em que o partido que supostamente seria o “bastião da ética” revela-se fraudulento, o tratamento dispensado pela cidade de Curitiba à estátua de Benjamin Constant revela-se pleno de sentido.

Essa estátua homenageia, na principal praça de Curitiba, o fundador da República do Brasil. Ela compõe-se de três níveis: no superior há uma estátua da República, com a imagem mítica de Marianne carregando o pendão nacional; no nível intermediário está uma estátua de corpo inteiro de Benjamin Constant e, na base do monumento, estão altos-relevos dos participantes do movimento fundador da República, juntamente com máximas políticas republicanas: “Ordem e Progresso”, “A sã política é filha da moral e da razão”, “Viver às claras” – todas elas mais ou menos esquecidas e, como não poderia deixar de ser, mais necessárias do que nunca.

Ora, as “críticas históricas” – da direita e da esquerda; dos marxistas, dos liberais e/ou dos católicos, em seus variados matizes – gostam de indicar um caráter golpista da parte de Benjamin Constant ao proclamar a República no alvorecer de 15 de novembro de 1889; ao fazerem-no, procuram desmerecer não apenas o regime então inaugurado (no caso da esquerda, em favor de alguma variante do socialismo), como também seus valores fundamentais (em favor de todos os críticos). Em nome da melhoria das condições de vida do proletariado e de sua incorporação à sociedade, alguns adotam por modelos Che Guevara, Fidel Castro e outros, propondo impor o progresso às custas de qualquer ordem social, sacrificando inclusive a liberdade. Outros, por sua vez, abandonam o proletariado à própria sorte em nome de um liberalismo laissez-faire ou, ainda, combatem o progresso identificando-o ao comunismo. A bem da verdade, o discurso esquerdista – bem como seus símbolos – é o que prevalece hoje, como bem o demonstram os discursos do progresso revolucionário (afinal, “todos temos que ser revolucionários”, não é mesmo?) e da luta de classes (qual escola não ensina, de acordo com os parâmetros (semi-)oficiais, que “o motor da história é a luta de classes”, nas disciplinas de História?), além da mitificação dos seus símbolos (Olga Benário Prestes, Antônio Gramsci e o já citado e onipresente Che Guevara).

Esses valores – que consagram a disputa entre a ordem e o progresso, à direita ou à esquerda – são os mesmos que permitem e justificam que os símbolos fundadores e o projeto da República brasileira sejam mal-preservados e desrespeitados. O projeto de Benjamin Constant era o de unir a ordem ao progresso: não a ordem dos cemitérios ou das baionetas ou mesmo de uma propriedade privada absoluta e irresponsável; nem, por outro lado, o progresso liberticida ou anárquico. Esse projeto era de um regime de liberdades individuais e coletivas, de responsabilidade social (exatamente no sentido que se confere hoje a essa expressão) e de subordinação da política à moral (isto é, de ética pública). O regime proposto, defendido e, enquanto viveu, praticado por Benjamin Constant pautava-se pelas liberdades de discussão e associação, de respeito escrupuloso à coisa pública (“res publica”) e ao bem comum, de permanente abertura ao escrutínio público (e, diga-se de passagem, de não-enriquecimento da parte dos agentes políticos enquanto agentes políticos).

Como dissemos no início deste artigo, a maneira como um povo cuida de seus símbolos revela bem os seus ideais, suas perspectivas e suas esperanças: a estátua de Benjamin Constant em Curitiba é completamente mal-conservada (tanto pela “elite” como pelo “povo”; tanto pela direita quanto pela esquerda): suja, pichada, com excrementos, defecações e fogueiras em sua base; além disso, tem exatamente à sua frente uma luminária e, atrapalhando sua contemplação, copas de árvores mal-aparadas.

O respeito que (não) prestamos à República e aos seus valores não poderia ser mais emblemático.