24 maio 2021

Positivismo, uma oportunidade desperdiçada no Brasil

O período de maior atividade da Igreja Positivista do Brasil ocorreu entre 1881 (ano de sua fundação) e 1927 (ano de morte de Teixeira Mendes); nesse quase meio século, as propostas do Positivismo incluíram uma quantidade enorme de temas: política trabalhista, política indigenista, defesa da liberdade de pensamento, liberdade profissional, paz na América do Sul e na Europa, abolição da escravidão e incorporação do proletariado, fim da monarquia, proclamação e organização da República; combate ao racismo e à discriminação; proposta de uma liga ecumênica em favor da Humanidade; história do Brasil, história da Europa; teoria neurológica, teoria das ciências, teoria social, teoria política; história de Augusto Comte – e muitos, muitos outros assuntos. Em bem mais de 600 publicações – algumas delas com duas ou três páginas, muitas com centenas de páginas –, eles realizaram efetivamente a proposta comtiana, ou melhor, positivista de constituição de um novo poder Espiritual.

O Positivismo obteve grande sucesso no Brasil porque era uma filosofia e uma política que prometia e realizava a modernização (política, intelectual, social, institucional) do país; na conjuntura específica do século XIX, o Positivismo afirmava a importância intelectual e prática da ciência, bem como a afirmava a República e o fim da escravidão; tudo isso constituía, por si só, um projeto impressionante, mas, mais do que isso, resultaria em um legado que poderia ter grandes frutos caso os brasileiros quiséssemos preservá-lo.

O Positivismo afirma a importância da ciência mas é, ao mesmo tempo, uma religião; ele afirma a importância da ordem mas aspira ao progresso assim como, inversamente, busca o progresso mas não rejeita a ordem; afirma o primado da sociedade industrial e a relevância política da luta de classes, mas rejeita a violência e é favorável ao entendimento entre as classes sociais; afirma a sociedade positiva mas respeita as teologias e as metafísicas... como indicamos acima, isso e muito mais constitui as propostas positivistas, apresentadas em detalhes e aplicadas rigorosamente desde meados do século XIX no Brasil, mas principalmente no período entre 1881 e 1927. O comum dos políticos; o comum dos acadêmicos; o comum dos sacerdotes; o comum dos historiadores e dos filósofos vê todas essas oposições como sendo absolutas e inconciliáveis; com isso, rejeitam o Positivismo e a Religião da Humanidade, assim como rejeitam os esforços para mediar conflitos inerentes à vida em sociedade e à historicidade própria ao ser humano; essas diversas rejeições, por outro lado, é claro que quem as pratica vê-se beneficiado.

Conciliar a ordem com o progresso; conciliar o proletariado com a classe patronal; em uma época de primado da ciência manter uma religião e ainda respeitar as teologias e as metafísicas; respeitar o governo mas sem abdicar da possibilidade de supervisão política e moral sobre o governo e, inversamente, o governo manter a ordem pública sem jamais ofender as liberdades de pensamento e de expressão: essas e outras propostas exigem dos governantes e dos cidadãos um comportamento que é firme e seguro, mas ao mesmo tempo reconhece que a vida não aceita extremismos e que há muito tempo já ultrapassamos, ou já temos as condições históricas, morais e intelectuais para ultrapassarmos a violência, a intolerância, a censura. Enquanto a teologia e a metafísica baseiam-se no absolutismo filosófico e, historicamente, estiveram associadas ao militarismo, a positividade exige o relativismo e permite o pacifismo; assim, baseados no amor, isto é, no altruísmo, é possível conjugar pólos extremos que, até então, foram inimigos inconciliáveis. Ao mesmo tempo, muitos dos problemas cujas soluções já eram sugeridas pelos positivistas desde o final do século XIX ainda nos atormentam, mais de um século depois, ao mesmo tempo em que outros problemas com que temos que lidar atualmente poderiam ter sido evitados, ou diminuídos, caso a política positiva tivesse sido ouvida e praticada anteriormente: epidemia de consumo de drogas, violências contra as mulheres, miséria avassaladora e burgueses irresponsáveis, militarismo, violência urbana, conflitos insolúveis entre “progressistas” e reacionários.

Do final da década de 1920 (e até antes) até os dias atuais houve muitos outros movimentos sociais, políticos e intelectuais além do Positivismo; com raríssimas exceções, embora esses diversos movimentos criticassem uns aos outros, o que eles tinham (e têm) em comum é a negação de todos os demais movimentos, sejam aqueles que os precederam, sejam aqueles com que se defrontam em um dado momento. Embora digam falar em nome de todos, esses vários grupos falam apenas em seus próprios nomes, negando ou excluindo os demais grupos.

Não é por acaso que um dos traços principais da nossa sociedade – da nossa civilização, se considerarmos com atenção – é a “criticidade”; como dizem com um orgulho equívoco (e cínico) os marxistas, o “parricídio intelectual” sistemático foi alçado à posição de virtude intelectual e política elementar. Quem vem depois sempre nega quem veio antes; quem vem depois afirma que quem veio antes não era bom e, portanto, suas ações têm que ser desfeitas, negadas, rejeitadas. Restringindo-nos aos que vieram após os positivistas (ou melhor, após Miguel Lemos e Teixeira Mendes), não é isso que vemos e vimos com a “antropofagia” da “Semana de arte moderna”? Com a Revolução de 1930? Com o golpe de 1937? Com a redemocratização de 1946? Com o golpe de 1964? Com a constituinte de 1987-1988? Com a eleição do PT em 2002? Com o impedimento de Dilma em 2015? O atual Presidente da República não foi eleito com uma plataforma de “destruir tudo” (que, aliás, ele pratica com evidentes esmero e aplicação)?

Ora, os positivistas afirmavam a conjugação do progresso com a ordem e da historicidade com os avanços: não é por outro motivo que, por exemplo, a bandeira nacional republicana tem elementos de inovação, progresso e avanço (o círculo azul com o céu estrelado e a faixa branca com o belíssimo “Ordem e Progresso” em verde) em um fundo que já existia na bandeira imperial (o retângulo verde e o trapézio amarelo). Enquanto os positivistas afirmamos que os cleros teológicos deverão extinguir-se naturalmente, à medida que as populações forem emancipando-se das teologias (das suas promessas fantásticas e de suas punições fantasmagóricas), e, por isso, é-nos recomendado que contribuamos com a manutenção material desses mesmos cleros – para não morrerem de fome –, o que os cleros teológicos fizeram e fazem? Impõem a todo custo suas crenças, por meio do peso do Estado; perseguem todos aqueles que não compartilham de suas crenças. (E, por sua vez, os intelectuais, sempre “críticos”, ridicularizam o generoso voto positivista.) Enquanto os positivistas afirmamos que tanto os proletários quanto os patrícios são necessários para a sobrevivência material da sociedade, para a preservação e o aumento das riquezas, e que, portanto, é necessário que eles colaborem, que cada grupo perceba que tem deveres inalienáveis em relação ao outro grupo e ao conjunto da sociedade, o que é que liberais e marxistas fizeram desde sempre a respeito do Positivismo? De maneira muito característica e sugestiva, antes de mais nada ridicularizaram a noção de deveres mútuos – e, portanto, afirmaram a irresponsabilidade coletiva de cada grupo –; em seguida, cada qual afirmou seu próprio particularismo, seja na forma do “capitalismo selvagem” (e agrarista, no caso específico do Brasil), seja na forma da “revolução do proletariado”. Como todos sabemos, isso resultou em um século de conflitos políticos recorrentes e por vezes sangrentos; em uma burguesia profundamente irresponsável e sem sentimento de nacionalidade e em um proletariado enfraquecido, desmobilizado, paupérrimo mas com laivos revolucionários.

Procurando falar a todos os grupos e a todas as classes – ou seja, procurando aconselhar e orientar as idéias e os valores de todos os cidadãos –, os positivistas religiosos mantemo-nos rigorosamente fora dos governos; ao procurarmos manter a dignidade do poder Espiritual, queremos com isso termos condições de dirigirmo-nos a cada cidadão sem apelarmos para a força do Estado sem que ninguém tenha medo disso e, ao mesmo tempo, quando e se for necessário, possamos criticar a conduta pública (e até privada) dos governantes. Em nome dos interesses coletivos, afirmamos as responsabilidades mútuas de patrões e empregados, assim como afirmamos a importância de o Estado agir para desenvolver economicamente a sociedade, mas sem nunca, jamais, impedir as liberdades de pensamento e de expressão. Ao mesmo tempo que afirmamos que a ciência esclarece a realidade e que é uma base segura, respeitamos as crenças teológicas e metafísicas; sabemos que mais tempo, menos tempo, todos os seres humanos serão irmãos na Humanidade, a despeito das diferenças de classes e de nacionalidades, deixando para trás as crenças que tiveram sua importância histórica mas que não correspondem mais à realidade e às necessidades humanas: nisso tudo há o primado da paz, do respeito mútuo, da tolerância.

Com exceção dos positivistas, qual grupo pode dizer que propôs as idéias e colocou em prática os parâmetros acima? As ironias e os deboches que intelectuais (acadêmicos ou não) com tanta freqüência dirigem aos positivistas sugere não que a Religião da Humanidade esteja errada em suas propostas, mas, justamente ao contrário, que ela está certa – e que, portanto, é necessário ridicularizá-la. Católicos, marxistas, liberais – e, mais recentemente, também as feministas –: todos esses grupos falam apenas por si mesmos, rejeitam os demais, mantêm (quando não incentivam) os conflitos, negam a historicidade (tanto a continuidade quanto as inovações) e, se não fosse pouco, desejam a todo custo obter e manter o poder. Tudo isso é o oposto do Positivismo.

Entre 1881 e 1927, mas começando bem antes e avançando para bem depois, os positivistas propusemos (propomos) o progresso – com amor e ordem –; a sociedade industrial – sem exploração, sem revolução –; a paz – com dignidade, tolerância e respeito mútuo. Não há dúvida de que esses foram alguns dos elementos cruciais que justificaram a fama e a importância do Positivismo naquela fase. Mas o Brasil – e, de modo geral, o Ocidente – preferiu deixar de lado as propostas e as lições do Positivismo... para substituir pelo quê? Por nazismo, fascismo, comunismo, liberalismo radical, fundamentalismo teológico, irracionalismo, niilismo, individualismo hedonista e por aí vai.

É triste constatar: ao deixar de lado o Positivismo, o Brasil (mas também o Ocidente) desperdiçou uma oportunidade ímpar para resolver, encaminhar e/ou evitar muitos problemas sociais, políticos, morais, intelectuais que assolam nosso país. O Positivismo é mais um caso de oportunidade desperdiçada; mas se isso ocorreu no passado, não há motivo para que continue sendo assim; o Positivismo, a Religião da Humanidade permanece válido, útil, altruísta – em uma palavra, positivo. Cumpre-nos, com urgência, retomar essas propostas.

Folha de S. Paulo: "Auguste Comte e o amor em tempos de pandemia"

O artigo abaixo, publicado no jornal Folha de S. Paulo de 23.5.2021, é da autoria Maria Carolina Loss Leite. A autora, evidentemente feminista, erra em um sem-número de aspectos da Religião da Humanidade; ao cometer esses erros, a autora repete os preconceitos políticos e intelectuais provenientes tanto do feminismo quanto da academia.

A despeito dos preconceitos academicistas e feministas da autora, ela viu-se obrigada a admitir a justeza das perspectivas de Augusto Comte, em particular no que há de mais importante em sua obra: a afirmação do amor, a concepção de que o amor deve estar na base de tudo.

Isso é uma tripla confirmação do Positivismo e de sua capacidade de superar preconceitos e ódios: afetiva antes de mais nada, mas também intelectual e, juntando esses dois âmbitos, igualmente uma confirmação prática.

O original do artigo pode ser lido aqui.

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Antes de passar ao artigo, convém ilustrar um pouco os erros cometidos pela autora. A título de exemplo, podemos indicar dois. Como comentamos antes, são muitos mais erros originários de preconceitos intelectuais e políticos, todos eles permeados por desdém e ironia, mas não faria sentido indicar cada um deles.

O primeiro erro que queremos indicar funda-se em um preconceito academicista: a autora afirma que, para Comte, o Grão-Ser é a "sociedade"; nisso a autore atribui a Augusto Comte uma concepção metafísica de Durkheim, que é visto como o "continuador" de Comte no âmbito da Sociologia - o que, por sua vez, serve tanto para desvalorizar a obra do próprio fundador da Sociologia e do Positivismo quanto para criar e manter um esquema simplista mas útil a polêmicas academicistas. 

O segundo erro, já no âmbito do feminismo, consiste em que a autora repete o ódio feminista contra a concepção ao mesmo tempo generosa e realista de que as mulheres constituem o "sexo amante", preferindo que as mulheres sejam iguais aos homens especialmente em termos de violência e agressividade. Isso, aliás, vai na direção oposta da afirmação do amor, ou seja, em última análise, a negação do "sexo amante" é a própria negação do "amor por princípio"; nisso não há nem dignidade para as mulheres nem uma base regular para o amor.

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Auguste Comte e o amor em tempos de pandemia

Precisamos resgatá-lo antes que seja tarde

Falar de amor nos tempos tristes em que vivemos é necessário. Seja ele de qualquer forma, é sempre bem-vindo: do fraternal ao carnal. Por isso invoco o francês Auguste Comte, ou melhor, Isidore Auguste Marie François Xavier Comte. Considerado por diversos autores como o “pai” da sociologia por ter sido o primeiro a falar em estudar a sociedade do seu tempo, nasceu em 1798 e veio a falecer em 1857.

Para Comte, uma sensibilidade aliada ao amor transbordava em seus estudos ao ponto de sugerir a fundação de uma religião universal, considerando tanto os vivos quanto os mortos, haja vista que estes fizeram parte do mundo e deixaram seus legados. Chamava a sociedade de “o grande ser”.
Sua sociologia se baseou em um estudo na mudança dos corpos orgânicos —porque estes são vivos— e sociais. Foi o criador do positivismo, no qual projetava um pensamento do futuro baseado no passado. Colocado em uma fórmula, o positivismo poderia ser descrito como o amor aliado à inteligência mais a ação. O símbolo positivista era uma bandeira trazendo como figura central uma mulher.

O filósofo Auguste Comte
O filósofo Auguste Comte - Wikimedia Commons

Para criar suas obras, utilizou-se de esclarecimento, romantismo, racionalismo, empirismo, naturalismo (como o natural versus a história), desenvolvimentismo, holismo e relativismo. Seu lema, imortalizado, era “o amor por princípio, a ordem como base e o progresso como fim”. Percebia uma humanidade inserida em um todo e não apenas em uma sociedade, tendo, então, uma visão totalizante desta.

E aqui abro um parêntese sobre o amoroso Comte: apesar de pregar o amor, era contra qualquer tipo de emancipação feminina. Defendia que a igualdade dos sexos era incompatível e chamava a mulher de “sexo amante”, sendo o único exemplo de amor e devoção. Rompeu relações com seu amigo John Stuart Mill por conta de discordâncias em relação ao assunto. Mas isso já é outra história...

O lema de Comte foi parar em um dos grandes emblemas nacionais, atualmente tão desacreditado: nossa bandeira. Símbolo positivista brasileiro, possui a inscrição “Ordem e Progresso”, mas sem o “amor”. E, longe da ligação com o amor e do positivismo imaginado por Comte, sua criação se deu em meio à Guerra do Paraguai, sendo recentemente aproveitada como slogan em um governo após a retirada da presidenta Dilma Rousseff (PT) da cadeira do Executivo. Imagino como estaria Comte ao ver suas belas palavras e ensinamentos sendo utilizados não da forma como criou.

Lendo Comte, em meio a tantas desgraças, devemos acreditar que, com amor, muito luto e muita luta, poderemos trabalhar para atingir uma sociedade menos desigual. A sociedade atual vive em meio a um caos social, sanitário, econômico e ambiental, onde o ódio prevalece em diferentes tipos de pessoas.

Pessoas matam e morrem por conta do ódio disfarçado de liberdade de expressão. Estamos morrendo não apenas por um vírus letal, mas pela nossa insistência em acreditar que haverá um “normal”. Não haverá. Vidas se foram. Relações sucumbiram. Empregos sumiram. A fome voltou. E as pestes, também. Por isso, lembrar Auguste Comte neste momento me faz pensar: precisamos resgatar o amor o mais rápido possível. Antes que seja tarde demais...

17 maio 2021

Reflexões sobre um evento com marxistas ortodoxos

Há alguns dias eu participei de um debate à distância sobre “classes sociais no Brasil contemporâneo”.

A minha participação consistiu em afirmar que é necessário usarmos o conceito de classes sociais nas sociedades industriais, na medida em que as clivagens básicas dessas sociedades dão-se em termos de riqueza, ou seja, de classes sociais; todavia, é necessário deixar de lado o aspecto sublevador e destruidor – revolucionário, em uma palavra – que o marxismo associou a esse conceito. Ao mesmo tempo, para combater os particularismos tanto proletário do marxismo quanto, de modo mais atual, das propostas identitárias, é necessário retomar-se o conceito de república, com seu universalismo da cidadania.

Depois de mim apresentaram dois professores marxistas – bem entendido, marxistas ortodoxos. E aí eu fiquei espantado ao constatar como o marxismo pode ser extremamente sedutor e eficiente em termos retóricos.

A moralidade marxista é simplista e tende ao maniqueísmo (isso quando não é diretamente maniqueísta): o proletariado é bom mas é explorado, a burguesia é má e é exploradora. A sua promessa de solução dos problemas sociais oferece uma enorme esperança e sua “radicalidade” baseia-se também no seu simplismo maniqueísta, adicionando um elemento mágico: quando a luta de classes acirrar-se tanto e a tal ponto que ocorra uma revolução proletária universal, todos os conflitos sociais acabarão de uma vez por todas, a malvada burguesia exploradora deixará de existir e o proletariado deixará de sofrer e de ser explorado e poderá viver em paz e com dignidade.

É realmente espantoso que esse simplismo convença as pessoas. É claro que ele convence também porque, aparentemente, oferece “soluções” para os problemas que a maior parte das pessoas sofre; ou melhor, o marxismo oferece uma crítica moral, disfarçada de análise sociológica, que parece sugerir soluções para os problemas. Creio que é aí que reside muito da sedução marxista.

Mas, como observei, tudo isso é simplista e maniqueísta. Em termos individuais, isso nega, isso rejeita a noção de responsabilidade individual; ou melhor, reduz a responsabilidade individual ao maniqueísmo básico: ou ajuda o proletariado e revolução universal ou ajuda a burguesia, a dominação e a exploração.

Além disso, esse maniqueísmo afirma um universalismo proletário que nega a realidade dos países, das nações. Esse universalismo de classes ignora fatos básicos e acarretou conseqüências terríveis: por um lado, a lealdade nacional é um dos elementos mais básicos e mais fortes que une entre si os indivíduos nas sociedades; por outro lado, esse mesmo universalismo de classe provocou ou estimulou ou justificou, no início do século XX, violentas reações nacionalistas; além disso, o universalismo de classes sempre foi utilizado como desculpa para a manipulação internacional dos proletariados nacionais; por fim, as revoluções comunistas ocorreram ao redor do mundo com objetivos nacionalistas, muito mais que internacionalistas.

Mas o presente início do século XXI indica que existem vários outros problemas adicionais na crítica do internacionalismo de classes às lealdades nacionais, baseada no maniqueísmo marxista. Por um lado, por mais que se diga que o “capitalismo” – esse conceito profundamente metafísico – é internacional, o fato é que as disputas entre os países ocorrem em bases nacionais, não internacionais. Por outro lado, após a II Guerra Mundial o mundo organizou um sistema coletivo internacional de gerenciamento das crises políticas; um sistema imperfeito, não há dúvida, mas que minora muitos dos defeitos do anterior sistema baseado exclusivamente nos nacionalismos e em suas rivalidades mútuas; entretanto, como esse sistema coletivo surgido após 1945 não é proletário e, portanto, é burguês, esse sistema é visto como intrinsecamente ruim.

Além disso, as duas críticas acima reforçam por um lado uma perspectiva sociológica e moralmente particularista e, por outro lado, minam os esforços coletivos de coordenação dos assuntos internacionais: isso integra e/ou faz par, de pleno direito, ao particularismo nacionalista e identitário que elegeu Donald Trump como Presidente dos EUA, bem como inúmeros demagogos de extrema-direita mundo afora.

Por fim, considerando uma perspectiva um pouco diferente, o maniqueísmo marxista e seu universalismo proletário negam a possibilidade de projetos nacionais legítimos de desenvolvimento nacional, em que a responsabilidade pessoal esteja direcionada de verdade para o bem-estar coletivo (nacional e internacional) e para a melhoria das relações sociais. Em particular, a atual pandemia exige uma coordenação internacional, mas ela está sendo enfrentada em termos nacionais, o que é inescapável diga-se passagem; além disso, esse enfrentamento evidencia a importância de estados nacionais ativos, fortes, articulados e capazes de implementar com eficiência políticas públicas – no caso do Brasil, por meio do SUS e do Programa Nacional de Imunizações. Nada disso teria lugar ou é justificado pelo maniqueísmo marxista e por seu rasteiro universalismo proletário.

No evento de que participei, como o objetivo não era um expositor criticar as perspectivas dos outros, não me manifestei a respeito dessa série inacreditável de sofismas e simplismos morais, sociológicos, históricos e filosóficos. Mas, ao mesmo tempo, fico pensando em como seria difícil expor oralmente, em alguns minutos, essa série de raciocínios que expus por escrito acima.

Enfim, mais uma vez registro meu espanto: o público que assistia às nossas exposições era composto por jovens estudantes universitários, todos eles devidamente burgueses mas, ao mesmo tempo, muitos deles piamente convencidos desses sofismas marxistas.

(Cá entre nós, não é à toa que o atual Presidente do Brasil tem uma base fiel e fanática: são discursos igualmente superficiais, simplistas, maniqueístas, adotados por pessoas ávidas de discursos desse tipo. A diferença entre uns e outros nem ao menos é de classe social, mas de “âmbito”: como observei, o marxismo afirma-se internacionalista, ao passo que o atual “nacional-populismo”, ou (neo)fascismo, é resolutamente nacionalista e anti-internacionalista.)

Bate-papo com autores da Revista GETS

Na noite do dia 30 de abril de 2021 ocorreu um simpático evento chamado "Bate-papo com autores da Revista GETS". Essa revista, que é publicada pela Faculdade IBCMed, está lançando seu mais recente número (v. 3, n. 2) e, para celebrar esse fato, convidou os autores dos artigos para exporem, rapidamente, os conteúdos desses artigos.

Embora eu mesmo não tenha sido autor de nenhum artigo, o Prof. Ricardo Cortez Lopes - professor de Sociologia da instituição e Editor-Assistente da Revista - resenhou um dos meus livros (Comtianas brasileiras, editora Appris, Curitiba, 2018) e gentilmente me convidou para também falar desse livro.

O evento foi bastante agradável e várias das pesquisas expostas, além de interessantes, têm inúmeros pontos em comum, ou têm "ressonância", com o Positivismo. Entretanto, houve algumas dificuldades técnicas e o evento, que era gravado, não está disponível para compartilhamento.

Por esse motivo, o Prof. Ricardo soliciou aos autores que gravassem pequenos vídeos complementares, em um esforço para, na medida do possível, substituir a gravação que não é possível tornar pública.

Assim, o meu vídeo complementar está disponível aqui.

Para minha exposição, elaborei um pequeno roteiro, composto por definições do que o Positivismo é e do que ele não é; esse roteiro, elaborado com o objetivo de estimular a curiosidade e o debate, está reproduzido abaixo.

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Mitos sobre o Positivismo 

O Positivismo é:

  1. Uma religião secular, uma filosofia histórica, relativista e objetiva-subjetiva, uma prática humanista, pacifista, tolerante e includente
  2. “Real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico, simpático”
  3. Uma religião que afirma, regula e estimula o altruísmo inato (que, por sua vez, orienta e limita o egoísmo também inato)
  4. Uma afirmação da realidade humana e dos valores humanos
  5. Uma afirmação da historicidade humana e, portanto, do relativismo 

O Positivismo não é:

  1. Não é ateísmo
  2. Não é uma “teologia científica” (Religião da Humanidade)
  3. Não é um cientificismo nem um academicismo
  4. Não é um “naturalismo” (não reduz as Ciências Humanas às Ciências Naturais)
    1. Não é a favor da dicotomia entre “explicações” versus as “compreensões”
  5. Não é um “empiricismo”
  6. Não é ideológico
  7. Não é uma ideologia burguesa
  8. Não é militarista
  9. Não é uma afirmação do Estado totalitário nem da sociedade sufocante anti-indivíduo
  10. Não é otimismo ingênuo (“pensamento positivo”)




11 maio 2021

Frederic Harrison: "Novo calendário dos grandes homens"

O historiador e positivista inglês Frederic Harrison publicou em 1892 uma interessante e valiosa obra coletiva intitulada Novo calendário dos grandes homens (no original em inglês: The New Calendar of Great Men).

Escrito por dezenas de positivistas ingleses, ele apresenta notas biográficas de cada um dos tipos homenageados no calendário positivista concreto, que é o mais famoso dos dois calendários positivistas e que é popularmente conhecido como "calendário histórico".

Na verdade, essas notas não são propriamente biografias; na verdade, elas correspondem às ações e/ou às idéias realizadas por esses homens e mulheres ao longo de suas vidas e que justificaram sua inclusão no calendário positivista. Assim, além das notas biográficas, há estudos filosóficos, históricos e sociológicos correspondentes a cada um dos 13 meses do calendário positivista e que servem de introdução geral aos tipos de cada mês.

O resultado é impressionante. Lendo cada um desses estudos introdutórios e dessas notas biográficas, aprendemos muito - muito! - tanto sobre o Positivismo, sua filosofia da história e sua filosofia moral, quanto das centenas de homens e mulheres que fizeram, ao longo dos milênios, a Humanidade progredir, bem como dos contextos sociais, políticos, intelectuais em que eles viveram. 

Além disso, esse livro dá a medida da assustadoramente grande erudição de Augusto Comte, o fundador do Positivismo, da Sociologia, da Moral e da Religião da Humanidade.

Essa portentosa obra, valiosa, útil e válida ainda hoje, está disponível no portal Internet Archive, aqui.



10 maio 2021

500 postagens!

Com a postagem "Roteiro da exposição sobre o quinto mês dos calendários positivistas (César e Fraternidade)", o blogue Filosofia Social e Positivismo atinge a marca de 500 postagens! É um pequeno marco, que deve ser celebrado!

Ele começou em 4 de janeiro de 2007, com a postagem "Teorias sociais, violência e integração"; nesses mais de 14 anos, este blogue tem sido dedicado à difusão, à defesa e à aplicação do Positivismo. 

Esperamos que até agora ele tenha sido interessante e útil a todos; de qualquer maneira, está sempre aberto aos comentários e à participação de todos (desde, é claro, que sejam feitas com boa vontade, honestidade e espírito construtivo).