Em 2019 essa tese deverá ser publicada como livro pela Editora da UFPR.
http://www.tede.ufsc.br/teses/PSOP0369-T.pdf
O resumo da tese é este.
A pesquisa visa a expor e a explicar os principais traços da
teoria política de Augusto Comte, considerando em particular seu projeto de
república. Para isso, é necessário compreender o caráter sistêmico de tal
pensamento, que implica que o todo precede as partes e que cada aspecto é
ligado a todos os demais; assim, aplicando essa regra ao que Augusto Comte
chama de “natureza humana” e à própria história humana, o que podemos chamar de
“teoria política comtiana” é somente um aspecto de um pensamento englobante que
abarca a inteireza da realidade humana.
Isso nos conduz a um novo princípio para compreendermos as
idéias de Comte: o “englobamento de contrários”, conforme definido por Louis
Dumont. Tal princípio consiste em que os valores sociais estabelecem ordens
englobantes, que indicam a importância relativa de cada elemento face ao
conjunto da sociedade; se o valor principal modificar-se ou alterar-se, a ordem
dele derivada também se modifica. Assim, o Positivismo estabelece um princípio
geral: o mais nobre modifica o mais grosseiro ao submeter-se a este; esse
princípio é de caráter epistemológico, social e político e é completado por um
par conceitual: “objetivo” e “subjetivo”. A combinação desses elementos resulta
que o mais geral precede lógica, teórica e politicamente o mais específico,
seja em termos humanos (subjetivos), seja em termos cosmológicos (objetivos); a
essas oposições, especialmente na ordem humana, acrescenta-se outra:
masculino-feminino, que pode ser convertida para intelectual/prático-moral/afetivo.
Esses pares de oposições geram duas ordens gerais e englobantes de
classificação: uma “oficial”, baseada em aspectos materiais, presentes e
objetivos (políticos e econômicos), e outra “subjetiva”, baseada em aspectos
espirituais e passados e futuros (intelectuais e morais).
Em termos metodológicos, como nos propomos a levar em
consideração a lógica interna do pensamento comtiano, baseamo-nos nos conceitos
elaborados por Mark Bevir: “tradições”, “dilemas” e “agência humana”. Grosso modo, eles referem-se
respectivamente às correntes de pensamento que informam as idéias de alguém; as
diferentes idéias que resultam em dificuldades que cada qual tem para
confrontar ou para acomodar às suas próprias idéias na vida adulta; as
capacidades e a liberdade individuais para criar novas formas de pensar e de
organizar as idéias. Aplicando essas categorias analíticas a Comte, o resultado
é o seguinte: as tradições que o informaram foram, de acordo com suas próprias observações, a dos “reacionários” (com Joseph de Maistre), a dos
“revolucionários” (com o Marquês de Condorcet) e uma terceira, chamada
genericamente de “positiva”, relacionada aos “enciclopedistas” (com Denis
Diderot); seus dilemas eram os diálogos que realizou entre essas tradições a
partir da terceira delas e, de maneira mais específica, a respeito dos
problemas políticos, sociais e filosóficos com que se defrontou a França após a
Revolução Francesa e, depois, com que o próprio Comte defrontou-se durante a
década de 1840, particularmente durante a II República francesa (1848-1851).
Antes e durante a apresentação das idéias políticas
comtianas, tratamos do ponto de vista teórico de alguns conceitos-chave tanto
para a Teoria Política contemporânea quanto para a de Comte: “política”,
“liberdade”, “igualdade”, “direitos e deveres”, “república”, “autoritarismo”,
“ditadura” e, last but not the least,
“democracia”. Após isso, apresentamos o projeto político positivista – nomeado
em referência à realidade social, isto é, como “sociocracia” –; em termos
gerais, esse projeto afirma que não há sociedade sem governo (nem vice-versa:
não há governo sem sociedade); o governo, por seu turno, pode ser de dois
tipos: espiritual ou temporal. A partir do “princípio de Aristóteles” – que
estabelece que a sociedade consiste na separação dos ofícios e na convergência
dos esforços –, o objetivo do governo é buscar a convergência dos esforços
parciais: o poder Temporal no âmbito material, prático, e o poder Espiritual no
que se refere às questões de idéias, valores e crenças. Além disso, enquanto o
poder Temporal é responsável pelas pátrias (“cidades”, “cités”), o poder Espiritual atua no âmbito da educação, unindo
entre si os cidadãos de cada cidade e as repúblicas do mundo inteiro.
As principais características das sociedades modernas,
republicanas, são estas: pacifismo, altruísmo, generalidade de vistas; acima e
antes de tudo, a estrita separação dos dois poderes (Temporal e Espiritual),
conjugando a liberdade espiritual (isto é, as liberdades de pensamento e de
expressão) com a ordem material (isto é, civil); ao mesmo tempo, deve ocorrer a
consolidação dos poderes sociais (ou seja, políticos e econômicos) com
afirmação das suas responsabilidades sociais, sob vigilância constante da
opinião pública. A partir de tais valores e medidas práticas, segue-se uma
detalhada e arrazoada relação de medidas específicas: transformação das grandes
Forças Armadas em gendarmarias; fragmentação livre e pacífica dos grandes
estados em pequenas unidades políticas; fim dos orçamentos teóricos
(teológicos, metafísicos e científicos); estabelecimento da “hereditariedade
sociocrática”; concentração do governo em um governante, seguida de um
triumvirato, com a redução do parlamento a funções apenas e estritamente
orçamentárias.
Palavras-chave: Teoria Política; englobamento de contrários;
república; Augusto Comte; sociocracia; poder Espiritual; poder Temporal;
liberdade.